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O poder de investigação criminal do Ministério Público

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Academic year: 2018

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

RAFAEL LUIS RAMOS TEIXEIRA

O PODER DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FORTALEZA

(2)

RAFAEL LUIS RAMOS TEIXEIRA

PODER DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Monografia apresentada no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como parte dos requisitos para a obtenção da graduação em Direito Bacharelado.

Orientador: Samuel Miranda Arruda

FORTALEZA

(3)

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

R1p RAMOS TEIXEIRA, RAFAEL LUIS.

O PODER DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO / RAFAEL LUIS RAMOS TEIXEIRA. – 2016.

38 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Prof. Dr. SAMUEL DE ARRUDA MIRANDA.

1. Ministério Público. I. Título.

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RAFAEL LUIS RAMOS TEIXEIRA

O PODER DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚLICO

Monografia apresentada no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como parte dos requisitos para a obtenção da graduação em Direito Bacharelado.

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Samuel de Arruda Miranda (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________

Prof: Dr. William Paiva Marques Junior

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________

Profª: Drª. Beatriz Rêgo Xavier

(5)

A Deus.

(6)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais LUIS TEIXEIRA NETO (in memorian) e MARIA PERPETUA

RAMOS TEIXEIRA pelos esforços dedicados a minha educação.

A meus irmãos pelo apoio e carinho nos momentos de dificuldades.

Ao Professor Samuel Arruda por ter aceitado ser meu orientador.

Aos professores William Marques e Beatriz Xavier por ter aceitado compor a banca avaliadora desta Monografia.

(7)

“É muito melhor lançar-se em busca de

conquistas grandiosas, mesmo expondo-se ao

fracasso, do que alinhar-se com os pobres de

espírito, que nem gozam muito nem sofrem

muito, porque vivem numa penumbra

cinzenta, onde não conhecem nem vitória, nem

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RESUMO

O Ministério Público tem sua origem na França do Rei Felipe IV. No Brasil, esteve presente na maioria das Constituições. Antes da atual constituição era um órgão do Poder Executivo. Na atual Constituição adquiriu autonomia e outras garantias que fizeram com que esta instituição tenha um papel importante na sociedade, encarregada de iniciar a ação penal e garantir a defesa da democracia, da ordem jurídica e da sociedade. O seu poder de investigação teve uma forte oposição por faltar na atual Constituição norma expressa neste sentido. Utilizando-se da teoria dos poderes implícitos, o STF entendeu que o Ministério Público pode realizar diligências investigatórias desde que respeite alguns parâmetros.

(9)

ABSTRACT

The prosecutor's office has its origins in France‟s King Philip IV. In Brazil, was present in

most of the Constitutions. Before the current constitution was an organ of executive power. In the current Constitution has acquired autonomy and other guarantees that made this institution has an important role in society, responsible for initiating criminal action and guarantee the defense of democracy, law and society. Its power research had a strong opposition missing in the current Constitution express provision in this regard. Using the theory of implied powers, the Supreme Court ruled that the prosecution can conduct investigative actions provided that it meets certain parameters.

(10)

SUMÁRIO

1. INTROCUÇÃO………...10

2. A ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO………..11

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA..12

4. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988………...14

4.1 GARANTIAS INSTITUCIONAIS………...15

5. O PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO……….17

5.1 ARGUMENTAÇÕES SUSTENTADA ATRAVÉS DO MÉTODO DE

INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO E A FRAGILIDADE DOS MÉTODOS

INTERPRETAIVOS………...22

5.2 EXCLUSIVIDADE DA POLÍCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL………..25

5.2.1 PEC 37 –“A PEC DA IMPUNIDADE”……….29

5.3 A REDUÇÃO DO PROBLEMA AO SEU REAL OBJETO: “CONDUÇÃO DE

INQUÉRITO POLICIAL E REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS” –

DUAS SITUAÇÕESDISTINTAS………30

5.3.1 A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER INVESTIGATÓRIO DO

MINISTÉRIOPÚBLICO………..31

5.3.2 A PROVENIÊNCIA LEGAL DA FUNÇÃO INVESTIGATÓRIA…………...32

5.3.3 A COMPATIBILIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO

PÚBLICO A UMA FINALIDADE INTRÍNSECA………...33

5.3.4 O RECONHECIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DOS

PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO………...33

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS……….36

(11)

1. INTRODUÇÃO

Durante muitos anos o poder de investigação do Ministério Público foi questionado por tal prerrogativa não constar de forma expressa na Constituição Federal de 1988. Com isso, surgiram muitas interpretações e teorias para solucionar tal controvérsia. Nem mesmo o STF, quando passou a enfrentar tal problemática, tinha uma posição definida em relação a legitimidade do Ministério Público realizar diligências investigatórias.

Somente no ano de 2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu em plenário a legitimidade do MP para realizar investigações desde que respeitem a alguns parâmetros.

Através de uma pesquisa bibliográfica na área do direito Constitucional e Penal busca-se mostrar os fundamentos para denegação do poder investigatório do Ministério Público e a evolução das decisões das turmas do STF até a decisão de plenário.

Inicia-se com uma breve exposição do Ministério Público. Como surgiu, a sua presença ou não na história constitucional brasileira, suas funções e prerrogativas na Constituição Atual.

Em seguida, a partir de uma decisão do STF, mostra-se as teorias e argumentos favoráveis ou contra o poder de investigação do Ministério público. Neste ínterim, faz-se uma breve explanação acerca da PEC 37.

(12)

2. A ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Há controvérsias sobre as origens do Ministério Público. Alguns consideram ter ocorrido há mais de quatro mil anos no Egito onde textos descobertos em escavações mostravam que o funcionário real era a língua e os olhos do rei. Por isso, castigava os rebeldes, reprimia os violentos, protegia os cidadãos pacíficos, acolhia os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguia o malvado mentiroso, era o marido da viúva e pai do órfão, fazia ouvir a palavra da acusação indicando as disposições legais que se aplicavam ao caso e tomava parte das instruções para descobrir a verdade.

Os traços iniciais da instituição é demonstrada em vários outros órgãos ora encarregados de defender a população ou parte delas, ora encarregados de exercer a acusação

quando particular permanecia inerte.1 Porém, a origem mais usual é indicar a origem do

Ministério Público na Ordenança de 25 de março de 13022, de Felipe IV, o Belo, Rei da

França que impôs seus procuradores prestassem o mesmo juramento do Juízes, vedando-lhes que patrocinarem outro que não o rei.

Menciona-se que a Revolução Francesa teria estruturado mais adequadamente o Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias a seus integrantes; contudo foram os textos Napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer.

Rassat lembra que um decreto de 1790 deu vitaliciedade aos agentes do Ministério Público; todavia, outro decreto do mesmo ano dividiu as funções do Ministério Público entre dois agentes: um comissário do rei e um acusador público. O primeiro, nomeado pelo rei e inamovível, tinha por única missão velar pela aplicação da lei e pela execução dos julgados; era ele, ainda, que recorria contra as decisões dos tribunais. O acusador público, por sua vez, era eleito pelo povo, com o só encargo de sustentar a acusação diante dos tribunais. O verdadeiro papel de um e de outro era, porém, muito limitado, tendo havido vários retrocessos na época. Assim, foram os

1Gemeiner Anklager (literalmente “comum acusador”)

2 Cf. Mario Vellani, Il

pubblico ministero, cit., v. 1, t. 1, p. 23; Tourinho Filho, Processo penal, cit., v. 2, p. 290; Hélio Tomaghi, Compêndio, cit., v. 1, p. 376. Alguns, porém, mencionam a data de 23 ou 25 de março de 1303

(13)

textos napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França conheceu na atualidade (cf. Rassat, Le Ministère Public, cit., p. 31-5).

Ademais, é de se informar, que a expressão Ministério Público, segundo a

suposição de Mario Vellani, nasceu “quase inadvertidamente, na prática”, quando os

procuradores e advogados do rei falavam do seu próprio mister ou ministério, e a este vocábulo se uniu, “quase

por força natural”, o adjetivo “público”, para designar os interesses públicos que os advogados e procuradores do rei deveriam defender.

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL

BRASILEIRA

A posição do Ministério Público nas Constituições do Brasil tem sofrido alterações com o decorrer do tempo. Assim é que a Instituição já figurou como órgão do Judiciário e, quase sempre, como órgão do executivo, a exemplo do que aconteceu na Constituição de 1946. Em 1824, sob a égide do Imperialismo, não cuidou a Constituição em fazer referências ao Ministério Público.

A primeira constituição da República (1891) ainda não aludiu o Ministério Público como instituição, apenas fez referência à escolha do procurador-geral e a sua

iniciativa na revisão criminal pro reo. Entretanto, diante do descortino de Campos Salles, que

era o Ministro da Justiça no Governo Provisório, o Ministério Público passou a ser tratado como instituição no Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a justiça federal (todo o capitulo VI), o mesmo acontecendo com o decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890, que organizou a justiça do Distrito Federal.

No Brasil, até então, a função do Ministério Público, em sede constitucional sempre teve tímida conotação, restando à legislação infraconstitucional o papel de definir-lhe o perfil. Entretanto, a partir da Carta Política de 1934, a categoria guindada a categoria a de instituição, nos seus arts. 95 a 98 que traçam as normas gerais de sua organização. Recita o

art. 95 daquela Lei Maior: “O Ministério Público será organizado na União, no Distrito

Federal e nos territórios por lei federal e, nos Estados, pelas leis locais” Criou-se, a partir daí,

(14)

A Constituição Federal de 1937 (Estado Novo), também conhecida por Constituição “Polaca” manteve a posição do Ministério Público como auxiliar do Poder Executivo.

A Lei Fundamental de 1967 não se refere ao Ministério Público. Mas não o extinguiu ou alterou. Essa Carta tem por característica maior, ser de natureza autoritária. Retira as garantias da magistratura e as dos servidores públicos.

O Ato Institucional nº 05 de 1969 acabou com as garantias individuais e fechou o congresso. Não fala sobre o Ministério Público, que é, por isso, mantido nos moldes anteriores.

Na Emenda Constitucional nº 1/69, o Ministério Público era apresentado nos arts. 94 a 96 e pertencia ao Poder Executivo. O Ministério Público da União estava agregado ao Ministério da Justiça e, nos Estados, às Secretarias de Justiça. A verba orçamentária destinada ao Ministério Público dos Estados dependia de repasse que era feito por esta Secretaria. E as nomeações, promoções e aposentadorias dos membros da Instituição eram feitas pelo Poder Executivo. Como visto, até esta emenda, o Ministério Público era uma instituição fraca.

(15)

4. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O Constituinte de 1988 alterou substancialmente a natureza jurídica do Ministério Público, dando-lhe uma nova feição institucional.

Como bem assinala Arthur Pinto Filho:3 “Não se tratou de simplesmente alterar

uma instituição, mas de lhe traçar uma natureza completamente diferente daquela oriunda da carta de 1969”.

Diferentemente das Constituições anteriores, que pouco tratavam do assunto, deixando esta tarefa a cargo da legislação infraconstitucional, a atual Lei Maior deu-lhe capítulo próprio, esboçando-lhe minudentemente um arquétipo constitucional.

O fato é que o Constituinte originário quis alocar o Ministério Público, embora inserindo-o no aparelho do Estado, fora de quaisquer dos poderes, com estreita ligação à sociedade.

A partir daí sua destinação passou a ser a de “instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

O Ministério Público brasileiro recebeu do Constituinte originário de 1988 um

perfil institucional e um status político sem paradigma em todo o mundo. A partir daí, passou

a ser o guardião do regime democrático, o defensor da ordem jurídica e do patrimônio público, num país de tamanhas desigualdades sociais (onde o espetáculo da miséria dilacera a consciência humana) e de débil tradição de respeito à coisa pública, notadamente de parte dos infratores poderosos, detentores do poder.

De advogado do Governo a advogado da Sociedade, o Ministério Público sofreu profundas transformações, alcançando autonomia e independência funcional, frente aos

poderes do Estado. De acusador criminal e de interveniente em algumas ações cíveis de pouca

repercussão, transformou-se em instituição permanente, essencial ao regime democrático e à efetividade da tutela jurisdicional.

3

(16)

Em face disto, assumiu a feição de alavanca propulsora da atividade jurisdicional, convertendo-se em instrumento primordial à efetivação do direito fundamental do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF/88), legitimado à proteção de bens e valores de interesse de toda a sociedade.

Para tanto, muniu-lhe o Constituinte de poderosos instrumentos jurídicos, como as ações penal e civil públicas e a ação de inconstitucionalidade, dentre outros.

Consequentemente, era preciso prover-lhe de um sistema de garantias dignas de ensejar a livre e independente atuação de seus órgãos, presos tão somente à consciência e à Lei, sem a submissão aos outros poderes.

4.1 GARANTIAS INSTITUCIONAIS

Excetuados os casos expressamente previstos em lei, como a rejeição de arquivamento de inquérito policial ou de peças de informações, ou ainda do inquérito civil, os

membros do Parquet, no exercício de suas atividades-fim não podem receber ordens, de quem

quer que seja, para propor ou não propor ação judicial, interpor ou não interpor recurso de suas decisões judiciais, iniciar ou não uma investigação criminal, nem tampouco observar atos normativos, ainda que de seus órgãos superiores administrativamente, que violem sua consciência e os ditames da lei.

Com efeito, tais garantias, longe de representar privilégios pessoais, constituem prerrogativas imprescindíveis ao pleno exercício das graves funções institucionais.

Daí o fundamento normativo insculpido no artigo 128, §5º, inc. I, alíneas “a”, “b”

e “c”4, da Constituição Federal, assegurando a seus membros as seguintes garantias:

4

§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I - as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;

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vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, verdadeiros sustentáculos da ampla independência funcional.

A vitaliciedade dos membros do Parquet é primordial para combater a ingerência,

mandos e desmandos de outros poderes no âmbito do Ministério Público. Evita a destituição do cargo por motivos políticos e garante, por outro lado, o bom desempenho institucional, em face dos governantes.

A inamovibilidade assegura a inafastabilidade desmotivada ou ilegal do Promotor ou Procurador de Justiça de suas funções institucionais. Diz respeito ao princípio do Promotor Natural. Por esta garantia, somente em casos específicos se pode remover o agente político de seu cargo, preservando incólume as condições necessárias ao pleno exercício de suas funções.

A garantia de irredutibilidade de subsídio, no magistério de Hugo Nigro Mazzili: “visa assegurar padrão remuneratório condigno para os integrantes do Ministério Público. Pode-se vislumbrar finalidades múltiplas nessa garantia, tais como: busca-se não só recrutar bons Promotores de Justiça e mantê-los na carreira, como também assegurar condições condignas, para que os membros e a própria instituição não comprometam seu ofício em barganhas remuneratórias com as autoridades governamentais, nem tão pouco levem os membros do Ministério Público a uma atuação politicamente comprometida”.

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5. O PODER DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A celeuma acerca da existência, ou não, de legitimidade no Ministério Público para realizar, diretamente, investigações criminais na fase pré-processual teve início a partir do RHC 81.326-DF com o seguinte teor:

HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES - INQUÉRITO PENAL - LEGITIMIDADE: AUTORIDADE POLICIAL - ORDEM CONCEDIDA. 1. O Ministério Público, órgão essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF), tem suas funções institucionais definidas pelo art. 129 da CF. 2. Cabe à Polícia Federal no âmbito federal e à Polícia Civil no estadual exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária, eis que órgãos permanentes, organizados e estruturados em carreira (art. 144, § 1º, IV, da CF), para tal precípua finalidade. 3. O Ministério Público tem como atribuição a instauração de inquérito civil nos termos e para os fins do art. 129, III, da CF, enquanto à Polícia Judiciária (Civil, Federal) cabe a apuração das infrações penais. A Lei Complementar nº 75/93 não prevê, em nenhum de seus artigos, como atribuição do Ministério Público, a condução ou presidência de "procedimento administrativo penal", sem, pois, previsão de ritos, prazos e formalidades essenciais e a dúplex supervisão e controle (pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário), que informam o procedimento inquisitório criminal realizado pelo polícia. 4. Precedentes específicos do STF: (RE 233.072/RJ, RE 215.301/CE e RHC 81.326). 5. Habeas corpus concedido. 6. Autos recebidos em gabinete para lavratura do acórdão em 15/05/2003. Peças liberadas pelo Relator em 16/05/2003 para publicação do acórdão.

(TRF-1 - HC: 26572 DF 2002.01.00.026572-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, Data de Julgamento: 13/05/2003, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 30/05/2003 DJ p.90)

A situação de fato subjacente ao decisium relaciona-se à expedição de uma

(19)

A turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para reformar a decisão do STJ que entendera válida a requisição expedida pelo Ministério Público do Distrito Federal para que o recorrente, Delegado de Polícia, comparecesse ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial para ser interrogado em procedimento administrativo investigatório supletivo. Considerou-se que o Ministério Público não tem poderes para realizar diretamente investigações, mas sim requisitá-las à autoridade policial competente, não lhe cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de atribuição exclusiva da polícia judiciária.

Da leitura do voto-condutor (dividida em 3 partes), é possível extrair que sua fundamentação está assentada nos seguintes aspectos:

1º - Na análise histórica, quando procura demonstrar que desde o longínquo ano de 1936 vem sendo negado ao Ministério Público o poder de realizar diligências de cunho investigatório.

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os elementos que podem dar convicção da responsabilidade, ou irresponsabilidade dos mesmos, com a circunstância, ainda, de somente nessa fase se poderem efetivar algumas diligências de atribuição exclusiva da polícia...”. Com essa orientação, há precedentes de Nelson Hungria, neste Tribunal (RHC 34.827)5. Leio em seu voto:

“... o Código de Processo Penal... não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela Judiciária e membro do M.P na investigação do crime...”.

2º - A Constituição não teria conferido à Instituição esse poder de investigação.

Até a promulgação da atual Constituição, o Ministério Público e a Polícia Judiciária tinham seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional. A harmonia funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a carreira do Ministério Público. Na Assembleia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do controle externo da Policia Civil, o processo de instrução presidido pelo Ministério Público voltou a ser debatido. Ao final, manteve-se a tradição. O constituinte rejeitou as emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266, e 30.513, que, de um modo geral, davam ao Ministério Público a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal. A Constituição Federal assegurou as funções de Polícia Judiciária e apuração de infrações penais à Policia Civil (CF, art.144, §4º)6. Na esfera infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da Constituição no que diz respeito às atribuições do Ministério Público (art. 7º e 8º)7.

5O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO AUTORIZA A DESLOCAÇÃO DE COMPETÊNCIA, OU SEJA A SUBSTITUIÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL PELA JUDICIÁRIA E MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NA INVESTIGAÇÃO DO CRIME.

(STF - RHC: 34827, Relator: CANDIDO MOTTA, Data de Julgamento: 31/12/1969, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: ADJ DATA 23-09-1957)

6§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

7

Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções

institucionais:

I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos;

II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;

III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;

III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;

(21)

Reservou-lhe o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII)8. Ainda assim, a matéria estava longe de ser pacificada. Leio: "... Proposta de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso Nacional Brasileiro, relacionada com a questão do controle externo da atividade policial, ... a de nº 109, também de 1995, de autoria do Deputado Federal Coriolano Sales, que se propõe a alterar a redação dos incs. I e VIII, do art. 129, da Constituição da República, a proposta pretende incluir a instauração e direção do inquérito como uma das funções institucionais do Ministério Público. ...Em março de 1999, o Senador Pedro Simon apresentou nova proposta de Emenda Constitucional, sob o nº 21, acrescentando o parágrafo único, ao art. 98, da Constituição da República, disciplinando que nas infrações penais de relevância social, a serem definidas em lei, a instrução será feita diretamente perante o Poder Judiciário, sendo precedida de investigações preliminares, sob a direção do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da polícia judiciária.” Prossigo eu. O Tribunal enfrentou a matéria (RE 233.072, Néri da Silveira). Na linha do voto que proferiu na ADIn 1.571, o Relator entendia que o Ministério Público tinha legitimidade para desenvolver atos de investigação criminal. Divergi. Leio, em parte, o que sustentei em meu voto. “...quando da elaboração da Constituição de 1988, era pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no sentido de criarmos, ou não, o processo de instrução, gerido pelo Ministério Público. Isso foi objeto de longos debates na elaboração da Constituição e foi rejeitado. ... o tema voltou a ser discutido quando, em 1993, votava-se no Congresso Nacional a Lei

VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;

VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

IX - requisitar o auxílio de força policial.

§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal.

§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

§ 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa.

§ 4º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.

§ 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada.

8 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

(22)

complementar relativa ao Ministério Público da União e ao Ministério Público dos Estados, em que havia essa discussão do chamado processo de instrução que pudesse ser gerido pelo Ministério Público.

3º - Na suposta “exclusividade” da Polícia, em face de uma “legitimidade

histórica”, para a realização de tal atividade.

Há longa disputa entre o Ministério Público, a Policia Civil e a Policia Federal em relação a essa competência exclusiva da polícia de realizar os inquéritos. Lembro-me de que toda essa matéria foi rejeitada, naquele moLembro-mento, no Legislativo... . Acompanharam-me os Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, compondo a maioria. Redigi o acórdão. Está na ementa: “... o Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido.” A polêmica continuou. O controle externo da Polícia, concedido ao Ministério Público pela Constituição foi regulamentado pela Resolução nº 32/97, do Conselho Superior do Ministério Público Federal. A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII). A norma constitucional não contemplou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito penal. Nem a resolução 32/979. Não cabe

9

RESOLUÇÃO N. 32/97 DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Art. 1º - É dever do membro do Ministério Público Federal, com atuação em ofício com atribuições em

matéria criminal, em 1º grau, realizar inspeções bimestrais ordinárias e, quando necessário, extraordinárias em

estabelecimento policial ou prisional; neste último, quando se encontre presa pessoa sujeita à jurisdição

federal.

§ 1º - Nos casos em que o inquérito policial ou o processo-crime constituam-se em atribuição originária de

Subprocurador-Geral da República ou de Procurador Regional da República exercerão estes, em conjunto, ou

não, com membro do Ministério Público Federal que atue em matéria criminal em 1º grau, o referido controle.

§ 2º - O membro do Ministério Público Federal que realizar a inspeção lavrará termo circunstanciado do

trabalho realizado, com a entrega da respectiva cópia à autoridade policial responsável pela unidade

inspecionada.

Art. 2º - O controle externo da atividade policial compreende:

I) a verificação e análise dos livros de registro: a) de ocorrência; b) de inquéritos policiais; c) de remessa de

(23)

portanto, aos seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Nesse sentido, decidiu a segunda turma (RECR 205.423, Carlos Veloso). Leio na ementa: “... I – Inocorrência de ofensa do art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender a requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao Membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (CF, art.144, §§1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior...” Do voto de Veloso destaco: “... não compete ao Procurador da República, na forma do disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da Constituição Federal, assumir a direção das investigações tendentes a apuração das infrações penais (CF, art. 144. §§1º e 4º) ...” Prossigo. O recorrente é Delegado de Polícia. Autoridade administrativa, portanto. Seus atos administrativos estão sujeitos aos órgão hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria etc. 3. Decisão. Dou provimento ao Recurso. ANULO A REQUISIÇÃO expedida pelo Ministério Público, por falta-lhe legitimidade. Em consequência, anulo o próprio expediente investigatório criminal instaurado por ele, para ouvir o Recorrente. (RHC 81326, Rel. Min. Nelson Jobim j. 06/05/2003).

II) o acesso aos dados e ao andamento de todos os procedimentos inquisitoriais iniciados no âmbito policial,

ainda que sob a forma preliminar;

III) a fiscalização do cumprimento da requisição de diligências investigatórias à Polícia Federal, com ou sem

inquérito policial instaurado;

IV) a requisição, a qualquer tempo, dos autos de investigação policial em curso, devendo o requisitante

restituí-los à autoridade policial federal no prazo máximo de 10 (dez) dias;

V) a fiscalização do cumprimento das promoções, inclusive quanto aos prazos, exaradas nos autos de

inquérito policial, ou de investigação preliminar;

Art. 3º - As Procuradorias da República nas capitais dos Estados e nos Municípios devem instituir setor de

acompanhamento do controle externo da atividade policial, de que trata esta Resolução.

Observa-se da análise da resolução n. 32/97, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, não

autoriza o representante do parquet, a atuar sozinho em atos investigatórios, ou mesmo, a presidir o inquérito

policial. Ao contrário, as leis determinam que o representante ministerial, haja, conjuntamente, com a polícia

judiciária na apuração das infrações penais, seja acompanhando, seja requisitando a abertura de inquéritos ou

(24)

Assim, é necessário uma análise dos três fundamentos usados para dar apoio à inexistência de poderes do Ministério Público para realizar diretamente as investigações, devendo para tanto, requisitá-las a autoridade policial.

5.1 ARGUMENTAÇÃO SUSTENTADA ATRAVÉS DO MÉTODO DE

INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO E A FRAGILIDADE DOS MÉTODOS

INTERPRETATIVOS

O Ministro Nelson Jobim, em seu voto, busca fundamentar a impossibilidade de o Ministério Público realizar diligências em investigações criminais a partir de uma análise histórica do Problema. Assim, para negar à Instituição o poder de realizar tais investigações, o Ministro reporta-se ao longínquo ano de 1936 quando se tentou introduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados de instrução. Acrescenta-se, ainda, que na exposição de motivos do Código de Processo Penal, o então Ministro da Justiça ponderou acerca da

manutenção do inquérito policial já que a antiga doutrina apontava que “somente nesta fase se

poderem efetivar algumas diligências de atribuição exclusiva da polícia”. Em sequência, traz a colação de um precedente do STF do ano de 1957, de autoria do NELSON HUNGRIA, segundo o qual “o Código de Processo Penal não autoriza a deslocação da competência, ou seja a substituição da autoridade policial pela judiciária e membros do Ministério Público nas investigações de crime” (RHC 34.827- AL).

Buscou subsídios, também, nos anais da Assembleia Nacional Constituinte (1986-88), aludindo que, quando se tratou de questão de Controle Externo da Polícia, o processo de instrução presidido pelo Ministério Público voltou a ser debatido, mantendo-se, ao final dos debates, a tradição, na medida em que o constituinte rejeitou as emendas que davam ao Ministério Público a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal.

Em continuidade, o Ministro relator, busca guarida agora, no processo regular, arrolando, para tanto, as seguintes propostas e projetos de que tratam da matéria relacionada com a questão do controle externo da atividade policial, outra que pretende incluir a instauração e direção do inquérito como uma das funções institucionais do Ministério Público.

(25)

perante o Poder Judiciário, sendo precedida de investigações preliminares, sob a direção do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da polícia judiciária.

A interpretação pelo método histórico (in casu) ou qualquer outro método é frágil

em decorrência da inexistência de um método dos métodos ou de um meta-critério que

estabeleça o “correto” uso da metodologia jurídica. Com isso, fica difícil decidir qual daqueles há de seguir em cada caso, ou qual dos mesmos deva se dar preferência quando conduzem a resultados diferentes.

Com propriedade, Eros Grau chama atenção para aquilo que denomina de

“calcanhar de Aquiles” da interpretação:

Quando interpretamos, o fazemos sem que exista norma a respeito de como interpretar as normas. Quer dizer, não existem aquelas que seria meta-normas ou meta-regras. Temos inúmeros métodos, ao desfrute de cada um. Interpretar gramaticalmente? Analiticamente? Finalisticamente? Isso quer dizer pouco, pois as regras metodológicas de interpretação só teriam real significação se efetivamente definissem em que situações o intérprete deve usar este ou aquele cânone hermenêutico, este ou aquele outro método de interpretar. Mas acontece que essas normas nada dizem a respeito disso; não existem essas regras.

Além dessa problemática relacionada à fragilidade de todo e qualquer método ou cânone utilizado para interpretar, outra razão de ordem hermenêutica nos impele a discordar da decisão do STF. Trata-se da velha discussão acerca da dicotomia texto-norma.

Historicamente, a doutrina e a jurisprudência tem passado a idéia de que o texto “carrega”

consigo o exato sentido da norma, assim como se na vigência do texto já estivesse contida a validade da norma. Friendrich Müller desvelou essa questão, deixando assentado que a norma é sempre o produto da interpretação de um texto, e que a norma não está contida no texto.

Veja-se, de forma exemplificativa: o mesmo texto da Constituição norte-americana que na década de 1950 deu azo a uma norma que sustentava a constitucionalidade da discriminação racial, décadas após oportuniza o surgimento de outra norma, com sentido diametralmente oposto, dando pela inconstitucionalidade da discriminação racial. Ou seja, mesmos textos produzem normas distintas.

(26)

Desse modo, se o texto não “carrega” a sua norma e se a vigência de um dispositivo não implica diretamente a sua validade, é possível afirmar que textos anteriores à

Constituição recebem automaticamente novas normas, atribuíveis a partir do topos

hermenêutico que é a Constituição de 1988. Sentidos jurídicos atribuídos a textos legais, por exemplo, em 1936 (Projeto Ráo), 1941 (Código de Processo Penal) e 1957 (decisão do STF, da lavra de HUNGRIA) não se mantém na contemporaneidade pós-Constituição de 1988, pela profunda alteração do papel do Estado, da Constituição e, fundamentalmente, da função a ser exercida pelo Ministério Público, bem como das transformações sociais sofridas que tornaram o Brasil um dos países mais violentos do mundo.

Definitivamente, não se pode olhar o novo com os olhos do velho. Essa relação hermenêutica entre texto e norma deve ser aplicada não somente à interpretação doutrinária, como também ao uso de decisões jurisprudenciais anteriores à Constituição. Decisões de tribunais(precedentes) também são textos jurídicos, que devem receber a respectiva norma (sentido). Portanto, a filtragem hermenêutico-constitucional que aqui se fala atinge também a jurisprudência.

Por conseguinte, perde força hermenêutica qualquer interpretação que busque no

desenvolvimento histórico da formação de determinado instituto a constatação de uma mens

legislatoris ou mens legis. Tal procedimento, de índole marcadamente historicista, mostra-se antiético com o que contemporaneamente se entende por hermenêutica. Quer-se dizer, o historicismo esbarra nos câmbios de paradigma; no caso do Direito, esse câmbio é evidenciado pelo advento de uma nova Constituição.

A validade do “método histórico”, nos termos em que está colocado, poderia levar o processo hermenêutico à produção de decisões absolutamente desconectadas da realidade. Portanto, com a argumentação expedida pelo Ministro Nelson Jobim, relator do caso em análise, não é possível concluir que, pelo fato de que, desde o Projeto RÁO (1936) até o período posterior ao processo constituinte (1999), os projetos que apontavam para a possibilidade de o Ministério Público dirigir investigações criminais haverem sido rejeitados (juizados de instrução), tenha sido afastada a legitimidade da instituição para “realizar diligências investigatórias”.

(27)

assinala, de forma clara, a possibilidade de o Ministério Público realizar tais atos investigatórios, questão que será demonstrada em momento posterior.

5.2 EXCLUSIVIDADE DA POLÍCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Ao lado da decisão do então Ministro Nelson Hungria, apontando para o fato de que “o código de Processo Penal (...) não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e

membro do M.P na investigação do crime”10

, há decisões do mesmo Tribunal que parecem

trilhar por outro caminho. Por exemplo, no HC 37.053, posterior, portanto, àquele utilizado no

voto do condutor do Habeas Corpus sob comento, o mesmo Ministro Nelson Hungria assenta

que “não é indeclinável, para recebimento da denúncia ou queixa, que tenha sido instaurado

IP, pois os órgãos do MP podem elucidar-se por outro modo”. Da leitura de dispositivos que

regem a persecução penal preliminar, a exemplo do art. 39, §5º do CPP11, podemos concluir

que o inquérito não é imprescindível para a propositura da ação penal. Se os elementos que venham lastrear a inicial acusatória forem colhidos de outra forma, não se exige a instauração de inquérito, dispensando-se a atuação da polícia judiciária.

Há, outrossim, vários precedentes contemporâneos do Supremo Tribunal Federal que autorizam distinta conclusão acerca da atuação pré-processual do Ministério Público. Tais precedentes merecem referência.

Na análise, por exemplo, do pedido de medida cautelar formulado na ADIN

1.57112, o Supremo Tribunal Federal, já oferecia, ainda que indiretamente, um entendimento

10 RHC 34.827-AL

11 § 5o - O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos

elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

12 - Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei nº 9430, de 27.12.1996, art. 83. 3. Argüição de

(28)

menos restritivo, pois manifestava que “no que concerne à propositura da ação penal, pois, tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso”.

Mais explícito foi o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 75.769-MG (DJ 28.11.97), relator o Min. Octávio Galotti. Tal acórdão tem a seguinte ementa:

EMENTA: Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatórias e falta de oportuna arguição de suposta suspeição de magistrado. Pedido indeferido.

Do corpo do acórdão, retiramos:

Tampouco se evidencia irregularidade na participação do Ministério Público em fase investigatória.

A assertiva lançada acima vem em complementação à leitura, pelo Ministro

relator, do acórdão impugnado pelo respectivo habeas corpus, nada tendo oposto Sua

Excelência contra aquele aresto. No particular, cabe afirmar que aludido acórdão continha o seguinte teor:

No que se refere ao representante do Ministério Público, como bem salientou o parecer de fls. 141/150, „o empenho pelo órgão do Ministério Público demonstrado na fase investigatória, não inibe de promover também a ação penal.’ E acrescenta, não há que se considerar impedido o Promotor de Justiça por haver, no uso de suas faculdades legais – art. 26, inciso I, alíneas a, b e c e inciso V da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público; Constituição Federal, art. 129, VI e VII e Constituição Estadual, art. 120, V e VI – acompanhado atos de investigação ou feito diretamente alguma diligência relevante para futura acusação.

O que chama mais atenção, todavia, é o fato de que o próprio ministro Nelson Jobim, na condição de relator, já decidira de forma diametralmente oposta. Vejamos:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PROVA COLHIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. Inocorre excesso de linguagem na sentença de pronúncia que apenas demonstra a existência de indícios claros e suficientes de autoria e motiva sucintamente a ocorrência de qualificadora do homicídio. E remete ao tribunal do Júri a solução da questão. Legalidade da prova colhida pelo Ministério Público. Art. 26 da Lei nº 8625/93. Ordem denegada. (grifei)

(29)

(STF – HC 77. 371-3-SP, Segunda turma. Relator Min. Nelson Jobim. 1º,09.1998, DJ 23.10.98, P.04”

Do teor do acórdão, retira-se:

Quanto à aceitação, como prova, de depoimento testemunhal colhido pelo Ministério Público, não assiste razão ao paciente, por dois motivos: a) não é prova isolada, há todo um contexto probatório em que inserida; e b) a Lei orgânica do Ministério Público faculta a seus membros a prática de atos administrativos de caráter

preparatórios tendentes a embasar a denúncia. Reza o art. 26 da Lei nº 8.625/93 –

„Lei Orgânica do Ministério Público‟: Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: V – praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório‟. Denego a ordem” (destaquei)

Em decisão do STJ, o Ministro José Arnaldo da Fonseca, segue o mesmo entendimento da decisão supramencionada. Vejamos:

HABEAS CORPUS. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO DO MP. DENÚNCIA GENÉRICA. ATIPICIDADE. MATÉRIA MERITÓRIA. PRETENSÃO À TRANSAÇÃO PENAL. CONDUTA CUJA PENA ULTRAPASSA O LIMITE LEGAL. TESE INSUBSISTENTE. A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade investigatória, bem como o material probatório produzido. Cuidando-se de crime societário, a jurisprudência tem afrouxado o entendimento acerca dos termos do art. 41, do CPP, para permitir uma descrição genérica dos fatos pela denúncia e submeter os detalhes da participação do acusado à fase instrutória. O trancamento de ação penal exige a comprovação incontroversa do direito do acusado e, do mesmo modo, em sede de habeas corpus não se acolhe discussão de cunho eminentemente meritório, isto é, que necessita da incursão probatória e da via cognitiva plena, mesmo que ao argumento da atipicidade. Segundo a nova roupagem dos crimes de menor potencial ofensivo instituída pelo parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/01, o direito à transação penal se dá quando diante de conduta cuja pena privativa máxima prevista não exceda dois anos, sendo indiferente a indicação de multa alternativa nos casos acima do patamar reclusivo. Recurso desprovido.

(30)

Há, indubitavelmente, um novo fundamento de validade proveniente de texto (e da norma) da Constituição de 1988 que traz nova luz à pauta que trata do papel do Ministério Público na investigação criminal. O velho Ministério Público dependente do Poder Executivo e vinculado à sua direção, torna-se absolutamente obnubilado (ofuscado) pelo novo Ministério Público, exsurgido do processo constituinte no seio de uma revolução paradigmática do Estado e do Direito.

Daí porque não se pode aplicar ao Ministério Público do Estado Democrático de Direito interpretações recolhidas de um modelo institucional hoje inexistente, impensável e constitucionalmente inconcebível.

5.2.1 PEC 37 –“A PEC DA IMPUNIDADE”

Em 08 de Junho de 2011, o deputado Lourival Mendes, do PT do B/MA, deu entrada na câmara dos deputados a Proposta de Emenda Constitucional nº 37 que acrescentaria o §10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas policias federais e civis do Estados e Distrito Federal. In verbis: §10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. (Grifou-se)

Em sua justificação, o autor da PEC destaca as lições de Alberto José Tavares Vieira da Silva que preleciona afirmando que a investigação de crimes não está incluída no círculo de competências legais do Ministério Público. Afirmação inverídica. Não cometeríamos o desatino de sustentar que o Ministério Público poderia presidir o inquérito policial. Por certo que não. A Constituição da República reconhece ao Ministério Público a titularidade para o exercício de investigações preliminares (antes do processo), acerca de matéria incluída entre suas atribuições.

(31)

Observa-se, mais, que a função investigativa do Ministério Público nem sequer é objeto de indagações de inúmeras legislações (por exemplo, na alemã, na chilena, na francesa e na italiana), o que indica que o problema parece não se situar no maior ou menor padrão de civilidade alcançado pela comunidade jurídica interessada na persecução penal.

Aliás, na declaração da IX Conferência nacional dos Direitos Humanos (art.22), consta expressamente o incentivo que deve ser dado aos poderes investigatórios do Ministério Público, para fim de uma proteção mais adequada aos direitos humanos. No mesmo sentido, o Relatório da Organização das Nações Unidas.

A PEC, depois de uma intenso trabalho de conscientização da opinião pública passou a ser denominada de PEC da impunidade já que com a sua aprovação, as investigações não poderiam ser realizadas pelo Ministério Público. Assim, várias pessoas foram às ruas durante as manifestações da Copa das Confederações realizadas no Brasil levando cartazes contra a aprovação da PEC.

A pressão popular surtiu efeito e a PEC foi rejeitada e arquivada no dia 25 de Junho de 2013.

5.3 A REDUÇÃO DO PROBLEMA AO SEU REAL OBJETO: “CONDUÇÃO DE

INQUÉRITO POLICIAL E REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS

INVESTIGATIGATÓRIAS”– DUAS SITUAÇÕES DISTINTAS.

A decisão sob comento (RHC 81. 326 – DF) investiu-se de um emaranhado

conclusivo que deve ser imediatamente desfeito, exigindo-nos que separemos duas situações que se fazem absolutamente distintas: o eventual poder do Ministério Público para conduzir “inquéritos policiais” e a eventual legitimidade dessa Instituição para realizar “diligências investigatórias”.

Quanto à primeira hipótese, não se revela necessário um esforço de raciocínio mais rigoroso para concluirmos que o Ministério Público não tem poderes para a condução de “inquérito policial”. Sobre isso não resta dúvida alguma, pela singela razão de que se o inquérito fosse conduzido pelo Ministério Público já não mais se poderia qualificá-lo de “policial”, devendo ter outra designação (procedimento administrativo, procedimento criminal, etc).

(32)

dos seus próprios procedimentos, realizar “diligências investigatórias” no intuito de subsidiar a proposição de futura ação penal pública.

Nesse sentido, são dois os argumentos comumente utilizados para anular a aptidão funcional do Ministério Público:

a) suposta ausência de fundamento legal a respaldar tal atividade;

b) a alegada exclusividade – ou o monopólio – da Polícia na tarefa de investigar

a prática de qualquer infração penal e sua autoria.

Ambos os argumentos não resistem a uma análise mais apurada. Vejamos.

5.3.1 A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Aqueles que desafiam a legitimidade do Ministério Público para proceder a diligências investigatórias na seara criminal utilizam o argumento de que tal possibilidade não

se encontra expressa na Constituição, locus político-normativo de onde emergem suas funções

institucionais.

Esconde-se, por trás dessa linha de raciocínio, aquilo que se revela manifestamente insustentável: a consideração de que as atribuições conferidas ao Ministério Público pelo art. 129 da Constituição da República são taxativas, esgotando-se em sua literalidade mesma.

Atente-se, a tanto, que o próprio art. 129, berço normativo das funções institucionais do Ministério Público, ao cabo de especificar um rol de funções acometidas à instituição, dispôs expressamente, em seu inciso IX, que:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Trilhando no mesmo diapasão, veja que a Lei Complementar nº 75/93, ao concretizar essa disposição constitucional, dispôs que:

(33)

[...]

VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei.

A norma constitucional sob apreço qualifica-se como uma cláusula de abertura –

legalmente concretizável – ao exercício, pelo Ministério Público, de “outras funções”, as

quais, entretanto, haveriam de estar submetidas às seguintes três condicionantes:

a) proveniência legal da função (limitação formal);

b) compatibilidade da função legalmente conferida com a finalidade institucional

do Ministério Público (limitação material afirmativa);

c) vedação de qualquer função que implique a representação judicial ou a

consultoria jurídica de entidades públicas (limitação material negativa).

Afastada, pela lógica, qualquer hipótese de relação do tema (realização de diligências investigatórias) com eventual representação judicial ou consultoria de entidades

públicas, cabe-nos verificar se estão afirmadas as demais imposições constitucionais: função

legalmente prevista e sua compatibilidade às finalidades institucionais do Ministério Público.

5.3.2 A PROVENIÊNCIA LEGAL DA FUNÇÃO INVESTIGATÓRIA

A necessidade peremptória de proveniência legal das funções do Ministério Público é afirmada, senão pelo inciso V, pelo §2º do art. 5º a Lei Complementar nº 75/93, que

dispõe: “§ 2º Somente a lei poderá especificar as funções atribuídas pela Constituição Federal

e por esta Lei Complementar ao Ministério Público da União, observados os princípios e

normas nelas estabelecidos.”

Eugênio Pacceli fortalece a tese da previsão legal ao afirmar:

Pensamos, também, que a Lei Complementar nº 75/93 também autoriza o Ministério Público da União a instaurar inquérito civil e OUTROS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS CORRELATOS, bem como realizar inspeções e diligências investigatórias (arts. 7º e 8º). [...] (grifo do autor)

Nesse sentido, em consonância à diretriz legislativa, o art. 8º da Lei Complementar veio estabelecer que:

(34)

I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;

III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;

IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;

V - realizar inspeções e diligências investigatórias;

VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;

VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

IX - requisitar o auxílio de força policial.

Concretiza-se legislativamente, pois, e com carga eficacial avigorada própria das leis complementares, o desiderato constitucional. No que concerne ao real objeto de nosso tema, o dispositivo foi cristalino, assentando caber ao Ministério Público, “nos procedimentos de sua competência” (art. 8ª, caput), “realizar inspeções e diligências investigatórias” (inciso V).

5.3.3 A COMPATIBILIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO A UMA FINALIDADE CONSTITUCIONAL INTRÍNSECA

Ante a clareza do dispositivo legal acima referido (art. 8º, V, da LC nº 75/93), resta-nos um último passo: analisar se a realização de diligências investigatórias pelo Ministério Público encontra pertinência temática com suas atribuições funcionais, haja vista que, a teor do art. 129, IX (CF/88) a validade material das funções legalmente conferidas à Instituição haveria de passar por um crivo de finalidade; é dizer, deverá fazer-se relacionada a um fim para o qual o Ministério Público esteja constitucionalmente legitimado.

Retomemos, pois, à Constituição da República, a qual dispôs, como atribuição

primeira do Ministério Público: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I

(35)

Resulta nítida a relação meio-fim exsurgente do cotejo dos dispositivos legal (art.

8º, V, da LC nº 75/93, congruente à dicção do art. 26 da Lei nº 8.625/93 – Lei Orgânica do

MP) e constitucional (art. 129, I, CF/88), a dar acolhida, portanto, à terceira – e última – das

condicionantes impostas pelo art. 129, IX, da Constituição.

5.3.4 O RECONHECIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Em pesquisa ao site do STF, verifica se que, após a promulgação da atual Constituição, as Turmas só passaram a enfrentar a controvérsia dos poderes investigatórios do Ministério Público nove anos depois. Tais dados foram organizados comparando o número de

decisões favoráveis13 e contra14 o tal poder até a decisão de repercussão geral em 2015.

13 1997 a 2000 - STF: HC 75769/MG, Rel. Min. Octavio Gallotti, j.30/09/1997; HC 77770/SC, Rel. Min. Néri da

Silveira, j.07/12/1998. 2001 a 2004 – STF: HC 80405/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j.03/04/2001; HC 81303/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j.05/02/2002; AI 398500 AgR/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.18/03/2002; HC 82865/GO, Rel. Min. Nelson Jobim, j.14/10/2003; HC 83463/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j.16/03/2004; RHC 83991/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, j.20/04/2004; HC 84367/RJ, Rel. Min. Carlos Britto, j.09/11/2004; ADI 1570/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j.12/02/2004; 2005 a 2008 - STF: HC 86755/RJ, Rel. Min. Eros Grau, j.08/11/2005; HC 84392/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.14/11/2006; HC 88730/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.14/11/2006; HC 89158/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.29/08/2006; HC 87105/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.13/02/2007; RE 535478/SC, Rel. Min. Ellen Gracie, j.28/10/2008; RE 464893/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.20/05/2008; HC 93524/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, j.19/08/2008; AC 1756/DF, Rel. Min. Menezes Direito, j.13/05/2008; 2009 a 2014 - STF: HC 90099/RS, Rel. Min. Celso de Mello, 27/10/2009; HC 94173/BA, Rel. Min. Celso de Mello, j.27/10/2009; HC 89837/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j.20/10/2009; HC 91661/PE, Rel. Min. Ellen Gracie, j.10/03/2009; HC 96276 AgR/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j.10/03/2009; HC 85419/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j.27/11/2009; HC 87610/SC, Rel. Min. Celso de Mello, j.27/10/2009; RE 468523/SC, Rel. Min. Ellen Gracie, j.01/12/2009; HC 96617/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.23/11/2010; HC 93930/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.07/12/2010; HC 96638/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.02/12/2010; HC 84965/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.13/12/2011; HC 97969/RS, Rel. Min. Ayres Britto, j.01/02/2011; HC 91613/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.15/05/2012; HC 85000/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.13/03/2012; AI-AgR 856553/BA, Rel. Min. Luiz Fux, j.19/03/2013; AgR 31772/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 18/11/2014; AP 611/MG, Rel. Luiz Fux j.30/09/2014; RHC 118636/SP Rel. Min. Celso de Melo j. 26/08/2014; HC 118280/MG Rel. Min. Rosa Weber j. 18/03/2014.

141997 a 2000 – STF: RE 205473/AL, Rel. Min. Carlos Velloso, j.15/12/1998; RE 233072/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, j.18/05/1999; 2001 a 2004 – STF: RHC 81326/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j.06/05/2003; 2005 a 2008 - STF: HC 87358/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j.16/05/2006; HC 86860/SP, Rel. Min. Marco Aurélio,

(36)

Fonte: elaborado pelo autor.

A observação que pode ser feita ao se analisar o gráfico é que o número de casos enfrentados pelo Supremo cresceu até o ano de 2014. Ainda, é possível verificar que a diferença numérica entre as decisões favoráveis e contrárias aumentaram durante o tempo analisado. Com o passar do lapso temporal, os Ministros passaram a se posicionar favoravelmente a possibilidade do Ministério Público investigar.

Tal posição, favorável ao poder de investigar do Ministério Público, se confirmou no julgamento do plenário em 2015 quando o STF analisou o caso com repercussão geral em que o prefeito de Ipanema/MG foi denunciado tendo como fundamento investigação realizada diretamente pelo Ministério Público. Retrata a seguinte ementa:

Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de investigação do Ministério Público. 2. Questão de ordem arguida pelo réu, ora recorrente. Adiamento do julgamento para colheita de parecer do Procurador-Geral da República. Substituição do parecer por sustentação oral, com a concordância do Ministério Público. Indeferimento. Maioria. 3. Questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República. Possibilidade de o Ministério Público de estado membro promover sustentação oral no Supremo. O Procurador-Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à

Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o Supremo Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual. Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da tribuna. Maioria. 4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação 0

5 10 15 20 25

1997 a 2000 2001 a 2004 2005 a 2008 2009 a 2014

Evolução de Posicionamento do STF

(37)

do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público

dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo

razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e

garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob

investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da

possibilidade sempre presente no Estado democrático de Direito do

permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados

(Súmula Vinculante 14), praticados pelosmembros dessa instituição”. Maioria. 5.

Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento ao recurso extraordinário. Maioria. (Grifou-se).

Em tal julgamento, o Plenário do STF reconheceu por maioria a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, mas ressaltou que essa investigação deverá respeitar alguns parâmetros (requisitos). Tais parâmetros são os seguintes:

a) Devem ser respeitados os direitos e garantias fundamentais dos investigados;

b) Os atos investigatórios devem ser necessariamente documentados e praticados

por membro do MP;

c) Devem ser observadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, ou

seja, determinadas diligências somente podem ser autorizadas pelo Poder Judiciário nos casos em que a CF/88 assim exigir (ex: interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário etc);

d) Devem ser respeitadas as prerrogativas profissionais asseguradas por lei aos

advogados;

e) Deve ser assegurada a garantia prevista na súmula 14 do STF (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do

direito de defesa”).

f) A investigação deve ser realizada dentro do prazo razoável;

g) Os atos de investigação conduzidos pelo MP estão sujeitos ao permanente

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