ESPAOS
REPRESENTAO
NA
MODERNIDADE
Alfrecl Opitz
No incio dos anos
20,
um escritor russo exilado em Berlim-nessa altura uma das
grandes
cidades russas daEuropa
oriental, com 300.000emigrantes
-define,
aforisticamente, duas atitudesantagni
cas perante a arte: "Uma considerar a obra de arte como uma
janela
sobre o mundo. Compalavras
eimagens,
estes artistas queremexprimir
o que est atrs daspalavras
eimagens.
Artistas destegnero
merecem ser chamados tradutores. A outra atitude considerar a artecomo um mundo de coisas
independentes.
Palavras, e asrelaes
entre as
palavras,
ideias e a ironia dasideias,
a suadivergncia
-isso o contedo da arte. Se
podermos
comparar a arte a umajanela,
s umajanela
pintada."1
As
implicaes
destadefinio
de ViktorSklowskij
so vrias. Por umlado,
o conceito de"traduo"
do mundo real na arte leva teoria da"expresso"
e s dicotomias de "forma" e "contedo" dadecorrentes. Por outro
lado,
a insistncia nas"relaes"
entre os elementos do discurso literrio
j implica
umaperspectiva
sistmica, umespao
completamente
fechado,
noqual
convergem forma e contedo e que, naimagem
dajanela
pintada,
negaqualquer
acesso ao mundo real.1 Viktor
Sklowskij:
Zoo orLetters Not about Love. Translated from the Russian andedited by Richard Skeldon. Ithaka and London, 1971, p. 80.
Revista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n." 10, Lisboa, Edies
O Conceito de
Representao
Mas o aforismo de
Sklowskij,
alm de apontarefectivamente
para umponto
fulcral, areferencialidade,
num debate filosfico e esttico queimpregna
a cultura ocidental desde o seuincio,
insiste tambm nadiferena
entre a obra e as vrias atitudespossveis
perante
umamultiplicao
de sentidos que se torna numtrao
signifi
cativo daprpria
modernidade. E evidente que estaambiguidade
constitutiva no se
pode
pensar sem umaproblematizao
fundamen tal do conceito de"representao"
que, desde a caverna de Plato se discute sobretudo nos moldes duma evidncia que aprpria
percepo.
Assim, o motivo dajanela pode,
com aconstruo
de um espao que separa, apartir
de um esquemageomtrico
- aperspectiva
central - o fora e o
dentro,
osujeito
e oobjecto,
transformar-se numsmbolo da
representatividade
longamente ontologizante,
como na"Rahmenschau", na viso emoldurada das Luzes2 ou na dialctica
subjectivante
dapintura
romntica.Poucos anos
depois
da estadia berlinense deSklowskij,
surge umpintor belga,
fortemente influenciadopela pintura
metafsica deChirico, que vai
problematizar,
aolongo
da sua obra, atravs da utilizao
frequente
do motivo dajanela,
oprprio
funcionamento darepresentao
e arelao
entreimagem, palavra,
eimaginao.
Oquadro
de RenMagritte,
que condensa estaproblemtica
dumamaneira
exemplar,
chama-se,
alis,
"La condition humaine"3(National
Gallery, Washington).
Esta
disponibilizao
moderna darepresentao,
queMagritte
no deixa de retomar, tambm
apangio
dum poeta alemo que,durante o ano de 1996, estava na ponta das
comemoraes.
Naprima
vera de
1926,
poucos meses antes da sua morte, Rainer Maria Rilke acaba um pequeno ciclo de poemas em francs que se intitula "Les fentres". Estes poemas apresentam o motivo tradicional dajanela
como modelo
espacial,
umaabordagem
"par laquelle parmi
nouss'galise
legrand
trop du dehors". Este verso estabelece umdesequil
brio entre o espao reduzido que dominamos e um exterior obscuro,incomensurvel que atrai e espanta o
sujeito:
- Cl.
August Langcn: Anschaiiungsformen in der deutschen Dichtung des IS.
Jahrhunderts (RahmenschauundRationalismus),Jena, 1934.
3 Sobre o motivo
da janela na obra de Magritte cf. Suzi Gablik: Magritte. Aus dem
Amcrikanischen von Charlottc Blaucnsteincr. Munchen, Wien, Zurich, 1971,
Fentre,
qu'on
cherche souventpour
ajouter
la chambrecompte
tous les
grands
nombresindompts
que la nuit va
multipliant.4
A noite remete para o outro lado do sistema de
representaes
que se
esgota
em reflexos eaparncias
e que,porm,
como Rilke diz nas"Elegias
de Duino",pode
ainda mostrar ariqueza
do mundo humano e a felicidade das coisas. Nestesentido,
aencenao
espacial
seria umacondio
bsica para uma vida emperigo
permanente de transbordar:N'est-tu pas notre
gomtrie,
fentre,
trssimple
formequi
sans effort circonscrisnotre vie enorme?5
Herdeiro duma
tradio
metafsica quej
no aguenta as contradies
duma realidade cada vez maiscontingente
e catica, Rilke comea a deslocar asfiguras
transcendentais,
tal aimagem
de Deus, oumelhor,
dosdeuses,
como ele diz cautelosamente. Numa carta de1915,
emplena
guerramundial,
o escritorquestiona-se
sobre a mise-rabilidade e o horror da vida humana e define a dor e adesorientao
como concavidadecuja
formapositiva
seafasta,
um ltimo reflexo dogrande
projecto
da autonomia dosujeito
num mundo aodispor
dahistria.
"Quem
sabe,
pergunto
eu, se no nosaproximamos
sempre das costas dosdeuses,
separados
do rosto sublimamente irradiante pormais nada s seno por eles mesmos, muito
perto
daexpresso,
quedesejamos,
mas colocados atrs deles -isto,
no entanto, nosignifica
outra coisa seno que a nossa cara e o rosto divino olham na mesmadireco,
esto deacordo,
e comopodemos
assim enfrentar odeus,
saindo do espao em frente dele?"6 Ao submeter a
imagem
de Deus auma
rotao
de 180- e Rilke insiste nestacriao
deimagens
divinas desde o incio da humanidade - torna-sequalquer
redeno
impossvel.
4 Rainer Maria Rilke: "Les
Fentres", in: Smtliche Werke, hrsg. vom Rilke-Archiv
in Weimar, vol. II, Frankfurt am Main, 1956, pp. 587-591.
5 Ibidem,
p. 587.
6 Rainer Maria Rilke:
Briefe. Hrsg. vom Rilke-Archiv in Weimar, 2 vols.,
O Conceito de
Representao
Esta ideia dum futuro redentor que se afasta lembra o
Angelus
Novus deBenjamin,
oanjo
da histria que, virado para opassado
e oparaso
cada vez maislonge,
empurrado
para o futuropela
tempes
tade doprogresso.7
Os resduos romnticos destaimagem
deixam ainda entrever o que seperdeu
nasecularizao
da histria e o que afrequente utilizao
dafigura
doanjo
nos monumentos do nacionalismo
imperialista
dapoca guilhermina
- e no s - tentarecuperar
ideologicamente
ao revestir apoltica
duma dimenso transcendental.Consciente da fraude
ideolgica
e restituindo histria a suaopacidade contingente,
numa carta do mesmo ano de1915,
Rilke tira tambm aosanjos
a suafuno
tradicional demensageiro
divino eguarda
doparaso. Agora,
"cadaanjo
terrvel",
umacontra-imagem
dalimitao
humana e, ao mesmo tempo, oespelho
duma beleza queser o incio - ainda
suportvel
- do horror,que
, alis,
a ltimapalavra
de Kurtz no famoso romance deJoseph
Conrad queope
opoder
danarrao
s trevas duma histria descontrolada.Sendo
assim,
arelao
entre o visvel e o invisvel,relao
essa bem delimitada nacosmologia
metafsica, desloca-se, no caso deRilke, para a
imagem
dum "Weltinnenraum", um espao csmico einterior ao mesmo tempo, que o escritor
explica
numa carta sobre a sua estadia em Toledo dizendo que apaisagem espanhola
lhe teria revelado as coisas na intensidade incrvel dasequivalncias
interioresduma
possvel
representao.
"Aparncia
e viso coincidiam, por assimdizer,
em todo o lado noobjecto;
ficava exteriorizado em cada coisa todo um mundointerior,
como se umanjo,
queenglobasse
o espao, fosse cego e olhasse dentro de si. Este mundo, vistoj
no apartir
dohomem,
mas dentro doanjo",8
a tarefapotica
de Rilke quese
instala, assim,
aqum
duma transcendncia inacessvel e, ao mesmotempo, alm das
palavras
e darepresentao
emgeral,
num espao queproduz
o texto, sem se esgotarnele.O que se apresenta
aqui
como uma novamitificao
do trabalhopotico
paraRilke,
"o artista omaravilhoso,
o homem oexplicvel",
vem, no entanto,
j
nasequncia
dumatradio
construtivista queremonta at
Berkeley
e, no espaoalemo,
Kant. Ochoque epistemo
lgico
eexistencial, produzido
pela reduo
do conhecimento scate-7 Walter
Benjamin: "Uber dcn Begriff der Gcschichte", in: Gesammelte Schriften.
Hrsg. von RolfTiedemann und Hermann Schweppenhauser, 12 vols., Frankfurt am
Main, 1980, vol. 1.2, pp. 697s.
8 Rilke:
gorias
do entendimentohumano,
pode-se
verificar nitidamente nascartas de Kleist, escritas em 1801, que tematizam a
vertigem
e adesorientao
na ideia dum olhar quej
no transmite uma verdadeabsoluta. O que
desespero
para Kleist9 - a relatividadeda
percepo
e asconsequncias
cognitivas
da suapossvel
diversidade - reformulado por
Wittgenstein,
com a mesma metfora dos culos que Kleistj
utilizara: "A ideia est, por assimdizer,
no nosso nariz tal como osculos,
e o queobservamos,
vemos atravs deles."10Assim,
no existe nenhumexterior;
"l fora falta o ar pararespirar".
Masj
Goethe afirma que "todos os factosj
so teoria". "No vale a penaprocurar atrs dos
fenmenos,
eles mesmos so a doutrina".11Assim,
osobjectos
so s destacados do nadapelas
ideias dos homens e voltam de novo aonada,
se as ideias seperdem.
Nesta
perspectiva,
nopossvel
estabelecer umaontologia
apartir
dapercepo,
o que opositivismo
cientfico ehistoriogrfico
vaicontrariar,
com bastantexito,
durante um sculo e meio,pelo
menos. A ilusoontolgica
-a
convico
de quepodemos
efectivamente ver o que est l fora - to
persistente
porquecorresponde
a umaprtica
quotidiana
que naturaliza porcompleto
aconstruo
perceptiva
do mundo. Mesmo se aneurobiologia
actual est ainda bastante dividida sobre a natureza e o funcionamento das representaes
mentais -Varela,
por ex., inclina-se para uma
constituio
sub-simblica dosentido,12
e outros autores consideram o conceito darepresentao
mental como "um elemento descritivometa-lingustico
semcorrespondncia
material ao nvel dos processos cerebrais biolgicos"13
- osprogressos substanciais no entendimento da
percepo
visual nos ltimos anospermitem
concluir que aimagem,
que estamos a ver, resulta s em 20% de estmulos exteriores e em 80% de dados9 Heinrich von Kleist: Smtliche Werke und
Briefe.Hrsg. von Helmut Sembdner,
vol. II, Mnchen, 61977, pp. 633-670.
[0
Ludwig
Witteenstein: Pllosophische Untersuchungen, Frankfurt am Main, -M982,p. 76.
1 Johann
Wolfgang von Goethe: M/er^.Sophien-Ausgabe, Weimar, 1887- 1919, II, vol. ll,p. 131.
2 Francisco J. Varela:
Kognitionswissenschaft.
Kognitionsteclmik.
Ubcrsctzt vonWolfram Karl Kck. Mit einem Vorwort von Siegfried J. Schmidt. Frankfurt am
Main, 1990, pp. 112ss. 3 Interne
Reprsentationen. Neue Konzepte der Hirnforschting. DELFIN 1966.
Hrsg.
von Gebhard Rusch, Siegfried J. Schmidt und Olaf Brcidcnbach. FrankfurtO Conceito de
Representao
mentais
ligados
sobretudo memria, umainstncia, alis,
cuja
metaforizao
cientfica tradicional (oarmazm,
asrecordaes
gravadas,
etc.)
j
se tornou obsoleta.Se as
pesquisas
recentesapontam
mais para afuno
interpreta
tiva e criativa da memria noquadro
dumaconfirmao
e reformulao
autobiogrfica
permanente,
estaviragem
terica temconsequn
cias bvias para a
autorepresentao
dosujeito.
Na medida em que a realidadeontolgica
se dissolve emconstrues
internas,
tambm osujeito
dissociado e transformado numa instncia emergente e toprovisria
como inacessvel. Rilke afirma: "No conhecemos o contorno do sentimento, s o que lhe d forma do
exterior",14
e estes ver sos retomam uma ideia de Nietzsche quej
constatara que s conhe cemos doprximo
as suasfronteiras;
"o nosso conhecimento dele como um espao oco, delimitado".Produzimos,
em suma, "satlites do nossoprprio
sistema".15Reduzindo a
percepo,
arepresentao
do mundo e aauto--imagem
dosujeito
a um mecanismo sistmico, coloca-se oproblema
da verdade que era ainda paraKleist,
antes de ler Kant, o garante da vida eterna. Se Nietzsche define a verdade como umconjunto
de iluses e mentirascanonizadas,
de metforas e metonmias antropo cntricas epatticas
que nocorrespondem
s coisas e acabam numaassimilao
total domundo,16
a referencialidade desloca-se para umjogo complexo
quepermite,
alis,
aprpria
existncia das cincias sociais e humanas que resultam dadiferenciao
dum espaocogniti
vo autnomo. Este espaopermite
no s pensar uma realidade, mas tambm esquecer o funcionamento metafrico desse pensamento nanaturalizao
desta realidade e das suas maravilhas. Neste sentido, Luhmann vai dizer que averdade,
como mdiumno-referencial,
permite
asequencializao
discursiva deequivalncias
de realidade.O texto, a
imagem,
no representa omundo,
mas apresenta um mundo que aceitamos como real.17 Nestaperspectiva,
a histria do conceito derepresentao
mostra uma retiradaprogressiva
do domnio14 Rilke: Smtliche Werke, vol.
I, p. 697.
15 Friedrich Nietzsche:
Morgenrthe, in: Smtliche Werke. Kritische Studienausgabe
in 15 Banden. Hrsg. von Giorgio Colli und Mazzino Montinari, Munchen, 1980,
vol. III, p. 111.
16 Idem, vol. I,
pp. 880s.
17 Niklas Luhmann: Die
Wissenschaft
der Gesellschaft. Frankfurt am Main, 1990,metafsico e
ontolgico
para umaantropologia
efisiologia
imanentes. 0 carcter traumtico deste processo deimanenciao,
digamos
assim- Nietzsche e Rilke utilizam
frequentemente
a metfora da"priso"
queimplica
ainda a existncia dum outro mundo l fora-pode
expli
car o fascnio
persistente
dasprojeces espaciais
que insistem nadiferena
do fora e do dentro e, porconseguinte,
numapossvel
transgresso.
No controverso livro de
George
Steiner de1985,
porexemplo,
a presena real do divino, que o autor afirma contraqualquer
racionali dadeemprica, implica
o conceito duma zonafronteiria
- Steiner falado "borderland"18 - na
qual
somos vizinhos do desconhecido que tres passa as ordens de substnciapragmtica
e actua do outro lado dalinha das sombras. Estas ideias
j
se encontram quase literalmente nos dirios dopintor
Paul Klee quefala,
natradio
romntica,
do"Zwischenwelt",
do mundo transitrio entre o visvel e o invisvel, onde osanjos,
como dizApel,19
se transformam em smbolos do carcterprovisrio
dequalquer experincia.
Steiner,
no entanto, aoligar
a obra de Proustinvocao
doanjo
da morte,"cujas
asas seentrelaam
com as folhas das obrasprimas
dos artistasmortos",
radi caliza a esttica comoformalizao
daepifania,
utilizandoaqui,
curiosamente,
tambm o conceito de "tradutor" e de continuidade naimagem
do"shining
through",20
duma luz que vem do alm e queilumina a imensidade da nossa espera. Em face da
complexidade
e dariqueza
da artemoderna,
porm,
a antinomia steineriana entre uma racionalidade redutora e a presena de Deus torna-se um tantomecnica. Sem ter a
pretenso
deresponder aqui
questo
de saber se nospodemos
efectivamente sentir em casa na imanncia e na diversidade
contingente
do mundo moderno,queria
ainda salientar umaspecto
importante
para a esttica chamadaps-modernista.
SeSteiner
exige,
na linha dum entendimentopleno
da arte e do pensamento: "we must read as
if,
no sentido de que "Deusexiste",
esta regrapode-se
interpretar
tambm duma outra maneira. O "as if"poderia
ser, no fundo, ajanela pintada
quepermite
aformalizao
18
George
Steiner: Real presences. Is thereanything
in what we say? London,Boston, 1989, p. 225.
19 Fricdmar
Apel: Hiinmelsselmsucht: clie Sichtbarkeit derEngel in derromantischen Lheraturund Kunst sowie bei Klee, Rilke undBenjamin, Paderborn, 1994, p. 1 52.
20 Steiner,
O Conceito de
Representao
esttica como
projeco
daepifania
e,assim,
aconstruo
dum espa o para osanjos
transfigurados
e um tantoperdidos
da modernidade.Nesta
perspectiva,
citaria o texto duma autorasua,
Annemarie Schwarzenbach, que tematiza uma estadia na Prsia nos anos 30. Otexto existe em duas verses, uma, manuscrita e
publicada
sdepois
da morte da autora, que se chama Das Tal des Todes(O
vale damorte),
e uma outra, retrabalhada epublicada
com o ttulo Dasgluckliche
Tal(O
valefeliz),
um vale"que j
no tem sada nenhuma e que, por isso, deve parecer-se com olugar
da morte e avizinhar-se dos campos dosanjos".21
Os dois textos tentam fixar adissociao
do "eu" e a morte no fim duma vida vista como"prenda
duma liberdade terrvel". Os relatos culminam num encontro com oanjo, "que
espera no fim de todos oscaminhos,
o manto de nuvens nos ombros e a cara imaculada desviada". Estesanjos
no fim do caminho da nossa histriaj
no so osanjos
datradio
crist que ritualiza at a morte eimpe
de o ser humano de se sentir abandonado. Na solido do valeperdido
nas montanhas persas, o encontro com o
anjo
retoma mais uma vez o"segredo"
que de no saber o que existe fora de ns. Oanjo
confronta a narradora com a vaidade da esperana e a ausncia de Deus.
"Ests
acabada",
diz oanjo,
"ests na escurido total. Admite que, apesar da tuajuventude,
tentaste todos os caminhos. Foram subterfgios,
desvios e camonhos errados". E o seu conselho final: "S humil de! No acredites que possas escaparseja
a que for".22 Nasegunda
verso do texto, diz ainda: "Vaishabituar-te,
calar-te e recordar osmeus olhos
imortais",
deixando o narrador "semdesejo,
sem remisso, moralmente cansado".23 Nos textos de Annemarie Schwarzenbach, os motivos e asfiguras
datradio
metafsica aparecem como merasrepresentaes
de sentimentos e esperanas que, apesar do seu pesoexistencial,
no passam deconvenes.
A escrita literria, aoadapta
das a um contexto histrico emevoluo
permanente, garante a conti nuidade de um "as if" quej
noprecisa
delegitimar-se
com a ilusoontolgica.
Se as
imagens
e os modelos que a cincia utiliza esto paraSteiner, que segue
aqui
Foucault,
intimamenteligados
aopoder,
a suasubstancializao
isenta da arte tambm seaproxima
bastante daideo-21 Annemarie Schwarzenbach:
Das gluckliche Tal. Frankfurt am Main, Berlin, 1991,
p. 15.
1 Idem: Tod in
Persien (Ia verso do texto), Bascl, 1995, pp. 1 13s.
23 Schwarzenbach: Das
logia
que nunca deixou deaproveitar-se
da arte. Por outro lado, aslimitaes
da imanncia e a ruptura do contrato entre apalavra
e omundo,
que Steiner tantodeplora,
escamoteiam um aspecto que estigualmente
ausente no aforismo deSklowskij.
Nietzsche refere-o ao lembrar que no "o mundo comoobjecto
emsi,
mas o mundo comorepresentao
(como
erro)
que to rico emsignificados,
toprofun
do, maravilhoso, incluindo felicidade e misria".24 Por outras
pala
vras, o que
ultrapassa
a antinomia entre ajanela
para o mundo e ajanela pintada,
entre umatraduo
do invisvel e umjogo
sistmico, seria afuno
da arte que se realiza na leitura e que determina tam bm, nas suas vriaspossibilidades,
o estatuto social darepresentao
no sistema cultural. Mas entender estapragmtica
numacomplexida
de quej
no se limita normatividade dasantigas
ideologias,
afecta tambm opapel
do artista, a sua "aura" tradicional que se alimentava dum contedo transcendente e quepostulava
umaobrigao
ticaimprescindvel.
Aodispensar
a arte, como na teoria dossistemas,
destaresponsabilidade
ticapelo
destino do mundo, afuno
socialda
representao
tem de serredefinida,
o que Luhmann tenta fazer no seu recente livro Die Kunst derGesellschaft
(A
arte da sociedade) de1995.25 E, por ventura, no faz mal nenhum no
exigir
mais das artesque cumpram as promessas que a
religio
e o estado no se cansaram de fazer. Se a artepode
efectivamente sobreviver sem estas promessas, evidenciando
simplesmente
o destino estrutural da modernidade naemancipao
dacontingncia,
eis uma outraquesto.
Rsum
Cette communication aborde,
partir
du moti de la fentre (Rilke) cl desconfigurations spatiales rcspectives
(dchors -dedans,je
- monde, etc), lamise-en-problme
de lareprsentation
(aussi bien au niveau de la connaissan-cequ'au
niveau de la mimsiscsthtique),
une notionqui,
avec Kant, rentredfinitivement dans la modernit. La continuit des traditions
mctaphysiqucs,
confirme par lepositivisme ontologisant,
d'un ct, et la ruplurc du contrai entre laparole
et le monde(Steiner),
de 1'autre, creent des espacessubsidiai-res des
grands
mythes
traditionncls (Rilke,Sklowskij,
Benjamin)
danslesquels
sepromnent
les angesprodigues
entre les miroirs auto-rfrencielsde la modernit.
Friedrich Nietzsche: Menschliches, Allzumenschliches, in: Smtliche Werke, vol. 2. p. 46.