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Migração, trabalho imaterial e subjetividade : (re)invenção dos modos de viver de migrantes e refugiados

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

LAURA ALVES SCHERER

MIGRAÇÃO, TRABALHO IMATERIAL E SUBJETIVIDADE:

(RE)INVENÇÃO DOS MODOS DE VIVER DE MIGRANTES E REFUGIADOS

Porto Alegre 2020

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LAURA ALVES SCHERER

MIGRAÇÃO, TRABALHO IMATERIAL E SUBJETIVIDADE:

(RE)INVENÇÃO DOS MODOS DE VIVER DE MIGRANTES E REFUGIADOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Administração.

Orientadora: Profª Dra. Carmem Ligia Iochins Grisci

Porto Alegre 2020

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LAURA ALVES SCHERER

MIGRAÇÃO, TRABALHO IMATERIAL E SUBJETIVIDADE:

(RE)INVENÇÃO DOS MODOS DE VIVER DE MIGRANTES E REFUGIADOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Administração.

Aprovado em 29 de junho de 2020.

Banca examinadora:

____________________________________________________ Profa. Dra. Carmem Ligia Iochins Grisci

Orientadora PPGA/EA/UFRGS

______________________________________________________ Profa. Dra. Fernanda Tarabal Lopes

PPGA/CEFET-MG e EA/UFRGS

______________________________________________________ Profa. Dra. Lucia Barbosa de Oliveira

EBAPE/FGV

______________________________________________________ Profa. Dra. Shalimar Gallon

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Aos meus pais, por todo amor e pelo incentivo

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A conclusão desta tese é parte de um percurso formado por muitos encontros com pessoas e instituições que ajudaram a tecer e a singularizar a minha trajetória como doutoranda. Reservo este espaço para demonstrar meu carinho e minha profunda gratidão.

Aos migrantes e refugiados que contribuíram com esta tese, agradeço pela confiança que em mim depositaram ao me contarem suas histórias e pela oportunidade de construção conjunta deste trabalho. O período de convivência com vocês se mostrou realmente uma experiência transformadora para mim. Espero ter correspondido às expectativas de vocês! Muito obrigada! Muchas gracias! Mèsi anpil ! ك ل ارك ش ! Jërëjëf! Merci beaucoup ! O eun p p Thank you!

Agradeço à minha orientadora, Profa. Carmem Grisci, cuja sabedoria e sensibilidade transmitidas nas orientações foram fundamentais à construção desta tese. Obrigada pela confiança que depositaste em mim e, em especial, por teres me apresentado referências literárias e modos de pesquisar que instigam à experiência do olhar. Tais ensinamentos contribuíram enormemente à minha formação como pesquisadora. Muito obrigada!

Ao Prof. Jean-François Chanlat agradeço pela oportunidade e pelo acolhimento durante o período de pesquisa na Université Paris-Dauphine. Agradeço as ricas trocas ocorridas durante as conversas, os seminários e as reuniões da Chaire Management, Diversités et Cohésion Sociale. Je vous remerci pour tout !

Aos membros da banca, Professoras Fernanda Tarabal, Lucia de Oliveira e Shalimar Gallon, agradeço por dedicarem seu tempo a este trabalho e pelas valorosas contribuições. Também agradeço à Profa. Fernanda, por me indicar valiosos caminhos para os estudos em Paris e à Profa. Lucia, pelas trocas durante os eventos acadêmicos. Ademais, agradeço ao Prof. Sidinei Rocha-de-Oliveira, que participou da qualificação e defesa do projeto, assim como da minha caminhada como doutoranda, pelo exemplo de ética e generosidade com que partilha conhecimento e incentiva os alunos. Meu profundo agradecimento a vocês!

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À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, meu agradecimento pela formação gratuita e de qualidade. Da mesma forma, a todos os técnicos-administrativos, em especial ao Thiago Antunes, e professores do Programa de Pós-Graduação em Administração, em especial à Profa. Andrea Oltramari e à Profa. Angela Scheffer, pelas reflexões sobre Relações de Trabalho e Gestão de Pessoas e pela presença em momentos importantes da minha trajetória de doutorado.

À Universidade Federal do Pampa, campus Santana do Livramento, agradeço pela oportunidade de ter tirado a licença capacitação para dedicar-me integralmente aos estudos durante a maior parte de minha trajetória doutoral.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), agradeço pela bolsa que me foi concedida pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior – PDSE.

Agradeço, também, a todos que fizeram da minha jornada como migrante-acadêmica na França uma experiência de aprendizagem incrível e singular. A todos os professores e os colegas da equipe de Management & Organisation da Université Paris-Dauphine, especialmente aos doutorandos Amanda, Asma, Aurore, Carlos, Dianzhuo, Elise, Marine, Nour, Romain e Teresa. E a todos les résidents da Maison du Brésil, em especial, a minha amiga Nathalia. Merci beaucoup !

Ao OIC (Observatório Internacional de Carreiras) e ao GINEIT (Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho), obrigada pelas construtivas discussões das quais nasceram muitas boas ideias e projetos. Agradeço a todos os queridos colegas e, em especial, aos que dividiram comigo momentos marcantes neste percurso, Aline, Cátia, Camila, Claudia, Cristiane, Gabriele, Giovanna, Liana, Rosana e Sergio.

Obrigada aos ensaístas Marcia, Renato e Vinicius, grupo que, ao compartilhar etapas, prazos, angústias e desafios desta trajetória de doutorado cresceu junto, nutrindo coleguismo e amizade! Obrigada meus queridos! Aprendi muito com cada um de vocês!

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Às amigas e colegas de orientação, Ana, Caroline, Jenifer e Vanessa, agradeço pelas inúmeras discussões teóricas, reflexões, risadas, palavras e pelos gestos de apoio e incentivo. Também à Luiza que, mais tarde, se juntou a nós. Tenho admiração e carinho imenso por vocês!

Aos colegas da Unipampa, especialmente à Silvia e ao Paulo, que mesmo à distância acompanharam e incentivaram a minha trajetória como doutoranda, meu agradecimento.

Agradeço à minha família, meu porto seguro, aos meus pais, Jurema e Luiz Fernando, meus exemplos de vida, sempre atentos e dispostos a me apoiar para que eu possa continuar. Sem o suporte de vocês eu jamais teria chegado até aqui. À minha amada irmã, Luíza, e ao meu amado sobrinho, Davi, obrigada pelos momentos de alegria da vida em família. Ao Paulo, meu amor, agradeço pela presença, pelo companheirismo e por me acompanhar (literalmente) em praticamente todos os momentos deste sonho que era o doutorado. Teus cuidados e carinho fizeram toda a diferença! Amo vocês!

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Somos uma espécie em viagem Não temos pertences, mas bagagem Vamos com o pólen, no vento Estamos vivos porque estamos em movimento Nunca estamos quietos, somos transumantes Somos pais, filhos, netos e bisnetos de imigrantes

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Tendo em vista o recrudescimento dos novos fluxos migratórios do sul global para o Brasil na última década, a tendência à hegemonia do trabalho imaterial no capitalismo flexível e globalizado e as limitações de estudos da Administração acerca de migrantes e refugiados no entrelaçamento entre mobilidade internacional e trabalho, tem-se como objetivo geral, nesta tese, cartografar os processos de subjetivação que compõem o trabalho imaterial nos percursos de migrantes e refugiados. Para tanto, se alicerça nos pilares Migração, Trabalho e Subjetividade, os quais confluem na abordagem da Autonomia das Migrações (MEZZADRA, 2012; 2015). Pauta-se fundamentalmente nas produções teóricas sobre migração e refúgio (AGIER, 2016; CASTLES, 2010, SAYAD, 1979), seus dispositivos de proteção e regulação (ACNUR; OIM; BRASIL, 1997; 2017), trabalho imaterial (GORZ, 2005; LAZZARATO; NEGRI, 2001), espaços liso e estriado (DELEUZE; GUATTARI, 2012b), modos de individuação e singularização (GUATTARI; ROLNIK, 1996) e modos de viver em deslocamento (BAUMAN, 1999; 2011). A cartografia, enquanto método, permitiu uma experimentação da pesquisadora como flâneur-cartógrafa na cidade de Porto Alegre/RS e possibilitou a participação-intervenção em um território-rizoma formado por 36 eventos-atividades, cinco informantes-chave e 16 migrantes econômicos e refugiados que desenvolvem trabalhos nas áreas de música, dança, alimentação, moda, idioma e representação político-cultural utilizando referências de seus países de origem, que são Venezuela, Haiti, Síria, Senegal, Costa do Marfim e Nigéria. A partir das observações-participantes e das entrevistas, produziram-se quatro dimensões analíticas: Partir, Chegar, Empreender(-se) e (Re)inventar(-se). A tese defendida é a de que, pela via do trabalho imaterial, desponta a (re)invenção de modos de viver de migrantes e refugiados no país de destino. Tal argumento se sustenta nas frequentes investidas em traçar linhas de fuga de um espaço estriado individuante em direção a um espaço liso singularizante que visibiliza o trabalho imaterial dos migrantes e refugiados, evidenciado, sobretudo, pelo uso de referências dos países de origem e pela situação de migração ou refúgio. Os momentos preponderantes da processualidade dessas passagens e sobreposições podem ser percebidos nas restrições de vida devido às situações-limite instaladas nos países de origem; no empenho para migrar ou refugiar-se sobrelevando o paradoxo das migrações empurradas e autônomas; nos dispositivos legais, burocráticos e políticos que gerenciam as vidas (e possibilidades de trabalho) nas travessias e no país de destino; no direcionamento ao ―mercado de trabalho para migrantes e refugiados‖ vinculado à precarização, à desvalorização social e à aporofobia; nos investimentos em form(a)ções; nos modos de criação de atividades artísticas, técnico-manuais e comunicacionais do trabalho imaterial; no que eles trazem na bagagem; na (co)participação de clientes e no uso de redes sociais da internet no ciclo de produção; na formação de um novo ―mercado de trabalho para migrantes e refugiados‖ vinculado ao afeto e à política; na rede de cooperação afetiva, social, rentabilizadora e emancipatória consubstanciada ao trabalho imaterial e agenciada ao longo do percurso; e, enfim, no devir-migrante e no devir-refugiado como leitura dos modos de viver em deslocamento. Sem abandonar o que são, migrantes e refugiados percebem, nas atividades do trabalho imaterial, outras formas de viver, de se envolver na vida já existente e, ao mesmo tempo, de continuar em deslocamento, provocando outros devires.

Palavras-chave: migrante; refugiado; subjetividade; trabalho imaterial; mobilidade

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In view of the recrudescence of new migratory flows from the global south to Brazil in the last decade, the tendency to hegemony immaterial labour in flexible and globalized capitalism, and the limitations of Business Studies about migrants and refugees between international mobility and labour, the general objective of this thesis is to map the processes of subjectivation that compose immaterial labour in the paths of migrants and refugees. To do so, it is based on the Migration, Work, and Subjectivity pillars, which converge in the Autonomy of Migration approach (MEZZADRA, 2012; 2015). It is fundamentally based on theoretical productions on migration and refuge (AGIER, 2016; CASTLES, 2010, SAYAD, 1979), its protection and regulation devices (UNHCR; IOM; BRAZIL, 1997; 2017), immaterial labour (GORZ, 2005); LAZZARATO; NEGRI, 2001), concepts of smooth and striated spaces (DELEUZE; GUATTARI, 2012b), modes of individuation and singularization (GUATTARI; ROLNIK, 1996), and modes of living in displacement (BAUMAN, 1999; 2011). Cartography as a method allowed the researcher to experiment as a flâneur-cartographer in Porto Alegre - RS and enabled participation-intervention in a territory formed by 36 events-activities, five key informants and 16 economic migrants and refugees who develop work in the areas of music, dance, food, fashion, language and political-cultural representation with references from their countries of origin: Venezuela, Haiti, Syria, Senegal, Ivory Coast and Nigeria. From the participant observations and interviews, four analytical dimensions were produced: Leaving, Arriving, Endeavoring (oneself) and (Re)Inventing (oneself). The thesis is that through immaterial labour emerges the (re)invention of ways of living for migrants and refugees in the country of destination. This argument is based on the frequent attempts to draw lines of flight from an individuating striated space towards a singularizing smooth space that highlights the immaterial labour of migrants and refugees, evidenced, mainly, by the use of references from the countries of origin and the situation of migration or refuge. The preponderant moments of the procedurality of these passages and overlaps can be seen in the restrictions of life due to the limiting situations installed in their countries of origin; in the effort to migrate or take refuge, raising the paradox of pushed and autonomous migrations; in the legal, bureaucratic and political devices that manage their lives (and work possibilities) in the crossings and in the country of destination; in the direction of the "labour market for migrants and refugees" linked to precariousness, social devaluation and aporophobia; in the investments in education; in the ways of creating artistic, technical-manual and communicational activities of immaterial labour; in what they bring in their luggage; in the (co)participation of clients and in the use of Internet social networks in the production cycle; in the formation of a new "labour market for migrants and refugees" linked to affection and politics; in the affective, social, profitable and emancipatory networks cooperation consubstantiated in the immaterial labour and managed along the paths; and finally, in the becoming-migrant and becoming-refugee as a reading of the ways of living in displacement. Without abandoning who they are, the activities of immaterial labour provide other ways of living, of feeling, of getting involved in the already existing life and, at the same time, ways of continuing in displacement, provoking other becomings.

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RÉSUMÉ

Au vu de la recrudescence de nouveaux flux migratoires du Sud du globe vers le Brésil au cours de la dernière décennie, de la tendance à l'hégémonie du travail immatériel dans le capitalisme flexible et mondialisé et dans les limitations des études de Gestion à propos des migrants et des réfugiés dans l'entrelacement entre mobilité internationale et travail, cette thèse a pour objectif général cartographier les processus de subjectivation qui composent le travail immatériel dans les parcours des migrants et des réfugiés. Pour ce faire, ce travail s'appuie sur les piliers : Migration, Travail et Subjectivité ; qui convergent dans l'approche de l‘Autonomie des Migrations (MEZZADRA, 2012 ; 2015). Il repose principalement sur des productions théoriques concernant la migration et le refuge (AGIER, 2016; CASTLES, 2010, SAYAD, 1979), ses dispositifs de protection et de régulation (ACNUR ; OIM ; BRASIL, 1997 ; 2017), le travail immatériel (GORZ, 2005; LAZZARATO; NEGRI, 2001), les espaces lisses et striés (DELEUZE ; GUATTARI, 2012b), les modes d'individuation et de singularisation (GUATTARI; ROLNIK, 1996) et les modes de vie en déplacement (BAUMAN, 1999 ; 2011). La cartographie, en tant que méthode, a permis à la chercheuse une expérimentation comme flâneur-cartographe dans la ville de Porto Alegre / RS, aussi bien que la participation-intervention dans un territoire rhizome formé de 36 événements-activités, cinq informateurs clés et 16 migrants économiques et réfugiés qui développent des travails dans les domaines de la musique, de la danse, de la gastronomie, de la mode, de la langue et de la représentation politico-culturelle, en utilisant des références de leurs pays d'origine, tels que le Venezuela, Haïti, la Syrie, le Sénégal, la Côte d'Ivoire et le Nigeria. À partir des observations participantes et des entretiens, quatre dimensions analytiques ont été produites : partir, arriver, (s‘) entreprendre et (se) (ré) inventer. La thèse défendue est que, à travers le travail immatériel, émerge la (ré) invention des modes de vie des migrants et des réfugiés dans le pays de destination. Cet argument repose sur les efforts fréquents pour tracer des lignes de fuite d'un espace individualisant strié vers un espace singularisant lisse qui rend visible le travail immatériel des migrants et des réfugiés, ce qui se traduit surtout par l'utilisation des références des pays d'origine et par la situation de migration ou de refuge. Les moments prépondérants du processus de ces passages et superpositions peuvent être perçus dans les restrictions de vie dues aux situations limites présentes dans les pays d'origine ; par l'effort de migrer ou de se réfugier, soulevant le paradoxe des migrations poussées et autonomes ; par les dispositifs juridiques, bureaucratiques et politiques qui gèrent la vie (et les possibilités d'emploi) aux points de passage et dans le pays de destination ; en ce qui vise le «marché du travail pour les migrants et les réfugiés» lié à la précarité, à la dévaluation sociale et à l'aporophobie ; par les investissements en form(a)tions ; par les manières de créer des activités artistiques, techniques-manuelles et communicationnelles du travail immatériel ; en ce qu'ils apportent dans leurs bagages ; par la (co) participation des clients et dans l'utilisation des réseaux sociaux d‘internet dans le cycle de production; par la formation d'un nouveau «marché du travail pour les migrants et les réfugiés» lié à l'affection et à la politique ; par le réseau de coopération affective, sociale, rentable et émancipatrice incarnée dans le travail immatériel et gérée tout au long du parcours ; et, enfin, par le devenir-migrant et le devenir-réfugié en tant que déchiffrage des modes de vie en déplacement. Sans abandonner ce qu'ils sont, les migrants et les réfugiés perçoivent, dans les activités de travail immatériel, d'autres façons de vivre et d'être impliqués dans la vie existante et, en même temps, de continuer à se déplacer, provoquant d'autres devenirs.

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Figura 1 - Posicionamento dos migrantes na perspectiva do trabalho ... 73

Figura 2 - Pontos, linhas e superfícies dos espaços liso e estriado ... 75

Figura 3 - Migração, trabalho e subjetividade: um olhar entrelaçado ... 94

Figura 4 - Mapa do território de pesquisa ... 118

Figura 5 - Cartografia dos processos de subjetivação que compõem o trabalho imaterial nos percursos de migrantes e refugiados ... 199

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Gráfico 1 - Migrações sul-sul X Migrações sul-norte ... 50 Gráfico 2 - Solicitações de refúgio no Brasil (2010-2018) ... 51 Gráfico 3 - Movimentação de trabalhadores migrantes no mercado de trabalho formal brasileiro (2011-2018) ... 64 Gráfico 4 - Evolução do Saldo de Movimentações de Trabalhadores Migrantes (2011 a 2018) ... 66

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Quadro 1 - Países de origem dos solicitantes de refúgio no Brasil... 52

Quadro 2 - Número de Carteiras de Trabalho e Previdência Social emitidas para migrantes, por ano, segundo status migratório (2010 a 2018) ... 63

Quadro 3 - Percurso como flâneur-cartógrafa em Porto Alegre 2017-2019 ... 109

Quadro 4 - Informantes-chave ... 112

Quadro 5 - Apresentação dos migrantes e refugiados ... 113

Quadro 6 - Entrevistas e encontros com os migrantes e refugiados ... 116

Quadro 7 - Apresentação dos percursos – Partir ... 123

Quadro 8 - Apresentação dos percursos – Chegar ... 141

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ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ou Agência da ONU para Refugiados

CONARE Comitê Nacional para os Refugiados

CNIg Conselho Nacional de Imigração

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ILO International Labour Organization

IOM International Organization for Migration

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

OBMigra Observatório das Migrações Internacionais

OIM Organização Internacional para as Migrações

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organização Não Governamental

ONU SENAC

Organização das Nações Unidas

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SINE Sistema Nacional de Emprego

SindiPOA Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre

UN/DESA Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas

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PERCURSO DA PESQUISA(DORA) ... 19

1 INTRODUÇÃO... 21

1.1 ARGUMENTO, QUESTÕES E OBJETIVOS DA TESE ... 26

1.2 RELEVÂNCIA E ESTRUTURA DA PESQUISA ... 28

2 REFERENCIAL TEÓRICO... 33

2.1 MIGRAÇÃO ... 33

2.1.1 Globalização: Mobilidade para Quem? ... 33

2.1.2 Usos/Desusos/Abusos de Termos relativos às Migrações ... 36

2.1.3 Desdobramentos Conceituais e Legais no Contexto Brasileiro ... 42

2.1.4 Movimentos de Migração e Refúgio ... 48

2.2 TRABALHO ... 55

2.2.1 Transformações do Trabalho e dos Fluxos de Produção ... 55

2.2.2 Trabalho Imaterial ... 57

2.2.3 Trabalho para Imigrantes e Refugiados ... 61

2.3 SUBJETIVIDADE ... 74

2.3.1 Espaço Liso e Estriado ... 74

2.3.2 Modos de Individuação e Singularização ... 79

2.3.3 Andarilho, Jogador, Turista e Vagante: modos de viver a vida em deslocamento ... 81

2.4 AUTONOMIA DAS MIGRAÇÕES: CONFLUINDO MIGRAÇÃO, TRABALHO E SUBJETIVIDADE ... 86

3 EPISTEMOLOGIA E MÉTODO ... 95

3.1 PÓS-ESTRUTURALISMO E CARTOGRAFIA ... 95

3.2 PISTAS DO MÉTODO CARTOGRÁFICO ... 98

3.3 APROXIMAÇÃO DO TERRITÓRIO ... 101

3.4 ESTRATÉGIAS E PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO DA CARTOGRAFIA ... 106

3.4.1 Observação-participante e entrevista ... 107

3.4.2 Eventos-atividades e participantes da pesquisa ... 108

3.4.3 Aspectos éticos ... 119

3.5 ANÁLISE DOS DADOS PRODUZIDOS... 120

4 TESSITURA DOS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO NO PERCURSO DE MIGRANTES E REFUGIADOS ... 122

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4.1 PARTIR ... 122

4.1.1 Família-formação-trabalho no país de origem ... 124

4.1.2 Vidas Empurradas e Autonomia das Migrações ... 128

4.1.3 Travessias e atravessamentos ... 134

4.1.4 Um olhar sobre o partir ... 138

4.2 CHEGAR ... 140

4.2.1 Às margens ... 142

4.2.2 Inserções laborais transitórias ... 148

4.2.3 Form(A)ções no país de destino ... 154

4.2.4 Um olhar sobre o chegar ... 160

4.3 EMPREENDER(-SE) ... 163

4.3.1 Modos vernáculos de criação de trabalho imaterial ... 165

4.3.1.1 Atividades artísticas na perspectiva de modos de expressão histórico-culturais-informativos ... 166

4.3.1.2 Atividades técnico-manuais na perspectiva da habilidade-criatividade-imaginação ... 169

4.3.1.3 Atividades comunicacionais na perspectiva das relações sócio-político-culturais ... 173

4.3.2 Agenciamentos relativos às especificidades estrangeiras no ciclo de produção ... 177

4.3.2.1 O que vem na bagagem ... 177

4.3.2.2 Os dispositivos midiático-tecnológicos gratuitos e sem fronteiras ... 179

4.3.2.3 O cliente (co)produtor-comunicador do ponto sul da globalização ... 182

4.3.3 A mobilização total do migrante/refugiado empreendedor de si ... 187

4.3.4 Um olhar sobre o empreender(-se) ... 192

4.4 (RE)INVENTAR(-SE) ... 195

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 200

5.1 PRINCIPAIS RESULTADOS E CONTRIBUIÇÕES ... 200

5.2 DESAFIOS, LIMITAÇÕES, IMPLICAÇÕES DA PESQUISA E SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS ... 209

POST-SCRIPTUM: O MIGRANTE/REFUGIADO EMPREENDEDOR DE SI EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS (COVID-19) ... 214

REFERÊNCIAS ... 216

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PERCURSO DA PESQUISA(DORA)

Curiosidade e encantamento por conhecer pessoas e lugares, aprender sobre diferentes idiomas, culturas e modos de viver são desejo e prática que mobilizam meu percurso de vida e, consequentemente, norteiam minhas escolhas acadêmicas e profissionais. Durante a Graduação em Administração, no trabalho de conclusão, realizei uma pesquisa inspirada nessas particularidades, especificamente no processo de internacionalização de empresas. Na pós-graduação, o foco de minhas pesquisas tem sido o indivíduo em contexto internacional.

No curso de Especialização, desenvolvi estudo relacionado à vida e ao trabalho de imigrantes chineses no Brasil, e no Mestrado desenvolvi dissertação relativa ao processo de resiliência de expatriados brasileiros na China, com foco na área de gestão internacional de pessoas. Como professora do curso de Graduação em Administração da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), localizada em Santana do Livramento, município de fronteira, desenvolvi um projeto de pesquisa com fronteiriços – indivíduos que moram na região da fronteira entre Brasil e Uruguai, podendo morar, circular, estudar e trabalhar em ambos os países.

Além disso, tive experiências de trabalho em países como Uruguai, Canadá e Índia, o que me colocou como sujeito atuante em territórios que eu desconhecia, fazendo-me sentir na pele como viver em outros lugares pode ser uma experiência diferente daquilo que os nossos olhos estão acostumados. Embora eu tenha me preparado para tais vivências e tenha sido bem recebida nesses países, os estranhamentos foram constantes e me fizeram refletir sobre distintos modos de viver.

Essas experiências me fizeram pensar que a minha trajetória de administradora, professora e pesquisadora esteve voltada à interação entre estrangeiros e brasileiros com viés em pessoas que tiveram a oportunidade de se planejar e escolher sair de seu país de origem em busca de experiência profissional. Tal movimento, comum no mundo globalizado, não é a única possibilidade. Logo no início do meu percurso de doutorado, vieram à tona reflexões sobre a necessidade e urgência de sensibilização para o fato de que há indivíduos que são empurrados a deixar a vida que construíram para recomeçá-la em outro país.

Nesse sentido, motivada pelos estudos que venho desenvolvendo e ciente dos fluxos migratórios que se avolumam, não me vejo alheia à situação de milhares

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de migrantes econômicos, migrantes ambientais e refugiados espalhados pelo mundo. Ao andar pelas ruas de Porto Alegre, cidade onde resido atualmente, e de outros municípios do Brasil, deparei-me com indivíduos que reconheço como estrangeiros, seja pelas suas conversas em outros idiomas, pelas suas vestimentas ou pelos seus traços característicos de países cujas pessoas estão migrando para o Brasil. Diante disso, senti necessidade de refletir sobre a situação que estão vivendo, sobre seus trabalhos, profissões, casas, famílias, amigos, enfim, suas vidas que foram deixadas e recomeçadas em outros lugares.

Já com esses pensamentos pulsantes, tive a oportunidade de realizar um dos maiores sonhos de minha vida – viver e estudar na França, como doutoranda na Université Paris-Dauphine. Lá pude experienciar um tipo de percurso migratório que ainda desconhecia. Ao mesmo tempo em que levava a vida de migrante-acadêmica, pude realizar uma pesquisa-intervenção paralela à tese sobre os modos de viver e trabalhar de refugiados em Paris. Essa experiência foi profunda e basilar à continuidade da tese no Brasil.

Para fechar esta apresentação, de modo a provocar o leitor e adiantar o teor desta pesquisa, registro um trecho de uma conversa que tive com um dos participantes desta tese, o senegalês Saloum, pouco antes da minha partida à França. A reação dele ao saber da minha experiência de migração retrata uma das minhas inquietações – aproximações, distanciamentos, nuances, estereótipos – acerca da multiplicidade e complexidade das migrações:

Mas, Laura, a tua migração vai ser totalmente diferente. Porque um (1): tu fala francês. Dois (2): (pausa) imigração é muito doido. Quando falam migração no meu entendimento é alguém que se arrisca que foi para se refugiar, que não fala idioma. Que vai a um país talvez, ao qual é diferente, as culturas são diferentes. Mas hoje se tu chega na França, se tu não abre a boca, ninguém vai saber se tu é de lá ou não. Se tu olhar pra mim, tu vai saber que eu não sou daqui, tu vai saber sim! (SALOUM)

Ao atentar a essa realidade, encontrei discussões teóricas com abordagens provocadoras, que me possibilitaram discutir o tema sob uma lente voltada à produção de subjetividades, que aproximei dos modos de viver e de trabalhar de migrantes e refugiados no Brasil. Ao mesmo tempo em que me reconheço perto e longe dessa realidade, sinto que dar visibilidade ao tema é uma reponsabilidade e uma necessidade.

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1 INTRODUÇÃO

A migração é um fenômeno que acompanha a história da humanidade e constantemente é mote de estudo de diversas áreas do conhecimento. Nos últimos anos, tem sido explorada de forma mais intensa na academia e nos veículos de informação e comunicação devido aos crescentes fluxos migratórios, que alcançaram patamares históricos e continuam em ascensão.

Esse recrudescimento é efeito do fenômeno da globalização e suas forças capitalísticas, que visa a aumentar não só o fluxo de bens, serviços e capitais ao redor do mundo, mas também de indivíduos (MARTINE, 2005). Na era globalizada, as leis de mercado perturbam os modos de regulação por meio da desterritorialização do poder econômico e da reterritorialização do trabalho (GAULEJAC, 2007; DELEUZE; GUATTARI, 2012b), o que acaba provocando tensionamentos e desigualdades que afetam Estados, organizações e indivíduos. Assim, a mobilidade se torna um valor altamente cobiçado na ordem global, enquanto a liberdade de movimentos se torna uma escassa mercadoria desigualmente distribuída (BAUMAN, 1999; BERRY; BELL, 2012; CASTLES, 2010; FREITAS, 2009).

Enquanto para alguns a globalização significa liberdade, fascínio e glamour para além das fronteiras (FREITAS, 2009), para outros manter-se fixado em sua localidade é uma imposição muitas vezes indesejável e penosa (BAUMAN, 1999; 2017). Fugir dessa imposição da ordem capitalística em direção a outro país seria um ato de resistência (SOUZA, 2016). Esse é o viés desta tese, em que a mobilidade impulsionada pelas forças capitalísticas globais é trazida à discussão a partir do fenômeno da migração internacional. Compreende-se que, sob o ponto de vista do percurso realizado, o indivíduo que se desloca por migração internacional é migrante, o que alude ao emigrante (saída do país de origem) e ao imigrante (chegada ao país de destino), como facetas de um mesmo processo (SAYAD, 1979). Contudo, sob o ponto de vista do motivo que leva o indivíduo a partir de seu país, há uma série de nomenclaturas que reverberam indícios sobre o tipo de oportunidades acessíveis no país de destino.

Diante das diversas motivações e alternativas à migração internacional, surgem múltiplos termos que podem ser analisados pela perspectiva do ―puxa-empurra‖, conforme Bauman (1999; 2011). Considera-se que expatriado, gestor

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global, executivo transnacional, autoexpatriado e imigrante são indivíduos que migram de modo espontâneo – são puxados, portanto, pelas forças capitalísticas da globalização. À exceção do imigrante, os demais, em geral, são oriundos de países do norte global1, e se inserem em postos de trabalho que exigem qualificação. Por outro lado, refugiado, diáspora, imigrante ambiental, imigrante com visto humanitário e imigrante econômico são termos que remetem aos crescentes e atuais fluxos migratórios, nomeando indivíduos que são empurrados de seus países de origem pelas forças capitalísticas da globalização. Em geral, esses sujeitos são oriundos de países do sul global e se inserem em postos de trabalho mais precarizados, de baixa qualificação.

Tais nomenclaturas e os respectivos conceitos não são unanimidade no meio acadêmico, na legislação e na mídia. Por mais que haja um esforço para classificar cada vez mais as migrações, essas tentativas podem promover definições reducionistas da pluralidade da vida (SCHERER; PRESTES; GRISCI, 2019). Além disso, por mais que se busque uma singularidade semântica, sempre haverá casos que dela escapem (BAUMAN; RAUD, 2018).

Contudo, aludir a esses termos é necessário para que seja possível visualizar as discrepâncias, as desigualdades e os preconceitos que circundam a temática das migrações e, principalmente, para chamar a atenção ao fato de que as migrações empurradas2 da atualidade não são necessariamente uma escolha ou parte do planejamento de vida e trabalho, mas uma imposição à vida. Mesmo que, ainda assim, haja muitas tensões e conflitos na pluralidade de forças estruturais e na capacidade de agência ou capacidade subjetiva de ação na migração (MEZZADRA, 2015).

Nesse sentido, dentre os atuais fluxos migratórios mistos, complexos, diversos, multifacetados, toma-se como principal foco de interesse da presente tese migrantes e refugiados do sul global que migraram para o Brasil em cenários de incerteza, empurrados de seus países de origem pelas forças capitalísticas da globalização. Adianta-se que, mesmo ao considerar todos esses indivíduos como

1

Norte global se refere a regiões mais desenvolvidas: Europa e América do Norte, além da Austrália, Nova Zelândia e Japão. Sul global refere-se a regiões menos desenvolvidas: África, Ásia (excluindo Japão), América Latina e Caribe e Oceania (excluindo Austrália e Nova Zelândia) (UN/DESA, 2019). 2

Nesta tese, elegeu-se o termo migração empurrada, com base em Bauman (1999; 2011), a fim de evitar a dicotomia da migração forçada versus voluntária. Ainda, a partir do termo propõe-se que devido às forças capitalísticas globais desfavoráveis, estes indivíduos são empurrados de sua terra e, logo, levados a tomar a decisão de migrar.

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migrantes, optou-se por denominar os sujeitos de pesquisa desta tese como migrantes e refugiados, em linha com o que defende a Organização Internacional para as Migrações3 e a Agência da ONU para Refugiados4, a fim de chamar a atenção à proteção legal específica que os refugiados e solicitantes de refúgio necessitam (ACNUR, 2015). Paralelamente, considera-se que a análise conjunta de migrantes e refugiados traz luz à mobilidade humana como uma força constitutiva da reestruturação global do capitalismo, tanto em seu caráter de regime de acumulação quanto de ordem sociopolítica (DE GENOVA; GARELLI; TAZZIOLI, 2018).

A partir de 2014, houve um recrudescimento do número de refugiados e de migrantes econômicos ou ambientais no fluxo migratório mundial, sendo que tal fenômeno vinha se mantendo constante desde os anos de 1990, conforme aponta o relatório anual da Agência da ONU para Refugiados (UNHCR, 2016). Até o final de 2018, estima-se que 29,4 milhões de indivíduos tenham cruzado fronteiras de países levados pela migração empurrada5, em função de perseguições, conflitos, guerras, violência e violação dos direitos humanos. Dentre eles, encontram-se migrantes com necessidade de proteção, refugiados reconhecidos e solicitantes de refúgio com necessidade de acolhida e de oportunidades para recomeçarem suas vidas em terras estrangeiras (UNHCR, 2018).

A ideia de uma globalização diluidora de fronteiras vem sendo colocada em xeque, tendo em vista as reações estarrecidas de países em cujas portas migrantes e refugiados batem em condições desumanas, precisando de todo tipo de ajuda (BAUMAN, 2017). Para esses milhões de migrantes e refugiados, as fronteiras não desapareceram, ao contrário, os muros estão cada vez mais altos, principalmente os das nações mais influentes, que são responsáveis pelo processo de exclusão dos que ali buscam viver e trabalhar (AGIER, 2016; BAUMAN, 2017; BÓGUS; FABIANO, 2015; CARPENEDO; NARDI, 2017; CASTLES, 2010; HILARIO et al., 2018). Mesmo em países que abrem suas fronteiras, como é o caso do Brasil, que alinha sua

3

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) ou, em inglês, International Organization for Migration (IOM) é a Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para migrantes. Criada em 1951, a Organização trabalha em estreita parceria com os governos, outras organizações e a sociedade civil para fazer frente aos desafios da migração.

4

Agência da ONU para Refugiados é o nome mais conhecido do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) ou, em inglês, United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR). Foi criada em 1950 pela Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial para ajudar milhões de europeus que haviam fugido de seus países ou perdido suas casas. 5

O relatório anual da Agência da ONU para Refugiados (UNHCR, 2018) utiliza o termo migração forçada.

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legislação aos acordos internacionais de direitos humanos e proteção ao refúgio, ainda há muros que extrapolam os muros de fronteiras (MARINUCCI, 2017). Muros aparentes e não aparentes têm implicações para aqueles que buscam no trabalho um modo de (re)construir a vida.

Como base teórica para guiar a análise desse percurso migratório, toma-se a Autonomia das Migrações, abordagem que vai além das políticas de Estado, das legislações e do comportamento da sociedade hegemônica enquanto agente perpetuadora de preconceitos, exclusão e dominação (MEZZADRA, 2012; 2015; MOULIER-BOUTANG, 1998; PAPADOPOULOS; STEPHENSON; TSIANOS, 2008). A Autonomia das Migrações volta o olhar aos tensionamentos e conflitos que ocorrem nos movimentos subjetivos desses migrantes, especialmente os relativos ao trabalho (ALTENRIED et al., 2018; PAPADOPOULOS; STEPHENSON; TSIANOS, 2008). Em vista disso, foca nos processos de subjetivação, ou seja, nos modos de singularização e individualização (GUATTARI; ROLNIK, 1996) que tomam o migrante quando ele sai de sua terra em direção à outra. Nesse contexto, interessa, portanto, entender a ―composição do trabalho vivo e [a] produção de subjetividade ligada à mercantilização da força de trabalho‖ (MEZZADRA, 2012, p. 71).

Da mesma forma, entende-se o trabalho na perspectiva do trabalho imaterial6, compreendendo-o como as atividades corporais, intelectuais, criativas, afetivas e comunicativas que mobilizam o trabalhador a produzir-se para o trabalho (GRISCI, 2011). Esse trabalho, além de produzir subjetividades, gera valor econômico. Dessa maneira, se por um lado o trabalho imaterial é tomado como modo de controle de subjetividades, por outro lado também é capaz de transformar e de constituir indivíduos sociais independentes e autônomos (GORZ, 2005; NEGRI, 2018). Sua capacidade constitutiva está na força coletiva, ou seja, nas redes, nos fluxos, na cooperação, de onde surgem novos modos de viver e de trabalhar (LAZZARATO; NEGRI, 2001; NEGRI, 2018). No caso específico dos migrantes e refugiados, aproxima-se a noção teórica de trabalho imaterial aos percursos de vida, aos saberes vernáculos, às subjetividades guiadas por referências dos seus países de origem, os quais compõem modos de trabalhar.

6

Não obstante controvérsias relativas ao uso do termo trabalho imaterial, optou-se por mantê-lo dado seu potencial de abrangência, visibilização e compreensão relativos ao fenômeno de transformações do trabalho.

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Subjetividade, na perspectiva de Guattari e Rolnik (1996), implica falar do consumo de sistemas de representação, de sensibilidade e de percepção do mundo pela observação do território em que o indivíduo está inserido e ao qual tem acesso. Um território equivalente ao país, à casa, ao trabalho, à profissão, à classe, à etnia e aos ambientes em que o indivíduo convive com seus familiares e grupos sociais de convivência, além das imagens, das palavras, das significações as quais ele tem acesso por meio de dispositivos tecnológicos. A subjetividade é, portanto, modelada, fabricada no social pelos processos de subjetivação. Tais processos podem ser notados a partir dos conceitos de espaço liso e estriado (DELEUZE; GUATTARI, 2012b) e de modos de individuação e singularização (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

O liso e o estriado se manifestam nos modos de praticar, percorrer e experimentar o espaço. O espaço estriado é delimitado, fechado, contudo é possível tomar linhas de fuga para adentrar o espaço liso que, por sua vez, é aberto, ilimitado, tem múltiplas direções, não estabelece facetas fixas e móveis. No espaço estriado ocorre o progresso, mas é no liso que se situa o devir. Em relação a esses espaços podem se estabelecer contrastes simples e complexos. Eles podem, também, se misturar, de modo a se transformar, a se manifestar em passagens de um a outro (DELEUZE; GUATTARI, 2012b). Há complicações, alternâncias e superposições que são mais bem compreendidas quando se analisa os modos de individuação e singularização em determinado contexto social, político, cultural e econômico.

Os modos de individuação dizem respeito à produção serializada de indivíduos pelo controle social. Os modos de singularização se referem aos movimentos de resistência, a uma afirmação de outras maneiras de ser, de outras sensibilidades, de outras percepções que movem a vida (GUATTARI; ROLNIK, 1996). Julga-se que tais processos de subjetivação podem ser exemplificados pelas metáforas relativas a estratégias de vida condizentes com deslocamentos, conforme proposto por Bauman (1999; 2011) – o andarilho, o jogador, o turista e o vagante7

. À partida, considerou-se os quatro tipos apresentados pelo autor como potenciais visibilizadores dos indivíduos das migrações movidas pela globalização.

7

Nas obras de Bauman (1999) e (2011) o termo utilizado na tradução para a língua portuguesa do Brasil foi vagabundo. Contudo, optou-se por substituí-lo por vagante, ao entender que mantém o mesmo sentido do conceito – aquele que vagueia – retirando, pois, a conotação pejorativa – aquele que não gosta de trabalhar.

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Diante disso, evidenciam-se processos de individuação/serialização de migrantes e refugiados em uma sociedade que busca quantificá-los e classificá-los (MEZZADRA, 2015), além de comumente atribuir-lhes um estereótipo de ―coitados‖ e ―desqualificados‖, mesmo quando possuem qualificação (CARDOSO, 2013), limitando-os ao espaço estriado de um mercado de trabalho precário (SAYAD, 1979) que os nativos não querem ocupar (HILARIO et al., 2018). É necessário, contudo, identificar modos de singularização, como sugerem De Genova, Garelli e Tazzioli (2018), enxergando além dos rótulos e, em linha com Castles (2010), alcançando o protagonismo dos migrantes e refugiados. Afinal, fugir já é traçar uma linha de fuga, conforme lembra Souza (2016), que pode ser vista como uma (re)invenção, como uma ampliação da vida, como um alargamento do território existencial e não como conformidade e redução.

1.1 ARGUMENTO, QUESTÕES E OBJETIVOS DA TESE

Considerando que migrantes e refugiados busquem se distanciar do mercado de trabalho precarizado que geralmente lhes cabe devido aos arranjos globais da ordem capitalística, torna-se pertinente a argumentação de que pela via do

trabalho imaterial desponta a (re)invenção de modos de viver de migrantes e refugiados no país de destino. Pondera-se que é pela via do trabalho imaterial,

portanto, que migrantes e refugiados podem vir a se distinguir dentre os demais que ocupam baixos e precarizados postos de trabalho, condição historicamente imposta ao estrangeiro, visto como outro, como estranho. Movimentos como esse, ainda, podem dar forma a outro mercado de trabalho voltado ao contexto de migração e refúgio que escapa das estatísticas formais e governamentais. Em uma sociedade que tudo busca controlar, escapar por linhas de fuga é ato de resistência. É claro que esse percurso não exime tais indivíduos de uma vida de percalços. É nesse teor que o aporte dos processos de subjetivação – modos de individuação e singularização – auxilia a mostrar as passagens entre espaços liso e estriado.

Para refletir sobre o caminho a percorrer e sobre a sustentação deste argumento de tese, conduziu-se o pensamento em direção a algumas indagações: que processos de subjetivação constituem os percursos de vida e trabalho de migrantes e refugiados? Que modos de viver e trabalhar os atuais fluxos de

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migração possibilitam vislumbrar? Há linhas de fuga para além daquela que os deslocou de seu país de origem? Como ocorrem esses percursos no cotidiano? Que tipos de trabalho, na concepção de trabalho imaterial, se apresentam a migrantes e refugiados na perspectiva dos espaços liso e estriado? Quais afetamentos, quais modos de singularização são capazes de mobilizar a fuga do aprisionamento no espaço estriado? Como se configuram os modos de individuação e singularização de migrantes e refugiados?

Frente a isso, considerando a aproximação entre migração, trabalho e subjetividade, pergunta-se: tendo em vista os atuais fluxos migratórios

empurrados pelas forças capitalísticas da globalização, como o trabalho imaterial compõe processos de subjetivação nos percursos de migrantes e refugiados?

Para o desenvolvimento da pesquisa, tomou-se a cartografia como método. A cartografia, cujo sentido é investigar processos de produção de subjetividades, acompanhar percursos, conexões de redes ou rizomas8 (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015), esteve em constante rearranjo teórico-metodológico-empírico para a aproximação e acesso a um território de pesquisa que privilegiasse migrantes e refugiados do sul global e que fazem uso de referências de seus países de origem para trabalhar. Desse modo, realizou-se um percurso como flâneur-cartógrafa no cenário de migração da cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, o qual possibilitou acompanhar um território existencial em que sujeito e objeto de pesquisa se relacionam e se (co)determinam (ALVAREZ; PASSOS, 2015), isto é, que expressa os processos de subjetivação que compõem o trabalho imaterial desses migrantes e refugiados.

Nesse sentido e a fim de responder a questão de pesquisa, mapeou-se como objetivo geral cartografar os processos de subjetivação que compõem o

trabalho imaterial nos percursos de migrantes e refugiados. Como objetivos

específicos foram elencados os seguintes aspectos:

(i) identificar e apresentar migrantes e refugiados que fazem uso de referências de seus países de origem para trabalhar;

8

Rizoma é um conceito presente na filosofia de Deleuze e Guattari. O rizoma cresce em todas as direções, é múltiplo, tem sucessivos reinícios. Suas principais características são as possibilidades de conexão de qualquer ponto a outro ponto, em qualquer ordem, a heterogeneidade, as multiplicidades e as rupturas que podem ser retomadas em qualquer ponto (DELEUZE; GUATTARI, 2011).

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(ii) caracterizar o percurso migratório dos migrantes e refugiados;

(iii) descrever o trabalho nos países de origem e no país de destino, assim como os agenciamentos engendrados relativos ao trabalho imaterial;

(iv) analisar modos de individualização e singularização dos migrantes e refugiados em espaços liso e estriado;

(v) refletir sobre o trabalho imaterial imbricado à migração e ao refúgio como modo de viver.

1.2 RELEVÂNCIA E ESTRUTURA DA PESQUISA

A proposição do tema acerca dos processos de subjetivação que compõem o trabalho imaterial nos percursos de migrantes e refugiados encontra algumas justificativas em termos prático-sociais e teóricos, no cenário nacional e internacional, que dizem da relevância da pesquisa.

Em termos prático-sociais, o Brasil e os demais países da América Latina têm se apresentado como destino para o atual fluxo migratório de países do sul global, dividindo a opinião da população em relação às políticas de entrada e acolhida dos migrantes (BÓGUS; FABIANO, 2015). No entanto, no que se refere ao saldo migratório, uma pesquisa realizada em 2019 pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN/DESA) revela que o número de brasileiros que estão fora do país é maior do que o de estrangeiros no seu interior, isto é, o Brasil é um país que registra mais emigrantes (1.7 milhão) do que imigrantes (807 mil), sendo a porcentagem de imigrantes equivalente a 0,39% da população (GLOBAL MIGRATION DATA PORTAL, 2020). Considerando a América Latina e Caribe, a porcentagem registrada também é baixa – em 2019 os imigrantes, independentemente de nacionalidade, representavam 1,8% da população (IOM, 2020). Embora pouco expressivos, esses números crescem constantemente e já colocam o tema em um patamar de discussão nacional e internacional.

Em outros cenários, as estimativas da mesma pesquisa realizada em 2019 são mais altas. Quando comparados à população de cada região, os imigrantes representam 21% na Oceania, 16% na América do Norte e 11% na Europa (IOM, 2020), de modo que os reflexos do processo migratório são mais visíveis demograficamente.

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Um exemplo que ilustra essa situação é a seleção francesa de futebol, campeã da Copa do Mundo da Rússia em 2018. Dos 23 jogadores, apenas quatro não tinham raízes significativas em outros países. Dois nasceram na África, dois provêm de territórios que pertencem à França e que têm seleções próprias, onze são filhos de imigrantes ou refugiados e quatro tem avós ou antepassados em outros países. Juridicamente, todos são franceses, porém carregam consigo origens étnicas distintas (OS DOIS..., 2018). Esse time, aclamado pela vitória na Copa de 2018, exemplifica as transformações benéficas que as migrações podem proporcionar a um país. Por outro lado, nos momentos de derrota revelam-se comportamentos hostis, como relataram um jogador alemão e um belga. O primeiro, de ascendência turca, decidiu se aposentar da seleção alegando ser tratado de forma diferente dos outros jogadores, tendo passado, inclusive, por situações de racismo. O segundo comenta que o tratamento recebido pela mídia também é seletivo – quando o time ganha ele é referenciado como o atacante belga, e quando perde referem-se a ele como o atacante belga de ascendência congolesa.

O compartilhamento de espaço e a convivência entre nativos e estrangeiros é uma realidade crescente em quase todo o globo. As migrações massivas têm transformado demografias nacionais e instigado novas configurações sociais, culturais, econômicas e laborais, de modo a gerar conflitos nessas relações. Atitudes variadas em relação aos ―outros‖ afetam comportamentos e interações, influenciando relações interculturais e de trabalho (CHANLAT, 2013; CHANLAT; PIERRE, 2018; RODRIGUEZ; MEARNS, 2012). Para Agier (2016) e Bauman (2017), haverá cada vez mais e mais pessoas tendo que abandonar suas casas e buscar refúgio em outros lugares. O choque está recém no início e não há solução em curto prazo. Portanto, há que se pensar em possibilidades para o cosmopolitismo e a convivência comum no mundo contemporâneo.

O Brasil, que nos últimos anos tem visto crescer o número de solicitações de refúgio por parte de indivíduos originados do sul global (africanos, árabes, caribenhos e latinos), tem sido destino em massa, em especial, de haitianos, desde 2010, e de venezuelanos, cujo movimento está no auge atualmente. Cabe destacar que, entre 2011 e 2018, dos onze países que mais obtiveram o reconhecimento de pessoas refugiadas, 50% são árabes, 19% são africanos e 4% são latino-americanos, sendo a Síria o país que mais obteve refugiados reconhecidos (BRASIL, 2018). Nesse mesmo período, das autorizações de residência concedidas

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pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), dos treze principais países contemplados, 53,8% são do continente africano e 23,1% são da Ásia e da região do Caribe (DIEME et al., 2019).

Mesmo com a aprovação da Lei de Migração, em 2017 (BRASIL, 2017a), considerada de vanguarda por voltar o olhar aos direitos humanos, na prática a situação é complexa. No início de 2019, o governo brasileiro anunciou a saída do Brasil do Pacto Global de Migração da ONU, acordo que trata questões sobre como proteger de forma mais efetiva os migrantes e como integrá-los à sociedade. No mesmo período, acompanhou-se a imigração de venezuelanos pela fronteira em Roraima, o que provocou um inchaço na população de cidades como Pacaraima e a capital, Boa Vista. Desse processo decorrem relatos de xenofobia, confrontos e manifestações violentas entre brasileiros e imigrantes (NA ROTA..., 2018).

Em termos teóricos, parte-se da constatação que os estudos sobre migração internacional e trabalho predominantes na área da Administração privilegiam migrantes de países do norte global que ocupam cargos de trabalho qualificados, cuja relação trabalho-migração já era premeditada antes de deixarem o país de origem (BERRY; BELL, 2012; GMS, 2019; SCHERER; PRESTES; GRISCI, 2019). Já, a abordagem da Autonomia das Migrações propõe uma discussão que vai além do que as teorias mainstream sobre a migração já discutem, abrangendo as múltiplas categorias de migrantes. Nesse contexto, o migrante não é colocado em posição de vítima que necessita ser integrado à sociedade de destino, mas visto como um cidadão que está lutando por seu percurso de vida e trabalho, à luz de uma leitura dos tensionamentos e conflitos dos processos de subjetivação (MEZZADRA, 2012; 2015), o que se apresenta como potencial de contribuição para a área de conhecimento desta tese.

Os primeiros estudos dessa abordagem foram desenvolvidos no final dos anos de 1990 na Europa (MOULIER-BOUTANG, 1998), e têm sido utilizados especialmente por teóricos europeus para discutir sobre migrantes que se deslocam em busca de melhores oportunidades de trabalho, muitas vezes de forma irregular (MEZZADRA, 2012). Recentemente, dado à chamada crise9 do refúgio, têm surgido

9 Nesta tese usa-se com cautela o termo ―crise‖, tendo em vista que a mobilidade é um direito, conforme pressuposto da abordagem da Autonomia das Migrações. Ainda, conforme Souza (2016, p. 8), ―nomear como ‗crise‘ o aumento incessante dos deslocamentos é apenas uma forma de legitimar a violência constante em que vivem parcelas enormes da população mundial, especialmente as mais pobres‖.

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pesquisas internacionais com foco em refugiados e demais migrantes (ALTENRIED et al., 2018; APARNA; SCHAPENDONK, 2018; DARLING, 2017; DE GENOVA; GARELLI; TAZZIOLI, 2018; MOFFETTE; WALTERS, 2018) empurrados pelas forças capitalísticas da globalização.

No Brasil, a perspectiva da Autonomia das Migrações ainda é pouco expressiva, sendo abordada por diferentes áreas do conhecimento que se interessam pela intersecção entre migração, trabalho e subjetividade, a exemplo dos trabalhos de Corsini (2007) na área de Serviço Social, Baraldi (2014) na área de Relações Internacionais e Ferreira (2017) na área de Biblioteconomia.

Na Administração, os estudos nacionais recém começaram a apresentar interesse por migrantes de países do sul global, por trabalhadores de chão de fábrica, coincidindo, pois, com o crescimento atual dos fluxos de migrações empurradas. São exemplos desses estudos10 Bueno, Manthey e Ramos (2015), Camargo e Herédia (2018), Filippim, Schumarcher e Alperstedt (2018), Pereira e Oliveira (2017) e Zeni e Filippim (2014), que apontam perspectivas embasadas na visão de integração dos migrantes na sociedade e no mercado de trabalho.

Nesse sentido, a construção desse tema é um desafio para a Administração, especialmente no Brasil, pois os estudos ainda são incipientes. Isso incentivou a busca por um arcabouço teórico interdisciplinar para esta tese, conforme incentiva Castles (2010), especialmente no que tange às áreas de Administração, Antropologia, Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Psicologia Social e Sociologia. Além disso, ao olhar para o campo empírico, percebe-se que: (i) novos fluxos migratórios começam a se mostrar expressivos no país; (ii) os números de solicitação de refúgio de diferentes nacionalidades crescem a cada ano; (iii) o processo de interiorização dos migrantes venezuelanos para outros estados do país está em curso; (iv) a nova legislação migratória ainda é muito recente; (v) muitas organizações desconhecem os trâmites para contratação de imigrantes e refugiados; e (vi) as taxas de desemprego provocadas pela crise política e econômica do país ainda são altas, causando tensionamentos entre brasileiros e migrantes/refugiados e demandando desses últimos um esforço descomunal em busca de trabalho como via de reconstrução de suas vidas.

10

Foi realizada uma busca com os termos ―migração‖, ―migrante‖, ―ref gio‖ e ―refugiado‖ nas bases de dados Anpad, Spell, Scielo e Portal Periódicos Capes no dia 10/07/2018. Foram considerados apenas os artigos que relacionam trabalho e os atuais fluxos de migração empurrada para o Brasil.

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Como fechamento desta introdução, apresenta-se a estrutura da pesquisa realizada. Esta tese está organizada em cinco capítulos. Não que a sua construção tenha ocorrido em uma perspectiva linear. Pelo contrário, a multiplicidade de linhas que emergiram e constituíram a pesquisa foram potentes e desafiadoras. No entanto, para fins de apresentação priorizou-se a sua processualidade.

Neste primeiro capítulo foi possível conhecer a contextualização e a problemática da pesquisa, o argumento, as questões, os objetivos, bem como a relevância da tese. No segundo capítulo apresenta-se o referencial teórico acerca de Migração, Trabalho e Subjetividade, pilares que sustentam a Autonomia das Migrações. No terceiro capítulo apresenta-se a cartografia como método de pesquisa, seus pressupostos epistemológicos, estratégias e procedimentos de produção e de análise dos dados. No quarto capítulo apresenta-se a análise dos resultados, por meio da tessitura dos processos de subjetivação no percurso de migrantes e refugiados em quatro dimensões analíticas, a saber: Partir, Chegar, Empreender(-se) e (Re)inventar(-se). No quinto capítulo apresenta-se as considerações finais, os principais resultados, contribuições, desafios, limitações, implicações da pesquisa e sugestões para estudos futuros. Por fim, julgou-se pertinente apresentar um post-scriptum acerca da relação do migrante/refugiado com a situação atual relativa à pandemia do coronavírus (COVID-19), circunstância que emergiu ao final do processo de escrita desta tese.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O capítulo de referencial teórico desta tese é constituído pelos pilares Migração, Trabalho e Subjetividade, os quais sustentam a abordagem da Autonomia das Migrações.

2.1 MIGRAÇÃO

No pilar Migração apresenta-se, primeiramente, tensionamentos e desigualdades relativos às mobilidades na globalização, seguidos de categorizações de percursos migratórios e diversos termos que emergem em uma tentativa de classificar migrantes em tipologias. Complementarmente, apresentam-se desdobramentos conceituais e legais no contexto brasileiro e, por fim, dados e reflexões sobre os movimentos de migração e refúgio.

2.1.1 Globalização: Mobilidade para Quem?

Associada à expansão do mercado para além das fronteiras no sistema capitalista, a globalização é caracterizada pelos crescentes intercâmbios comerciais e financeiros em uma economia aberta e internacionalmente integrada. De uma maneira ou outra, praticamente todos os países participam da organização econômica global. Essa dinâmica leva à redução da proteção e participação estatal na economia nacional e, concomitantemente, ao aumento do fluxo de bens, serviços e capitais ao redor do mundo, bem como ao impulsionamento do crescimento do número e tamanho de empresas transnacionais. Também é notório o impacto da globalização em termos políticos, culturais, sociais, ambientais e demográficos, aspectos que passam por aceleradas transformações frente à diminuição dos custos de transporte, tecnologia, informação e comunicação (MARTINE, 2005; CASTLES, 2010). Em um primeiro olhar, poder-se-ia afirmar que esse movimento se caracteriza como um espaço liso, conforme propõem Deleuze e Guattari (2012b), um espaço aberto, ilimitado, de múltiplas direções, que se constitui por fluxos sucessivos e infinitos.

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Entretanto, ―no fenômeno da globalização, há mais coisas do que pode o olho apreender‖ (BAUMAN, 1999, p. 7). Nessa dinâmica frenética, a globalização dispõe de matizes, ritmos e características próprias, que provocam tensionamentos e desigualdades (BERRY; BELL, 2012; CASTLES, 2010; MARTINE, 2005). As empresas multinacionais impõem ao mundo sua lei de mercado, perturbando os modos de regulação por meio da desterritorialização do poder econômico e de uma reterritorialização do trabalho (GAULEJAC, 2007; DELEUZE; GUATTARI, 2012b). Assim, o capital é jogado contra o trabalho, naturalizando concorrências exacerbadas e deslocamentos não só de capitais, bens e serviços, mas também de organizações e pessoas (GAULEJAC, 2007).

A imobilidade não é uma opção. Por vontade ou a contragosto, a ordem é estar em movimento, ser nômade. Para alguns indivíduos é possível se tornar global, o que sinalizaria liberdade; para outros, a possibilidade à vista é a de se fixar em suas localidades, muitas vezes um destino indesejado (BAUMAN, 1999; BERRY; BELL, 2012; CASTLES, 2010; FREITAS, 2009). ―Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social‖ (BAUMAN, 1999, p. 8). Para sair dessa condição, tendo por base a ideia de Guattari e Rolnik (1996), seria necessário recusar/resistir à subjetivação capitalística11. Deleuze e Guattari (2012b) atentam ao fato de que é possível ser nômade12 sem sair do lugar e de que se pode viajar sendo sedentário. Para os autores,

também existem viagens no mesmo lugar; [...] São nômades por mais que não se movam, não migrem, são nômades por manterem um espaço liso que se recusam a abandonar, e que só abandonam para conquistar e morrer. Viagem no mesmo lugar, esse é o nome de todas as intensidades, mesmo que elas se desenvolvam também em extensão. Pensar é viajar [...] Em suma, o que distingue as viagens não é a qualidade objetiva dos lugares, nem a quantidade mensurável do movimento — nem algo que estaria unicamente no espírito — mas o modo de espacialização, a maneira de estar no espaço, de ser no espaço. Viajar de modo liso ou estriado, assim como pensar... Mas sempre as passagens de um a outro, as

11 ―Guattari acrescenta o sufixo ‗ístico‘ a ‗capitalista‘ por lhe parecer necessário criar um termo que possa designar não apenas as sociedades qualificadas como capitalistas‖, mas também setores do ‗Terceiro Mundo‘ ou do capitalismo ‗periférico‘ e economias ditas socialistas, que vivem numa espécie de (contra)dependência do capitalismo. ―Tais sociedades, segundo Guattari, em nada se diferenciariam do ponto de vista do modo de produção da subjetividade‖ (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.15).

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O termo nômade é utilizado com conotações diferentes nas obras de Bauman (1999; 2011) e Freitas (2009) e na obra de Deleuze e Guattari (2012b). Enquanto para Bauman e Freitas o termo está mais próximo ao sentido denotativo, objetivo, de alguém que não tem residência fixa e não se estabelece em lugar algum, para Deleuze e Guattari o termo é vinculado ao espaço liso, ao pensamento nômade.

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transformações de um no outro, as reviravoltas (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 202).

Segundo Bauman (1999) e outros autores como Berry e Bell (2012), Castles (2010) e Freitas (2009), a mobilidade se torna um valor altamente cobiçado na ordem global, enquanto a liberdade de movimentos é uma escassa mercadoria desigualmente distribuída, responsável pelas estratificações da pós-modernidade. A livre opção é restrita a alguns, e destino atroz para outros. Esses ―outros‖ aumentam incessantemente em número e tendem a afundar cada vez mais no desespero, fruto de uma existência sem perspectiva (BAUMAN, 1999; 2017).

Logo, para o autor, em vez de globalização, o termo mais adequado seria ―glocalização‖13

, cuja definição é, essencialmente, o processo de concentração de capitais, finanças e outros recursos, mas sobretudo, de concentração da liberdade de se mover e de agir (BAUMAN, 1999). Nesse sentido, Castles (2010, p. 15) complementa que a ―utopia pós-moderna de um mundo de mobilidade sem fronteiras ainda não alvoreceu e, assim, ainda parece apropriado abordar as migrações como processos baseados na desigualdade e discriminação, e controlados e limitados pelos Estados‖.

A promessa do livre comércio e deslocamento é encoberta/distorcida. A conexão entre a miséria e o desespero dos muitos ―imobilizados‖ e a liberdade dos poucos com mobilidade não é simples de perceber, a ponto de parecer que se trata de dois fenômenos distintos (BAUMAN, 1999). Cabe destacar o estudo de Berry e Bell (2012) por apontar que na literatura de Administração, o retrato da globalização é esmagadoramente positivo para as organizações, negligenciando seus efeitos de desigualdade entre os indivíduos que migram. Nessa linha, jamais se suspeitaria pela mídia e pelo discurso mainstream que o célere enriquecimento e o célere empobrecimento brotam da mesma raiz (BAUMAN, 1999). Acrescenta-se que também não se suspeitaria que o cruzar fronteiras por motivos de intercâmbio, estudo, qualificação, trabalho e turismo tenha a mesma raiz do cruzar fronteiras devido à pobreza, ao medo e às guerras.

Nesse sentido, ao impor as maneiras de organizar a produção, a globalização institui relações de classes sociais por meio de fronteiras nacionais que são

13 Bauman (1999, p. 78) cita o termo ―glocalização‖ com base em Roland Robertson ―que expõe a inquebrantável unidade entre as pressões globalizantes e locais – fenômeno encoberto no conceito unilateral de globalização‖.

Referências

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