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Comparação dos Desempenhos de Crianças com Dislexia e Crianças com Progressão Normal em Leitura em Diferentes Domínios do Conhecimento Aritmético

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UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

COMPARAÇÃO DOS DESEMPENHOS DE CRIANÇAS COM

DISLEXIA E CRIANÇAS COM PROGRESSÃO NORMAL EM

LEITURA EM DIFERENTES DOMÍNIOS DO CONHECIMENTO

ARITMÉTICO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Ana Rita Correia da Silva

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Orientadora: Professora Doutora Ana Paula Vale

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

COMPARAÇÃO DOS DESEMPENHOS DE CRIANÇAS COM

DISLEXIA E CRIANÇAS COM PROGRESSÃO NORMAL EM

LEITURA EM DIFERENTES DOMÍNIOS DO CONHECIMENTO

ARITMÉTICO

Dissertação apresentada pela aluna Ana Rita Correia da Silva, na Universidade da Trás-os-Montes e Alto, para obtenção do grau de Mestre em Psicologia Clínica, sob orientação da Professora Doutora Ana Paula Simões do Vale.

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Agradecimentos

Depois desta árdua etapa respiro o tranquilo culminar deste trabalho, símbolo do término de uma das fases mais importantes da minha vida no âmbito profissional. Este foi um período em que tive o prazer de investigar numa área que por diversos motivos me é querida e me suscita interrogações. No entanto, além do prazer, este período foi também marcado por muita dedicação e esforço que só foi amenizado pelo apoio incansável de várias pessoas. Por isso, dedico este espaço para agradecer a todas essas pessoas que foram, cada uma á sua maneira, imprescindíveis para ultrapassar cada obstáculo deste percurso.

À minha orientadora, a Professora Doutora Ana Paula Vale por quem tenho muita admiração e estima, dedico um sentido agradecimento pelo seu maternal apoio e rigor atento fundamentais para a concretização deste trabalho.

Aos meus pais, irmãos, avô e tia por todo o apoio, paciência e carinho com que mais uma vez me presentearam nesta fase tão importante. Para vós estas palavras não são de agradecimento mas de uma afectuosa lembrança porque o agradecimento será sempre inglório e mínimo face a todo o que é dado.

Á minha família, padrinhos, tios, primos e avós, pelo interesse permanente pelas palavras de incentivo marcadas por um positivismo motivante.

Ao Márcio por estar sempre presente, constante na sua atenção, dedicação e carinho. Foi pedra angular de todo este percurso possibilitando-me o equilíbrio e o conforto em todos os momentos, sem ele tudo seria inacreditavelmente mais difícil.

Aos meus amigos, Rita, Bruno e Rosana por partilharem comigo os momentos de angustias e as conquistas que marcaram a realização desta dissertação.

Às minhas eternas companheiras e amigas de curso, Dorisa, Ana Isabel, Brízida e Raquel, por quem tenho elevada consideração e carinho, obrigada por me terem permitido momentos de aprendizagem, de partilha e de descontracção que vão ser recordados para sempre de modo muito especial.

Às minhas irmãs afectivas, Marta e Stephanie, companheiras de uma vida, obrigado por todo o incentivo, pelas palavras de encorajamento e pela majestosa amizade da qual me orgulho muito.

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A todas as escolas e professores que me cederam espaço e tempo, por sempre me terem acolhido com toda a simpatia e disponibilidade mesmo em momentos de grande azafama.

Aos pais e às crianças que participaram neste estudo, obrigado pelo tempo dispendido, pela colaboração incansável e por todos os sorrisos que me enchiam de energia para continuar.

Correndo o risco de não mencionar alguém que o mereça, fica o meu muito obrigado para os que não referi mas que, de alguma forma, também foram importantes.

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Resumo

O presente estudo visa examinar as competências aritméticas das crianças com dislexia. Neste sentido encontra-se dividido em duas partes fundamentais. A primeira parte consiste numa revisão da literatura científica acerca dos desempenhos aritméticos dos indivíduos com dislexia e das relações entre os níveis de leitura, competências fonológicas, memória, velocidade de processamento e aritmética. Descreve-se, ainda, na primeira parte, a discalculia e os seus critérios de diagnóstico diferencial com a dislexia e com as dificuldades aritméticas não específicas. A segunda parte consiste num estudo empírico, elaborado a partir do enquadramento teórico anterior, cujo objectivo foi comparar os desempenhos de crianças com dislexia e crianças com progressão normal em leitura, da mesma idade, em diferentes domínios do conhecimento aritmético. Os resultados revelaram que as crianças com dislexia apresentaram mais dificuldades do que as crianças do grupo controlo em tarefas aritméticas verbais mas não nas tarefas aritméticas consideradas não verbais. Verificou-se, também, que as crianças com dislexia foram mais lentas a responder, do que as do grupo controlo, na maioria das tarefas aritméticas e em todas as tarefas de linguagem. São discutidas possíveis explicações e implicações clínicas dos resultados encontrados.

Palavras-chave: dislexia, aritmética, discalculia, competências fonológicas, memória, velocidade de processamento.

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Abstract

This study aims to examine the arithmetic skills of children with dyslexia. It is divided into two main parts. The first part consists in a review of the scientific literature about the arithmetic performance of individuals with dyslexia and the relationship between reading level, phonological skills, memory, processing speed and arithmetic. It is also discussed in the first part, dyscalculia and its differential diagnostic criteria with dyslexia and with arithmetic nonspecific difficulties. The second part is an empirical study, elaborated from the previous theoretical framework, which aims to compare the performance of children with dyslexia and children with normal progression in reading, having the same age, in different fields of arithmetic knowledge. The results showed that children with dyslexia had more difficulties than children in the control group in verbal arithmetic tasks but not in the arithmetic tasks considered nonverbal. It was found also that children with dyslexia were slower to respond than those in the control group to most of the arithmetic tasks and to all the language tasks. Tentative explanations and clinical implications of results are discussed.

Key words: dyslexia, arithmetic, dyscalculia, phonological skills, memory, processing speed.

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Índice Agradecimentos ... ii Resumo ... iv Abstract ... v Parte I ... 1 Resumo ... 2

Desempenhos Aritméticos de Indivíduos com Dislexia ... 3

1. Definição de dislexia ... 3

2 . Dislexia, leitura e aritmética ... 6

3 .Competências fonológicas e matemática ... 10

4. Memória de trabalho, memória de curto prazo e aritmética ... 13

5. Memória de longo prazo e a recuperação de factos aritméticos ... 15

6. Competências matemáticas e velocidade de processamento ... 17

7. Aquisição de competências aritméticas ... 18

8. Discalculia ... 21

Referências bibliográficas... 27

Parte II ... 35

Resumo ... 36

Comparação dos Desempenhos de Crianças com Dislexia e Crianças com Progressão Normal em Leitura em Diferentes Domínios do Conhecimento Aritmético ... 37

Método ... 42

Participantes ... 42

Instrumentos e procedimento ... 43

Resultados ... 50

Tarefas de caracterização dos grupos ... 50

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Correlações ... 56

Discussão ... 58

Tarefas de caracterização dos grupos ... 58

Tarefas aritméticas ... 60

Correlações ... 62

Referências bibliográficas... 65

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Índice de tabelas

Tabela 1: Idade dos participantes e resultados do TIL, PRP e MPC-Raven 43 Tabela 2: Médias (desvio-padrão) e significâncias estatísticas relativas aos

Índice de sensibilidade fonológica (d‟) e aos tempos de resposta em segundos

51

Tabela 3: Médias (desvio-padrão) e significâncias estatísticas relativas ao sub-teste da WISC-III, Memória de dígitos, ao Corsi Block, ao RAN e ao RAS

52

Tabela 4: Médias (desvio-padrão) e teste de diferenças de médias entre grupos para a tarefa das rectas numéricas

52

Tabela 5: Médias (desvio-padrão) e teste de diferenças de médias entre grupos para a tarefa de comparação de números e respectivos tempos de reacção

53

Tabela 6: Médias (desvio-padrão) e teste de diferenças de médias entre grupos para o tempo das contagens em segundos

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Tabela 7: Médias (desvio-padrão) e teste de diferenças de médias entre grupos para a tarefa de recuperação forçada de factos aritméticos e

respectivos tempos de reacção

54

Tabela 8: Médias (desvio-padrão) e teste de diferenças de médias entre grupos para a tarefa de cálculo mental e tempo de reacção

55

Tabela 9: Médias (desvio-padrão) e teste de diferenças de médias entre grupos para a tarefa de Place value

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Tabela 10: Correlações entre as tarefas aritméticas e numéricas e as tarefas de leitura, de consciência fonologia de memória e de velocidade de processamento

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PARTE I

Desempenhos Aritméticos de Indivíduos com Dislexia Ana Rita Silva

Departamento de Educação e Psicologia Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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Resumo

O presente estudo visa apresentar uma revisão da literatura científica acerca dos desempenhos aritméticos dos indivíduos com dislexia. Para tal inicialmente descrevem-se as características associadas à dislexia, posteriormente as relações entre leitura, competências fonológicas, memória, velocidade de processamento e aritmética. Finalmente, esclarecem-se os critérios de diagnóstico da discalculia, assim como os critérios diferenciais entre a discalculia e a dislexia e entre a discalculia e dificuldades aritméticas não específicas. Esta revisão permitiu constatar que existem altas co-ocorrências entre dificuldades de aprendizagem da matemática (DM) e dificuldades específicas de aprendizagem da leitura – dislexia. A literatura mostra, também, que determinadas tarefas aritméticas e numéricas dependem das competências de linguagem e normalmente os indivíduos com dislexia têm défices de linguagem que afectam o processamento fonológico e reduzem a capacidade de memória de trabalho. Por conseguinte, levanta-se a hipótese de que as crianças com dislexia, devido às suas fragilidades cognitivas fonológicas, de memória e de velocidade de processamento, manifestem dificuldades aritméticas que caracterizam esta população.

Palavras-chave: dislexia, aritmética, discalculia, competências fonológicas, memória, velocidade de processamento.

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Desempenhos Aritméticos de Indivíduos com Dislexia 1. Definição de dislexia

Em 1968, a World Federation of Neurology definiu dislexia como uma dificuldade de aprender a ler, não relacionada com o método de ensino, com a inteligência, nem com as oportunidades socioculturais do indivíduo, mas sim com as suas incapacidades cognitivas fundamentais.

Apesar de criticada pela falta de critérios objectivos que permitissem um diagnóstico fiável, esta definição médica tornou-se célebre e importante principalmente porque serviu de pilar à definição mais usual na investigação. Assim, na tentativa de operacionalizar a natureza inesperada da dislexia, a maioria das investigações baseou a definição de dislexia e a selecção dos sujeitos na discrepância entre o nível de aptidão real em leitura e o nível esperado para um dado QI numa determinada idade.

Porém, definições quantitativas como esta, estritamente relacionadas com conceitos estatísticos como média e desvio padrão, exigem ser encaradas com elevada tolerância e sensibilidade, principalmente no que concerne ao seu reflexo na prática real (Chinn & Ashcroft, 2006, Shaywitz, Morris, & Shaywitz, 2008). Por exemplo, assumir os problemas de leitura como sintomas únicos e isolados da dislexia pode ser um erro crasso derivado das definições de natureza quantitativa.

Nas décadas finais do século XX vários investigadores, como Uta Frith, Margarett Snowling, Vellutino, e muitos outros, distinguiram-se na pesquisa de especificidades que caracterizassem e explicassem a dislexia.

Margaret Snowling (2000) consolidou no livro “Dyslexia” a sua hipótese de défice fonológico como explicação desta dificuldade. Esta teoria, também defendida por Vellutino e colaboradores (1996), por Adams e Bruck (1995), e por Stanovich e Siegel (1994), postula que os indivíduos com dislexia têm um défice nuclear relacionado com a representação, a identificação e a recuperação dos sons que constituem as palavras proferidas durante a emissão de fala. Este problema fonológico vai dificultar, consequentemente, a aprendizagem das correspondências grafema-fonema – um dos pilares base da aprendizagem da leitura nos sistemas alfabéticos.

Para além da evidência comportamental básica das dificuldades em aprender a estabelecer correspondências entre grafemas e fonemas, na caracterização da dislexia estão também bem estabelecidas evidências de um défice específico de consciência

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fonológica, de uma pobre memória verbal de curto prazo e uma dificuldade ou lentidão na nomeação rápida automática, o que mostra que mesmo as competências fonológicas mais básicas dos disléxicos estão comprometidas (Snowling, 2000). Neste sentido, Hulme e Snowling (2009) consideram que os défices fonológicos se dividem em duas grandes áreas: a da consciência fonológica e a do processamento fonológico. A primeira corresponde a representações fonológicas mais explícitas e está relacionada com a capacidade metacognitiva de analisar, reflectir e manipular os sons da fala. Dentro desta categoria, a consciência fonológica, especialmente a fonémica, é considerada um dos preditores mais fiáveis das competências de descodificação, da capacidade de reconhecimento de palavras e, consequentemente, da aptidão para a leitura (Durand, Hulme, Larkin, & Snowling, 2005; Muter, Hulme, Snowling, & Taylor, 1998; Snowling, 2008). A segunda, a do processamento fonológico, não requer uma análise explícita da estrutura das palavras usadas no discurso. Está mais relacionada com a dificuldade de concretizar tarefas consideradas cognitivamente mais simples como a repetição de pseudo-palavras (padrões fonológicos que não existem no léxico da língua mas que foram construídos a partir de palavras existentes mantendo as características dessas palavras, e.g., “trivamera”), a nomeação rápida e a definição de objectos. Pode, também, estar relacionada com tarefas que requerem memória de curto prazo ou memória de trabalho. Nas ortografias consideradas mais regulares, isto é, em que as correspondências entre grafemas e fonemas são muito consistentes, o défice fonológico parece estar mais associado a prejuízos do processamento fonológico implícito como a memória fonológica ou a recuperação de nomes verbais (Vellutino, Fletcher, Snowling, & Scanlon, 2004).

As tarefas mais estudadas no âmbito do processamento fonológico são as tarefas relacionadas com a memória de trabalho fonológica. No entanto, Durand, Hulme, Larkin e Snowling (2005) num estudo com 162 crianças de idades compreendidas entre os sete e os onze anos verificaram que as diferenças na memória fonológica não são um factor suficiente para prever as competências de leitura, quando factores que envolviam consciência fonológica, como a capacidade de supressão de fonemas, foram controlados, apesar da memória fonológica e das competências de leitura se mostrarem fortemente correlacionadas.

Existem várias teorias explicativas da dislexia (e.g., teorias visuais, a teoria do Processamento Auditivo Rápido, a teoria do Duplo Défice), no entanto a do Défice

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Fonológico é actualmente a teoria que encontra maior e melhor suporte na investigação, tendo sido demonstrado que o défice fonológico pode ser encontrado na ausência de outras perturbações sensoriais e motoras, e que este défice por si só pode justificar as dificuldades de leitura que caracterizam os disléxicos (Ramus, Rosen, Dakin, Dav, Castellote, White et al., 2003). Apesar das investigações no âmbito da psicologia cognitiva sugerirem o défice fonológico como causa nuclear da dislexia, deve salientar-se que esta teoria não exclui possíveis causas neurológicas ou genéticas.

Estas evidências vão ao encontro dos estudos de Uta Frith (1999) que defendem que a dislexia é uma perturbação crónica que deve buscar explicações a vários níveis, sendo eles o biológico, o cognitivo e o comportamental. Nesta perspectiva, a dislexia é definida como uma perturbação neuro-desenvolvimental com origem biológica que determinam défices cognitivos e com manifestações comportamentais que se manifestam quer na linguagem escrita quer na linguagem oral.

As competências de leituras parecem ser fortemente dependentes de factores hereditários (Shaywtiz, Morris, & Shaywtiz, 2008; Snowling, 2008). Os genes têm uma implicação directa no desenvolvimento de redes neurais dos lobos temporal, parietal e frontal do hemisfério esquerdo. Estas áreas terão um papel primordial no desenvolvimento das representações fonológicas, e insuficiências nos seus funcionamentos trarão consequências ao nível da descodificação, da leitura, e dos processos fonológicos. Pennington (2006) acrescenta que défices de processamento da fala poderão também ter repercussões comportamentais relacionadas com a fluência da leitura, com as tarefas de memória de curto prazo e com os problemas de nomeação rápida automática. Segundo esta recente perspectiva, os dois défices cognitivos poderiam surgir separadamente ou juntos, sendo que nesta segunda situação os problemas seriam mais severos afectando também a consciência fonémica, a leitura de pseudo-palavras, a precisão de leitura, e possivelmente as competências semânticas dos disléxicos. As competências verbais parecem também ser factores bastante relevantes no quadro da dislexia. Snowling (2008) mostrou nas suas investigações os bons níveis de competências verbais como um factor de protecção para colmatar possíveis falhas de leitura. Pelo contrário, uma linguagem oral pobre parece ser um factor de risco adicional para as dificuldades de leitura.

Levando em consideração estas questões, em 2002, a Associação Internacional de Dislexia sob direcção de G. Reyd Lyon adoptou, a seguinte definição (Lyon,

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Shaywitz, & Shaywitz, 2003): “A dislexia é uma dificuldade específica de aprendizagem que tem origem neurobiológica. É caracterizada pelas dificuldades com a precisão e/ ou com a fluência na leitura de palavras e pela pobreza de discurso e de capacidades de descodificação. Estas dificuldades são tipicamente resultado de um défice na componente fonológica da linguagem, que não é à partida esperado tendo em conta as outras competências cognitivas do indivíduo e a instrução efectiva na sala de aula. As consequências secundárias podem incluir problemas na compreensão do que foi lido e redução da experiência de leitura, o que pode dificultar o desenvolvimento do vocabulário e do conhecimento1”.

As definições de dislexia têm-se tornado mais específicas ao longo do tempo, e actualmente estão quase exclusivamente relacionadas com a linguagem. Consequentemente, as expectativas associadas a indivíduos disléxicos, ou a falta delas, levam a que as reeducações ou as intervenções recaiam quase unicamente sobre a linguagem, uma vez que as suas dificuldades mais reconhecidas são sobretudo as que estão relacionadas com esta área.

2 . Dislexia, leitura e aritmética

As crianças com dislexia têm, também, frequentemente, problemas no domínio da aritmética que marcam o seu percurso escolar. Estudos recentes têm demonstrado elevadas co-morbilidades entre ambas as dificuldades e a experiência nas intervenções tem reconhecido a importância de um acompanhamento ao nível das habilidades matemáticas assim como de um método sistemático de ensino da matemática a disléxicos (Chinn & Ashcroft, 2006). Joffe (1981, referido em Simmons & Singleton, 2006) no seu estudo sobre as relações entre dislexia e matemática sugeria que mais de metade dos sujeitos disléxicos apresentam algum tipo de dificuldade de matemática (DM), sendo que apenas cerca de 40% desses indivíduos têm um nível de desempenho matemático esperado ou mesmo acima da média. Na década de noventa diversos estudos verificaram altas co-ocorrências de dificuldades em matemática e de dificuldades em leitura (Ackerman & Dykman; 1995; Geary, 1993; Gross-Tsur, Manor, & Shalev, 1996; Lewis, Hitch, & Walker, 1994; Light & DeFries, 1995). Porém, de um modo geral os estudos relacionados com as dificuldades em matemática ainda são raros comparativamente aos já existentes na área da leitura, talvez devido à típica

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complexidade que caracteriza os padrões de aprendizagem da matemática e da aritmética.

As co-morbilidades encontradas entre as perturbações de leitura e de matemática, assim como as elevadas co-morbilidades de muitas outras perturbações que preenchem o DSM-IV TR (APA, 2000), põem em causa o próprio conceito de co-morbilidade e os limites ou as fronteiras que separam e distinguem as perturbações psicológicas, nomeadamente as de desenvolvimento. Uma das grandes questões que se levanta é precisamente a de perceber se esta co-morbilidade é causal, independente, ou se origens neurobiológicas comuns a podem explicar.

Considerar as perturbações como independentes é afirmar que não existem causas para as co-ocorrências, ou seja, a dislexia e a discalculia ou dislexia e as DM seriam consideradas, cada uma por si, como perturbações de aprendizagem e de desenvolvimento específicas e distintas que podem ou não ocorrer concomitantemente. Seriam, portanto, perturbações com perfis cognitivos distintos, o défice de consciência fonológica para a dislexia e o défice no sentido de número para a discalculia, e caso co-ocorram os dois défices teriam efeitos cumulativos (Landerl, Fussenegger, Moll, & Willburger, 2009). A teoria que defende a dislexia e a discalculia como perturbações independentes tem sido a mais apoiada na década final do século XX e no início do presente século.

Um estudo que comparou diferentes grupos com e sem dificuldades de matemática e de leitura, permitiu a Andersson (2008) demonstrar que todos os grupos com DM tinham dificuldades em tarefas que envolviam o conhecimento e a compreensão do valor posicional dos números e a recuperação de factos aritméticos. O grupo com apenas DM e o grupo com DM e com dificuldades de leitura apresentaram as mesmas dificuldades nas tarefas matemáticas, enquanto as crianças somente com dificuldades de leitura tinham dificuldades matemáticas comparáveis com as do grupo controlo (sem qualquer tipo de dificuldade de aprendizagem). Resultados semelhantes foram obtidos por Landerl, Bevan e Butterworth (2004) e por Wilburger, Fussenegger, Moll, Wood e Landerl (2008). Contudo Wilburger e colaboradores (2008) estudaram a capacidade de nomeação rápida automática verificando que as crianças com dislexia e com discalculia obtinham a soma dos défices encontrados nas crianças somente com dislexia ou com discalculia. Isto sugere que apesar de ambas as perturbações evidenciarem défices na velocidade de processamento, a base cognitiva da dislexia e da

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discalculia parece ser independente. Em suma, segundo esta perspectiva a dislexia não causa DM, apenas acentua essas dificuldades.

Na actualidade, os estudos neurológicos têm impulsionado, também, a hipótese de que ambas as perturbações poderão ter origens neurobiológicas comuns, uma vez que não existe uma área do cérebro especificamente responsável pela leitura, nem uma área específica para a matemática. Diversas áreas do hemisfério esquerdo, usadas na linguagem, desempenham também um papel fulcral em outras funções cognitivas como a memória de trabalho, o processamento fonológico, a atenção auditiva e motora, a organização de materiais simbólicos, e o cálculo mental (Cowell, Egan, Code, Harasty, & Watson, 2000). Desta forma, uma lacuna numa determinada área de aprendizagem com origem neurológica pode frequentemente estar associada a outras lacunas em áreas de aprendizagem diferentes. Argumenta-se, assim, que as co-morbilidades existentes entre a dislexia e as DM podem ser explicadas por um “défice neuropsicológico subjacente a ambos os problemas, envolvendo as regiões posteriores do hemisfério esquerdo2” (Geary, 1993: p. 356).

Finalmente considerar que as perturbações têm uma relação causal, ou seja, que a dislexia pode causar discalculia ou DM, é uma hipótese um tanto ou quanto arriscada tendo em conta as suas escassas fundamentações teóricas. No entanto uma possível linha de argumento é que determinadas tarefas aritméticas e numéricas, como a compreensão do valor posicional dos números, dependem das competências de linguagem (Towse & Saxton, 1997), e normalmente os disléxicos têm um défice de linguagem que afecta o processamento fonológico e reduz a capacidade de memória de trabalho (Geary, 1993). Com base nesta hipótese Jordan, Kaplan e Hanich (2002) apresentaram evidências de que crianças com dificuldades de leitura, nos primeiros anos de escolaridade, têm mais risco de desenvolver DM em anos posteriores, principalmente dificuldades nas tarefas aritméticas mediadas pela linguagem. Para estes autores as dificuldades de leitura influenciam as DM, mas as DM não teriam qualquer influência nas dificuldades de leitura.

Outros estudos demonstraram, ainda, que crianças com dificuldades de leitura mas sem DM apresentam dificuldades significativas, comparativamente com indivíduos controlos da mesma idade na recuperação de factos aritméticos da adição (Geary, Hamson, & Hoard, 2000; Hanich, Jordan, Kaplan, & Dick, 2001), assim como uma

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ideia pouco clara do valor posicional dos números (Jordan & Hanich, 2000; Jordan, Hanich, & Kaplan, 2003), dificuldades no cálculo escrito com dígitos múltiplos e na resolução de problemas simples (Jordan, Hanich, & Kaplan, 2003).

No entanto, numa grande parte das investigações, as crianças que só têm dificuldades de leitura manifestam níveis de desempenho na maioria dos aspectos relacionados com a cognição matemática, que são estatisticamente idênticos aos das crianças com uma progressão normal na leitura (Andersson, 2008; Geary, Hoard, & Hamson, 1999; Jordan & Hanich, 2000).

A acrescentar têm, também, sido encontradas correlações consideravelmente elevadas (e.g., r = 0,65) entre tarefas de leitura e tarefas aritméticas, como o cálculo de adições, subtracções e multiplicações, a resolução de problemas aritméticos simples ou a contagem de pontos (Durand, Hulme, Larkin, & Snowling, 2005; Lundberg & Sterner, 2006). No entanto, correlações em nada justificam a causalidade a não ser pela forma como são explicadas. Lundberg e Sterner (2006) explicam esta associação através de variáveis relacionadas com o desenvolvimento da linguagem, com as capacidades cognitivas, com a memória de trabalho e com a orientação para a tarefa envolvendo motivação, atenção e concentração.

Embora a leitura e a matemática utilizem, pelo menos aparentemente, estruturas de conhecimento diferentes (o conhecimento do sons da fala e das letras para a leitura e conhecimento dos princípios de contagem para a matemática), há investigadores que consideram que o desempenho nestas áreas se baseia em processos cognitivos semelhantes (Berg, 2008). Neste sentido o que se propõe é que os disléxicos, devido às suas fragilidades cognitivas de origem consensualmente neurobiológica, apresentem determinadas dificuldades aritméticas que, de algum modo, caracterizam esta população e que não devem ser esquecidas no campo das intervenções.

Alguns estudos têm procurado verificar se de facto os disléxicos apresentam algum tipo de dificuldades aritméticas que os caracterizem. Miles, Haslum e Wheeler (2001), por exemplo, demonstraram que crianças com dislexia apresentam dificuldades matemáticas e aritméticas. Foram aplicados testes de diagnóstico de dislexia a uma amostra de 12905 crianças de dez anos de idade. As crianças seleccionadas com dislexia apresentavam valores nas tarefas matemáticas significativamente inferiores às crianças do grupo controlo da mesma idade. Ainda neste âmbito, Simmons e Singleton (2006) compararam um grupo de estudantes universitários com dislexia com um grupo controlo

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de universitários não disléxicos relativamente à precisão e velocidade de recuperação de factos aritméticos. Os indivíduos com dislexia evidenciaram maiores dificuldades na recuperação de factos aritméticos da multiplicação. E apesar de recuperarem correctamente factos de adição e subtracção, demoravam mais tempo a fazê-lo, comparativamente com o grupo controlo.

Este tipo de estudos sugere que os indivíduos disléxicos não apresentam unicamente dificuldades nas tarefas escolares relacionadas com a leitura e a escrita, mas também em determinados aspectos da matemática, mais concretamente da aritmética. Para Simmons e Singleton (2008) os défices fonológicos terão um impacto negativo nas tarefas matemáticas que envolvem a manipulação de códigos verbais (e.g., recuperação de factos aritméticos, velocidade de contagem), mas não em tarefas matemáticas básicas não verbais (e.g., estimativas, subitising).

Os indivíduos disléxicos podem, então, encontrar barreiras aos seus progressos e sucesso aritmético, explicadas pelos défices cognitivos relacionados com memória de trabalho e de curto prazo deficitárias, os défices fonológicos e os problemas de velocidade de processamento (Snowling, 2000; Vellutino, Fletcher, Snowling, & Scanlon, 2004). Estes défices cognitivos podem ter implicações negativas em diferentes áreas académicas, em particular na área da matemática e da aritmética(Vukovic, Lesaux, & Siegel, no prelo). Perkin e os seus colaboradores têm demonstrado que os défices cognitivos que caracterizam a dislexia têm um impacto negativo no sucesso e no progresso das aprendizagens em matemática que se tornam particularmente visíveis nas fases mais avançadas do ensino, como é o caso do ensino universitário (Perkin & Croft, 2007).

Nessa linha, serão em seguida apresentados argumentos que explicam as interferências dos défices cognitivos que caracterizam os indivíduos com dislexia, na área da aritmética.

3 .Competências fonológicas e matemática

A corrente que afirma que a linguagem determina o pensamento tem sido bastante questionada. Será então necessário e indispensável os indivíduos possuírem linguagem e vocabulário numérico para poderem processar e compreender os números? Butterworth, Reeve, Reynolds e Lloyd (2008) demonstraram que crianças indígenas do norte do território australiano com um vocabulário numérico muito restrito, de apenas três categorias numéricas (e.g., singular, dual, plural), possuem os mesmos conceitos e

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estratégias de enumeração quando comparadas com um grupo de crianças que falavam inglês. Estes dados indicam que o desenvolvimento de conceitos de enumeração não dependem do vocabulário numérico de uma sociedade, ou seja, aparentemente nascemos com a capacidade de representar quantidades numéricas exactas e o uso de palavras para classificar essas quantidades é útil mas não é necessário. Os conceitos numéricos têm, assim, uma origem e bases neurais independentes da linguagem (Gelmen & Butterworth, 2005).

Porém determinadas tarefas aritméticas e numéricas, como a compreensão do valor posicional dos números, estão, segundo Towse e Saxton (1997), dependentes das competências de linguagem. E a hipótese de que um défice fonológico poderá ter implicações na aquisição e no desenvolvimento de determinadas capacidades aritméticas tem ganho terreno. As competências fonológicas, especialmente a memória fonológica e a consciência fonológica de crianças entre os sete e os onze anos de idade, permitiram prever os desempenhos aritméticos, num estudo longitudinal, quando variáveis como a aptidão verbal e a leitura foram controladas (Hecht, Torgesen, Wagner, & Rashotte, 2001). Desta forma foi possível concluir que a codificação e a manutenção eficiente da informação fonológica na memória de trabalho contribuem para que os problemas aritméticos, mesmo os mais simples, sejam resolvidos com sucesso. Um outro estudo analisou os desempenhos aritméticos de crianças com dois tipos de dificuldades de leitura: crianças com dislexia (caracterizadas por um défice fonológico) e crianças com dificuldades de leitura específicas para a compreensão (Vukovic, Lesaux, & Siegel, no prelo). A partir deste estudo foi possível concluir que as crianças com dislexia apresentavam desempenhos aritméticos mais fracos do que o outro grupo nas tarefas de recuperação de factos aritméticos, nas de cálculo mental e na resolução de problemas. Os autores sugerem que os défices fonológicos poderão explicar as diferenças encontradas.

Assim o processamento fonológico pode afectar o desenvolvimento das competências matemáticas dos indivíduos, uma vez que o processamento dos sons é também utilizado na resolução de problemas e nas tarefas aritméticas (Geary, 1993). Por exemplo, os códigos fonológicos dos números são empregues sempre que realizamos uma contagem. Segundo Seran e Fayol (1994) para que um problema aritmético seja resolvido, ele terá de ser codificado fonologicamente, ou seja, é necessário que a informação numérica, neste caso numeração árabe, seja transformada em informação

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verbal para que seja efectuado um mapeamento na memória fonológica. Esta transformação de informação parece ocorrer sempre que os indivíduos resolvem problemas aritméticos simples, como pequenas adições (Geary, Bow-Thomas, Lui, & Siegler, 1996), ou mais gerais e complexos como resolução de fracções (Miura, Okamato, Vlahovic-Stetic, Kim, & Han, 1999). Assim, nesta perspectiva, as decisões serão tomadas com base na informação numérica mas o processamento será fonológico e as respostas verbais.

Se existirem fortes ligações entre a situação problemática e os factos necessários para a resposta correcta armazenados na memória de longo prazo, a informação para a resposta será eficazmente recuperada e codificada na memória de trabalho (Shrager & Siegler, 1998; Siegler & Shipley, 1995). As “crianças com dificuldades de leitura, com défices de processamento fonológico e de memória auditiva têm défices específicos na recuperação de factos aritméticos” da memória de longo prazo (Geary, 1993: p.355).

Para Siegel e Linder (1984), crianças quer com DM quer com dificuldades de leitura terão défices fonológicos em tarefas de memória de curto prazo que afectam o seu desempenho. A utilização do código da informação fonética parece, ainda, desenvolver-se mais lentamente em crianças com estas duas dificuldades.

Geary (1993), ao procurar categorizar e nomear as dificuldades de aprendizagem matemáticas, especificou três subtipos de dificuldade: o subtipo I relacionado com a memória semântica, o subtipo II com estratégias procedimentais e o subtipo III relacionado com competências visuo-espaciais. O subtipo I da memória semântica, que se caracteriza principalmente pelas dificuldades na recuperação de factos aritméticos, parece estar estreitamente relacionado com dificuldades de leitura, especialmente se as dificuldades de leitura estiverem associadas a défices fonéticos.

Em síntese, sugere-se que as crianças disléxicas, por terem um défice a nível fonológico, terão dificuldades em determinadas tarefas aritméticas, nomeadamente na recuperação de factos aritméticos simples (e.g., 3 + 8; 4 × 7). O mesmo poderá acontecer na contagem inversa de números, tarefa em que a velocidade de recuperação do código fonológico dos números está associada ao conhecimento de factos relacionados com sequências numéricas, armazenados na memória de longo prazo.

Assim as competências fonológicas não só são fundamentais para a aquisição da leitura e escrita, mas também para o armazenamento temporário de informação numérica na memória de trabalho, para a eficácia de estratégias de contagem envolvidas

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em várias operações que implicam capacidade de raciocínio reversivo e para a aprendizagem e recuperação de factos numéricos verbais.

4. Memória de trabalho, memória de curto prazo e aritmética

Uma das causas mais estudas das dificuldades de aprendizagem, especialmente das dificuldades matemáticas, são os défices na memória.

A memória de trabalho é indispensável para a manutenção e manipulação da informação necessária à realização de determinadas tarefas mentais. Segundo o modelo multi-componencial de Baddeley e Hitch (1974), revisto recentemente por Baddeley (2000, 2003, 2007), a memória de trabalho é uma capacidade que tem como objectivo apoiar a realização de actividades cognitivas complexas através do armazenamento temporário, integração, e manipulação de informações novas com informações já armazenadas. A visão de Baddeley (2000, 2003, 2007) incorpora a memória de curto prazo como um subsistema da memória de trabalho.

Sabe-se que muitas das dificuldades específicas de aprendizagem podem estar associadas a problemas com a memória de trabalho (Geary, Hoard, Byrd-Craven, & DeSoto, 2004; Passolunghi & Siegel, 2001), que causam limitações em diferentes áreas, como a leitura e a escrita (Daneman & Capenter, 1980) ou a aritmética (Adams & Hitch, 1997; Passolunghi & Siegel, 2001).

As crianças com dificuldades matemáticas tendem a demonstrar problemas na memória de trabalho quando comparadas com crianças da mesma idade, sem essas dificuldades. Estes défices de memória de trabalho relacionam-se com uma pobre flexibilidade na manipulação de informação numérica necessária à execução de cálculos mentais (Adams & Hitch, 1997; Passolunghi & Siegel, 2001), lentidão e imprecisão na resolução de problemas (Passolunghi & Siegel, 2001; Swanson & Sachse-Lee, 2001) e problemas na capacidade de memória de trabalho associados à manutenção de informações irrelevantes. Manifestam também défices ao nível do armazenamento de informação (Passolunghi & Siegel, 2001, 2004). Geary, Hoard, Byrd-Craven e DeSoto (2004) analisaram e identificaram relações entre a memória de trabalho, o conhecimento dos princípios da contagem, e as estratégias usadas para resolver problemas de adição, em crianças com DM. Nesse estudo verificou-se que nos primeiros anos de escolaridade os problemas de memória de trabalho se relacionavam especialmente com a eficiência e a mestria no uso de estratégias de contagem e de estratégias de resolução de problemas aritméticos simples de adição. Resultados semelhantes foram encontrados para a

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multiplicação, tarefa em que o armazenamento temporário e o processamento de informação são requisitos para o cálculo (Mabbott & Bisanz, 2008).

Em suma, os estudos no âmbito da memória de trabalho têm sugerido que esta tem um papel preponderante quer ao nível do cálculo mental, quer ao nível da resolução mental de problemas aritméticos (Adams & Hitch, 1997; Bull & Johnston, 1997; Bull & Scerif, 2001; McLean & Hitch, 1999). Deve notar-se também que a resolução mental de problemas envolve, por si só, cálculo mental, manutenção e armazenamento da informação dos resultados, e novos cálculos, exigindo a coordenação entre informações recentes e as entretanto mantidas em memória.

Posteriormente ao aparecimento do modelo da memória de trabalho proposto por Baddeley (1986), os estudos que investigaram o funcionamento da memória em indivíduos com dificuldades de aprendizagem, nomeadamente crianças, mudaram o rumo e passaram a investigá-la considerando as três componentes que constituem esse modelo. Segundo este modelo, o componente Executivo Central, enquanto subsistema da memória de trabalho, tem a função de supervisionar/coordenar/integrar a informação processada pelos outros subsistemas: a memória fonológica e a memória visuo-espacial. os subsistemas da memória fonológica e da memória visuo-espacial são responsáveis por manter as informações fonológicas e as visuo-espaciais, respectivamente. Swanson e Sachse-Lee (2001) encontraram evidências que mostraram que crianças com DM têm défices na memória de trabalho fonológica. Isto parece óbvio, uma vez que a memória fonológica é crucial, quanto mais não seja, para o armazenamento da informação verbal contida nos problemas aritméticos. Porém, segundo Durand, Hulme, Larkin e Snowling (2005) o papel da memória fonológica em crianças com DM é alvo de bastante controvérsia. Os resultados do seu estudo indicam que a capacidade da memória fonológica não é um forte preditor dos desempenhos aritméticos. Muitos estudos têm sugerido que indivíduos com dificuldade em matemática apresentam, sobretudo, défices na memória visuo-espacial (McLean & Hitch, 1999; Schuchardt, Maehler, & Hasselhorn, 2008), enquanto os indivíduos disléxicos mostram problemas principalmente na memória fonológica e no executivo central (Schuchardt, Maehler, & Hasselhorn, 2008). No entanto, outros estudos demonstram que crianças com DM têm também e, especialmente, a componente do executivo central afectada, ou pelo menos alguns dos seus aspectos como os que implicam inibição de informações irrelevantes (Lee, Ng, Ng, & Lim, 2004; McLean & Hitch, 1999; Passolunghi & Siegel, 2004;

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Swanson & Sachse-Lee, 2001). Imbo e Vandierendonck (2007) analisaram o papel do executivo central e da memória fonológica na resolução de problemas de multiplicação e divisão em adultos. Os resultados demonstraram que o executivo central está directamente envolvido nas estratégias de resolução destes problemas, quer eles envolvam recuperação ou não de factos aritméticos armazenados na memória de longo prazo.

No que diz respeito à memória de curto prazo, alguns estudos têm demonstrado baixos níveis de desempenho em tarefas de amplitude de memória para dígitos (digit span) em crianças com DM (Geary, Hamson, & Hoard, 2000; Geary, Hoard, & Hamson, 1999; Passolunghi & Siegel, 2001; Siegel & Linder, 1984). É de salientar que as tarefas de digit span são as mais usadas na avaliação de memória de curto prazo, uma vez que apenas envolvem a recuperação passiva de informação recente.

No entanto nem todas as investigações corroboram esta ideia. Passolunghi e Siegel (2004), Bull e Johnston (1997), assim como McLean e Hitch (1999) não encontraram diferenças significativas entre o desempenho obtido em tarefas que envolvem a repetição imediata e pela ordem correcta de uma lista de dígitos ou palavras, de crianças com e sem DM.

5. Memória de longo prazo e a recuperação de factos aritméticos

A memória de longo prazo pode ter um papel importante nas associações que é imprescindível estabelecer entre os problemas e as soluções, associações que se vão tornando mais eficazes à medida que as estratégias de cálculo e de contagem progridem (Siegler, 2003).

A memória está, também, directamente relacionada com a capacidade de relembrar e de recuperar informação. A resolução de problemas aritméticos simples envolve a recuperação de factos aritméticos da memória de longo prazo (Geary, 1993). Desta forma, a velocidade de recuperação e a ocorrência ou não de erros pode determinar o sucesso na resolução do problema.

Geary, Hoard e Hamson (1999) levantaram a hipótese de que a recuperação de factos aritméticos da memória de longo prazo tem características semelhantes à recuperação das palavras armazenadas na memória de longo prazo. Em 2000, os mesmos autores verificaram que crianças com dificuldades de leitura apresentavam também dificuldade na recuperação de factos aritméticos, apesar de não evidenciarem défices nas competências aritméticas básicas. Assim, um défice na memória de longo

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prazo pode explicar as dificuldades das crianças com DM em aprender e recuperar factos aritméticos, e pode também explicar as elevadas co-morbilidades entre as dificuldades matemáticas e as de leitura (Geary & Hoard, 2001).

Poderá, porém, existir uma memória só relacionada com o processamento dos números e uma unicamente associada ao processamento dos sons? Butterworth, Cappelletti e Kopelman (2001) nos seus estudos neuropsicológicos afirmam isso mesmo: um paciente depois de ter sofrido uma lesão neurológica pode apresentar défices na leitura e na escrita de palavras não relacionadas com números, enquanto as capacidades de leitura e escrita quer de números escritos (e.g., as palavras um, dois, três) quer de números árabes (e.g., 1,2,3) permanecem intactas.

Alguns autores apontam as dificuldades em aprender e em recuperar factos aritméticos automaticamente como o principal défice das crianças com DM. Este défice parece estar relacionado com problemas na memória de longo prazo (Geary, 2005).

Existe, porém, uma crescente tendência para considerar que esse tipo de problemas seja resolvido através de estratégias de contagem, sem se recorrer a processos de recuperação, já que estas estratégias diminuem a possibilidade do número de erros. No entanto, é importante ter em conta que a recuperação de factos aritméticos da memória é, quando em bom funcionamento, um processo rápido e automático que exige poucos recursos da memória (Aschcraft & Krause, 2007). Isto pode representar uma mais-valia quando estes recursos são imprescindíveis para outros processos da resolução de problemas.

Assim as dificuldades em aprender e recuperar factos podem originar várias consequências. Comparativamente com crianças sem dificuldades de aprendizagem aritmética, as crianças com DM necessitam de despender mais esforço para encontrar as soluções para problemas aritméticos simples (e.g., 9 + 8). Como a sua capacidade de processar informação é mais limitada, todo o restante processamento relacionado com a compreensão do problema e com a adequabilidade das estratégias é deixado para segundo plano (Gersten & Chard, 1999). De modo semelhante acontece com a leitura, se o indivíduo dedica muita da sua energia à descodificação, a compreensão fica prejudicada.

Deste modo, as intervenções reeducativas devem ter também como objectivo fazer com que as crianças concentrem menos o seu esforço nos processos de contagem, através de um procedimento baseado na recuperação e consequentemente na memória.

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Assim serão libertados recursos que podem ser utilizados em outros aspectos da resolução de problemas aritméticos, como selecção de informação, a adequação de operações ou o cálculo mental com números de múltiplos dígitos.

6. Competências matemáticas e velocidade de processamento

A velocidade de processamento está associada à rapidez com que a informação chega à memória de trabalho e aqui é processada. A velocidade de processamento pode ter implicações na capacidade de armazenamento de informação na memória de curto prazo. Por exemplo, nos cálculos aritméticos quanto mais rápida for processada uma operação numérica, mais espaço disponível tem a memória para receber, processar e armazenar novas informações (Berg, 2008). Porém o papel da velocidade de processamento é muitas vezes menosprezado, e até esquecido, enquanto capacidade cognitiva importante para a resolução de tarefas aritméticas.

Muitas das dificuldades relacionadas com a aprendizagem da matemática têm sido associadas a erros de cálculo mental ou escrito e à utilização de estratégias de contagem imaturas e lentas. Nesta perspectiva, Bull e Johnston (1997) defendem que estes défices podem ser explicados por uma má gestão dos recursos por parte da memória, especificamente no que diz respeito à velocidade de recuperação de factos numéricos da memória de longo prazo. Esta velocidade pode depender das associações estabelecidas entre a informação recebida e o material já armazenado, assim como do efeito da familiaridade. No seu estudo com crianças de sete anos, com e sem dificuldades matemáticas, estes autores verificaram que a velocidade de processamento era o melhor preditor destas dificuldades, quando comparado com outras variáveis como a memória de curto prazo, de longo prazo e a capacidade de realizar sequências de números. No entanto, também, encontraram correlações significativas entre o desempenho em tarefas de memória de curto prazo e a DM quando as competências de leitura foram controladas. A aparente explicação é que a memória de curto prazo possa ter influência nas DM. Porém esta explicação linear pode esconder a efectiva essência dos problemas, que segundos os autores, pode ser melhor explicada pela velocidade de processamento.

Apesar dos resultados encontrados por Bull e Johnston (1997), estudos mais recentes apontam para que a velocidade de processamento não seja o único nem o melhor preditor dos desempenhos aritméticos. Durand, Hulme, Larkin e Snowling (2005) encontraram correlações significativas entre a velocidade de busca visual de

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números e desempenhos aritméticos. Porém este não foi o único preditor destes desempenhos, nem a variável mais significativa comparativamente com a velocidade de comparação de dígitos. Porém estes autores concordam que a velocidade de aceder à informação relacionada com quantidades numéricas não deixa de ser um factor importante no desenvolvimento das competências aritméticas.

Um outro estudo (Berg, 2008) que analisou a influência da velocidade de processamento, da memória a curto prazo, de memória de trabalho e da leitura no cálculo mental de crianças, apresentou conclusões que de algum modo acabam por corroborar os estudos anteriores. Segundo este estudo, as influências quer da memória de curto prazo quer da velocidade de processamento no cálculo aritmético, não apagaram a grande importância da memória de trabalho. No que concerne especificamente à velocidade de processamento, verificou-se que esta contribuiu significativamente para o cálculo aritmético, porém esse contributo só se revelou significativo quanto às diferenças de idade cronológicas na amostra geral. Assim, Berg (2008) defende que a velocidade de processamento tem muito mais influência no cálculo aritmético quando as crianças são mais jovens e estão nos primeiros anos da aprendizagem da matemática, diminuindo a sua influência à medida que a criança se torna mais conhecedora dos conhecimentos necessários. O mesmo facto é também defendido por Hecht, Torgesen, Wagner e Rashotte (2001) relativamente à importância da velocidade de processamento fonológico na computação matemática. Neste estudo a velocidade de processamento fonológico foi um importante preditor da computação matemática apenas no segundo e terceiro anos de escolaridade, mas não nos anos posteriores. Estes dados sugerem que nos estádios iniciais da aprendizagem da matemática, uma boa velocidade de processamento pode ajudar a que as representações dos números se tornem mais automáticas. No entanto, em crianças mais velhas outros factores cognitivos, como a memória de trabalho ou a de curto prazo, e os conhecimentos adquiridos, ganham importância e sobrepõem-se à importância da velocidade de processamento (Berg, 2008).

7. Aquisição de competências aritméticas

No seu estado mais puro e primitivo a aritmética está intimamente associada à capacidade de manipulação e comparação de grandezas. Esta é uma capacidade não verbal, e muitos estudos mostram que está presente em crianças muito pequenas, a partir dos seis meses, e mesmo em alguns animais (Brannon, 2005). Este sentido de número,

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básico, está relacionado com a percepção e com a capacidade de discriminar quantidades, sendo que quanto mais pequenas forem as quantidades mais fácil, para o nosso cérebro, é fazer essa discriminação (Dehaene, Molko, & Wilson, 2004). Nesta perspectiva, o sentido de número é portanto considerado uma capacidade inata que está na base de toda a aprendizagem matemática. Dehaene, Molko, Cohen e Wilson (2004) verificaram uma analogia entre as regiões cerebrais activadas durante tarefas aritméticas em humanos e em primatas, corroborando a ideia de que as capacidades aritméticas básicas são inatas e portanto controladas geneticamente, pelo menos parcialmente.

Fayol e colaboradores (2004) afirmam que as crianças conseguem manipular mentalmente quantidades, mesmo antes de associarem estas quantidades aos nomes verbais dos números. Só a partir dos dezoito meses é que esta associação se torna biologicamente possível, com a aquisição da linguagem oral. A criança é então capaz de aprender as primeiras sequências de contagem, factor basilar na construção do sistema numérico, apesar de numa fase inicial a contagem não passar de uma prática linguística rotineira e trivial (Goswami & Bryant, 2007). Posteriormente, a contagem envolve o significado do número associado à quantidade que representa e o distingue dos outros (cardinalidade). O número é, então, encarado como uma quantidade fixa que se situa entre outras duas quantidades numéricas de diferentes magnitudes (ordinalidade). Porém a associação das quantidades aos respectivos nomes verbais não é óbvia, porque não existe nenhum indicador nas palavras que as relacione com as quantidades que representam. De modo semelhante, com as primeiras aprendizagens a criança vai atribuir uma notação simbólica às quantidades e consequentemente aos seus nomes verbais, ou seja, cada quantidade será representada através de um símbolo que será, neste caso, um algarismo árabe (Brysbaert, 2005; Dehaene, Molko, & Wilson, 2004). A capacidade para processar representações numéricas e árabes, assim como a de transformar as representações numéricas em notações árabes e vice-versa são capacidades imprescindíveis para a produção e para a compreensão do número em si mesmo (Geary, Hoard & Hamson 1999; McCloskey, Caramazza, & Basili, 1985).

Entre os três e os quatro anos a maioria das crianças é capaz de contar até quatro itens e de compreender o conceito que o número representa na contagem; pouco tempo depois é capaz de contar até quinze itens (Shalev, 2004). “Aprender a contar permite que as crianças organizem as suas estruturas cognitivas para a aprendizagem numérica num sistema coerente” (Goswami & Bryant, 2007, p. 17). Gelman e Gallistel (1978)

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identificaram e nomearam cinco princípios inerentes à aprendizagem das estratégias de contagem. São eles a correspondência de um para um: onde cada objecto corresponde apenas a um número; a ordem estável dos objectos alvo de contagem, ou seja, a ilação de que caso os objectos alterem a sua posição a contagem deve ser iniciada novamente; a cardinalidade, que implica a compreensão de que o último número contado representa a quantidade total da contagem; a abstracção das tipologias e categorias dos objectos a contar, isto é, a compreensão de que é possível contar diversos objectos independentemente do que são ou do que significam; e a irrelevância da ordem de contagem entre os itens de um determinado conjunto. Aos cinco anos muitas crianças aplicam já estes princípios de contagem, porém fazem-no de modo muito rígido. Nesta fase muitas crianças sofrem ainda influências dos padrões de contagem relacionados com a preservação da orientação e com o início da contagem, atribuindo também elevada importância à contagem ordenada (Geary & Hoard, 2005). Isto significa que numa tarefa de contagem algumas crianças de cinco anos acreditam que se contarem os objectos numa sequência diferente daquela que usaram em primeiro lugar, terão uma quantidade diferente; de cada vez que se pergunta à criança qual a quantidade de uma colecção, ela recomeça a contagem desde o início; as crianças acreditam que se a ordem dos objectos for alterada, a quantidade será diferente.

No que diz respeito à capacidade para efectuar adições simples e subtracções, os estudos indicam que se desenvolve gradualmente ao longo da infância. Vilette (2002) demonstrou que crianças em idade pré-escolar não usam os números e os princípios aritméticos para resolver problemas, apesar de responderem activamente a treinos de transformações numéricas concretas através da manipulação de pequenos conjuntos. Deste modo, as crianças podem ser ensinadas a raciocinar sobre transformações numéricas (e.g., adições e subtracções) antes dos cinco anos de idade, no entanto não o farão por compreenderem o princípio aritmético da inversão, mas sim através de representações espacio-temporais de objectos concretos. No entanto esta hipótese de que crianças em idade pré-escolar não compreendem o princípio da inversão tem suscitado dúvidas e necessidade de novas investigações. Neste contexto, outros estudos têm demonstrado que, mesmo sem receberem instruções no campo da aritmética, as crianças em idade pré-escolar efectuam com mais precisão problemas que envolvem inversão do que problemas controlo de adição e de subtracção consecutivas (e.g., 5 + 3 - 3) (Gilmore & Spelke, 2008).

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Para Piaget (1952) o princípio aritmético da inversão representa um tipo básico de reversibilidade fundamental no desenvolvimento das estruturas cognitivas. Bryant, Christie e Rendu (1999) demonstraram que crianças entre os cinco e os seis anos de idade aplicam o princípio da inversão entre a soma e a subtracção quando o adendo e o subtractivo representam a mesma quantidade (e.g., a + b – b = a). Entre os seis e os oito anos as crianças usam já o princípio da inversão em combinação com a decomposição de números para resolver problemas (e.g., a – b = (c + b) – b = c; a – c – b = a – (d + b) – b = a - d). Porém a maioria das crianças deste estudo, foi incapaz de expressar o princípio da inversão explicitamente ou de explicar a associação entre a adição e a subtracção, por isso a relação entre a aplicação e compreensão do princípio da inversão não foi provada ou explicada. Estudos posteriores analisaram, então, a relação entre a compreensão conceptual do princípio da inversão e as capacidades para resolver operações que implicam inversão e concluíram que o entendimento da relação entre a adição e a subtracção se pode desenvolver de modo específico em cada criança à medida que ela recebe instrução matemática durante o seu percurso escolar (Gilmore & Bryant, 2006; Gilmore & Spelke, 2008).

Nesta fase a criança é muito eficaz a resolver problemas que envolvam operações simples, como as adições e as subtracções. É também capaz de escrever e compreender algarismos de três dígitos, assim como símbolos aritméticos. Porém, apenas entre os nove e os doze anos é que as multiplicações e as divisões estarão completamente adquiridas (Shalev, 2004).

Nunes, Bryant, Evans, Bell, Gardner et al. (2007) analisaram a influência do raciocínio lógico nas aprendizagens matemáticas em crianças a frequentar a escolaridade básica elementar. Os desempenhos relacionados com o raciocínio lógico previram as aprendizagens matemáticas até dezasseis meses depois da avaliação, quando os níveis de inteligência geral e de memória de trabalho foram controlados. De acordo com este estudo, o raciocínio lógico é considerado um factor causal da aprendizagem matemática, e portanto um factor a ter em conta no ensino e no desenvolvimento das capacidades aritméticas.

8. Discalculia

O termo discalculia é usado para classificar indivíduos com défices específicos na área do raciocínio matemático. Este défice pode ser adquirido e então tem origem em lesões neurobiológicas. Porém, para que fosse possível distinguir os défices adquiridos

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dos défices desenvolvimentais associados à aquisição das competências matemáticas, os investigadores adoptaram o termo discalculia de desenvolvimento (Butterworth, 2005; Shalev, 2004; Shalev, Manor, Kerem, Ayali, Badichi, Friedlander, & Gross-Tsur, 2001). Esta terminologia continua, no entanto, a não reunir o consenso de todos os investigadores, sendo que em diferentes estudos surgem termos diversificados como: “défices de aprendizagem aritmética” (Berch, 2005) e “dificuldade de aprendizagem específica da aritmética” (McLean & Hitch, 1999), entre outros. Em todos estes estudos, esses termos são usados para classificar défices graves de aquisição das competências matemáticas e de sentido de número.

A discalculia é muitas vezes descrita como uma espécie de dislexia para números. Apesar de o indivíduo com discalculia não apresentar défices cognitivos gerais e de ter tido acesso a um ensino de relativa qualidade num meio ambiente adequado, ele tem de facto dificuldades em lidar com os números e o desenvolvimento da numeracia é ou foi muito difícil. Crianças com discalculia são muitas vezes incapazes de fazer operações simples como somas de algarismos únicos, ou de estimar instantaneamente pequenas quantidades (Dehaene, Molko, & Wilson, 2004; Blakemore & Frith, 2005).

As manifestações da discalculia que geram maior consenso entre os investigadores são: a utilização de estratégias imaturas, quer no cálculo quer na resolução de problemas; necessidade de mais tempo e menor precisão na resolução das tarefas aritméticas (Geary, 2004; Geary & Hoard, 2001; Jordan, Hanich, & Kaplan, 2003; Shalev et al., 2001), falhas na compreensão dos princípios de contagem e erros nos procedimentos de contagem (Geary, Hamson, & Hoard, 2000). Landerl, Bevan e Butterworth (2004), na sua amostra de crianças com discalculia identificaram défices gerais relacionados com o processamento numérico, incluindo dificuldade de aceder a informações verbais e numéricas; dificuldades na contagem de pontos, dificuldades na comparação de dígitos, e problemas em relembrar sequências de números apresentados oralmente e por escrito. Porém, depois de controlar os níveis de leitura, as crianças com discalculia apresentavam valores normais em tarefas que envolviam a memória de trabalho fonológica, o acesso a informações verbais, e as competências de linguagem, permanecendo os problemas na contagem de pontos, no subitizing e na comparação de dígitos.

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As manifestações da discalculia estão estritamente relacionadas com a idade dos indivíduos (Shalev, 2004). Assim, se numa fase inicial da aprendizagem as manifestações estão mais associadas a dificuldades na aprendizagem e na recuperação de factos aritméticos simples, e com a utilização de estratégia imaturas de contagem, numa fase posterior os problemas poderão residir fundamentalmente na aprendizagem da tabuada, assim como na compreensão e na automatização das estratégias inerentes às quatro operações aritméticas básicas.

As hipóteses que actualmente se levantam apontam para que o défice central dos indivíduos com discalculia resida na capacidade básica e inata de manipular e comparar as grandezas. Nesta perspectiva, Butterword (2004) defende um défice específico e selectivo relacionado com a capacidade básica da compreensão do número e do seu sentido. As crianças com discalculia apresentariam então um défice de origem numérica especificamente relacionado com dificuldades na representação e no processamento de informação numérica e que seria independente da presença ou não de dificuldades de leitura, tal como sugere o estudo de Laderl, Bevan e Butterworth (2004), anteriormente apresentado.

O sentido de número é um conceito complexo, que tem envolvido diferentes significados quer ao longo do tempo quer por referência a diferentes investigadores. Berch (2005) define sentido de número não só como capacidade de manipular e comparar grandezas, mas também, como uma capacidade de executar cálculo mental, flexibilidade na manipulação dos números e das estratégias numéricas, e competências para fazer comparações no universo real das quantidades, extrapolando-as para o universo dos números e das grandezas. Por exemplo, um indivíduo não necessita de ter o sentido de número muito apurado para saber que três é menor que cinco e que nove é maior que cinco; porém, para saber que nove é muito maior que cinco do que três é menor que cinco já é necessário ter um sentido de número mais elaborado e complexo. Um indivíduo com um elevado sentido de número será capaz de dizer que a quantidade que separa o nove do cinco é duas vezes a quantidade que separa o três do cinco (e.g., 3+2; 9–2–2).

Gersten e Chard (1999) estabelecem uma analogia entre a importância da consciência fonémica na aprendizagem da leitura e da escrita e a importância do sentido de número nas aprendizagens matemáticas. Estes autores salientam que uma construção

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sólida do sentido de número no início das aprendizagens pode ajudar as crianças com DM a superar as suas dificuldades.

No que concerne à etiologia, a investigação evidencia que há provavelmente uma contribuição genética para a discalculia tal como para a dislexia ou para outras dificuldades de aprendizagem (Shalev et al., 2001). Visando determinar a influência da componente genética na discalculia, Shalev e colaboradores (2001) avaliaram e compararam as dificuldades de crianças, com as dos seus pais e irmãos. As elevadas correlações entre as dificuldades aritméticas de pais e filhos deste estudo permitiram demonstrar que a discalculia tem uma significativa influência genética relacionada com uma história familiar de problemas nesta área. Assim, os membros da família de uma criança com discalculia têm uma probabilidade dez vezes superior de serem diagnosticados com discalculia comparativamente com os membros da família da população geral. O que permite inferir que uma criança oriunda de uma família com antecedentes de discalculia tenha mais probabilidades de ter este défice.

Estudos neuropsicológicos têm demonstrado, também, que a base genética da discalculia pode estar relacionada com anomalias funcionais e estruturais dos lobos parietais, especialmente do sulco intraparietal direito, sendo que esta região representa um papel fundamental no processamento do número e no desenvolvimento das capacidades aritméticas (Dehaene, Piazza, Pinel, & Cohen, 2003; Molko, Cachia, Rivière, Mangin, Bruandet, Le Bihan et al., 2003). Indivíduos com lesão neurológica na área perisílvica do hemisfério esquerdo, diagnosticados com afasia, dislexia e discalculia adquiridas demonstraram prejuízos graves em tarefas que envolviam processamento verbal, quer na leitura e escrita, quer a nível aritmético. No entanto as suas capacidades de manipular e comparar grandezas numéricas não verbais permaneceram preservadas. Os exames neurológicos comprovaram que a lesão ocorreu nas áreas classicamente associadas à linguagem, enquanto o lobo parietal inferior esquerdo permaneceu funcional e era activado durante as tarefas de cálculo. Neste estudo foi também demonstrado que os cálculos de adição e de subtracção eram resolvidos mais facilmente do que os de multiplicação e divisão (Cohen, Dehaene, Chochon, LeheAricy, & Naccache, 2000).

Actualmente levanta-se a hipótese de que existam diferentes sistemas cerebrais envolvidos no desenvolvimento das competências aritméticas: um verbal e um não verbal. O verbal estará relacionado com a memorização dos conceitos matemáticos ou

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