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Que rádio é essa? Radiofusão Universitária em Natal-RN

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

QUE RÁDIO É ESSA? RADIODIFUSÃO UNIVERSITÁRIA EM NATAL-RN

CIRO JOSÉ PEIXOTO PEDROZA

NATAL-RN 2018

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CIRO JOSÉ PEIXOTO PEDROZA

QUE RÁDIO É ESSA? RADIODIFUSÃO UNIVERSITÁRIA EM NATAL-RN

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, área de concentração em Linguística Aplicada, na linha de pesquisa dos Estudos de Práticas Discursivas como requisito para obtenção do titulo de Doutor em Estudos da Linguagem. Orientador: Prof. Dr. Adriano Lopes Gomes

NATAL-RN 2018

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QUE RÁDIO É ESSA? RADIOFUSÃO UNIVERSITÁRIA EM NATAL-RN

Tese apresentada por CIRO JOSÉ PEIXOTO PEDROZA ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem como requisito para obtenção do título de Doutor em Estudos da Linguagem.

Aprovada em ______/_____/_____ COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Adriano Lopes Gomes – Orientador Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________________________

Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues – Examinadora interna Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________________________

Professora Doutora Olga Maria Tavares Setubal – Examinadora externa Universidade Federal da Paraíba

__________________________________________________________________

Edivânia Duarte Rodrigues – Examinador externo

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte

__________________________________________________________________

Professor Doutor Hélcio Pacheco de Medeiros – Examinador interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________________________

Professor Doutor Sebastião Faustino Pereira Filho – Examinador interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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“Só se ama aquilo que não se possui completamente” (Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, 2016)

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Para Cirinho, Cecília, Davi e Luiza, minhas promessas de futuro.

Para Gracita Lopes, que divide comigo a sorte de um amor tranquilo.

Para o meu pai Horácio e todos que me ensinaram a fazer rádio.

Para minha mãe Cinira, que lá de cima continua orando por mim.

Aos que trabalham para que o rádio cumpra sua missão de melhorar a vida das pessoas.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do PPGEL/UFRN e do PPGEM/UFRN, na pessoa do professor doutor Adriano Lopes Gomes, mais que orientador desta jornada. Obrigado pela confiança.

Aos professores doutores, Hélcio Pacheco e a Sebastião Faustino, pela leitura atenta, pelo olhar crítico, pelas contribuições importantes e orientações preciosas.

Aos parceiros de pesquisa do Grupo de Rádio e Mídia Sonora da Intercom, pela alegria dos encontros, pelo conhecimento compartilhado e pela fé na força do rádio.

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RESUMO

Esta pesquisa, vinculada aos Estudos da Linguagem, percorre o caminho da interdisciplinaridade estimulada pela concepção contemporânea da Linguística Aplicada, dialogando com várias fontes e diversos campos do conhecimento para ajustar seu foco sobre um segmento da radiodifusão que, apesar de sua importância para a formação de mão de obra qualificada e para a difusão do conhecimento e da promoção da cultura nacional, tem sido marginalizado no Brasil: as rádios universitárias. A pesquisa promove uma cartografia da radiodifusão em Natal/RN, revisita suas origens e explicita as características identitárias dos sistemas estatal, privado e público, estabelecidos à luz da Constituição de 1988, para distinguir a presença das rádios do autodenimonado campo público em Natal (Senado-FM e Marinha-FM e Universitária-FM). Busca aprofundar sua análise na radiodifusão universitária, a partir do estudo de caso da emissora de propriedade da Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC), vinculada institucionalmente à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Como método, utiliza o estudo de caso, a pesquisa qualitativa e a entrevista em profundidade para discutir os aspectos concetuais sobre o caráter público das emissoras mantidas e geridas pelo Estado. Analisa algumas das práticas da Universitária-FM relacionadas à produção de conteúdo, à gestão administrativa e ao relacionamento da emissora com a comunidade universitária e com a sociedade.

Palavras-chave: Radiodifusão Pública. Rádios Universitárias. Universidade Federal do Rio

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ABSTRACT

This research, linked to the Language Study, takes the way to the indisciplinarity due to the contemporaneous conception of Applied Linguistic, interacting with many sources and differente areas of knowledge to focus on a radiodifusion segment that, despite its importance to the training of a qualified workforce, to the dissemination of knowledge and to the promotion of a national culture, stands aside in Brazil: universitaries radios. This research promotes cartography of radiodifusion in Natal/RN, it revisits its origins and it explains identitary characteristics in statal, private and public systems, based on Constitution in 1988, to distinguish the presence of radios situated in the public area in Natal (Senado-FM e Marinha-FM e Universitária-FM). It aims to analyze universitary radiodifusion, with a case of study related to the Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC) radio station, linked to the Federal University from Rio Grande do Norte (UFRN). As methodology, it uses case of study, qualitative research and in-depth interviews to discuss some conceptual aspects about public essence of radio stations supported and managered by State. It analyzes some practices in the Universitária-FM related to content production, to the administrative managering and the relationships among this radio station and the universitaire community and society.

Keywords: Public tadiodifusion. Universitaries rádios. Federal University from Rio Grande

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RÉSUMÉ

Cette recherche, liée aux Sciences du Langage, suit le chemin de l’interdisciplinarité motivée par la conception contemporaine de la Linguistique Appliquée, tout en discutant avec plusieurs sources et plusieurs champs du savoir pour ajuster son objectif sur un des domaines de la radiodiffusion qui, malgré son importance pour la formation de main d`œuvre qualifiée et pour la diffusion du savoir et de la promotion de la culture nationale, est toujours marginalisée au Brésil: les stations radios universitaires. La recherche met en valeur une cartographie de la radiodiffusion dans la ville de Natal/RN, revisite ses origines et expose les caractéristiques identitaires des systèmes de l'État, privé et public, établis à la lumière de la Constitution de 1988, pour différencier la présence des radios qui s’auto-désignent de la branche publique à Natal (Senado-FM et Marinha-FM et Universitária-FM) et approfondir leur analyse dans le domaine de la radiodiffusion universitaire, à partir de l’étude de cas de la station de radio de propriété de la Fondation Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC) liée à l'Université Fédérale de Rio Grande do Norte (UFRN). Comme méthode, on utilise l’étude de cas, la recherche qualitative et l’entretien approfondi pour discuter les aspects conceptuels à propos du caractère public des stations radios maintenues et dirigées par l’Etat et on a analysé quelques pratiques de l’Universitária-FM liées à la production de contenu, à la gestion administrative et au rapport de la station radio avec la communauté universitaire et la société.

Mots-clés: Radiodiffusion Publique. Radios Universitaires. Université Fédérale de Rio

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AM – Amplitudade Modulada APR – American Public Radio

ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil AT & T – American Telegraph and Telephone BBC – British Broadcasting Company

CESOP – Centro de Estudos e Opinião Pública/Universidade de Campinas CF – Constituição Federal

COMUNICA – Superintendência de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

EBC – Empresa Brasileira de Comunicação ECAD – Escritório Central de Arrecadação FCC – Federal Communication Commision FM – Frequência Modulada

FRC – Federal Radio Comission

FUNPEC – Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia

MEC – Ministério de Educação e Cultura NBC – National Broadcasting Company

NHK – Nippon Hōsō Kyōkai (Corporação Japonesa de Radiodifusão) PBS – Public Broadcasting Service

PPGEL – Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem RAI – Radiotelevisione Italiana

RCA – Radio Corporation of America RDF – Radio Diffusion Française REN – Rádio Educadora de Natal

RRUBRA – Rede de Rádios Universitárias do Brasil

SACI – Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SINRED – Rede Nacional de Radiodifusão Educativa TVU – Televisão Universitária do Rio Grande do Norte UFG – Universidade Federal de Goiás

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte URI – Union Radiofonica Italiana

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SUMÁRIO

1 VINHETA DE ABERTURA ...13

2 RADIODIFUSÃO: UMA CARTOGRAFIA...25

2.1 A RADIODIFUSÃO EM NATAL/RN ...52

3 RADIODIFUSÃO PÚBLICA: EM BUSCA DE UM CONSENSO ...62

3.1 A VOZ DE BRASÍLIA: ESTATAL E/OU PÚBLICO...83

4 RÁDIO UNIVERSITÁRIA: O CONHECIMENTO NO AR...95

4.1 RÁDIO 88,9: UNIVERSITÁRIA-FM ...116

5 VINHETA DE ENCERRAMENTO ...138

REFERÊNCIAS ...159

ANEXO A – CAPITÃO DE FRAGATA MARCOS AURÉLIO DE OLIVEIRA SIMAS COORDENADOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA MARINHA DO BRASIL...183

ANEXO B – FERNANDO CESAR MESQUITA – EX-SECRETÁRIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO SENADO. CRIADOR DA RÁDIO SENADO-FM....187

ANEXO C – MARCO ANTONIO REIS – DIRETOR DA RÁDIO SENADO-FM...195

ANEXO D – CARLOS MAURÍCIO PANDOLPHI PEREIRA – PRIMEIRO DIRETOR DA RÁDIO UNIVERSITÁRIA-FM ...199

ANEXO E – JOSÉ ZILMAR ALVES DA COSTA – SUPERINTENDENTE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E DIRETOR DA COMUNICA – UFRN...204

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1 VINHETA DE ABERTURA

O pesquisador não escolhe seu objeto de pesquisa, é o objeto de pesquisa que escolhe o seu pesquisador. No caso do rádio, ele sempre “espreita pesquisadores e estudiosos a repensá-lo” (BARBOSA FILHO, 2003, p. 14), seduzindo-os. Esse é o meio de comunicação com o qual convivemos desde a infância e, quando adolescente, passamos a conhecer por dentro, iniciando uma carreira profissional de radialista que já ultrapassa quatro décadas, sempre atuando profissionalmente em emissoras comerciais, embora sintonizados nas questões de ordem conceitual e prática mais identificadas com o ideário da radiodifusão pública.

Nesta pesquisa, dedicamo-nos a estudar a realidade desse modelo de radiodifusão em Natal, capital do Rio Grande do Norte, onde três emissoras de rádio, mantidas pelo Estado, dividem espaço no dial com outras emissoras privadas (comerciais): a pioneira Rádio Universitária-FM (88,9 FM), vinculada à UFRN, por meio da Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa (FUNPEC), e as rádios Senado (106,9 FM) e Marinha (100,1 FM). Esse interesse acadêmico pelo tema da radiodifusão pública nasceu em 2003, durante as aulas do professor Laurindo Lalo Leal Filho sobre o Modelo Britânico de Radiodifusão, durante o curso de Mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e o conceito sempre intrigou o pesquisador, que não conseguia ver no modelo brasileiro de radiodifusão similaridade com o modelo britânico, estabelecido no Reino Unido pela British Broadcasting Company (BBC), durante a primeira metade do século passado.

Faltava um correspondente no Brasil, onde as emissoras de rádio se dividem entre comerciais (operadas por empresas privadas, por meio de concessões, e mantidas pela venda e veiculação de publicidade); educativas (vinculadas ao Estado e mantidas por verba pública, sendo-lhes vedadas a venda e a veiculação de publicidade) e comunitárias (regulamentadas a partir de 1998, que operam em frequência única em todo o país, sob legislação própria que limita sua potência e suas fontes de financiamento, impedindo-as de veicular publicidade comercial). Passado o tempo, eis que esse quarto modelo de radiodifusão nos escolhe para desvendá-lo.

Maior referência de radiodifusão pública no mundo, a BBC de Londres, também foi a maior fonte de inspiração para o sonho brasileiro de radiodifusão pública, materializado pelo artigo 223 da Constituição Federal de 1988 como um sistema complementar à radiodifusão privada e educativa, modelos que existem no Brasil desde 1936 (MOREIRA, 1991). Até os dias atuais, esse terceiro sistema criado pelo constituinte de 1988 ainda não foi

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regulamentado. Entre os pesquisadores, o conceito desse novo sistema tem gerado muito mais dissenso que consenso, como reconhece Leal Filho (2008, p. 7), quando afirma que: “o difícil debate sobre radiodifusão pública no Brasil torna imprescindível a referencia do modelo britânico”. Isso ocorre, sobretudo, pelo fato de a BBC se constituir em “um modelo de rádio e televisão sem similar em todo mundo”, cujo “resultado aparece na produção de programações de alto nível, reconhecidas pelos britânicos como a principal jóia de nossa coroa cultural e uma imensa força de prestígio” (LEAL FILHO, 1997, p. 11).

Durante a retomada dos estudos sobre o tema, ainda na fase de elaboração do projeto para esta tese, tentamos comparar a radiodifusão pública praticada pelos ingleses com o que se denominava radiodifusão pública no Brasil. A inquietação do pesquisador, materializada em forma de desafio de enxergar pontos comuns – e distintos – entre esses dois modelos e, assim, constituir elementos para traçar um perfil dessa versão brasileira de radiodifusão pública é um dos objetivos desta pesquisa. A amostra que serve de ponto de partida para essa jornada se constitui das três emissoras desse segmento que operam em Natal, quais sejam: a Rádio Universitária-FM (88,9 FM), a Rádio Senado (106,9 FM) e a Rádio Marinha (100,1 FM).

No mês de junho de 2018, existiam no Brasil 9.290 emissoras de rádio, segundo os dados abertos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. A maioria delas, comunitárias (4.854 rádios). A faixa FM1 concentra 2.624 estações, sendo 2.157 comerciais e 467 educativas. Na faixa do AM2, temos 1.688 emissoras e mais 124 rádios em ondas tropicais/ondas curtas. Desse total, 88 emissoras estão no Rio Grande do Norte: 33 AMs, 55 FMs e mais 122 registradas como emissoras comunitárias (ANATEL, 2018). Recentemente, o rádio brasileiro iniciou um processo de migração de emissoras do AM para o da FM. Mais de 600 estações já migraram e outras tantas estão em vias de desligar suas antenas para acionar seus novos transmissores e antenas de Frequência Modulada (BERTOLOTTO, 2018).

1 Frequência Modulada (FM), segundo Maria Elisa Porchat (1986, p. 178), é “um sistema de transmissão em que

a onda portadora, na faixa de 88 a 108 MHz, é modulada em frequência, ou seja, a moduladora, que é a informação na faixa de audiofrequência, altera a frequência central de emissora em função da sua intensidade e de sua frequência. O processo em FM é submetido à menor incidência de ruído e lhe é inerente uma faixa mais ampla de reprodução do áudio, o que lhe dá maior fidelidade de resposta”.

2 Amplitude Modulada, segundo Moacir Barbosa de Sousa (2010, p. 83), é um “tipo de transmissão que utiliza o

princípio da variação de amplitude de uma portadora de R.F. (rádio frequência), de acordo com o sinal de áudio do programa a ser transmitido. A radiodifusão em AM pode ser transmitida em ondas médias (MW) ou de ondas curtas (SW). A resposta em frequência de rádio é limitada, indo de 40 Hz a aproximadamente 5 kHz. Geralmente as transmissões são monofônicas, embora também haja um padrão técnico para estereofonia”.

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No Brasil, país de dimensões continentais, disparidades em todos os campos e, ainda, com 11,5 milhões de analfabetos (VETORAZZO, 2018) e poucos leitores, onde aquilo que se ouve tem uma importância enorme, o rádio se reveste de uma importância ainda maior. Tanto é que, apesar do avanço notável de outras mídias, nesses tempos digitais, o rádio ainda ocupa lugar de destaque na atenção dos brasileiros. As pesquisas de audiência comprovam essa relevância do rádio a cada relatório. A edição do Book de Rádio, publicado pelo instituto Kantar Ibope Media, com dados de audiência de julho de 2017, confirma esse poder do rádio entre nós:

52 milhões de pessoas escutam rádio em 13 regiões metropolitanas no Brasil, sendo 52% mulheres e 48% homens. O pico de consumo do meio ocorre entre 10h e 11h da manhã, quando o rádio alcança 37 milhões de pessoas diferentes em um intervalo de 30 dias. O alcance do meio é maior entre a população jovem. De acordo com o levantamento, 91% dos entrevistados entre 15 e 19 anos declararam ouvir rádio por ao menos um minuto nos últimos 30 dias. Este alcance é de 90% entre as pessoas de 20 a 34 anos e de 90% entre os 35 e 49 anos, sendo que todos os patamares estão acima da média de alcance geral, de 87% da população3.

Essa força do rádio entre os brasileiros se confirma com os dados da última edição do Rádio Book (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018), que reúne dados de pesquisas regulares de audiência e hábitos de consumo do meio em 13 regiões metropolitanas do Brasil4, durante o primeiro semestre de 2018: três em cada cinco dos entrevistados revelam que escutam rádio todos os dias. Cada um desses ouvintes passa, em média, 4 horas e 40 minutos por dia de rádio ligado. Segundo o estudo, 81% dos ouvintes escutam rádio em aparelhos receptores convencionais, 18% sintonizam sua emissora preferida no celular, contra 4% que dizem escutar rádio no computador e mais 5% em outros equipamentos. Desse universo, 71% dos ouvintes escutam rádio em casa, 21% ouvem no rádio do carro e 12% sintonizam seus receptores enquanto estão no trabalho. Espalhados pela imensidão do território brasileiro, esses milhões de ouvintes sintonizam diariamente alguma – ou várias – emissoras de rádio para se informar, buscar entretenimento ou simplesmente para tê-lo como companhia, confirmando a relevância de outro papel exercido pelo rádio, ajudando

[…] a definir espaços e tempos cotidianos, demarca a hora de cuidar da casa ou ir ao trabalho, o momento de se arrumar para sair ou de preparar o churrasco de domingo. Pode acompanhar o ouvinte durante horas: tanto como som de fundo quanto resgatando sua atenção latente ao longo desse tempo e se tornando o som mais

3 Disponível em:

https://www.kantaribopemedia.com/radio-mantem-sua-presenca-pelo-brasil-aponta-pesquisa-da-kantar-ibope-media/. Acesso em: 10 ago. 2018.

4 Grande São Paulo, Grande Campinas, Grande Rio de Janeiro, Grande Belo Horizonte, Grande Vitória, Grande

Distrito Federal, Grande Goiânia, Grande Porto Alegre, Grande Curitiba, Grande Florianópolis, Grande Salvador, Grande Recife, Grande Fortaleza.

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importante do ambiente por alguns instantes, quando toca sua música preferida ou apresenta uma notícia que lhe interessa (KASEKER, 2012, p. 21).

A importância do rádio para a vida do brasileiro é inegável e sua relação de fidelidade com o meio impressiona. Relevante para milhões de ouvintes, de todas as classes sociais e todos os segmentos de público, o rádio tem se tornado um objeto de pesquisa cada vez mais interessante e atraente aos ouvidos e olhares dos meios acadêmicos, a ponto de mobilizar um número crescente de pesquisadores de todo país, cuja produção pode ser comprovada pela intensa publicação de livros e artigos sobre os vários aspectos envolvendo a radiodifusão.

Levantamento realizado pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Mediações e Interações Radiofônicas, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sob a coordenação de Kischinhevsky, analisou a consolidação dos estudos de rádio e mídia sonora no Brasil, durante o século XXI, e contabilizou, a partir da cartografia dos trabalhos apresentados nos congressos nacionais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), 570 trabalhos publicados entre os anos de 2001-2015 por pesquisadores de várias partes do país, reunidos durante as sessões anuais do Grupo de Rádio e Mídia Sonora da Intercom.

Desse volume, apenas 53 (9,2%) tratavam de Rádio Público e Educativo, “incluindo discussões sobre rádio na escola, educação para as mídias e programas radiofônicos voltados para o público infanto-juvenil” (KISCHINHEVSKY; MUSTAFÁ; MATOS; HANG, 2017, p. 99), além de relatos de experiência ou análise de programas isolados, “que não raro, tratam das emissoras e programas analisados de forma indulgente ou laudatória” (KISCHINHEVSKY; MUSTAFÁ; MATOS; HANG, 2017, p. 12), o que indica que ainda há muito o que pesquisar sobre o rádio em nosso país.

Do ponto de vista metodológico, o presente estudo procura inserir-se nesse acervo de produção cientítica no campo do rádio e da mídia sonora, propondo um questionamento sobre o caráter público das emissoras mantidas pelo Estado brasileiro, a partir de uma pesquisa histórica e documental da constituição legal dessas emissoras em nosso país. Ademais, busca realizar um aprofundamento da caracterização e do conceito da radiodifusão praticados por emissoras vinculadas a instituições de ensino superior no Brasil, a partir do estudo de caso da Universitária-FM, de Natal. Outro objetivo desta pesquisa é traçar um quadro de referências sobre os sistemas de radiodifusão vigentes no Brasil e investigar, por meio de uma revisão histórica da trajetória do rádio no mundo, as origens desses modelos e concentrar sua atenção na radiodifusão universitária no Brasil e no mundo.

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Por se tratar de um objeto do campo da mídia estudado por um pesquisador vinculado a um programa de pós-gradução de Estudos da Linguagem, com ênfase na Linguística Aplicada (LA), a presente pesquisa é fruto de um diálogo interdisciplinar permitido e estimulado pela concepção contemporânea desse campo, que desembarcou no Brasil, na década de 1970. Originalmente, surgiu como uma teoria do ensino de línguas, aos poucos, foi ampliando seu campo de estudo a ponto de, na década de 1980, estabelecer-se para além dos limites da sala de aula e se inserir em outros espaços do conhecimento, assumindo uma função “muito mais abrangente do que o esforço sistemático de aplicação de teoria linguística, principalmente, à prática de ensino de línguas” (ALMEIDA FILHO, 2005, p. 14), a ponto de se reconfigurar para seguir o caminho da interdisciplinaridade.

Essa ampliação de competências favoreceu de forma bastante positiva o desenvolvimento da LA na América Latina, a ponto de se constituir, nos tempos atuais, em “um dos conceitos centrais da definição atual da Linguística Aplicada” (PASSEGI, 1998, p. 29), fato que lhe possibilitou, também, “escapar de visões preestabelecidas e trazer à tona o que não é facilmente compreendido ou que escapa aos percursos da pesquisa já traçados, colocando o foco da pesquisa no que é marginal” (MOITA LOPES, 2006, p. 11). A partir dessa nova configuração, segundo Vieira (2012, p. 5), a

LA não pode ser encarada como uma disciplina fechada em si mesma, ignorando saberes de outras áreas do conhecimento, mas sim como uma área de estudos que pode e deve “beber de várias fontes” para que saberes diferentes possam ser articulados de forma a possibilitar uma visão mais abrangente e mais clara das questões investigadas.

O próprio Moita Lopes (2006, p. 21) reconhece que, “ainda que não queira clamar aqui que estamos diante de uma nova verdade, mas sim de alternativas para a pesquisa em nosso campo, que refletem visões de mundo, ideologias, valores, etc. de seus proponentes e que, claro, como outras, têm limitações e são contingentes”. Conceitualmente, a interdisciplinaridade caracteriza-se pela existência de interação entre as disciplinas que pesquisam determinado objeto, diferentemente da disciplinaridade, em que cada área de estudo ou disciplina atua de forma isolada em relação às outras, sem estabelecer qualquer comunicação com outras áreas do conhecimento (VIEIRA, 2012).

Diante da encruzilhada que se apresenta ao pesquisador no momento da escolha do método mais eficaz, para contextualizar, conceituar e analisar o objeto de sua pesquisa, é preciso, muitas vezes, ultrapassar os limites impostos pela disciplinaridade. A própria Linguística Aplicada dispõe de uma vertente contemporânea que propõe um diálogo

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interdisciplinar com as ideias dos pesquisadores de outras áreas, quando necessário, com o objetivo de ajudar na compreensão das peculiaridades do objeto de estudo. Esse é o nosso caso.

Quando o pesquisador inicia sua jornada em busca do conhecimento sobre determinada questão do mundo contemporâneo, precisa considerar, como uma questão essencial em sua construção, o desejo de ir além das exigências de legitimação dos resultados de seu percurso por seus pares, mero requisito exigido pela ritualística da academia. O público-alvo de sua pesquisa, em verdade, encontra-se para além dos muros da universidade: é para a sociedade que ele deve demonstrar o resultado de seu trabalho, por meio de sua contribuição à melhoria da vida das comunidades, das pessoas, das instituições e de seus processos. Para Moita Lopes (2006, p. 23), até quando escolhe determinado assunto ou método, fontes ou personagens de estudo, o pesquisador deve levar em conta,

[…] a possibilidade política de que a pesquisa contemple outras histórias sobre quem somos ou outras formas de sociabilidade que tragam para o centro de atenção vidas marginalizadas do ponto de vista dos atravessamentos identitários de classe social, raça, etnia, gênero, sexualidade, nacionalidade, etc. Esse percurso parece essencial, uma vez que tais vozes podem não só apresentar alternativas para entender o mundo contemporâneo como também colaborar na construção de uma agenda anti-hegemônica em um mundo globalizado, ao mesmo tempo em que redescreve a vida social e as formas de conhecê-la.

Assim, para Moita Lopes (2006, p. 23), torna-se imperioso a uma área aplicada “compreender nossos tempos” abrindo “espaço para visões alternativas ou para ouvir outras vozes que possam revigorar nossa vida social ou vê-la compreendida por outras histórias”, além de produzir conhecimento que melhore a condição de vida das pessoas. Essa concepção da LA, defendida por Moita Lopes, aproxima-se bastante da concepção apresentada por Antonio Chizzotti (2014), que defende a necessidade de a pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais reconhecerem o “saber acumulado, a história humana” e se revestir “do interesse em aprofundar as análises e fazer novas descobertas em favor da vida humana”, prática que exige do pesquisador

[…] uma busca sistemática e rigorosa de informações, com a finalidade de descobrir a lógica e a coerência de um conjunto, aparentemente, disperso e desconexo de dados para encontrar uma resposta fundamentada a um problema bem delimitado, contribuindo para o desenvolvimento do conhecimento em uma área ou em problemática específica (CHIZZOTTI, 2014, p. 19).

Ao reconhecer na pesquisa sua capacidade de produzir conhecimento, Francisco Perujo Serrano (2011, p. 101-102) alerta-nos para a necessidade de se estabelecer um método

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que nos guie “por esse caminho, eivado e tortuoso, trazendo pautas anteriormente validadas, procedimentos que contem com o reconhecimento da ciência. […] toda pesquisa terá de se ajustar a alguma linha de investigação preexistente” que lhe permita responder às questões essenciais de que lhe deram escopo, muitas vezes, ultrapassando os limites estabelecidos pelo campo da ciência ao qual o pesquisador está vinculado. Mesmo associados à LA, fomos buscar nos estudos da mídia outros elementos para garantir a base de sustentação desta tese, por entender que

[…] uma pesquisa pressupõe, implícita ou explicitamente, uma metodologia, os pressupostos epistemológicos e a concepção da realidade que a pesquisa assume, baseado nesse pressuposto, o pesquisador escolhe, dentre as inúmeras ferramentas metodológicas, aquele que julgue mais adequada e mais eficaz para a consecução de seu objetivo (CHIZZOTTI, 2014, p. 25).

Em contrapartida, há um receio natural de todo pesquisador de que seu trabalho reduza a complexidade do real representado por seu objeto de estudo e é preciso compreender que ele está presente em todos os momentos da pesquisa. A própria escolha de um procedimento no campo das ciências, por si só, é reducionista, daí a necessidade de se definir o método mais adequado ao estudo a partir da natureza do objeto. Essa escolha, entre uma metodologia e outra – ou mesmo a combinação entre duas ou vários procedimentos metodológicos – não se dá por vontade própria do pesquisador. É o objeto da pesquisa que se enamora do método e, em troca, regula o processo de pesquisa e lhe

[…] põe ordem e confere sentido [...] estabelece os procedimentos para superar o embaraço. Ele não é apenas um recurso, um aliado provisório, uma solução parcial, uma forma de sair do impasse. Ele exerce uma primazia transversal sobre toda a pesquisa. Proporciona uniformidade a todo o processo e é indispensável para que se possam colher resultados aceitáveis pela comunidade científica” (SERRANO, 2011, p. 102).

A metodologia orienta a jornada do pesquisador e sempre “estará condicionada pela casuística própria a cada pesquisa, que se faz fazendo-se e que, portanto, não dispõe de um ritmo uniforme, nem de uma trajetória antecipadamente assegurada” (SERRANO, 2011, p. 102-103). Em nosso caso, a própria natureza do objeto pesquisado contribui para essa escolha metodológica. Ao sopesar o ferramental de pesquisa oferecido por Chizzotti (2014), Duarte e Barros (2010), Gil (2009), Goldenberg (2003), Martin-Barbero (2004), Priest (2011), Serrano (2011) e Yin (2015, 2016), optamos pela pesquisa qualitativa, em especial, o estudo de caso, complementado pela pesquisa bibliográfica, entrevistas em profundidade uma cartografia da radiodifusão em Natal.

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Originalmente utilizada nas pesquisas médicas e psicológicas, a pesquisa qualitativa se tornou uma das modalidades mais utilizadas nos estudos das Ciências Sociais (GOLDENBERG, 2003). Apesar de Chizzotti (2014) considerá-lo muito mais uma estratégia de pesquisa do que uma técnica, o estudo de caso tem se mostrado bastante eficaz nos estudos em que o pesquisador busca “explicar alguma circunstância presente (por exemplo ‘como’ ou ‘por que’algum fenômeno social funciona)” ou quando se faz necessário “uma descrição ampla e ‘profunda’ de algum fenômeno social” (YIN, 2015, p. 4). Apoiada em Goode e Hatt (1979), Márcia Duarte (2010) reforça essa ideia quando reconhece que o estudo de caso se mostra ainda mais eficaz quando aplicado como método de análise de um conjunto de relações ou processos da realidade social.

Para Antonio Chizzotti (2014, p. 136), os estudos de caso visam “explorar, deste modo, um caso singular, situado na vida real contemporânea, bem delimitado e contextualizado em tempo e lugar para realizar uma busca circunstanciada de informações sobre um caso específico” e se prestam, de maneira bastante eficaz,

[…] no estudo de uma organização específica como escola, empresa, etc. pode-se aprofundar o conhecimento sobre o seu desenvolvimento ao longo de um período, o desempenho de setores, a situação de unidades, o estágio de uma atividade específica, o processo de comunicação ou de decisão, como operam os setores ou os diversos agentes (CHIZZOTTI, 2014, p. 136).

Robert Yin (2015, p. 17) caracteriza o estudo de caso como “uma investigação empírica” de “um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade e em seu contexto de mundo real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto puderem não ser claramente evidentes” e defende a aplicação desse método quando o fenômeno e o contexto não forem “claramente distinguíveis nas situações do mundo real”. É nesses momentos, segundo Yin (2015, p. 18), que

[…] a investigação do estudo de caso enfrenta a situação tecnicamente diferenciada em que existirão muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e, como resultado, conta com muitas múltiplas fontes de evidências, com os dados precisando convergir de maneira triangular, e como outro resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposições teóricas para orientar a coleta e análise de dados.

Já Goldenberg (2003, p. 34) atribui ao estudo de caso uma posição para além da técnica específica, mas como “uma análise holística, a mais completa possível, que considera a unidade social estudada como um todo, seja um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade, com o objetivo de compreendê-los em seus próprios termos”,

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contextualizando-os em uma realidade. Aplica-se o estudo de caso, orienta Márcia Duarte (2010, p. 219),

[...] quando se pretende examinar eventos contemporâneos, em situações onde não se podem manipular comportamentos relevantes e é possível empregar duas fontes de evidências, em geral não utilizadas pelo historiador, que são a observação direta e série sistemática de entrevistas.

Apesar de sua aparência mais light e de ser caracterizado por sua flexibilidade em comparação à rigidez dos experimentos ou dos levantamentos, segundo Gil (2015, p. 7), o estudo de caso “não deixa de ser rigoroso”. Ele se caracteriza como um “estudo em profundidade que requer a utilização de múltiplos procedimentos de coleta de dados”, um espécie de “delineamento de pesquisa”, que não pode “ser confundido com método, técnica, estratégia ou tática para coletar dados”, que “preserva o caráter unitário do fenômeno pesquisado […] investiga um fenômeno contemporâneo, […] não separa o fenômeno de seu contexto”. Na visão de Chizzotti (2014, p. 137), porém, o estudo de caso, como método, apresenta seus limites e sua utilização e deve levar em conta situações em que “o objetivo da pesquisa não é construir teorias ou elaborar construções abstratas, mas compreender os aspectos intrínsecos de um caso em particular, seja uma criança, um paciente, um currículo ou organização, etc.”. Para ele,

Em um estudo de caso instrumental visa-se o exame de um caso para esclarecer uma questão ou refinar uma teoria. O caso em si tem importância subsidiária; serve somente como um apoio ou pano de fundo para se fazer pesquisas posteriores. Ainda que o estudo de aspectos e atividades do caso seja minudente, a intenção é auxiliar o pesquisador a compreender melhor uma outra questão, orientar estudos subsquentes, apurar ou correborar hipóteses. […]. As descobertas encontradas em um caso autoriza mutatis mutantis a justapor a transferibilidade do que foi encontrado para outros casos da mesma natureza (CHIZZOTTI, 2014, p. 137-138).

Até por necessidade de se compreender melhor o objeto da pesquisa, é necessário recorrer a várias fontes que auxiliem na busca de informações e de respostas. As pesquisas cujos objetos estão relacionados às Ciências da Comunicação de Massa, sobretudo às questões práticas, como é o caso deste estudo, trabalham com a premissa de sua utilidade para melhorar a vida das pessoas e das instituições, demonstrando “um certo grau de aplicabilidade, uma vez que seu assunto é quase sempre relevante para a prática social, mesmo que a pesquisa seja puramente inspirada por considerações teóricas ou motivada pelo desejo de criticar essa prática” (PRIEST, 2011, p. 55).

Para tanto, muitas vezes, é preciso recorrer a “uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações” (YIN, 2016 p. 27). É, também, o caso de se

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lançar mão de outras ferramentas complementares ao longo da pesquisa, como a pesquisa bibliográfica e a entrevista em profundidade, para preencher lacunas surgidas no curso da pesquisa. Considerada uma atividade essencial e permanente no trabalho de pesquisa, a revisão da literatura se faz presente em praticamente todas as etapas do processo, da formulação inicial do problema e dos objetivos à análise final dos resultados, até porque é preciso, antes de tudo, conhecer o que já existe escrito e publicado sobre o tema para se estabelecerem as bases, os objetivos e a direção que pretendemos imprimir em nosso estudo (STUMPF, 2010).

Quanto à entrevista em profundidade, Jorge Duarte (2010, p. 162) alerta que, ao adotar essa técnica, o pesquisador busca a “intensidade das respostas, não quantificação ou representação estatística”. No caso da pesquisa qualitativa, a entrevista em profundidade toma como ponto de partida, não uma hipótese, marca registrada dos estudos experimentais e tradicionais, mas “um conjunto de conjecturas antecipadas que orienta o trabalho de campo (DUARTE, 2010, p. 63). Técnica bastante flexível, dinâmica, ágil, a entrevista em profundidade, segundo Yin (2016, p. 33), caracteriza-se como

[…] uma conversa aberta sobre a visão de mundo, ou algum aspecto dela, de um indivíduo. Diferentemente de um questionário de pesquisa, a entrevista de profundidade não tem estrutura rigidamente predefinida – contudo, o entrevistador pode utilizar uma lista de tópicos ou perguntas gerais como guia. Por essa razão, essas entrevistas são, às vezes, chamadas de entrevistas ‘semiestruturadas’. O pesquisador fica à vontade para aprofundar sua pergunta ou para parafraseá-la, a fim de obter uma resposta mais completa, ao contrário de um procedimento de pesquisa de opinião, em que todas as pessoas devem responder exatamente à mesma pergunta.

Quando se lança mão da entrevista em profundidade para resgatar detalhes da implantação das emissoras públicas estudadas nesta pesquisa ou auscutar na fala dos entrevistados suas visões sobre o processo que norteou suas escolhas na instalação de uma emissora que opera no campo da radiodifusão não comercial, bem como compreender o papel exercido por essas emissoras na política de comunicação social das instituições às quais está vinculada, como é o nosso caso, percebemos que, nem sempre, as perguntas apresentadas aos entrevistados foram escritas previamente. Seguimos o processo descrito por Robert Yin, em seu estudo dedicado à pesquisa qualitativa, concebendo mentalmente as perguntas e apresentando aos entrevistados, de forma distinta para cada informante, seguindo uma ordem própria, definida pelo viés da conversa, pelo contexto, pelo ambiente da entrevista, pela capacidade do entrevistador e pela disposição do informante de revelar-se durante o diálogo.

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pesquisa se sustentam em questões não estruturadas (abertas), adotam como modelo a questão central (a radiodifusão universitária), trabalham com abordagem em profundidade e respostas indeterminadas e poucas fontes, selecionadas intencionalmente “por juízo particular, como conhecimento do tema ou representatividade subjetiva” (DUARTE, 2010, p. 69). Adotamos, ainda, a técnica da cartografia nos moldes propostos por Martin-Barbero (2004), para documentar a existência e delimitar os espaços ocupados pelas emissoras de rádio comerciais, estatais, públicas, comunitárias e educativas ao longo da história, a partir de um esforço de recuperação da evolução da radiodifusão em nível mundial, nacional e local, como forma de auxiliar na compreensão dos modelos de radiodifusão existentes no Brasil e, em especial, na cidade de Natal. Só a partir dessa contextualização, procuramos realçar as características de cada um desses modelos, com o objetivo de facilitar a comparação entre as emissoras comerciais e as não comerciais, vinculadas e mantidas pelo Estado.

Procedemos uma pesquisa bibliográfica para poder construir um conceito de radiodifusão pública e rádio universitária, elencando características identitárias próprias das emissoras desse campo e seus diferenciais em relação às emissoras que atuam no campo comercial. Durante a pesquisa, realizamos visitas às emissoras e produzimos entrevistas em profundidade, semiestruturadas, gravadas, transcritas e anexadas a este trabalho, em Brasília e em Natal. Na capital federal, ouvimos os depoimentos do coordenador de Comunicação Social da Marinha do Brasil, Capitão de Fragata Marcos Aurélio de Oliveira Simas, sob quem está a responsabilidade de gerir a Rádio Marinha, que funciona numa sala ao lado de seu gabinete, na sede do Ministério da Marinha, na Esplanada dos Ministérios. A alguns passos dali se encontra a segunda emissora objeto desta pesquisa, a Rádio Senado, abrigada no subsolo do Congresso Nacional, que fora criada pelo jornalista Fernando Cesar Mesquisa, que nos recebeu em sua residência e nos concedeu uma longa e esclarecedora entrevista sobre as origens da emissora. Em seguida, ouvimos o atual diretor da Rádio Senado, o jornalista Marco Antonio Reis, que pertence aos quadros funcionais da instituição.

Em Natal, procedemos uma série de entrevistas em profundidade com fundadores da Universitária-FM, como o professor aposentado, Carlos Maurício Pandolphi Pereira; o também professor José Zilmar Alves da Costa, atual superintendente de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, responsável pela gestão da emissora; juntamente com a jornalista Maria Gorete Gurgel, atual diretora da TV Universitária e da Universitária-FM. Ainda entrevistamos o diretor responsável pelo jornalismo das duas emissoras universitárias de Natal, o jornalista Iano Flávio Maia; bem como o diretor de programação da Universitária-FM, Olavo Luiz de Macedo Chagas; além da jornalista

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Maralice Magalhães de Freitas, editora e produtora do programa UFRN é Notícia, dedicado à produção científica da universidade e dos temas do dia a dia da instituição.

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2 RADIODIFUSÃO: UMA CARTOGRAFIA

Todo cartógrafo traz consigo, na bagagem, além do compromisso de manter a maior fidelidade possível no registro dos territórios e de seus elementos identitários, as marcas de sua história, feitas a cada passo, ao longo de seu percurso, como nos ensina o pensador latino-americano Jesús Martin-Barbero. São muitas dessas referências incorporadas na jornada do pesquisador que dialogam, aqui e ali, com os mapas traçados por outros cartógrafos, pesquisadores que venceram o grande desafio de ultrapassar a representação das fronteiras em si para ir além, construindo “imagens das relações e dos entrelaçamentos, dos caminhos em fuga e dos labirintos” (MARTIN-BARBERO, 2004, p. 12).

Com a clareza da complexidade dessa tarefa, procuramos, com essa cartografia da radiodifusão, estabelecer uma linha do tempo que ajude a situar historicamente a gênese dos modelos existentes hoje no mundo e, em especial, no Brasil, e nos permita compreender suas características e conceitos, entendendo que as emissoras de rádios, em seus vários vínculos, modelos, estilos de programação, segmentação de público, fontes de financiamento e outras formas de atuação, dividem o mesmo espaço no éter e no dial do receptor, atuando como um arquipélago, formado por “ilhas múltiplas e diversas, que se interconectam” (MARTIN-BARBERO, 2004, p. 13). O primeiro rascunho desse mapa-múndi da radiodifusão nasce com o registro primal do esforço dos pioneiros, cientistas e curiosos, cada qual em seu ambiente de pesquisa, espalhados em lugares diferentes do mundo, entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX, numa época em que o dito mundo desenvolvido, leia-se Estados Unidos e parte da Europa, vivia a chamada Revolução técnico-científica, como se denominou a segunda fase da Grande Revolução Industrial (SEVCENKO, 1998). Em meio a um sem número de invenções e inovações tão comuns nos tempos atuais, como os automóveis, o avião, o telefone, os edifícios, os elevadores e as escadas rolantes, os metrôs, o estetoscópio, a seringa hipodérmica, a anestesia e a penicilina, os eletrodomésticos, a fotografia e o cinema, a radiodifusão foi um dos campos mais beneficiados durante esse momento de expansão industrial.

Um dos efeitos colaterais desse incremento da produção industrial foi a ocorrência de uma corrida, em nível mundial, pela busca de matéria-prima suficiente para atender essa nova demanda crescente e outro esforço global para a abertura de novos mercados consumidores, sobretudo nos países menos desenvolvidos, com o intuito de absorver o excedente registrado por esse incremento de produção. Foi na cauda desse movimento que o rádio se expandiu, em

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princípio como hobby, por iniciativa de alguns aficionados, muitos deles adolescentes, que “operavam estações rudimentares, captando sinais de rádio de navios no mar, batendo papo com colegas” (WU, 2012, p. 45). Dentre esses pioneiros, que realizaram experimentos combinando eletricidade e campo magnético no final do século XVIII, Sonia Virgínia Moreira (2014) destaca quatro que foram fundamentais para o surgimento da transmissão e da recepção sem fio, denominados, tempos depois do rádio: o escocês James Maxwell (1864), o alemão Rudolf Hertz (1887), o iugoslavo naturalizado americano Nikola Tesla (1891) e o russo Alexandre Popov (1895).

Cada um, em sua pesquisa isolada, pavimentou o caminho para a transmissão de sinais sem o uso de fios, patenteada pelo italiano Guglielmo Marconi, em 1897 (SOUSA, 2010). Segundo Moreira (2014), Maxwell desenvolveu a teoria do eletromagnetismo, comprovada por Hertz, que estabeleceu a medida das frequências de rádio (ondas hertzianas), enquanto Tesla desenvolveu experiências com alta voltagem e corrente alternada de alta frequência e Popov criou a primeiro receptor de ondas eletromagnéticas. Os primeiros anos do século XX foram marcados por batalhas intermináveis nos órgãos de registros de patentes e tribunais pela paternidade do pioneirismo na radiodifusão, envolvendo até um brasileiro, o padre Roberto Landell de Moura, que realizou experimentos de transmissão da voz humana, em 1899, na cidade de São Paulo, e patenteou sua invenção em 1901: “um transmissor de ondas com microfone eletromecânico e de um aparelho de telefone sem fio que utiliza a luz como portadora de som” (MOREIRA, 2014, p. 290).

Nos Estados Unidos, a radiodifusão iniciou seus primeiros passos, com as transmissões realizadas por Reginald Fessender (1906) e por Lee de Forest (1907-1910). A tecnologia logo despertou o interesse estratégico dos militares que passaram a utilizar a novidade nos campos de batalha da 1ª Guerra Mundial, entre 1914-1918 (MOREIRA, 2014). Enquanto as tropas se enfrentavam nos campos da Europa, nos Estados Unidos, David Sarnoff, então diretor comercial da American Marconi Co., enxergou a possibilidade de transformar a radiodifusão em um grande – e lucrativo – negócio e manifestou sua visão no chamado Memorando da Caixa de Música, documento em que o visionário Sarnoff propôs, sem sucesso, o uso do rádio como meio de comunicação de massa (broadcasting)5, em 1916:

5 O termo Broadcasting, originada do inglês broadcast (enviar em várias direções), “corresponde ao que se

conhece, hoje, como radiodifusão, termo genérico aplicado a qualquer tipo de transmissão por ondas eletromagnéticas” (FERRARETTO, 2010, p. 138). Almeida (1993, p. 1) complementa, explicando que

broadcasting é “quando a transmissão é dirigida ao público em geral, sem diferenciação – que são exemplos o rádio e a televisão –, e como narrowcasting, quando atinge audiência específica, dirigida, que geralmente paga pelo acesso à programação, como a TV a cabo e a TV por assinatura”.

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A ideia é trazer a música para dentro de casa por um sistema sem fio. O receptor pode ser desenhado na forma de uma simples Caixa de Música de Rádio e que permita muitos comprimentos de ondas diferentes, que devem ser acessadas pelo movimento de uma simples chave ou pressionado por um simples botão (STRAUBHAAR; LA ROSE, 2004, p. 58).

A proposta foi inicialmente desprezada pelos dirigentes da Marconi, mas foi colocada em prática por Frank Conrad, um engenheiro que trabalhava para a concorrente Westinghouse Eletric e Manufaturing Company. Da oficina que mantinha nos fundos de sua casa, em Pittisburgh (Pensilvânia), Conrad iniciou uma série de transmissões experimentais e acabou desenvolvendo, também, o microfone e o alto-falante a partir do bocal e do auricular do telefone. A maior contribuição de Conrad à radiodifusão mundial, no entanto, foi a criação da primeira emissora de rádio do mundo, a KDKA, em novembro de 1920 e a concepção do modelo de negócio adotado até hoje por emissoras do mundo inteiro, do financiamento pela venda de tempo na programação (FERRARETTO, 2000).

O número de ouvintes da estação de Conrad ampliou-se significativamente graças à difusão de um pequeno receptor, denominado galena6, concebido por Henry Dunwoodye, em 1906. Simples de operar e fácil de fabricar, o receptor utilizava um pequeno fragmento de sulfeto de chumbo natural ligado a uma antena por um pequeno fio (VAMPRÉ, 1979). A princípio, Conrad costumava pegar, por empréstimo, os discos de uma loja e mencionar o nome do estabelecimento no ar, fazendo com que os discos tocados na sua estação vendessem mais do que os outros, o que inspirou a criação da programação musical das emissoras como temos até hoje.

Com o tempo, esses mesmos ouvintes passaram a escrever e telefonar pedindo mais canções e informações e Conrad passou a transmitir regularmente programas atendendo os pedidos e lendo notícias publicadas nos jornais. Animado com a crescente popularidade das transmissões experimentais de Conrad e vislumbrando nela uma possibilidade de incrementar a venda de aparelhos receptores, Harry Davis, então vice-presidente da Westinghouse, convenceu a empresa a obter do governo uma licença de funcionamento da estação KDKA, a primeira concedida pelo governo dos Estados Unidos.

Em 1920, durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos, as transmissões feitas por Conrad anunciando a movimentação dos candidatos e os resultados renderam muito prestígio e popularidade para a emissora e chamaram a atenção dos grandes jornais que,

6 Também conhecido por cristal ou bigode de gato (AITCHISON, 2009). Segundo Marialva Barbosa (2013, p.

218), “o rádio de galena recebe esse nome em função do material condutor utilizado, o mineral galena. Não era alimentado por nenhum tipo de fonte e o nível de áudio dos fones era muito baixo, necessitando para que a escuta fosse possível um silêncio absoluto”.

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segundo Sampaio (1984, p. 66), “viram na radiodifusão um meio de expansão e da vida de suas próprias organizações” e criaram suas próprias estações de rádio. Até então, as transmissões em broadcasting eram proibidas nos Estados Unidos, limitadas apenas a uso militar (MATTELART, 1991). Só a partir de 1920 elas foram liberadas e a expansão da nascente indústria da radiodifusão nos Estados Unidos foi imediata e meteórica.

Entre 1921 e 1923, o número de estações transmissoras saltou de cinco para 525, enquanto o volume de receptores superou a marca dos 2 milhões de aparelhos de rádio, em 1924 (WU, 2012). Boa parte dessas emissoras foi instalada e era mantida pelos próprios fabricantes de equipamentos de transmissão e de recepção, como a Westinghouse e a General Eletric, cujo interesse inicial era promover a nova mídia e potencializar a venda de aparelhos. Nessa onda, segundo Wu (2012, p. 51),

[…] muitas dessas emissoras eram ativadas por amadores, “radioclubes”, universidades, igrejas, hotéis, granjas, jornais, o Exército e a Marinha dos Estados Unidos […]. Nos anos 1920, o rádio era um meio acessível a todos os interessados; desembolsando um pouco mais, qualquer clube ou outra instituição poderia abrir uma pequena estação transmissora.

Em pouco tempo, o espectro eletromagnético ficou lotado com tantas estações em operação, sem contar com outro agravante, de ordem técnica: todas as 670 licenças de funcionamento de estações de rádio concedidas pelo governo dos Estados Unidos, em 1921, possuíam a mesma frequência (LEWIS; BOOTH, 1992) e não demorou muito para que o caos se instalasse, “com intolerável interferência de sinais entre emissoras. Uma nova lei para o rádio, elaborada especificamente para a atividade de radiodifusão, tornou-se mandatária” (ALMEIDA, 1993, p. 13) e, em 1927, foi aprovado pelo Congresso norte-americano um Radio Act criando a Federal Radio Commission (FRC), com poderes para licenciar emissoras, outorgar licenças e decidir quem teria (ou não) direito de usar o éter, que

[…] reafirmou o princípio de que o espectro eletromagnético é um bem público e limitado e que os radiodifusores são meros usuários desse bem quando operam emissoras devidamente licenciadas pelo governo. […]. O Act trouxe também a aplicação de outro princípio à mídia eletrônica, o chamado public interest standard, usado como critério para a outorga ou renovação de licenças. Esse verdadeiro modelo de conduta requer que os radiodifusores operem suas emissoras sempre de acordo com o interesse, a conveniência e a necessidade públicas (ALMEIDA, 1993, p. 13).

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Deu-se uma nova corrida pela ocupação de espaços nesse novo território. Além do interesse dos grupos editores de jornais, que acompanharam o pioneiro Detroit News7 (MOREIRA, 1995), as escolas e as igrejas, que também enxergaram no rádio um instrumento com enorme potencial para a educação e para a difusão de mensagens religiosas educacional, passaram a instalar suas próprias emissoras (STRAUBHAAR; LA ROSE, 2004). Ademais, gigantes da indústria de produtos eletrônicos, que continuavam investindo pesado no rádio para garantir mercado consumidor para seus produtos, ganharam a companhia de outro gigante, a American Telephone & Telegraph, que atuava no negócio da telefonia e trouxe para a radiodifusão o modelo bem-sucedido de comercialização de tempo de chamadas telefônicas de longa distância para cobrar a veiculação de mensagens durante a programação de sua rádio WEAF.

O primeiro anunciante da emissora foi a Queensboro Corporation, uma empresa de venda de apartamentos chamada Wawthorn Court, que pagou U$ 50 por uma informecial com dez minutos de duração, em que os ouvintes eram convidados a trocar Nova York pelo Queens (LEWIS; BOOTH, 1992; WU, 2012). Nessa época, segundo Aitchison (2009, p. 19)

[…] os patrocinadores só tinham licença para acrescentar seu nome ao título dos programas. Um desses patrocinadores, a Colgate-Palmolive-Peet, encontrou uma solução engenhosa: seu programa musical de variedades, Palmolive Radio Hour, apresentava dois cantores com nomes muito convenientes: Paul Oliver e Oliver Palmer.

Animados com os resultados e com a aceitação do sistema de vendas, os executivos da WEAF começaram a sonhar grande e a trabalhar para assumir a liderança nesse novo mercado, instalando e adquirindo o controle de várias emissoras. Aos poucos, a radiodifusão tornou-se um negócio de milhões de dólares e muitos interesses, relacionados não apenas à fabricação de equipamentos mas também aos grupos econômicos que movimentavam a nascente indústria da publicidade e aos políticos e partidos, que vislumbraram o potencial eleitoral do rádio. Prova disso foi o uso contínuo do rádio por vários presidentes norte-americanos, como Calvin Coolidge, que governou o país entre 1923-1924 e teve seus discursos irradiados em tempo real para todo país; assim como Roosevelt, que presidiu o país entre 1933-1945 e criou as fireside chats (conversas ao pé da lareira) para falar com a população (WU, 2012).

Com a migração da fonte de financiamento das emissoras, da venda de equipamentos para a veiculação de publicidade, o estímulo inicial para que todos montassem suas próprias

7 Uma estação experimental montada na sede do jornal, a 8MK, transmitiu notícias em agosto de 1920, antes da

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emissoras começa a dar lugar a outro modelo de radiodifusão, mais concentrado na mão de poucos. Com isso, observa Wu (2012, p. 9), “cada estação queria a maior audiência possível para sua programação e seus anúncios. Dessa forma, a publicidade transformou em rivais dois velhos amigos, o rádio comercial e o não lucrativo”. Nesse processo de concentração, três desses gigantes se juntaram – AT&T, Westinghouse Eletric e a General Eletric, que havia adquirido o controle da filial norte-americana da britânica Marconi Company, que atuava no ramo de engenharia e telefonia – para atuar sob uma mesma sigla, a Radio Corporation of America (RCA), que passou a “absorver a exploração das estações de rádio” (SAMPAIO, 1984, p. 67).

A indústria da radiodifusão nos Estados Unidos viveu uma expansão notável nos primeiros cinco anos da década de 1920. O total de estações licenciadas passou de 30, em 1919, para 1.925 emissoras, em 1925, alcançando uma audiência estimada de 4 milhões de ouvintes (SAMPAIO, 1984). Nessa época, a AT&T se desligou da RCA e, juntas, a General Eletric e a Westinghouse, centralizaram em Nova York a gestão e a operação de suas emissoras na Nacional Broadcasting Company (NBC), autodenominada primeira rede de rádio do mundo8, cuja metade do capital pertencia à RCA que, “em 1930, já havia se engrandecido e tornou-se independente das duas empresas remanescentes; ficou sendo a indústria mais poderosa do ramo radiofônico e na sua direção o empreendedor David Sarnoff” (SAMPAIO, 1984, p. 67), o mesmo do ignorado memorando da Caixa de Música.

Atualmente, segundo Hausmann, Messere, O’Donnel e Benoit (2010), a maior parte das emissoras de rádio dos Estados Unidos opera como empresa comercial, veiculando conteúdo informativo e entretenimento e sustentando suas operações com a venda de espaço publicitário inserido na programação dirigida a audiências específicas. “Esse tem sido o modelo econômico básico para o rádio desde 1927, e é importante notar que uma consolidação cada vez maior, nos últimos dez anos, fez que este mercado se tornasse mais centrado no lucro” (HAUSMANN; MESSERE; O’DONNEL; BENOIT, 2010, p. 17).

O frisson provocado pela chegada da radiodifusão e a instituição desse modelo de negócios que atraiu milhares de empresários e interessados nos Estados Unidos repetiram-se do outro lado do Atlântico Norte, entre os países da Europa, com milhares de curiosos transformando a novidade tecnológica em um hobby e com expectativa de investimento em um negócio lucrativo. Se do lado norte-americano “a participação do Estado foi menos ostensiva e se deu basicamente como regulador, isto é, mediador de interesses e conflitos”

8 A empresa de telefonia Bell instalara, desde 1924, sua rede, a National Broadcasting System (NBS), reunindo

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(SILVA, 2009, p. 138), o que permitiu a exploração comercial do novo meio de comunicação, sem tantas regras e limites, entre os governos europeus, havia o desejo de que a radiodifusão se desenvolvesse e pudesse lhes servir como instrumento de poder para os tempos de guerra e de paz, garantindo-lhes a governabilidade pelo controle da nova mídia (LEWIS; BOOTH, 1992).

Na França, datam de 1914 os primeiros experimentos de radiodifusão, mas as transmissões regulares só começaram de fato em 1921, com irradiações de notícias, a partir de uma pequena estação montada na Torre Eiffel. Um ano depois, inaugura-se a Radial, primeira emissora regular de rádio francesa, controlada, a princípio, por “uma repartição pública atendendo a um Conselho que zelava pela imparcialidade dos serviços, inclusive pelo cunho de interesse cultural e popular” (SAMPAIO, 1984, p. 71). Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, a radiodifusão francesa virou monopólio do Estado com a criação da Radiodiffusion Française – RDF (VALENTE, 2009).

A principal concessionária do sistema de radiodifusão da Itália, a Radiotelevisione Italiana (RAI) sucedeu, em 1944, a Unione Radiofonica Italiana (URI), que começou a operar em 1924. Em 1962, o governo criou a RAI Duo que, juntamente com a emissora pioneira, passou a alternar “uma programação mista que unia informação, entretenimento e notícias, incluindo também os esportes mais populares do país: futebol e ciclismo” (VALENTE, 2009, p. 176). A RAI controla atualmente cinco estações nacionais de rádio, uma internacional e mais de vinte canais de TV. A história da radiodifusão na União Soviética tem uma ligação direta com a Revolução Bolchevique, de 1922. Um discurso de Vladimir Lênin, transmitido desde o cruzador Aurora, anunciando a vitória do movimento, marcou a chegada do rádio entre os russos. A primeira emissora foi instalada em 1924, sob rígido controle do Estado.

No Japão, até 1950, não havia radiodifusão comercial. Os japoneses dispunham somente da NHK, emissora mantida com verbas do governo (SAMPAIO, 1984). Na Alemanha, o rádio chegou em 1923, como uma proposta de entretenimento, porém, a partir de 1933 e até 1945, com a ascensão do Partido Nacional Socialista, foi transformado na mais poderosa máquina de propaganda nazista (VALENTE, 2009).

A radiodifusão espanhola nasceu pelas mãos da iniciativa privada, mas durante a Guerra Civil (1936-1939) e com a chegada de Francisco Franco ao poder, o Estado tomou para si o controle de todas as emissoras do país e transformou a Rádio Salamanca, a partir de 1937, na primeira emissora nacional. Mesmo com o passar dos anos e a queda do franquismo, o modelo concentrador de radiodifusão continua em voga, sob a batuta da Rádio Nacional de Espanha, que chegou a manter, simultaneamente, seis programações distintas, explorando

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com exclusividade as transmissões em ondas curtas, com mais 124 emissoras de ondas médias e 580 FMs, ou seja, 22% das emissoras dessa faixa existentes no país (HERREROS, 2001).

Em Portugal, a radiodifusão nasceu privada na primeira metade dos anos 1920, por iniciativa de Abílio Nunes dos Santos Júnior e sua CT1AA, que funcionou até 1935 transmitindo uma programação de música clássica (SANTOS, 2015). Com a ascensão de António Salazar ao poder, com seu Estado Novo, inaugura-se a Emissora Nacional, em 1933, que inicia suas transmissões a partir do ano seguinte. Segundo Rogério Santos (2015, p. 24), “em Portugal, ao contrário de outros países, como França e Inglaterra, não houve a ameaça do desaparecimento de estações privadas”, o que favoreceu o funcionamento da Rádio Clube Português, que se tornou, nos anos 1930, a emissora comercial mais importante do país.

Na mesma década, surgiu a Rádio Renascença, ligada à igreja católica, que alcançaria destaque a partir da década de 1960 e exerceu papel importante na deflagração da Revolução dos Cravos, quando executou, aos vinte minutos e dezoito segundos do dia 25 de abril de 1974, durante o programa Limite, a música Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso. Essa música havia sido censurada pelo governo e serviu de senha para o início do movimento que culminou com a queda do salazarismo (BRUCK, 2015) e o enfraquecimento da Emissora Nacional, que durante mais de quatro décadas serviu de alto-falante para a difusão do ideário salazarista até seu momento de declínio, com a queda do governo de Marcelo Caetano (CRISTO, 2005). Atualmente, a radiodifusão pública ainda é muito forte em Portugal, onde várias emissoras de rádio e TV vinculadas à RTP, mantidas pelo Estado, convivem com emissoras comerciais.

Nos Estados Unidos, berço da radiodifusão privada, mantida pelo mercado anunciante de produtos e serviços, também se travou uma acalorada discussão, ainda na década de 1920, sobre a necessidade de existir um sistema de radiodifusão pública não comercial. Foi justamente David Sarnoff, um dos responsáveis pela expansão da indústria de eletrônicos no território da radiodifusão, que levantou sua voz defendendo o fim do modelo de financiamento da radiodifusão pela venda da publicidade e advogando que o rádio deveria “atuar na mesma linha que as bibliotecas, os museus e as instituições educativas [...] financiado por um imposto arrecadado com a venda de equipamentos” (LEWIS; BOOTH, 1992, p. 68). Mais uma vez, a proposta de Sarnoff não vingou, mas deixou uma semente que foi regada pela prefeitura de Nova York que, mesmo

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[...] ante a oposição da indústria e da administração federal, criou a WNYC9. E um

significativo, embora numericamente pequeno, grupo de emissoras educativas das universidades e faculdades estatais constituíram o núcleo de um grupo de radiodifusão sem fins empresariais durante os anos trinta e quarenta (LEWIS; BOOTH, 1992, p. 68).

Até 1960, o dial de rádio dos Estados Unidos foi praticamente dominado por emissoras comerciais. Só a partir dessa década, a radiodifusão educativa ganhou impulso, apesar de o debate sobre a instituição de um modelo não comercial no país existir desde a criação de radiodifusão. De emissoras eminentemente locais, elas também passaram a operar programações em redes e a se articular em nível regional e nacional, com o apoio de outras entidades representativas desse segmento e de fundações filantrópicas que investiam no campo da educação, para reinserirem na agenda política o debate sobre a necessidade de se desenvolver o potencial instrucional do rádio e da televisão, como se tentou – sem sucesso – no início da radiodifusão, nas décadas de 1920-1930.

Uma das instituições que exerceu papel de destaque nesse esforço foi a Fundação Carnegie que, em 1965, que encomendou um estudo sobre o uso da televisão com fins educativos, cujo relatório Public Television: a program for action teve enorme repercussão. Entre as propostas apontadas pelo documento, segundo Sivaldo Pereira da Silva (2009), estava a criação de uma instituição com o objetivo de receber e redistribuir fundos do governo e de outras fontes, para sustentação de pelo menos duas organizações nacionais de radiodifusão e outras organizações locais de produção; e criação de fundos (2 a 5% de imposto sobre a venda de aparelhos de TV) não sujeitos a cortes por parte do governo. Como resultado prático desse debate público, provocado pelo estudo da Fundação Carnegie, segundo Silva (2009, p. 138), o Congresso norte-americano

[...] aprovou o Public Broadcasting Act of 1967, lei que criou a Corporation for Public Broadcasting (CPB), uma corporação com formado de ‘agência’, com autonomia administrativa. O conselho de diretores da CPB era nomeado pelo presidente dos Estados Unidos e aprovado pelo Congresso e sua principal função era gerenciar recursos financeiros (principalmente os provenientes do governo) para fomentar a radiodifusão pública.

Na prática, entretanto, revela Silva (2009), parte significativa das recomendações do relatório Carnegie nunca saiu do papel, entre elas, a manutenção de impostos ou orçamento independente para a radiodifusão pública. Após a regulamentação do setor, as emissoras

9 Instalada em 1924, a WNYC foi a primeira estação de rádio pertencente ao poder público e foi vendida em

1995 a uma fundação, criada 20 anos antes, para captar recursos no intuito de financiar suas operações. Durante a Segunda Guerra Mundial, a WNYC foi a primeira rádio do país a anunciar o ataque japonês a Pearl Harbor. Mais recentemente, a emissora teve seus transmissores instalados no alto do World Trade Center, destruídos durante os ataques de 11 de setembro. Disponível em: https://www.nypublicradio.org. Acesso em: 5 maio 2018.

Referências

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