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As relações entre o legislativo e a cultura na Bahia do Século XXI

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CULTURA E SOCIEDADE

AS RELAÇÕES ENTRE O LEGISLATIVO E A CULTURA NA BAHIA DO SÉCULO XXI

por

ANTONIO TEÓFILO DE ALMEIDA

Orientador: Prof. Dr. ANTONIO ALBINO CANELAS RUBIM

SALVADOR 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CULTURA E SOCIEDADE

AS RELAÇÕES ENTRE O LEGISLATIVO E A CULTURA NA BAHIA DO SÉCULO XXI

por

ANTONIO TEÓFILO DE ALMEIDA

Orientador: Prof. Dr. ANTONIO ALBINO CANELAS RUBIM

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.

SALVADOR 2019

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Ao meu pai, Agnaldo Gonçalves de Almeida, que era um sonhador além de tudo e a toda minha família.

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AGRADECIMENTOS

No percurso de um estudo como este e da experiência de vida nós contamos com a participação e a contribuição de muitas pessoas. Considerando esta circunstância, há sempre o risco de esquecer, e esquecemos, alguém que foi importante nesta caminhada.

Assim, eu começo agradecendo a Essa Força Superior Divina que nos inspira, nos ilumina e nos fortalece.

A minha mãe Jose e aos meus irmãos Neno e Cleide que, a pesar da distância, emanam todo amor e torcida por mim.

A Fabiana Lima, companheira de todas as horas sempre ao meu lado o tempo inteiro.

A Deputada Estadual Neusa Cadore, que me deu a oportunidade de aprendizagem e da experiência na construção de um mandato popular, além de todo apoio para a realização deste estudo.

A toda equipe do Mandato da Gente, aos que passaram por ele e aos recém-chegados, mas, sobretudo, aos de longa data, à Julita, Val, Gil, Adilza, Cláudia, Ana Prange, Selma, Lapa, Wellington, Gildásio, Lino, Túlio, Gledson, Pedro Ivo, Pedro Lima, Paulo, Leandro, Nanam, Lili, Iana, e devo destacar Lourivânia Soares pela convivência antiga e pelas diversas contribuições neste resultado.

A Companhia de Artes Cênicas Rheluz e todas as suas equipes ao longo dos anos, agradecendo especialmente à Vandelson Gonçalves, irmão, amigo, parceiro, e pela idealização e convite para a criação desta entidade cultural, desde a formação do Grupo de Jovens Gente Nova, no município de Pintadas, Bahia.

Ao meu orientador Professor Albino Rubim, pelo estímulo, entusiasmo e toda sua experiência. Aos colegas do Coletivo de Políticas Culturais. Aos professores e professoras do Programa. Ao Professor Beto Severino pelas recomendações e contribuições teóricas. Aos professores que participaram das bancas de qualificação e defesa, Professores Paulo Miguez, Leonardo Costa e Adriano Sampaio e à Professora Laura Bezerra. À toda equipe do CULT e do Pós-Cultura da UFBA.

Aos servidores, diretores, colegas assessores, amigos e parlamentares da Assembleia Legislativa da Bahia.

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A moralidade não pode ser legislada, mas o comportamento pode ser regulado. Decretos judiciais podem não mudar o coração, mas podem restringir aqueles que não o possuem. Martin Luther King

Enquanto continuarmos legislando olhando para o nosso próprio umbigo, o país não irá avançar. Victor Bello Accioly

Eu estive no poder legislativo e agora no poder executivo e, em cada caso, senti que era importante usarmos nossas responsabilidades constitucionais ao máximo. John Engler

A maior arma de um Estado é a sua Legislação. José Cambinda Dala

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ALMEIDA, A. T. de. As relações entre o legislativo e a cultura na Bahia do Século

XXI. 2019. 207 f. Dissertação (Mestrado Multidisciplinar em Cultura e Sociedade) –

Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

RESUMO

O presente estudo analisa de forma pioneira e central a participação do Poder Legislativo e dos parlamentares na constituição de proposições legislativas de cultura e, consequentemente, nas políticas culturais nos anos iniciais do Século XXI. Levando-se em conta os consideráveis avanços neste sentido, sobretudo, a partir de 2003 no Brasil e de 2007 na Bahia. A maneira como o Poder Legislativo se relaciona com os demais poderes do Estado e com a sociedade em decorrência dos processos legislativos de cultura. A dissertação é composta por três capítulos, apresentando uma abordagem teórica-conceitual entre o legislativo, direitos culturais e políticas culturais e a experiência brasileira na institucionalização de políticas culturais no seu primeiro capítulo. Já nos capítulos seguintes se concentra nas relações entre o Poder Legislativo e a cultura na Bahia, sendo que no segundo capítulo dedicou-se à agenda legislativa de cultura do Poder Executivo do Estado da Bahia e no terceiro capítulo encontra-se o levantamento de todas as proposições de cultura, seus objetivos, autores e partidos, no parlamento estadual baiano durante as cinco Legislaturas correspondentes aos anos de 1999 a 2018. A pesquisa indicou possibilidades de se aprofundar sobre como se comportam e atuam o Parlamento e os parlamentares perante os assuntos pertinentes ao campo da cultura e das políticas culturais.

Palavras-chave: legislativo, parlamentar, legislação cultural, políticas culturais, direitos

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ABSTRACT

This pioneering study analyzes the core of the participation of the legislative power and parliamentarians in the formation of cultural legislative propositions and, consequently, the cultural policies in the early years of the 21st century while taking into account the considerable advances in this area, especially since 2003 in Brazil and 2007 in Bahia. Herein, the way the legislative power relates to the other powers of the state and society as a result of legislative processes of culture. This dissertation is composed of three chapters and starts by presenting a theoretical-conceptual approach for analyzing the relationship of legislative cultural rights and cultural policies as welll as the Brazilian experience in the institutionalization of cultural policies in the first chapter. The following chapter focuses on the relations between the legislative power and culture in Bahia and is devoted devoted to the legislative agenda of culture of the executive power of the state of Bahia. The third and final chapter is a survey of all cultural propositions, their objectives, authors and parties, in the state parliament of Bahia during the five legislatures corresponding to the years 1999 to 2018. The research delves into the behaviour of parliament and parliamentarians in relation to the pertinent subjects in the field of culture and cultural policies.

Keywords: legislative, parliamentary, cultural legislation, cultural policies, cultural

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Adimcba Associação dos Dirigentes Municipais de Cultura do Estado da Bahia ADIMCBA Associação dos Dirigentes Municipais de Cultura do Estado da Bahia ALBA Assembleia Legislativa da Bahia

APC-BA Associação dos Produtores e Cineastas da Bahia

Art. Artigo

Arts. Artigos

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Casa Casa Legislativa

CCJ Comissão de Constituição e Justiça

CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CEC Conferência Estadual de Cultura

CF/88 Constituição Federal de 1988

CITEC Centro Internacional Transdisciplinar da Economia Criativa CN Congresso Nacional

CNC Conferência Nacional de Cultura CNPC Conselho Nacional de Política Cultural CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

CONDER Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CTASP Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público CULT Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura

D.O. Diário Oficial

DEM Democratas (antigo PFL)

EBDA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S.A. – BA EC Emenda Constitucional

EDUFBA Editora da Universidade Federal da Bahia EME Emenda (proposição legislativa)

Fazcultura Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural FAZCULTURA Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural FCBA Fundo de Cultura da Bahia

FHC Fernando Henrique Cardoso

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FPC Fundação Pedro Calmon

FUNCEB Fundação Cultural do Estado da Bahia

GTZ Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit GmbH IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Ibram Instituto Brasileiro de Museus IND Indicação (proposição legislativa)

IPAC Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IRDEB Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MinC Ministério da Cultura

MOC Moção (proposição legislativa)

MRSOC Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil MSG Mensagem (proposição legislativa)

OF. Ofício (proposição legislativa) PCdoB Partido Comunista do Brasil PDT Partido Democrático Trabalhista

PDL Projeto de Decreto Legislativo (proposição legislativa) PEC Proposta de Emenda à Constituição (proposição legislativa) PECs Propostas de Emenda à Constituição (proposição legislativa) PELL-BA Plano Estadual do Livro e Leitura do Estado da Bahia PFL Partido da Frente Liberal (atual Democratas)

PGE Procuradoria Geral do Estado PHS Partido Humanista da Solidariedade PJMP Pastoral da Juventude do Meio Popular PL Partido Liberal

PL Projeto de Lei (proposição legislativa) Plano Plano Nacional de Cultura

PLC Projeto de Lei Complementar (proposição legislativa) PLP Projeto de Lei Complementar (proposição legislativa) PLs Projetos de Lei (proposição legislativa)

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro (atual MDB) PMN Partido da Mobilização Nacional

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PNC Plano Nacional de Cultura PNE Plano Nacional de Educação PNM Política Nacional de Museus

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PP Partido Progressista

PPB Partido Progressista Brasileiro

PPS Partido Popular Socialista (atual Cidadania) PR Partido da República (atual Partido Liberal)

PRB Partido Republicano Brasileiro (atual Republicanos) ProCultura Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura

PROS Partido Republicano da Ordem Social PRP Partido Republicano Progressista

PRS Projeto de Resolução (proposição legislativa) PRTB Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSB Partido Socialista Brasileiro

PSC Partido Social Cristão PSD Partido Social Democrático

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSL Partido Social Liberal

PSOL Partido Socialismo e Liberdade PST Partido Social Trabalhista PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido Trabalhista Brasileiro PTC Partido Trabalhista Cristão

PTdoB Partido Trabalhista do Brasil (atual Avante) PTN Partido Trabalhista Nacional

PV Partido Verde

REDE Rede Sustentabilidade

REQ. Requerimento (proposição legislativa) REQs. Requerimentos (proposição legislativa)

RIALBA Regimento Interno da Assembleia Legislativa da Bahia RICD Regimento Interno da Câmara dos Deputados

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SAC-DF Sistema de Arte e Cultura do Distrito Federal

SAI Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura SBM Sistema Brasileiro de Museus

SCT Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia SECULT-BA Secretaria de Cultura do Estado da Bahia

SecultBA Secretaria de Cultura do Estado da Bahia

SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais SEMUR Secretaria Municipal da Reparação de Salvador

SEPROMI Secretaria de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia SFC Sistema Federal de Cultura

SN Sistema Nacional de Cultura SNC Sistema Nacional de Cultura

SNIC Sistema Nacional de Informações Culturais

SNIIC Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde TCE Tribunal de Contas do Estado UFBA Universidade Federal da Bahia UnB Universidade de Brasília

UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento UNEB Universidade do Estado da Bahia

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Tramitação da PEC nº 306/2000, Plano Nacional de Cultura ...46 Quadro 2 Tramitação da PEC nº 416/2005, Sistema Nacional de Cultura ...56 Quadro 3 Resultado de busca por proposição de cultura no site da ALBA ...94 Quadro 4 Informação adaptada de busca por proposição de cultura no site da ALBA ...95 Quadro 5 Requerimentos de cultura ao Poder Executivo na 14ª Legislatura da ALBA ...99 Quadro 6 Requerimentos de cultura para indicação e revalidação de Título de Utilidade Pública estadual na 15ª Legislatura da ALBA ...99 Quadro 7 Requerimentos de cultura cobram informações e denunciam a política cultural do Poder Executivo na 15ª Legislatura da ALBA ...100 Quadro 8 Projetos de Lei para declaração de patrimônio cultural na 18ª Legislatura da ALBA ...105 Quadro 9 Indicações, Moções e Requerimentos para patrimônio cultural na 18ª Legislatura da ALBA ...107 Quadro 10 Exemplo de proposições de cultura que são renovadas durante as legislaturas na ALBA ...114 Quadro 11 Ofícios de cultura da 18ª Legislatura da ALBA ...116

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Total de proposições de cultura por Legislatura na ALBA ...87 Tabela 2 Total de proposições de cultura por ano na ALBA ...93 Tabela 3 Tipo de proposições de cultura e quantidade de iniciativas por Legislatura na ALBA ...102 Tabela 4 Número de Projetos de Lei para Título de Utilidade Pública estadual por Legislatura na ALBA ...104 Tabela 5 Número de proposições de cultura por parlamentares e por partido em cada Legislatura da ALBA ...109 Tabela 6 Número de parlamentares por partido que apresentaram alguma proposição de cultura durante cinco Legislaturas da ALBA ...117

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Total de proposições de cultura por Legislatura na ALBA ...87 Gráfico 2 Total de proposições de cultura por ano na ALBA ...91 Gráfico 3 Tipo de proposições de cultura e quantidade de iniciativas por Legislatura na ALBA ...96 Gráfico 4 Total de Projetos de Lei (PLs.) por Legislatura na ALBA ...97 Gráfico 5 Total de Requerimentos (REQ.) de cultura por Legislatura na ALBA ...98

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 17

1. PODER LEGISLATIVO E POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL 1.1 Legislação, políticas públicas e políticas culturais... 24

1.2 As relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão brasileiro... 37

1.3 Inclusão do Plano Nacional de Cultura (PNC) e do Sistema Nacional de Cultura (SNC) na Constituição Federal de 1988... 39

1.4 Tramitação da PEC nº 306/2000, do PNC, e da PEC nº 416/2015, do SNC no Congresso Nacional... 45

2. AGENDA LEGISLATIVA DE CULTURA DO PODER EXECUTIVO DA BAHIA... 65

2.1 Fórum de Legisladores Culturais da Bahia... 82

3. PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS DE CULTURA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA BAHIA... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 119

REFERÊNCIAS... 126

ANEXO I – Carta de Brasília... 134

ANEXO II – Carta do Fórum das Artes... 136

ANEXO III – Carta aos parlamentares baianos... 139

ANEXO IV – Manifesto do Movimento Cultura Bahia... 140

APÊNDICE A – Proposições de lei de cultura... 143

14ª Legislatura (1999-2002) ... 144

15ª Legislatura (2003-2006) ... 150

16ª Legislatura (2007-2010) ... 157

17ª Legislatura (2011-2014) ... 175

18ª Legislatura (2015-2018) ... 190

APÊNDICE B – Parlamentares que apresentaram proposições legislativas de cultura... 204

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Introdução

As políticas culturais estão em constante desenvolvimento, sob diversas formas e em diversos lugares do mundo, especialmente desde meados do século XX. O Brasil protagonizou diversas iniciativas em termos de políticas públicas de cultura a partir dos anos 30 do século XX e, com destaque, no início do Século XXI. Tais políticas geraram impactos sobre as gestões públicas de cultura dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Com as devidas características regionais e locais e sob processos diferenciados, a Bahia dialogou com as políticas culturais recentes e inovadoras em níveis que variaram de acordo com o alinhamento político e programático da gestão estadual em relação à gestão dos governos federais, sobretudo, a partir de 2003 com a eleição de Lula para a Presidência da República e, em seguida, em 2007, com a eleição de Jaques Wagner para o Governo do Estado.

É abundante, de certo modo, a disposição de estudos e pesquisas realizadas no âmbito dos processos e de desenvolvimento destas políticas culturais nas diferentes esferas federativas. Projetos, programas, políticas, planos e sistemas de cultura são constantemente analisados e já se tem uma razoável bibliografia que, apesar das atuais circunstâncias brasileiras adversas à cultura, à educação, às ciências e aos direitos da população deve continuar a crescer, dado o dinamismo assumido por este campo de estudos. No entanto, os estudos têm se concentrado quase que de forma recorrente nas políticas culturais elaboradas e implementadas no âmbito das gestões e do poder executivo.

Políticas públicas também podem assegurar direitos, inclusive, no campo da cultura. Os direitos culturais precisam se traduzir em leis, ainda que não se reduzam a elas. Cabe aos parlamentares aprovarem e produzirem as leis na área da cultura, assim como em quaisquer outras áreas públicas e privadas.

O avanço em políticas culturais demonstrado em diversas análises e estudos também é fruto, de alguma forma, das interações, da participação, do empenho e, até mesmo, de ações protagonizadas pela atuação parlamentar e pelo Parlamento. Esta participação e contribuição legislativa em políticas culturais, embora apareçam anotadas em algumas pesquisas, passam ao largo da atenção central dos estudiosos, sobre suas condições e efetivações. Nesta perspectiva, elas merecem ser observadas e mais detalhadamente investigadas.

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Na qualidade de uma esfera de potencial representação da sociedade, o Parlamento deve se configurar em um repositório de demandas da população e das demais instâncias da sociedade. O mesmo ocorre em relação aos assuntos de interesse do campo da cultura, pois “O Poder Legislativo reivindica o papel de representar os interesses da população e, portanto, materializando estes interesses em leis, inclusive no campo cultural” (ALMEIDA, 2017, p.4).

Mesmo atravessando uma conjuntura de depreciação da representação política faz-se necessário recuperar a compreensão pública e consequências advindas da atuação ou da negligência do Legislativo. Consideramos que esta relevante atenção se encontra entre os “principais desafios com os quais o Poder Legislativo está às voltas, neste início de século: aumento da credibilidade institucional, busca da democracia social nos países emergentes, combate à corrupção e fortalecimento da cultura cívica”. (POLVEIRO JR, 2006, p. 4).

Observadas as tensões e colaborações pertinentes às relações entre os três Poderes do Estado, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, a custo de muitas lutas foi forjado tal modelo em razão da busca pela descentralização do poder na democracia ocidental, a qual se estabeleceu em muitos países, presidencialistas como o nosso ou parlamentaristas, pois “com a implantação do sufrágio universal [...] o Parlamento passa a ser, de fato, o cerne e o símbolo maior da democracia representativa” (Ibid., p.9). Como anota Polveiro Jr.:

A burguesia francesa, inspirada pelos pensadores iluministas, anuncia os ideais

Liberté, Egalité et Fraternité, derruba a monarquia e proclama a república,

norteada pelo Espírito das Leis, de Montesquieu, e pela divisão trina do poder em Legislativo, Executivo e Judiciário, divisão esta já encontrada antes em Kant, que estabelecera serem três as potestas: legislatória, rectoria et judiciária. (Ibid., p. 8)

O presente estudo buscou analisar essa relação entre poderes, principalmente entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, em especial nas demandas legislativas de cultura. A apresentação desta relação no plano federal teve como marco mais importante a inclusão do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216-A. Já no patamar estadual os destaques neste início do século XXI foram a aprovação da Lei Orgânica de Cultura da Bahia, em 2011, e do Plano Estadual de Cultura, em 2014. O presente trabalho estuda as demandas legislativas do Poder Executivo na Assembleia Legislativa da Bahia, bem como as iniciativas parlamentares em proposições de cultura durante cinco legislaturas, correspondentes aos anos entre 1999 e 2018.

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A motivação para a escolha desse estudo pelo pesquisador se deu por diversas razões: a já assinalada ausência de estudos, especialmente no Brasil e na Bahia, sobre a atuação do Poder Legislativo e dos parlamentares com referência ao campo da cultura, apesar da ampliação substantiva da produção de estudos e de publicações na área das políticas culturais ocorrida no país desde o início do século XXI.

Outra razão se deve à trajetória do autor como militante em defesa da cultura, aliada à trajetória profissional de treze anos como assessor parlamentar. De formação na juventude com base na Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) na qual iniciou estudos sobre política, cultura e sociedade, envolvidas com a fé religiosa, o autor participou da criação no município de Pintadas, Bahia, do grupo de jovens “Gente Nova”, no ano de 1998, para realizar reuniões e discussões políticas e sociais através de dinâmicas de animação cultural. Além das reuniões, o grupo Gente Nova passou a produzir projetos culturais como as Semanas Culturais de Pintadas, que mesclam mostras e oficinas nas diversas linguagens artísticas, festival de música e fórum de debates. O intuito de formalizar o grupo, adquirindo um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) para favorecer a captação de recursos para os projetos culturais, deu origem à associação Companhia de Artes Cênicas Rheluz. Logo em 1999, ela aderiu à ideia de um parceiro alemão de cooperação técnica agrícola e foi montado o Cinema Comunitário de Pintadas Rheluz. Foram adquirimos os equipamentos necessários com a apresentação de um projeto para o programa Prorenda Rural, desenvolvido pela parceria entre a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) e apoio da entidade Deutshe Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ). Eram projetados filmes nacionais em cima de uma Kombi com gerador de energia elétrica para percorrer os povoados rurais do município de Pintadas, inclusive, aonde jamais tinha chegado sequer uma televisão à época.

Esse protagonismo jovem presente na cultura no interior do estado da Bahia e a trajetória do autor estão registrados por Lourivânia Soares (2018), contemporânea na criação do grupo Gente Nova e da Companhia Rheluz, em sua tese de doutorado intitulada “Um sertão que Rheluz: cultura e desenvolvimento no município de Pintadas-BA” do qual extraímos a anotação da contribuição do autor por meio de comentário sobre a Companhia Rheluz ter conquistado a condição de Ponto de Cultura logo na primeira seleção pública estadual:

O Pintadas Cultura Viva foi um dos Pontos de Cultura selecionados na Bahia e também um dos pioneiros na Bacia do Jacuípe. Tony Teófilo acredita que esse trabalho serviu de estímulo para outras experiências regionais que entenderam

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que era possível fazer uma atuação concreta na parte de cultura envolvendo diretamente a juventude. Ele também avalia que os mutirões de projetos realizados pelo Rheluz contribuíram para que outros grupos do Território pudessem acessar programas e editais voltados para o segmento. Essa experiência do Ponto também abriu portas para a Companhia participar e se articular com outros coletivos de políticas culturais no estado, o que contribuiu para o seu crescimento nesta área. (Ibid.,p.169)

Os projetos da Companhia de Artes Cênicas Rheluz se ampliaram e se diversificaram, promovendo o intercâmbio com outras experiências, grupos e projetos da região que integra o Território Bacia do Jacuípe e de outros municípios da Bahia. Entre os projetos desenvolvidos pelo Rheluz se destacaram, além das já tradicionais Semanas Culturais de Pintadas, um curso de arte-educação voltado para os professores da rede pública de ensino chamado “Arte-Educação pela Bacia do Jacuípe” e um curso profissionalizante de cinema e audiovisual chamado “Pensar Filmes”, também, relatado no estudo de Lourivânia Soares (2018).

Outra razão pela escolha do tema desta pesquisa entre Poder Legislativo e a cultura se deve a atuação profissional do autor na assessoria parlamentar da Deputada Estadual Neusa Cadore (PT), ex-prefeita de Pintadas, que conquistou o seu primeiro mandato parlamentar estadual nas eleições de 2006, no mesmo período em que Jaques Wagner foi eleito Governador da Bahia.

O convite para compor a equipe do “Mandato da Gente” com a Deputada Neusa Cadore não se deveu necessariamente ao cumprimento de tarefas na área da cultura e sim à atuação na área da comunicação, dado que o autor se graduava em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e trabalhava neste setor na Secretaria da Reparação (SEMUR) da Prefeitura Municipal de Salvador na época do convite, em 2007.

Impossível dissociar do ambiente profissional, sobretudo, em se tratando de uma esfera pública, parlamentar, política e governamental, a defesa da cultura presente na trajetória de atuação neste campo, tal como foi o caso deste pesquisador e da colega também de assessoria parlamentar, Lourivânia Soares.

Estar neste ambiente das instituições públicas e dos órgãos de gestão do estado nos aproximou ainda mais de processos da gestão de políticas culturais percorrendo a Bahia, a exemplo da participação nas diversas conferências de cultura, desde 2007, e de duas Conferências Nacionais de Cultura.

A experiência adquirida no exercício de uma assessoria parlamentar nos ofereceu uma condição de vantagem nesta pesquisa acerca dos procedimentos

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legislativos, dos bastidores políticos e de negociação interna e externa que envolve os interesses da sociedade, a viabilidade diante da correlação de forças dentro da Casa Legislativa, as relações com o Poder Executivo e com as instâncias de participação social, a exemplo do Conselho Estadual de Cultura e dos Colegiados Setoriais de Cultura.

Isto não significa diminuir a necessidade latente da investigação mais dedicada das relações entre o Poder Legislativo e a cultura em detrimento às condições de aproximação de quem investiga o objeto de pesquisa. A enorme ausência de estudos antes assinalada e o distanciamento em relação ao desempenho do Poder Legislativo causam estranhamento diante de suas responsabilidades e da intervenção neste campo ainda tão desconhecido e inexplorado. Talvez, por isso mesmo, faça sentido dedicar uma atenção específica e prioritária às relações existentes entre o legislativo e a cultura e ele tenha partido desse conjunto de contextos imbricados na trajetória do perfil do pesquisador.

A observância do fazer legislativo despertou a atenção para a participação do Parlamento e dos parlamentares na constituição da legislação cultural, instituição de novo marco regulatório de cultura, para além de mandatos comprometidos em maior ou menor grau, embora nunca de forma central, com as pautas e a agenda pública de cultura. O acompanhamento das conferenciais e das necessidades levantadas pelos movimentos, grupos, agentes, artistas, produtores, trabalhadores e trabalhadoras da cultura somaram a um repertório de discussões e de experiências que convergiram para explicar o interesse na presente pesquisa.

A dissertação está estruturada em três partes: Poder legislativo e políticas culturais no Brasil; A agenda legislativa de cultura do Poder Executivo da Bahia e Proposições de lei de cultura da Assembleia Legislativa da Bahia.

Na contextualização do primeiro capítulo “Poder legislativo e políticas culturais no Brasil”, trouxemos aspectos do poder legislativo diante de um presidencialismo de coalizão, tal qual a experiência brasileira, a necessária distinção entre legislação cultural e políticas culturais e como elas se relacionam, bem como, a preponderância da noção de direitos culturais e de institucionalização da cultura para o avanço dessas políticas culturais no Brasil. Para estas considerações utilizamos conceitos e pressupostos desenvolvidos por autores como Sylvio Costa (2013), Nestor Garcia Canclini (1987; 2001), Albino Rubim (2007; [2019]) e Francisco Humberto Cunha Filho (2017).

O enfoque central do primeiro capítulo é a origem e a tramitação dos Projetos de Lei que incluíram o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura na

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Constituição Federal de 1988, nos Art. 215 e 216-A, respectivamente. Estes relevantes projetos derivam originalmente de medidas de iniciativa parlamentar. Traçamos os diversos processos que se desencadearam por meio da contribuição da sociedade civil, desde o ano 2000 na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, e de participação do Governo Federal, com o Ministério da Cultura, principalmente, a partir do ano de 2003.

O segundo capítulo “Agenda legislativa de cultura do Poder Executivo da Bahia” percorre o processo de elaboração da Lei Orgânica de Cultura da Bahia e do Plano Estadual de Cultura, protagonizados pelo Governo do Estado, à luz das contribuições oferecidas pelas instâncias de participação social. Outras iniciativas na legislação cultural do estado, como o Fundo Estadual de Cultura do Estado da Bahia e a criação do Fundo Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural. Algumas medidas ainda criadas por meio de Decreto do Poder Executivo, como o Plano Estadual do Livro e Leitura e a Comenda do Mérito Cultural. Ao final do segundo capítulo, apresenta-se a experiência do Fórum de Legisladores Culturais da Bahia, pioneiro no país, que congrega parlamentares das diferentes esferas da federação, federal, municipal e federal, e composta por diferentes legendas partidárias e de diferentes regiões do estado.

O terceiro capítulo, como explicita o próprio título “Proposições de lei de cultura da Assembleia Legislativa da Bahia”, apresenta o levantamento de todas as proposições de cultura no parlamento estadual neste período estadual do Século XXI, durante cinco legislaturas e vinte anos, desde 1999 a 2018. Neste levantamento se detalhou o tipo e a natureza das proposições de lei, a projeção quantitativa entre os anos e as legislaturas, a autoria e o desempenho das bancadas partidárias e dos parlamentares em apresentação de projetos de lei de cultura.

Para desenvolver a pesquisa e a análise do segundo e do terceiro capítulo se utilizou do recurso de busca para levantamento de dados via sistema de registro de proposições de lei da Assembleia Legislativa, bem como, pesquisa documental no Diário Oficial do Estado da Bahia, no Diário Oficial Legislativo e em acervos e arquivos da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, do Governo do Estado e da Assembleia Legislativa.

Necessariamente, boa parte dos resultados da pesquisa se amparou em recursos de pesquisa quantitativa de forma tal como suscitaram as questões relevantes no objeto de estudo em nossa abordagem, qual seja em boa medida a verificação das relações entre

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o Poder Legislativo e a cultura por meio das iniciativas parlamentares em projetos de lei de cultura. Portanto, foi determinante que o caminho de chegada à constatação destas relações estivesse sustentado pela quantidade de proposições de cultura, de representação partidária e de parlamentares que produziram estes índices no processo legislativo durante o período estudado. Desse modo, concordamos que:

As pesquisas quantitativas estão profundamente apoiadas na estatística, porém seria um engano acreditar que esta antecede as Ciências Sociais na realização da pesquisa social. Ao contrário, ela deve ser entendida como mera ferramenta, como auxílio e ponto de apoio. Os números não podem nos dizer nada se não forem interpretados à luz das teorias e perdem seu significado se não tiverem por referência o problema de investigação. (LINHARES; ALVES, 2014, p. 26) Acrescenta-se a própria originalidade em pesquisa, de maneira geral em qualquer área de interesse, que se debruçasse na produção de leis de forma mais completa e detalhada a fim de se ter um mapa dessa atuação parlamentar em qualquer assunto. Considerando não apenas o acúmulo de registro protocolar de apresentação de propostas legislativas, mas, a existência de um acentuado volume documental de atas, diários oficiais, pronunciamentos na tribuna, no plenário, nas comissões, ou seja, em toda a cadeia do exercício parlamentar que ainda é muito pouco aproveitado em análises científicas e acadêmicas.

Com o presente trabalho pretende-se animar, estimular, provocar que outras pesquisas e estudos no âmbito da esfera legislativa possam ser desenvolvidos de forma central e com dedicação exclusiva, até mesmo, tendo por esta mais uma contribuição pública que a sociedade tem direito e merece. Quem sabe assim, também com esta disposição se possa contribuir para aproximar a população deste ambiente que é o da representação pública para que seja cada vez maior e melhor a capacidade de intervenção pública tanto ao universo legislativo quanto ao universo acadêmico.

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1. PODER LEGISLATIVO E POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL

1.1 Legislação, políticas públicas e políticas culturais

No Brasil, o século XXI em seus anos iniciais no segundo Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e, principalmente, nos Governos Lula e Dilma é marcado por uma produtiva interação, em termos de leis, entre parlamento e cultura. Podemos considerar que até então, três das leis mais propagadas no campo da cultura correspondem à Lei Rouanet, a Lei do Audiovisual e a Lei de Direitos Autorais, essencialmente, leis de fomento:

1) Sob a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, a Lei Rouanet institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, e leva o nome de seu criador, o Secretário de Cultura da Presidência na época, Sérgio Paulo Rouanet, classificada como uma legislação do mecenato cultural, sancionada pelo Presidente Fernando Collor de Mello;

2) A Lei do Audiovisual, Lei nº 8.685, de 20 de julho de 1993, que cria os mecanismos de fomento à atividade audiovisual no país, foi sancionada pelo Presidente Itamar Franco;

3) A Lei de Direitos Autorais Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, visava alterar, atualizar e consolidar a legislação sobre direitos autorais, sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O país vivenciava fortemente a experiência do modelo neoliberal, durante o Governo FHC. Modelo este que representa a diminuição da presença do Estado em favor de uma supervalorização do mercado, marcada pela privatização de serviços e de empresas públicas, por exemplo, mas, não somente isso. E não foi diferente na cultura, quando determinados setores defendem “um Estado mínimo para a seara cultural, sob o argumento mais visível de que esta esfera é exclusiva da sociedade e dos indivíduos, e que toda atuação estatal carrega a potencialidade de dirigismo e, portanto, de arbítrio”. O que se difere de quando o país adota políticas públicas de cultura favorável à “cultura como elemento identitário a ser fortemente estimulado”. (CUNHA FILHO, 2017, p.178). Tal diferenciação no tratamento dos governos brasileiros à questão das políticas culturais foi bastante enfatizada pelos autores que discorreram em suas análises presentes na publicação Políticas Culturais no Brasil, da Coleção CULT/EDUFBA, de 2007, aonde

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Albino Rubim (2007) menciona que naquele governo Fernando Henrique Cardoso, ao empreender o seu projeto neoliberal:

Pretende-se que o mercado, imaginado como todo-poderoso e dinâmico, substitua o Estado [...]. Em verdade e em boa medida, as leis de incentivo foram entronizadas como a política cultural do ministro Francisco Weffort [...] o financiamento via leis de incentivo torna-se rapidamente na modalidade predominante de apoio à cultura, muito à frente das outras formas de financiamento. (RUBIM, 2017, p. 26 e 27)

Esta opção de transferência das atribuições do Estado na cultura para o mercado no Governo FHC, chegando a publicar que a “Cultura é um bom negócio” (BRASIL, 1995) e as consequências resultantes daquela política de financiamento marcadas pelas leis de incentivo também está presente em diversos estudos, tais como, em “Políticas Culturais no Brasil” (RUBIM; BARBALHO, 2007) e “Financiamento e Fomento à Cultura no Brasil: estados e Distrito Federal” (RUBIM; VASCONCELOS, 2017). Uma das conclusões que vamos encontrar nestas análises é de que o seu principal mecanismo, “a Lei Rouanet produziu um modelo de fomento simplório, limitado, concentrador e incompatível com a complexidade da cultura e as políticas de diversidade cultural”. (PAIVA NETO, 2017, p.48).

De igual modo, encontra-se cuidadosamente verificada nestas publicações já mencionadas, entre outras, a acentuada alteração que demarcou o período iniciado na gestão do Presidente Lula, desde 2003, em suas características progressistas, na recuperação da presença do Estado nas políticas públicas e pela inauguração de novas políticas sociais. Com Gilberto Gil no Ministério da Cultura (MinC), busca-se um alargamento do conceito de cultura que irá guiar a elaboração dessas novas políticas no momento em que “passamos a ter uma política cultural cujo projeto acentua o binômio entre diversidade e desigualdade [...] assumida enquanto chave para a elaboração de uma política cultural diferenciada”. (SIMIS, 2007, p. 152). A nova concepção de cultura que compõe o conjunto programático do governo Lula, compreende que “a cidadania democrática e cultural contribui para a superação de desigualdades, para o reconhecimento das diferenças reais existentes entre os sujeitos em suas dimensões social e cultural”. (CALABRE, 2007, p. 102), e esta “articulação entre cultura e cidadania” converge ao esforço pretendido por Gil no MinC ao defender “uma conceituação ampla da cultura, considerando-a em sua dimensão antropológica, como a dimensão simbólica da existência social brasileira” (BOTELHO, 2007, p. 128).

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É possível encontrar com certa disponibilidade uma bibliografia com trabalhos que destacam o mérito dos governos progressistas pela iniciativa na criação de projetos e programas de cultura que se tornaram políticas culturais e produziram desenvolvimento social, promoveram a institucionalidade da cultura e influenciou diretamente na organização da legislação, em países como o Brasil, durante o período em que estamos estudando aqui, o início do Século XXI.

Diversos estudos apontam experiências de gestão em políticas culturais: na ampliação do acesso, formação, criação, difusão cultural e proteção do patrimônio; do respeito à diversidade e às identidades culturais; de promoção da cidadania cultural, da economia e da indústria culturais; de mecanismos de financiamento e de fomento da cultura; de novos instrumentos de participação na gestão pública de cultura.

Entre os exemplos daquilo que foi constituído nesse sentido a partir de 2003, destacamos que: “A atenção com a economia da cultura e os indicadores culturais também ampliou a atividade do Ministério abarcando zonas hoje vitais para pensar a cultura na contemporaneidade” e parcerias firmadas com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) possibilitaram um primeiro levantamento de informações sobre a cultura no país; “A constituição de um Sistema Nacional de Cultura, que articula os governos federal, estadual e municipais, sem dúvida um projeto vital nesta perspectiva de institucionalização de mais largo prazo” e que se alia diretamente ao “Plano Nacional de Cultura, votado pelo Congresso Nacional, como política de Estado, [...] que supere os limites das instáveis políticas de governo.”; O ”orçamento triplicado” que acompanha este novo tratamento deste governo para com as políticas culturais; (RUBIM, 2007, p. 30-32); A “criação de um dos mais importantes programas da gestão Gilberto Gil, o Programa [...] Cultura Viva” que criou os Pontos de Cultura como “polos de criação e produção culturais” aonde “o intuito é estabelecer uma rede entre estes pontos e o Estado de modo a promover o fluxo de informação, conhecimento, experiência.” (BARBALHO, 2007, p. 54 e 55); A criação das Câmaras Setoriais que envolve a participação social mediante a elaboração das políticas públicas “correspondentes às diversas expressões artísticas, promovendo uma mobilização de cada um desses setores de forma até agora única”. (BOTELHO, 2007, p. 129). São alguns exemplos de medidas importantes que foram criadas para a efetivação de políticas culturais a partir do Governo Lula.

A inclusão do Plano Nacional de Cultura (PNC) no ordenamento constitucional, com a Emenda Constitucional (EC) nº 48/2005, assim como o Sistema Nacional de Cultura (SNC) com a Emenda Constitucional (EC) nº 71/2012, aos Arts. 215 e 216,

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respectivamente, impactam sobremaneira na postura do Estado com relação à cultura, pois, “trouxe uma clivagem na concepção política de cultura nos anos 2.000” (IPEA, 2009, p.263), como foi expresso em edição especial do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) na publicação “Políticas Sociais: acompanhamento e análise – vinte anos da Constituição Federal – Vol. 2” com o artigo “A constituição e a democracia cultural” aonde os autores consideram que, “em realidade, as políticas públicas culturais envolvem programas públicos que coordenam as ações de agentes culturais e estes podem ter como instâncias reguladoras os mercados, a própria administração pública ou as comunidades.” (Ibid., p.240).

Conferimos, portanto, essa “clivagem”, essa mudança na concepção de cultura que se expressou fortemente no Brasil a partir de 2003, dentro de um projeto de país diferente da tradição praticada pelos governos que lhe antecederam marcados pelo neoliberalismo e por autoritarismos. A política cultural no país vai se situar junto às demais áreas da nova gestão pública mediante um novo tratamento disseminado pela inversão de prioridades nas políticas de um Estado mais atuante e mais presente. Consequentemente, incorpora-se aí um novo tratamento também à política pública de cultura, nessa configuração que ficou evidente, como assinalou Tony Gigliotti Bezerra:

O MinC, que antes se preocupava essencialmente em favorecer a indústria cultural com benefícios e isenções fiscais, passou a financiar também grupos subalternos de cultura popular. Essa é uma mudança significativa, fruto da política de conciliação de classe. Dessa forma, o conceito amplo de cultura aliou-se a um programa de governo reformista e produziu políticas culturais de cunho progressista que, num dado momento, procurou agradar a ricos e pobres, indústria cultural e cultura popular. Essa tática de conciliação social não é universal, mas localizada no tempo e no espaço, ou seja, inserida em um momento histórico específico. (BEZERRA, 2017, p.133)

Uma ideia de conciliação de classe que passou a permear o Estado frente às políticas públicas teria colaborado para essa transição de postura dos governos e, sobretudo, com a visão de um Ministério da Cultura que atua sob nova perspectiva. O desempenho do Poder Executivo nas políticas públicas e, sobretudo, nas políticas culturais brasileiras está presente em diversas pesquisas. Nesta dissertação reunimos às obras que já citamos estudos das políticas culturais no Brasil, no Governo Lula e no Governo Dilma reconhecendo que, especialmente “no governo Lula, com (muitos) acertos e (alguns) erros, colocaram as políticas culturais em um patamar, nacional e internacional, nunca antes alcançado pelo Ministério”. (CALABRE, 2009; RUBIM, 2007; 2010; 2015; 2017).

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Este é o cenário que permeou estudos realizados por este pesquisador desde a sua monografia de graduação, na qual refletimos que a transformação social da cultura não era noticiada na grande mídia e imprensa, embora crescesse cada vez mais a atenção e o espaço dedicados à cultura na forma de matérias de utilidade pública, de artigos e entrevistas com representantes e gestores culturais, mediante o crescimento das páginas de agenda cultural e de entretenimento, de colunas e encartes especializados, etc. (ALMEIDA, 2009). Já no trabalho de conclusão de curso para a especialização em Gestão Estratégica de Políticas Públicas, consideramos a disparidade presente no orçamento de cultura entre aquilo que era direcionado a promover as ações de base comunitária e o investimento reservado para as leis de incentivo (ALMEIDA; FRANCO, 2015).

A alteração de comportamento do Estado brasileiro que decorre por meio dos governos progressistas, ou seja, de governos que são opostos ao conservadorismo e ao autoritarismo, acompanha uma evolução das normas de direitos culturais e se traduz em impacto direto na legislação, conforme exemplifica Francisco Humberto Cunha Filho:

A programaticidade de muitas das normas de direitos culturais, por seu turno, significa a possibilidade de adaptação da forma de concretizá-las segundo

distintos programas políticos. Desse modo, por exemplo, quando a

Constituição brasileira determina que a “lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais”, o legislador, em dado momento, pode entender que os referidos incentivos advirão de renúncia fiscal; noutro, pode avaliar que o mais adequado é que o Estado diretamente os forneça. (CUNHA FILHO, 2011, p.123, grifo nosso, aspas do autor)

No entanto, ainda é raro encontrar estudos que destaquem a atuação dos parlamentares na elaboração desta legislação cultural que pode promover a adoção de políticas ou corresponder a políticas culturais já adotadas. Existe uma produção importante que se realiza dentro dos parlamentos e que é pouco explorada. Essa produção legislativa vai além da atribuição na elaboração das leis. Ela ocorre tanto em termos quantitativos de processos, documentos, pareceres, relatórios, quanto em termos qualitativos, daquilo que é defendido e debatido na tribuna, principal instrumento de fala dos parlamentares, ou ainda na diversidade das atividades constantes e obrigatórias que se realizam dentro das comissões, de sessões, audiências públicas, da sabatina com autoridades, nas assembleias e reuniões realizadas com os diversos setores, seguimentos e organizações sociais.

A observância mais cuidadosa dessa esfera pode revelar horizontes ainda bem pouco explorados e que promovem consequências diretas na sociedade, pela presença do Parlamento ou pela sua ausência e omissão. O impacto das alterações ocorridas na

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legislação cultural do país nos anos iniciais do século XXI foi notado por alguns especialistas e desejamos analisar com mais profundidade neste estudo, pois:

Tem aumentado consideravelmente o número de decretos e portarias que instituem e regulamentam políticas, além de projetos de lei (PLs) e propostas de emenda à Constituição (PECs) de matéria cultural. Esse fenômeno foi evidenciado especialmente no ano de 2009, chamado pela mídia especializada de “ano da cultura no Congresso Nacional” (BRANT, 2009), em alusão aos vários projetos em tramitação. (VARELLA, 2014, p. 11, citação do autor) Com a devida distinção existente no âmbito do Poder Legislativo, vamos encontrar a dissociação entre o que representa a atuação parlamentar e o que podemos considerar como uma atuação do Parlamento, sobretudo, na cultura, que não se confunde com as respectivas atribuições e a maneira como se comportam, no conjunto e em separado. Embora as responsabilidades constitucionais dos parlamentares, representantes do Poder Legislativo, sejam convergentes com aquilo que se espera do Parlamento previsto na Constituição de 1988 (CF/88), cada parlamentar representa interesses específicos, em princípio, determinados por aquele agrupamento social ou eleitoral que o escolheu com o seu voto. Essa diferenciação é importante que seja observada e compreendida e será desenvolvida ao longo dessa pesquisa.

Em sua participação no XI Ciclo de Debates em Políticas Culturais, com o tema “Parlamento e Cultura”, realizado pelo Coletivo de Políticas Culturais e o Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Zulu Araújo ([2019], não publicado) frisou a necessária distinção entre a atuação parlamentar e a atuação do Parlamento: “É importante distinguir aqui o compromisso que alguns parlamentares possuem com o fazer cultural (poucos, diga-se de passagem) com o olhar e comportamento do Parlamento enquanto Poder” (parênteses do autor).

São correspondentes ao Parlamento, também considerado como a Casa Legislativa, o Congresso Nacional composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras Municipais. Obedecendo as esferas federativas constituídas, temos que aos parlamentares correspondem os deputados federais, senadores, deputados estaduais e vereadores, respectivamente.

A atividade parlamentar se encontra devidamente examinada em determinados campos do conhecimento, tais como, nas ciências políticas, nas ciências sociais, no direito constitucional e estudos correlatos como vimos no primeiro capítulo. No entanto, é bastante incipiente análises do parlamento no campo da cultura e das políticas culturais.

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Uma provável negligência com a investigação da atuação parlamentar na cultura nos remete ao contexto político atual e nos mobilizam algumas inquietações a respeito, quando observamos um ambiente de descrédito da atividade política e dos políticos, que atinge sobremaneira os parlamentares. Alguma apatia da população pela política poderia ser evidenciada mediante os altos índices de abstenção do voto obrigatório ocorridos no país durante os processos eleitorais nos anos de 2016 e de 2018, e que contou com uma intensa “campanha” da mídia contra os políticos, de uma forma bem generalizada.

A depreciação política em nosso país, infelizmente, tem sido uma ação corriqueira e habitual de setores conservadores de forma coordenada, como assinalou Cunha Filho:

O desprestígio da política e o abandono da dinamicidade da vida coletiva são problemas essencialmente imbricados e emanados, o mais das vezes, das fontes conservadoras do status quo, que com acentuada frequência usam de falácias e confusões semânticas para esse objetivo. A mais comum delas é a de divulgar exaustivamente a corrupção de políticos, querendo fazer entender que ela é própria da política e que, portanto, aquela matriz é maléfica à vida em sociedade. (CUNHA FILHO, 2017, p. 190)

Não poderia deixar de sublinhar tal preocupação com esse quadro de desprezo, de desqualificação ou de repulsa pela atividade política, em grande medida estimulada por diversas instituições sociais, formadoras de opinião, tal como tem ocorrido com certa frequência por parte dos tradicionais e grandes meios de comunicação. A constatação de uma imprensa que age como “ator político importante” como considerou Emiliano José (2010, p.15) que há um “programa político da mídia para o Brasil porque entendo que a mídia, desde há muito, tem um programa para o país, sempre de acordo com os interesses das classes dominantes”.

É demasiado o grau de interferência e de influência desses referidos meios de comunicação na política, muitas vezes travestidos de isenção de parcialidade ou de uma atitude encoberta sobre o véu de uma reclamada liberdade de opinião enquanto que acabam igualmente orientados politicamente por determinados interesses, como aponta Venício Lima, no prefácio para o livro “Intervenção da imprensa na política brasileira: 1954-2014”, de Emiliano José:

A relação entre política e as grandes empresas de comunicação não é de exterioridade. É sim de compenetração, organicidade e até simbiose, conformando redes doutrinárias e de interesses entre o sistema político e o sistema de mídia. Assim, fenômenos de partidarização, parcialidade, ausência de pluralismo ou até censura sistemática de informações e opiniões antagonistas constituem fenômenos recorrentes e típicos. (LIMA, V. apud JOSÉ, E., 2015, p.13)

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Esse fenômeno se relaciona com o poder de publicização e de silenciamento. O campo político permeia “zonas de tensão possíveis entre a mídia e a política” aonde se dão as disputas em torno do poder sobre a opinião pública, conforme demonstrou Albino Rubim (1994), de que a coalizão entre mídia e política é gerada na informação daquilo que deve ser transmitida à sociedade, onde a mídia estaria rejeitando o papel de mera transmissora de informação e passa também a exercer poder sobre esta dimensão pública da informação. Ou seja, mediante interesses determinados os meios de comunicação podem publicizar ou podem silenciar e “a manipulação deste poder de publicizar ou silenciar tem, sem dúvida, forte ressonância na configuração societária e do campo da política”. (RUBIM, 1994, p.2).

Essa subtração de poder do campo político pelos meios de comunicação pode colaborar, por exemplo, para uma espécie de letargia política generalizada da população perante medidas impopulares e que suprimiram direitos, tais como, a aprovação no Congresso Nacional do teto de gastos, durante o Governo Temer, que congelou por 20 anos o orçamento atingindo áreas essenciais como a saúde e a educação; a reforma trabalhista, aprovada no Governo Temer; a reforma da previdência social aprovada no Governo Bolsonaro; o fechamento do Ministério da Cultura (MinC) e de Conselhos de Participação Social no Governo Bolsonaro; são exemplos de medidas impopulares que tem ocorrido sem grandes reações populares.

Embora possamos identificar alguns casos em que a comunidade cultural esteve mobilizada e foi capaz de reagir, podemos citar a tentativa de Temer de fechar o MinC transformando-lhe em secretaria vinculada ao Ministério da Educação, conforme registrou Sophia Rocha (2018, p.83) e considerou que “certamente o trabalho [...] desenvolvido pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2016 contribuiu para que parlamentares, artistas, intelectuais, gestores, produtores, agentes culturais etc. questionassem a medida do governo, que acabou revertendo sua decisão”, mediante um importante movimento nacional que ficou conhecido como Ocupa MinC, analisado por Márcio Caetano (2016, p.69-78) no artigo “A cultura e a luta presente”.

Considera-se ainda a interferência da mídia na política brasileira que culminou no processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, tal como está abordado nos artigos da “Enciclopédia do Golpe”, organizada por Giovanni Alves (2017), sobretudo, em seu Volume II. Na introdução deste volume, com o título “Jornalismo à brasileira”, Mino Carta (apud ALVES, 2017b, p.11) avalia que “o jornalismo à brasileira sempre serviu à casa-grande, embora nunca de forma tão acintosa conforme se deu depois da

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eleição de Lula [...] para atingir o auge [...] que deságuam no golpe de 2016”. Desde uma simples verificação da cobertura diferenciada entre as manifestações pró e contra, ocorridas por diversas vezes pelo Brasil afora, desde 2013, quando se omitiu ou se desqualificou manifestações daqueles que defendiam a permanência da Presidente Dilma ao tempo em que se valorizaram as manifestações a favor da sua saída do cargo, até a complexa agenda de desgaste perante a opinião pública com a participação do judiciário e do parlamento brasileiro.

É importante estar atento de como o sistema político, e aqueles que dele participam, direciona a vida da população nos diversos aspectos, sejam eles econômicos, sociais, ambientais e culturais. Devemos lembrar que “a política é inexorável ao ser humano, não como uma maldição que o acompanha, mas na condição de instrumento que dá possibilidade de definir, de distintas formas, o modo de viver em coletividade”. (CUNHA FILHO, 2017, p.190)

Neste contexto está presente a legislação como o trilho que se monta e remonta para permitir ao Estado, e às diversas instituições que atuem sobre ele, que se produzam políticas públicas. Esta legislação deriva de lutas e das correlações de forças existentes na sociedade. Com o passar dos anos as lutas e as necessidades da sociedade se alteram e se busca também na legislação novos parâmetros para regular, acompanhar e atualizar tais alterações. A atividade política, sobretudo, a atividade parlamentar tende a pavimentar esses caminhos, muitas vezes tortuosos, interrompidos, entrelaçados ou paralelos que determinam o fluxo dessa malha que se chama legislação e que se forma ou se deforma através de elos que são criados de acordo com as leis.

Temos interesse em relacionar essa atividade política, essa atividade parlamentar sobre a legislação e, em especial, sobre a legislação de cultura e a sua atuação sobre as políticas culturais. Um percurso que em grande medida se dá atrelado ao Poder Executivo, mas que também a atuação parlamentar pode ser pioneira e protagonista em propor, elaborar, sistematizar, sintetizar, atualizar ou regular projeto de lei nos diversos temas, mecanismos e instrumentos da cultura e, consequentemente, na produção de políticas culturais.

Legislação e políticas públicas não é a mesma coisa, embora a primeira possa ser geradora da segunda. São peças distintas, mas, a relação entre elas pode promover a ação do Estado. As políticas públicas resultam da “atuação estatal planejada, omissiva ou comissiva, que tem por objetivo o desenvolvimento de determinado setor integrante das

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relações sócio-políticas, em cumprimento ao que legitimamente determina a legislação”. (CUNHA FILHO, 2017, p. 179). Pois, a legislação pode estabelecer os direitos a serem proporcionados pelo Estado ao mesmo tempo em que poderá estabelecer deveres, limites e parâmetros à sociedade. Já as políticas públicas visam corresponder aos direitos sociais: O fundamento mediato das políticas públicas, o que justifica o seu aparecimento, é a própria existência dos direitos sociais – aqueles, dentre o rol de direitos fundamentais do homem, que se concretizam por meio de prestações positivas do Estado. A função de governar – o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social – seria, portanto, o fundamento imediato das políticas públicas. (BUCCI, 1997, p. 90)

A noção de direitos culturais começa a se desenvolver já no final do século XX. Diversas convenções e tratados internacionais produziram documentos sobre cultura, sobre a diversidade cultural e recomendações às instituições públicas. A existência das políticas culturais pretende “balizar as abstinências do Estado [...] para que sejam instrumentos de efetivação dos direitos culturais”. (CUNHA FILHO, 2017, p. 182).

As políticas públicas no Brasil, submetidas ao debate e deliberações públicas, são as ações desenvolvidas pelo Estado: Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, aplicadas em cumprimento à Constituição Federal de 1988 (CF/88) e com base em outras leis. De igual modo também são as políticas culturais, pois estas guiam o Estado de acordo com o que está previsto nas leis constitucionais e em determinada legislação, sobretudo, nas leis específicas para a cultura. De outro modo, podemos dizer que a legislação é um dos pilares para o exercício da organização político-administrativo, em todas as esferas de governo, quer seja no âmbito federal, estadual ou municipal, de acordo com o que está estabelecido na Constituição.

Sem pretender aprofundar uma discussão acerca do conceito de políticas culturais, adotamos como referência e acompanhamos neste trabalho a proposta elaborada por Albino Rubim, em decorrência de uma atualização inspirada no conceito desenvolvido por Canclini (1987, p.26), a saber:

Política cultural é um conjunto articulado, consciente, continuado, deliberado, sistemático e planejado de intervenções, formulações e/ou atuações, de diversos entes culturais com o objetivo de: atender demandas e necessidades culturais da população; estimular o desenvolvimento simbólico; construir hegemonias para conservar ou transformar a sociedade e a cultura; e garantir cidadania e direitos culturais. Ela aciona recursos institucionais, infraestruturais, normativos, financeiros e de pessoal. Ela destina especial atenção às dimensões organizativas da dinâmica cultural. Para que exista, a política cultural exige rever a instrumentalização da cultura pela política e a inauguração de nova relação, na qual a política é instrumento e a cultura finalidade. (RUBIM, [2019], p. 14, no prelo)

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Podemos considerar este um conceito mais interativo e dinâmico de políticas culturais, ao diversificar os atores que as exercem para além do Estado, e que não apenas assiste às necessidades culturais, mas que também pode promover mudanças na estrutura social. Tem ressonância naquilo que nós já havíamos caracterizado em outro estudo como a transformação social da cultura (ALMEIDA, 2009). E essa perspectiva está presente nas políticas culturais desenvolvidas no Brasil a partir dos governos progressistas nos anos iniciais do século XXI.

Canclini (2001) nos oferece uma proposta analítica mais elaborada das razões fundamentais do ato de legislar na cultura como uma preocupação necessária à gestão de políticas culturais e nos apresenta, em seu trabalho “Por qué legislar en industrias culturales” sete motivos inerentes ao Estado para legislar no campo cultural, a saber:

1.Necessitamos actualizar las leyes y crear otras nuevas porque las industrias culturales han pasado a ser predominantes en la formación de la esfera pública y la ciudadanía, como lugares de información, sensibilización a las cuestiones de interés común y deliberación entre sectores sociales [...]; 2. Es de interés público legislar acerca de las industrias culturales porque tienen hoy um lugar proeminente y estratégico en el desarrollo socioeconômico [...]; 3. Si los Estados latinoamericanos se deciden a tomar em cuenta estas funciones económicas y sociopolíticas de las industrias culturales, deben conocer lo que sucede em este campo a fin de desarrollar acciones adecuadas a las necessidades de interés público em la presente etapa del desarrollo cultural [...]; 4. Son necesarias también acciones estatales porque la confrontación de poderosos actores nacionales y transnacionales, así como las demandas societales referidas a médios masivos e industrias culturales, los convierte en una zona de fuerte competitividad y conflictividad entre intereses públicos y privados [...]; 5. Legislar la acción de las industrias comunicacionales se ha vuelto urgente por la tendência global a desregular totalmente las inversiones en cultura, con amenazas inquietantes al patrimonio tangible e intangible de cada nación [...]; 6. También importa legislar porque la mercantilización absorbente de las industrias culturales deja desprotejidos a los artistas y consumidores de cultura [...]; 7. Una razón más para legislar sobre industrias culturales deriva de que los iberoamericanos contamos con un desarrollo cultural que nos da ventajas comparativas nada desaprovechables. (CANCLINI, 2001, p.60-68)

Ao se debruçar sobre as razões levantadas por Canclini (2001) como um leque de iniciativas aonde se deve legislar para as indústrias culturais, pode-se encarar como preocupações que estão na direção de medidas de proteção em relação ao avanço comercial destas indústrias e do mercado transnacional. Mas também, estas propostas podem inspirar as razões pelo qual se deve legislar para a cultura, em sentido mais abrangente, despertando atenção e indicando instrumentos na formação da esfera pública e da cidadania; de políticas culturais para o desenvolvimento socioeconômico; pela elaboração e ações adequadas às necessidades de interesse público no desenvolvimento cultural; em defesa do patrimônio material e imaterial; para o desenvolvimento de uma política para as artes, fomentando a formação, a criação, a circulação e o acesso aos bens

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culturais; protegendo e promovendo os recursos culturais que detemos como um país iberoamericano etc.

São possibilidades diversas que podem ser estimuladas naquele exercício que Canclini (2001, p. 60) propôs, a partir de uma questão que parece muito simples: “por qué el Estado debe hacer algo con las industrias culturales?” e que se torna perfeitamente um método pertinente ao se levantar a questão da qual tratamos e percorremos de forma implícita neste estudo: Por quê o Estado deve fazer algo com a cultura?

O período histórico que Canclini (2001) elabora estas considerações no que diz respeito a legislar em indústrias culturais também data do início do século XXI e, portanto, corrobora diretamente com a nossa escolha sobre o caminho que percorremos em identificar a relação dos parlamentares com a cultura nesse momento no Brasil. Na legislação cultural brasileira começaram a surgir proposições, dentre as quais podemos destacar as seguintes iniciativas de projetos de lei:

- Lei do Patrimônio Imaterial, Decreto nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial;

- EC nº 48, de 10 de agosto de 2005, acrescenta o § 3º ao Art. 215 da Constituição Federal e institui o Plano Nacional de Cultura;

- EC nº 71, de 29 de novembro de 2012, acrescenta o Art. 216-A à Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Cultura;

- O Vale Cultura, via Lei nº 12.671, de 27 de dezembro de 2012, que institui o Programa de Cultura do Trabalhador, criando o Vale Cultura;

- Lei nº 13.018, de 22 de julho de 2014, institui a Política Nacional de Cultura Viva.

Este capítulo passa a analisar com mais detalhe aqueles projetos de lei que alteraram a Constituição Federal de 1988, ao incluir o Plano Nacional de Cultura (PNC) e o Sistema Nacional de Cultura (SNC) nos Artigos 215 e 216-A, respectivamente, que tiveram origem dentro da Câmara dos Deputados e que, portanto, foram de iniciativa parlamentar.

Essa diferenciação na legislação daquilo que é de autoria do Poder Executivo ou de autoria do Poder Legislativo e, portanto, de iniciativa parlamentar não é tão evidente ao conhecimento público. Na esfera federal, cabe ao Congresso Nacional, com a sanção

Referências

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