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A construção narrativa do roteiro de longa-metragem "Alento"

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - AUDIOVISUAL

TÁZIO MATHEUS SILVESTRE DO NASCIMENTO

A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DO ROTEIRO DE LONGA-METRAGEM ALENTO

NATAL, RN 2019

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TÁZIO MATHEUS SILVESTRE DO NASCIMENTO

A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DO ROTEIRO DE LONGA-METRAGEM ALENTO

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao curso de Comunicação Social – Audiovisual, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a Obtenção do grau de Bacharel em Audiovisual.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Antônio dos Santos Segundo

NATAL, RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Nascimento, Tázio Matheus Silvestre do.

A construção narrativa do roteiro de longa-metragem "Alento" / Tázio Matheus Silvestre do Nascimento. - 2019.

84f.: il.

Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Comunicação Social. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Antônio dos Santos Segundo.

1. Roteiro - Monografia. 2. Narrativa - Monografia. 3. Processo Criativo - Monografia. I. Segundo, Carlos Antônio dos Santos. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 791-21

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TÁZIO MATHEUS SILVESTRE DO NASCIMENTO

A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DO ROTEIRO DE LONGA-METRAGEM ALENTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Audiovisual.

Local, ____ de _____________ de _____.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Carlos Antônio dos Santos Segundo

Orientador

________________________________________ Prof. Dr. Ivan Mussa Tavares Gomes

Professor Avaliador

________________________________________ Prof. Dr. Maria Helena Braga e Vaz da Costa

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Dedico este TCC primeiramente à minha mãe, por ser uma fonte de inspiração, e a todos aqueles que me apoiaram e acreditaram em mim e nas minhas narrativas nesses últimos anos.

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AGRADECIMENTOS

Refletir sobre as contribuições para este trabalho me remonta principalmente ao ano de 2009. Eu tinha treze anos e fui incentivado pela professora Amélia, de Língua Portuguesa, no Instituto Ary Parreiras, uma escola pública de Natal, a ler livros a cada bimestre. No início, foi difícil e prazeroso: tirei xerox de um exemplar de A Odisseia, edição escolar, e apresentei a obra para turma; no resto do ano, li poesias de Cecília Meireles e um conto de horror – tudo para a disciplina de Língua Portuguesa. Ao final de 2009, comprei minha primeira série de livros, sob protestos da minha mãe que eu não leria, e, desde então, não parei mais. Descobri, nesse emaranhado de narrativas, que eu mesmo poderia transbordar minhas próprias histórias e personagens, empregar e imprimir minha visão de 13 anos no papel, viajar mundos e pensar em possibilidades... são dez anos escrevendo e tudo isso começou por você, Amélia. Eu não poderia estar menos agradecido e feliz por você ter me apresentado o mundo dos livros e me dar voz. Se Alento é uma denúncia social, saiba que o gatilho principal foi aquele pequeno livro resumido de Homero.

Os últimos anos na UFRN, entretanto, me fizeram pensar em narrativas para o audiovisual e encontrei pessoas que acreditaram e confiaram em mim de primeira: muita gratidão, Prof. Dr. Maria Ângela Pavan! Eu lembro que você leu o primeiro rascunho do roteiro do que viria a ser o seriado Eu e me incentivou a continuar. O projeto hoje está tomando outros rumos e ficando maior! Você foi a primeira pessoa quem me colocou nos trilhos da escrita de roteiros. À Prof. Dr. Mirian Moema, que me acolheu na primeira aula de Roteiro e ficamos conversando horas sobre narrativas, e é assim até hoje. Sua empolgação me empolga a continuar! Carinhosamente, ambas me convidaram para ministrar palestras de roteiro na UFRN e foram experiências maravilhosas. Agradeço também à minha orientadora do grupo de pesquisa, a Prof. Dr. Maria Helena Braga e Vaz da Costa, pela oportunidade de conhecer o cinema pernambucano e crescer junto dele, enquanto roteirista e pesquisador. Ao Hélio Ronyvon e Michelle Ferret, os feedbacks dos roteiros e argumentos são os melhores e vocês sabem exatamente o que apontar para aperfeiçoar a narrativa. Obrigado, galera!

Meu coração pula de alegria ao pensar em Anália Alencar, amiga que compartilha os melhores momentos (e também receios!) em festivais, editais e nos simples encontros casuais. Minhas narrativas não fariam sentido sem suas opiniões e apontamentos. Muito obrigado pela sua visão doce e delicada, mas precisa do mundo. À Dênia Cruz e Tereza Duarte, minhas produtoras, por acreditarem nos meus projetos e estarem ali por mim quando preciso. Aos

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meus amigos: Juliana Isa; Gustavo Araújo (o personagem Gustavo não tem esse nome por acaso); Anderson Geová; Breno Eduardo; Débora Santos; Katilene Rodrigues; Francisco Ewerton; Ruston Gabriel; Henrique Arruda; Alda Mariana; Jennifer Santos; Bruna Santos; Tales Lobo; Marcelo Moreno e Bruna Torres. Obrigado por todo o apoio de sempre, até mesmo nos momentos mais insanos e pelos furos. De qualquer maneira, amo vocês.

Sem dúvidas, meu Trabalho de Conclusão de Curso não seria o mesmo sem a orientação lapidada do Prof. Dr. Carlos Segundo. Cheguei com um projeto em construção e fomos pensando juntos a narrativa, que saiu de uma websérie e se tornou o atual projeto, um longa-metragem. Segundo, seus feedbacks são sempre incríveis e pontuais, valorizando vozes e perspectivas diferentes à trama. Muito obrigado por tudo e principalmente por ter me estendido a mão.

Aos meus amigos de longe, Diego Gonçalves e Fátima Rodrigues: vocês conseguem me reerguer com o positivismo e entusiasmo que cada um tem à sua maneira. Obrigado por tudo e pelas oportunidades que ambos me proporcionam, mesmo a quilômetros de distância. Saber que tenho apoio, nesses últimos tempos, de pessoas na outra parte do país me empolga a seguir novos caminhos.

Por último, mas não menos importante (na verdade, a melhor parte disso tudo), minha mãe e minha família. Mãe tem sido meu alicerce desde que me entendo por gente e nenhuma palavra é suficiente para descrever a importância dela pra mim; mãe torce e vibra, chora às escondidas. Minhas tias Márcia e Marne são outras figuras que me incentivam a ir além e sonhar cada vez mais alto! É bom saber que não sonho sozinho; a emoção de vocês a cada conquista minha é tão foda! À minha irmã e à minha Tetê, o amor que sinto é tão grande que não caberia numa tese de doutorado. Apenas cresçam como mãe e filha; se aventurem assim como eu. Minha vida está rodeada de mulheres incríveis e é hora de falar sobre elas, sobre a luta delas e principalmente sobre os medos e angústias. O ferro oxida em algum tempo, apesar da resistência.

Toda vez que cogito desistir, penso em todos vocês. Obrigado por me acompanharem esse tempo todo; ainda tem mais coisas por vir!

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“Eu fiquei grávida num domingo de manhã [...] Matheus me pegou pelo braço e disse que me fazia a pessoa mais feliz do mundo”

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RESUMO

Este trabalho apresenta a descrição e análise do processo criativo do roteiro de longa-metragem Alento, considerando a trajetória de maturação e mudanças da narrativa. Objetiva mostrar a importância do processo criativo na construção de uma obra audiovisual tanto no que concerne o crescimento da trama quanto no tocante à autoanálise e o conhecimento artístico, ao pensar os métodos de trabalho utilizados durante o desenvolvimento do roteiro. O processo de criação baseou-se em teorias da narrativa, propostas por vários autores desde o filósofo grego Aristóteles passando pelo paradigma do Sequence Approach do roteirista Frank Daniel e repensado pelo teórico Paul Joseph Gulino (2004), para a compreensão de como construir uma história ficcional de forma crível e respeitando a estrutura clássica do cinema. Neste trabalho, também estão inclusas e discutidas as principais etapas de criação: a construção de personagens, o mundo diegético, a composição do moodboard e o detalhamento mais aprofundado do projeto audiovisual, com o argumento e a escaleta do roteiro.

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ABSTRACT

This final assignment presents a description and na analysis of the creative process of makings of a feature film screenplay Alento, considering the trajectory of maturation and narrative changes. The work aims to show the importance of creative process in the construction of a screenplay as in its development, self-analysis and author's artistic knowlegde, thinking about the methods used during the script development. The creative process relates to narrative theories, since greek philosopher Aristoteles’ theories and to the Sequence Approach paradigm proposed by screenwriter Frank Daniel, and reread by theoretical Paul Joseph Gulino (2004), to understand how to structure a fictional story on a classical narrative cinema. In this work, the main creative steps are included and discussed, such as characthers construction, diegetic world, moodboard composition and the film project, with its argument and its script scalette.

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Figuras 1 – Sonho de Deriva (2013), de Gabriel Mascaro...25

Figura 2 – Sonho de Deriva (2013), de Gabriel Mascaro...25

Figuras 3 - Reforma (2018), de Gabriel Mascaro...26

Figuras 4 - Invisível (2017), de Pablo Giorgelli...26

Figuras 5 – Aos Teus Olhos (2017), de Carolina Jabor...26

Figuras 6 – Aos Teus Olhos (2017), de Carolina Jabor...26

Figura 7 – O Delírio é a Redenção dos Aflitos (2016), de Fellipe Fernandes...27

Figura 8 – O Som ao Redor (2012), de Kléber Mendonça Filho...27

Figura 9 – É Proibido Fumar (2009), de Anna Muylaert...27

Figuras 10 – Era uma vez eu, Veronica (2012), de Marcelo Gomes...27

Figura 11 – Era uma vez eu, Veronica (2012), de Marcelo Gomes...27

Figura 12 – Estrutura dos Três Atos...37

Figura 13 – Paradigma de Syd Field...38

Figura 14 – Paradigma de Syd Field...38

Figura 15 – Gráfico da Jornada do Herói...40

Figura 16 – Estrutura da Jornada do Herói...40

Figura 17 – Paradigma do Sequence Approach...45

Figura 18 – Estrutura do Sequence Approach...67

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...12

1. PROCESSO CRIATIVO DE ALENTO...17

1.1. O ENREDO DE ALENTO...18

1.2. A GÊNESE DE ALENTO...20

1.3. REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS E LITERÁRIAS...24

1.4. MOODBOARD...26

1.5. PERSONAGENS...27

1.6. PERFIL DOS PERSONAGENS...33

1.7. UNIVERSO DE ALENTO...35

2. CONSTRUÇÃO NARRATIVA...37

2.1. NARRATIVA CLÁSSICA E OS TRÊS ATOS...38

2.2. JORNADA DO HERÓI...41

2.2.1. FASES DA JORNADA DO HERÓI...43

2.3. SEQUENCE APPROACH...45 2.4. A ESTRUTURA EM ALENTO...48 3. PROJETO...50 3.1. DESCRIÇÃO DO PROJETO...50 3.2. PÚBLICO ALVO...50 3.3. LOGLINE...50 3.4. SINOPSE...50 3.5. ARGUMENTO...51 3.6. ESCALETA...55 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...62 REFERÊNCIAS ...63 APÊNDICES...65

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa em audiovisual é um trabalho teórico-prático que objetivou a produção, descrição e análise do processo de criação do roteiro de longa-metragem Alento. A intenção do trabalho é ressaltar a importância do processo criativo para o conhecimento do projeto artístico, além de ajudar na análise crítica da obra. O trabalho, apesar de tratar sobre o roteiro, apresenta apenas as etapas anteriores à escrita do roteiro: argumento e escaleta. Como arcabouço para a pesquisa de caráter descritivo-analítica, utilizei na produção e na descrição as teorias de Aristóteles, Robert McKe, Joseph Campbell, Christopher Vogler, Syd Field e Doc Comparato. A narrativa de Alento é sobre uma mulher de vinte e três anos grávida que, depois de descobrir que é portadora de HIV e seu parceiro a abandonar, decide que quer abortar e precisa de dinheiro para realizar o procedimento ilegal.

A maneira como uma narrativa fílmica é pensada e concebida difere de autor para autor. A forma como se planeja os rumos narrativos de uma trama parte de anseios subjetivos do criador, do ethos incutido na organização das cenas, que, em seu conjunto, transforma-se em uma unidade definida como história. Anna Muylaert, diretora e roteirista de Que Horas

Ela Volta? (2015), em seu curso de Roteiro Cinematográfico, aborda a questão da

complexidade do ofício do roteirista ao lembrar que, a cada novo projeto, o criador está de novo diante do desconhecido.

Na busca de compreender as narrativas ainda na Grécia Antiga, Aristóteles (2004) teorizou o primeiro escrito sobre histórias ficcionais baseado em epopeias, tragédias e comédias, A Poética. Para o filósofo, antes de qualquer coisa, é intrínseco ao homem reproduzir a mimese – em termos atuais, imitar – desde a tenra idade, pois o homem é o que mais tem condições de imitar e é “pela imitação que se adquire os seus primeiros conhecimentos” (p. 42). A mimese existe com três diferenças: o meio possibilita distinguir ao mesmo tempo o ritmo, o canto e o verso; o objeto permite que os gêneros sejam classificados; e o modo como se imita cada um destes objetos, seja através de narrativa ou atuação.

Aristóteles ainda fundamentou a estrutura básica dos enredos dramáticos, considerando que todos eles possuem um “nó” e um “desenlace”, uma ideia rudimentar do que hoje é compreendido como os atos I, II e III. O “nó” seria do início da trama até o ponto de mudança, seja positivo ou negativo; o “desenlace” partiria desse momento até a finalização. Desde aquele tempo, sabia-se que as narrativas deveriam ter pontos delimitados para determinar quais eventos serviriam para abrir, desenvolver e fechar uma história.

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Essa divisão em três atos, entretanto, foi proposta por Syd Field, no livro Manual do

Roteiro (2001), e sua função é apresentar os personagens e toda a sua história. Entre os atos,

há os pontos de virada ou plot twists, que são as mudanças bruscas no caminho do personagem protagonista que alteram o foco da narrativa e têm por intenção manter o espectador interessado na trama. Dessa forma, os atos são os meios utilizados para delimitar o início, o meio e o fim da construção dramática, apresentando respectivamente os personagens e a história, as dificuldades que surgirão à trama do personagem, e a finalização de todos os problemas para alcançar a conclusão satisfatória.

Ao contrário de Aristóteles, que considerava a trama mais importante que o personagem, Joseph Campbell, em O Herói de Mil Faces (2007), afirma que a história de um herói é sempre uma jornada: ele abandona seu ambiente comum e confortável para se lançar em um mundo desconhecido, sem saber as consequências que a sua trajetória pode lhe trazer. Dentro da estrutura dos três atos, o autor identificou os estágios de A Aventura do Herói (ou A

Jornada do Herói), somando-se dezenove, dentre os quais estão o Chamado à Aventura, Travessia do Primeiro Limiar, Caminho de Provas e Liberdade Para Viver.

O mito do herói se constrói a partir desses estágios e Campbell constatou isso a partir do momento em que, estudando os mitos universais, descobriu que todos eles têm histórias parecidas, recontadas em variações ilimitadas. Apesar da evolução humana, a Aventura do Herói continua com a mesma base narrativa, visto que, de acordo com o roteirista Christopher Vogler, esse conceito de jornada é um conjunto de elementos que emerge da mente humana, podendo diferir em detalhes de cultura para cultura, mas fundamentalmente o mesmo. Os estágios da trama reforçam e alicerçam a ideia de que “o herói cresce e se transforma, empreendendo uma jornada de um modo de ser para o outro: do desespero à esperança, da fraqueza à força, da tolice à sabedoria, do amor ao ódio e vice-versa" (VOGLER, 2015, p. 45)

Em A Jornada do Escritor, Vogler retrata o esquema narrativo proposto por Campbell de outra maneira, mais simplificado. Ao invés de dezenove estágios, ele categorizou, entre os três atos dramáticos, doze estágios que iniciam no Mundo Comum, início do Primeiro Ato, e caminham até a etapa Retorno com o Elixir, que finaliza a história no Terceiro Ato. Essa estrutura evidencia que o protagonista de toda história é o herói de uma trama. Ao contrário do que se possa pensar, as escalas da Jornada surgem de maneira involuntária e naturalmente, ainda que o escritor/roteirista não tenha consciência delas.

Narrativas clássicas trazem a Jornada do Herói como conceito e forma de contar suas histórias; portanto, contam com recursos que produzem sentimentos universais e recorrem à

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fonte universal do inconsciente compartilhado e refletem questões universais, tais como: quem sou? O que faço agora? O que estou fazendo é o bem ou o mal? Dessa forma, as narrativas clássicas alcançam uma quantidade maior de pessoas, haja vista que se torna mais fácil de se identificar com os personagens através da empatia, das ações e escolhas deles.

Estruturar a trajetória de um personagem requer tempo e estratégia de como a história será costurada de forma que as principais informações estejam contidas nas cenas. Robert McKee (2006), no livro Story: Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de

Roteiro, classifica a estrutura narrativa como sendo uma seleção de eventos da vida do

personagem, “composta em uma sequência estratégica para estimular emoções específicas, e para expressar um ponto de vista específico” (p. 45), aquilo que molda a personalidade e justifica a ação dele através do conflito. É a partir de determinados eventos que mudanças significativas forçam o personagem a enfrentar problemas e agregam valores à história; um modo de perceber e expressar o mundo do criador. McKee afirma que os valores da história podem significar qualidades universais da experiência humana, que se polarizam do positivo ao negativo constantemente.

No presente Trabalho de Conclusão de Curso, a narrativa tece os dilemas morais e psicológicos de uma jovem de vinte e três anos que está prestes a abortar, após ser abandonada pelo namorado e descobrir que está com HIV contraído por meio do parceiro. Além dos embates internos, há o externo: a impossibilidade de realizar um aborto faz com que a protagonista recorra à clandestinidade. Lidei, enquanto criador e roteirista da história, com conflitos que permeiam a imoralidade e subvertem o papel materno e, por conseguinte, o instinto materno; contudo, os valores universais da história estão presentes desde a primeira cena. Questões como amor, aceitação, esperança e desesperança se alinham nas curvas narrativas porque, embora tabus sociais estejam sendo discutidos, o desejo da personagem é apenas um: ser amada. Independentemente das escolhas dela.

A escrita de um roteiro, em conformidade com Syd Field (2001), é um processo passo a passo, no qual, primeiro, busca-se ou se encontra um tema. Em seguida, estrutura-se a ideia para, então, definir os personagens que comporão a narrativa. Por último, mas não menos importante, é importante pesquisa para o assunto abordado, pois, de acordo com McKee, é a única maneira de não se perder e não elaborar a história com clichês, que nada mais são do que a falta de conhecimento acerca do mundo de sua história.

O processo criativo do roteiro de longa-metragem Alento seguiu os conceitos da narrativa clássica. Assim sendo, a construção dos arcos narrativos e o modo como os atos

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começam e finalizam foram pensados mediante os estudos acerca e respeitando as teorias narrativas. O método de criação que mais se aproxima do processo criativo de Alento é o proposto pelo roteirista Doc Comparato (2009) que considera seis etapas para a composição de uma história.

Comparato discute a importância da organização narrativa na elaboração de um roteiro e qualifica cada uma das etapas. A começar pela ideia, ele suscita a importância do ethos e da necessidade de relatar um acontecimento que provoca o roteirista; depois, o conflito que deve estar presente na storyline, que contém em poucas linhas o resumo do plot da narrativa; a construção dos personagens; o desenvolvimento da ação dramática, entendida como a maneira através da qual o conflito será contado por meio da estrutura narrativa; a definição do

tempo dramático, que consiste em esquematizar como cada cena terá o seu tempo e sua

função dramática; e a última etapa é a unidade dramática, a escrita das cenas.

Apesar de serem apresentadas brevemente as teorias adotadas durante o processo criativo, ressalto que não há um tutorial de como pensar e escrever uma história. Tampouco este trabalho deve ser encarado enquanto um. A criatividade, como o termo subentende, é humana e tão logo subjetiva. Conforme dito anteriormente, nenhum processo criativo é igual ao outro, porém as principais etapas na construção de uma narrativa são sempre as mesmas. Por mais que as ideias de Aristóteles pareçam antigas ou óbvias, elas continuam sedimentando a maioria das estruturas ficcionais. É necessário aprender conceitos básicos da narrativa clássica para conseguir subvertê-la. Por isso, me propus a acompanhar o meu próprio processo criativo e expô-lo, levando em consideração as etapas principais e fundamentais na produção da história do roteiro de Alento. A relação obra e desenvolvimento alicerça o processo de produção como parte primordial no percurso de concepção e entendimento da obra.

O criador lança em sua obra valores e questionamentos que despertam o seu interesse, mas também emprega nela suas próprias experiências. Foi na tentativa de enxergar e me colocar em uma posição de gênero diferente da minha que iniciei a escrita de Alento. Pela primeira vez, tive que me posicionar e ser empático quanto às questões do aborto e do HIV para compor uma trama que soasse verosímil. Foi um desafio não apenas por ser do gênero masculino e estar falando sobre problemas de mulheres, mas principalmente porque as temáticas abordadas – HIV e aborto – são delicadas. Quanto à narrativa, cada decisão tomada partiu da minha necessidade de colocar em xeque problemas velados por princípios, antes morais, religiosos e que, por infelicidade, põem em risco a vida de muitas mulheres. A busca

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por compreender os personagens e seus anseios foi, na verdade, um reflexo e uma autocrítica, tanto que traços particulares estão presentes nos perfis dos personagens.

Este Trabalho de Conclusão de Curso está divido em quatro partes. A primeira intitulada Processo Criativo de Alento traz as principais fases de criação do longa-metragem, desde sua gênese até os rascunhos do roteiro de curta-metragem, passando por entrevistas realizadas com pessoas portadoras de HIV e a primeira tentativa de produzir uma escaleta; esta parte está dividida em sete seções que descrevem e analisam cada etapa de criação dessa narrativa. A segunda parte se constitui do detalhamento da estrutura dramática e é nomeada de

Construção Narrativa de Alento. Nela, trago maiores explicações sobre como estruturei a

história, definindo os pontos de virada entre os atos, os beats das cenas, a divisão de cenas entre as sequências e a escaleta do roteiro do longa-metragem. Mesmo que não tenha utilizado a Jornada do Herói em um primeiro momento por não conhecer as etapas e suas definiões o suficiente, tracei, durante os estudos, as seções e dividi as partes nas quais Alento se encaixa, tal qual os arquétipos dos personagens da narrativa.

Na terceira parte, intitulada Projeto, entrego os elementos que antecedem a escrita do roteiro: storyline, sinopse, argumento e perfis de personagem. Faço também uma breve revisão do desenvolvimento deste trabalho, analisando como os estudos narrativos me ajudaram a contar esta história, além de apontar para possíveis desdobramentos com o projeto, uma vez que, por ora, está formatado tanto para longa quanto para curta-metragem e websérie – a transmídia. As Considerações Finais são a última parte deste Trabalho de Conclusão de Curso, na qual analiso toda a trajetória de criação e a importância do projeto.

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1. PROCESSO CRIATIVO DE ALENTO

Como se reage ao descobrir que está com HIV? Foi essa a premissa da minha história.

Durante os últimos anos, vi muito material audiovisual, tanto ficcional quanto documental, retratando a questão do vírus e esse breve arcabouço serviu, até certo ponto, para o desenvolvimento dessa narrativa. Eu não sabia muito bem, entretanto, que trama queria contar, quais os personagens, seus anseios e medos, costurariam uma boa história – e que, de preferência, saísse do clichê. Conforme a hesitação continuava persistindo na minha mente, a problemática do aborto convergiu para os primeiros rascunhos da narrativa, mas o protagonismo mudou de gênero: de um homem gay portador de HIV, a narrativa passou a ser de uma mulher hétero, grávida, em um relacionamento monogâmico que contrai HIV do parceiro e não quer ter mais a criança. Quando notei que tinha um potente conflito, sabia que teria de contar pela primeira vez a história de uma mulher.

Antes de se tornar um projeto de longa-metragem, Alento passou por inúmeras modificações, tanto na narrativa quanto no formato, que implicaram em constantes mudanças na estrutura dramática aplicada à cada fase durante o seu desenvolvimento. O que fora pensado como uma websérie, passou a ser um curta e tomou forma de longa-metragem. O pré-projeto do TCC, apresentado há um ano, era sobre a construção narrativa da websérie, não de um filme com minutagem acima de oitenta minutos. Essas alterações ocorreram porque percebi que havia uma demanda maior de tempo para contar a história e a maneira como ela passou a ser contada, através da narrativa clássica, condizia com a estrutura de um filme. A história da grávida portadora de HIV se tornou algo muito maior do que o planejado.

A partir do momento em que percebi que a narrativa não seria mais seriada e curta, o meu processo criativo fluiu com mais facilidade e minha pesquisa (entrevistas com portadores e consultas com médicos) poderia ser melhor desenvolvida dentro de um único arco narrativo dividido em três atos. Uma das minhas preocupações, a princípio, era com o desenvolvimento dos personagens e seus respectivos aprofundamentos, pois, tais como Campbell e Vogler, considero a personagem como peça central para a trama. Isadora, protagonista de Alento, me fez enxergar a questão do aborto com outro olhar e, ao mesmo tempo, permitiu que eu imprimisse nela minhas inquietações sobre o assunto.

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Contudo, as estruturas narrativas anteriores à do longa-metragem – tanto do roteiro de curta-metragem quanto do argumento de websérie – foram preservadas. É importante observar de onde a história surgiu e para onde ela está indo, o quanto de mudanças aconteceu e como as personagens se transformaram à medida em que novas pesquisas acerca das problemáticas foram sendo descobertas. Os escritos mais antigos serviram para me orientar sobre qual tipo de história eu queria contar desde o início e pude reaproveitar cenas que, embora mais curtas, continham o cerne das motivações pelas quais elas existiam. Os arquivos do roteiro e escaleta do curta assim como o argumento da websérie encontram-se nos apêndices, ao final deste trabalho.

1.1 - O ENREDO DE ALENTO

Alento é um roteiro dramático de longa-metragem que narra a trajetória de uma mulher

de vinte e três anos grávida e sua busca por realizar um aborto, procedimento ilegal no Brasil que coloca em risco iminente vidas femininas todos os anos. Ao mesmo tempo em que encara a questão do aborto como a única opção viável para a sua situação, Isadora, a protagonista, lida com outro problema: a contaminação com vírus HIV. Ela foi abandonada pelo namorado, Miguel, da noite para o dia, sem motivo aparente, e tem de arcar, sozinha, com uma gravidez indesejada e com o fato de ser soropositiva. A concepção da trama, o desenvolvimento da narrativa e escrita do projeto ficaram sob minha responsabilidade como criador solo.

Escolhi Alento para ser meu projeto de investigação e criação por motivos que transcendem a necessidade de discutir questões sociais pertinentes; começou com uma ânsia interna. O ímpeto, na verdade, ocorreu a partir de uma experiência pessoal no tocante do HIV e, logo em seguida, ao ser anunciado que o Rio Grande do Norte foi o Estado do Nordeste com maior taxa de contágio do vírus – os casos duplicaram entre 2014 e 20161. Havia, dessa

maneira, o subjetivo e o externo influenciando a concepção narrativa. O que estava

acontecendo para haver tanta infecção? Falta de informação? Descuido pessoal? Se fosse, por que isso acontecia? Confiança no parceiro, talvez? Eram algumas das questões que

povoavam minha mente no final de 2017. Uma indagação desencadeava a outra.

Embora a trama tenha sido pensada, no primeiro momento, com a problemática do HIV, durante as pesquisas acabei por encontrar um campo maior e mais delicado, o do aborto. 1 Infecções por HIV duplicaram no RN. Fonte: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/infeca-a-es-por-hiv-duplicaram-no-rn/420218> acessado no dia 28/11/2019.

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A história que até então lidaria apenas com HIV, bifurcou o caminho para tratar de um outro tabu social que, ao contrário do vírus, não contabiliza o número de mulheres mortas por complicações pós-operatórias. Todavia, há uma estimativa oficial do Governo Federal no qual o aborto clandestino deixa ao menos quatro mulheres sem vida por dia.2 A inquietação devido

às duas problemáticas fez emergir a narrativa de uma jovem grávida de quase três meses que decide abortar, depois de ser abandonada pelo namorado, com quem fugiu de uma cidade interiorana para Natal. Na história, a protagonista Isadora conta com o apoio de Marta, uma mulher que já abortou, e do amigo Gustavo, uma drag queen, que a acompanha durante sua jornada. A jovem também revisita o conturbado relacionamento com a mãe, Lúcia, que nunca quis ter filhos. Isadora é inserida em um grupo de conversa no Whatsapp que comercializa comprimidos abortivos e tem que conseguir dinheiro para comprá-los.

A história objetiva levar o espectador a pensar na questão do aborto não como uma condenação e sim como uma saída para algumas mulheres que, por suas devidas e particulares razões, não querem ter um filho. Na narrativa, Isadora considera a prático do aborto por muitos motivos, mas é somente após descobrir que é portadora do HIV que o desejo sai do campo das ideias e começa a ser executado.

Durante a sua jornada, Isadora enfrenta problemas de ordens morais e sociais, os quais me despertaram interesse há muito e compuseram, desde a gênese da trama, o que a história se tornou. Questionamentos acerca da maternidade, de ordem moral – como dar à luz a um

bebê que não é amado?; uma mãe deve necessariamente amar o filho?; quão perigosa e danosa é a relação filho ↔ mãe? –, permeiam os meandros desde o início do roteiro e

finalizam com uma resposta: embora o amor nos seja negado, sempre buscamos ser amados. Outra hesitação, dessa vez de cunho social, é ao que se refere à falta de assistência ao aborto pelo próprio Estado: como pode o Governo querer garantir o direito à vida quando

não há garantia da continuação dela? Como é possível fechar os olhos para uma prática tão cruel e letal quanto o aborto se a proibição não impede que mulheres continuem realizando o procedimento? O tabu social quanto ao assunto do aborto não é apenas sobre a legalização,

mas a descriminalização e regulamentação da prática a fim de evitar mais mortes pela negligência da saúde pública. Dessa forma, Alento traz em sua narrativa questões pertinentes e coloca em xeque a maneira como ambos os assuntos, aborto e HIV, são tratados e vistos.

2 Diariamente, 4 mulheres morrem nos hospitais por complicações de aborto. Fonte: <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,diariamente-4-mulheres-morrem-nos-hospitais-por-complicacoes-do-aborto,10000095281> acessado dia 28/11/2019.

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Abaixo, a sinopse do longa-metragem:

Isadora não está feliz com a gravidez. Ela e o namorado Miguel estão em dissonância no relacionamento, mas nunca falaram sobre o bebê que está por vir. A jovem se vê sozinha quando ele a abandona do dia para a noite, sem explicação alguma. Contudo, Isadora enfrenta o seu pior pesadelo ao descobrir que está contaminada com HIV e tem certeza que Miguel a deixou porque a infectou. Nesta reviravolta, ela deve decidir se vai continuar com a gravidez indesejada, ao entrar em um grupo de WhatsApp que comercializa medicamentos abortivos, além de lidar com uma doença inesperada.

1.2 A GÊNESE DE ALENTO

Descrever o processo de criação de uma narrativa vai além do limite da explicação dos meios e técnicas utilizados. É preciso muito estudo, tempo e dedicação para amarrar uma ponta à outra da história e mais ainda para colocá-la, de forma concisa, no papel. Pretendo demonstrar as principais decisões tomadas para a construção dessa narrativa através das abordagens pelas quais optei e passei, desde entrevistas até referenciais que tive contato no período de desenvolvimento. Para ressaltar, a importância e o objetivo dessa pesquisa é mostrar os caminhos pelos quais percorri para produzir o argumento e a escaleta do roteiro de longa-metragem Alento. Após a ideia e a trama surgirem, a busca pelo material mais adequado para servir de base à narrativa se inicia para, só então, a história começar a tomar forma.

O plot3 de Alento gira em torno da realização ou não do aborto pela protagonista, se

ela vai conseguir o que deseja e, se sim, como e por quê. Uma vez que o ato de abortar é uma prática clandestina no Brasil, pensei em como desenvolver o contato de Isadora com o tratamento abortivo e recorri a pesquisas que me levaram a uma reportagem da BBC Brasil sobre grupos no Whatsapp, compostos unicamente por mulheres, com a finalidade de comercializar comprimidos para determinado fim.

Procurei mais informações acerca da comercialização de medicamentos abortivos via WhatsApp, até então desconhecida para mim, e como essas mulheres conseguiam ser adicionadas nesses chats. Embora os casos relatados na matéria fossem distintos, todos eles se iniciavam de forma semelhante: uma amiga ou conhecida passava um número, de forma 3 De acordo com o escritor E. M. Forster (2010), o conceito de plot é uma série a sequência de acontecimentos selecionados que farão a narrativa prosseguir; um desencadeamento dos fatos que levam o ponto A da história se mover para o ponto B e assim sucessivamente. No Brasil, conhecemos o plot como trama.

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confidencial, para a gestante. Neste grupo específico, as administradoras eram mulheres que já haviam feito aborto antes e orientavam como o uso do medicamento deveria ser realizado, por meio de um arquivo em PDF. Os valores dos comprimidos, entretanto, eram altos – em torno de R$ 900 e R$ 1.500 – e a idade das mulheres variava: havia garotas com 16 anos e mulheres com mais de 35.

Diferente da ideia de aborto que eu tinha ao iniciar o projeto, convencionado única e estritamente às clínicas clandestinas, este espaço online de comercialização me chamou atenção por não ser convencional e ser ainda mais recluso – e privado. Ao contrário de uma clínica clandestina e métodos letais e infecciosos, há um lugar colaborativo e solidário; uma mulher apoiando a outra no ambiente virtual. Desse local de apoio, surgiu uma personagem que acompanha, à distância, a trajetória de Isadora após a inserção dela no grupo: Marta. Contudo, enquanto pesquisador do gênero masculino, não obtive êxito em descobrir mais sobre os grupos voltados para aborto aqui em Natal, embora tenha tido contato com a Frente Nacional Pela Legalização do Aborto. Tive, entretanto, contato com uma pessoa que faz parte de um desses chats e recebi poucas informações; a integrante leu o argumento em umas das últimas versões. Recebidos os feedbacks, decidi me concentrar e ancorar o universo de Alento em matérias, reportagens, artigos e outras mídias que dialogassem com a questão do aborto.

No início do desenvolvimento, a ideia do aborto estava tão associada à clínica clandestina, que Isadora recorreria a uma para realizar o procedimento – tanto no argumento da websérie quanto no roteiro do curta-metragem este elemento estava presente. O conhecimento sobre os grupos online me ajudou a compreender ainda mais esse universo ilegal do aborto e como ele é articulado e organizado. A rede de apoio entre mulheres, de fato, existe nesses grupos e isso faz com que elas se sintam mais acolhidas e busquem sanar dúvidas. Várias delas passam a compartilhar, por meio de mensagens ou áudios, suas experiências e auxiliam aquelas que ainda vão passar pelo procedimento. Algumas mulheres, na matéria da BBC Brasil, defendem que o aborto não deve ser usado como método contraceptivo tampouco pode ser utilizado de forma banal. Ratificam, inclusive, o direito de ter autonomia do próprio corpo.

Enquanto a questão do aborto foi tomando forma e espaço dentro da narrativa, o HIV continuou como uma inquietação pessoal. Como relatado anteriormente, Alento seria unicamente sobre o vírus e a trama giraria em torno de um rapaz infectado pelo namorado e abandonado logo em seguida. A premissa desta primeira narrativa e a atual é quase a mesma, diferindo os gêneros dos protagonistas e a inclusão do tema aborto. A necessidade de falar

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sobre o HIV partiu após uma experiência pessoal e de uma matéria publicada pela Tribuna do Norte, no dia 03 de Agosto de 2018, intitulada Infecções por HIV duplicaram no RN.

Em um primeiro momento, a ideia que eu tinha do vírus era da morte iminente; tampouco eu sabia a diferença entre HIV e AIDS. A experiência de ter suspeitado da contaminação me fez olhar para o pavor que antecede a abertura do teste e para o alívio do resultado negativo, porém, incutiu em mim a vontade de saber como seria se o resultado tivesse sido positivo. Ao contrário dos anos 1980, hoje, depois de mais de trinta anos, é possível viver com o vírus, não desenvolver a doença e não contaminar o parceiro. Partindo deste ponto, pensei em uma história que possuísse o HIV como background e comecei a pesquisa por meio de matérias jornalísticas, depoimentos e filmes/séries.

Matéria divulgada em agosto de 2018 trazia dados do Sistema Único de Saúde (SUS) que revelavam que as descobertas de infecções por HIV duplicaram entre os anos de 2014 e 2016.4 Nesses mesmos três anos, a AIDS, doença desencadeada pelo alto estágio do HIV, matou mais de 300 pessoas, no Estado. Poucos meses depois, o Ministério da Saúde tornou público a informação que as mortes por AIDS cresceram 208%5 em dez anos no Rio Grande do Norte6.

Embora não seja uma epidemia, torna-se evidente que o HIV está se tornando cada vez mais presente e infectando pessoas. Então, como instrumento para falar sobre essa enfermidade, comecei a traçar uma narrativa que debatesse questões tais como a infecção em si, a confiança no parceiro durante o ato sexual e a descoberta de ser soropositivo, em uma tentativa de descortinar o preconceito que ainda persiste e existe quanto ao HIV

Sabendo que queria discutir acerca do HIV, busquei, além das matérias e dados estatísticos, o material humano. Recorri à Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP) estadual e à Associação Vidas Positivas (AVIP) para dialogar com pessoas soropositivas. Foi nesse ponto do desenvolvimento do Projeto que a problemática do aborto entrou na narrativa, pois encontrei depoimentos de mulheres soropositivas que fizeram aborto após descobrirem o vírus, ao mesmo tempo em que descobri a matéria da BCC Brasil sobre os grupos de Whatsapp para comercialização de medicamentos abortivos. A partir deste

4 Matéria intitulada Infecções por HIV duplicaram no RN, do jornal Tribuna do Norte.

5 Morte por aids crescem 208% no Rio Grande do Norte. Fonte: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2018/11/27/mortes-por-aids-crescem-208-no-rio-grande-do-norte-em-10-anos.ghtml> acessado dia 28/11/2019.

6 Segundo a ONU, houve um aumento de 21% no número de infecções pelo HIV no ano de 2018. Nas últimas décadas, o número de pessoas infectadas também saltou 700%, entre 2007 e 2017; especialistas dizem que esse resultado é reflexo do ‘moralismo’ e dos setores conservadores.

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momento, priorizei ouvir mulheres portadoras do vírus HIV porque a trama exigia isso, uma vez que o protagonismo passou a ser de uma jovem chamada Isadora.

Nessa fase de entrevistas para desenvolvimento de Alento, contei com a participação de três pessoas7: Ivanice, 54 anos; Tereza, 34 anos; e Anderson, de 23 anos. As reuniões

começaram em agosto de 2018 com a entrevista de Ivanice. A conversa, gravada no celular, durou mais de uma hora e ela discorreu sobre a vida antes e depois do HIV, já mãe de um garoto, nos anos 1990, e qual o seu procedimento de tratamento do vírus desde então. Ela iniciou falando que nunca assumiu publicamente ser soropositiva, embora muitas pessoas saibam, e disse o quão complicado é viver com o HIV por causa do preconceito. Na questão do sexo, Ivanice colocou para si a responsabilidade de prevenir as outras pessoas, que, segundo ela, “não estão nem aí”.

Durante a conversa, ela ainda revelou que não toma remédios desde que descobriu e nunca passou por dificuldades de saúde por causa disso – pelo contrário, afirma que está bem porque nunca os utilizou –, contrariando o próprio médico, que faz o acompanhamento mensal. O contágio de Ivanice ocorreu através do parceiro com quem esteve por mais de um ano. No relato, ela confessou que o parceiro teve uma série de problemas enquanto esteve com ela, como tumor na cabeça e sangramento pelo ânus; a desconfiança surgiu a partir desses sintomas. As relações amorosas de Ivanice, como é de se esperar, foram oscilantes: havia aqueles que a acolhiam e outros que não sabiam como reagir. Ela, no final de um dos encontros, declarou que realizou abortos em clínicas clandestinas antes de ser soropositiva e descreveu os lugares como horríveis e com “cheiro de morte”.

Tereza, por sua vez, contraiu HIV durante a gravidez. Ela tem um filho, com quase oito anos, que é fruto do antigo relacionamento pelo qual contraiu o vírus. Ao contrário de Ivanice, ela não optou por abortar a criança e seguiu com os tratamentos do pré-natal enquanto esteve grávida. Atualmente, ela está casada com outro homem que sabe do HIV e não foi infectado. Nossos encontros foram poucos, uma vez que ela preferiu não falar muito sobre a condição de portadora do HIV.

A última entrevista realizada teve um rapaz como personagem. Decidi convidá-lo para uma conversa porque Anderson fez uma live em uma rede social para falar publicamente que tinha descoberto o HIV. De maneira oposta às duas mulheres que preferiram não falar publicamente sobre vírus, ele optou por abrir a discussão acerca de ter se tornado soropositivo para pedir apoio. No decorrer da conversa, ele falou da dificuldade que foi aceitar o HIV e 7 Por opção, optei por colocar pseudônimos para preservar a identidade das pessoas entrevistadas.

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admite não ter se cuidado o suficiente durante o sexo. Anderson está, há quase quatro meses, tendo acompanhamento psicológico e tomando os coquetéis recomendados pelo médico que o assiste.

A base narrativa de Alento se constituiu mediante e a partir de uma pesquisa que objetivou unir histórias reais e coletar dados de órgãos responsáveis – estatísticas e pesquisas – tanto pelo HIV quanto pelo aborto que embasassem o Projeto. Na história, ao passo em que lida com a questão do HIV, Isadora encara obstáculos para realizar o aborto. O perfil da protagonista foi sendo construído à medida em que tive contato com essas três pessoas no que se refere à sua personalidade bem como às suas escolhas no decorrer dos atos.

Para efeito de comparação entre as histórias reais e a ficcional, Ivanice descobriu o contágio enquanto se relacionava com um homem e realizou abortos; Tereza teve o filho mesmo sendo soropositiva e deixou o companheiro que a infectou; Anderson fez uma transmissão ao vivo para quem quisesse assistir para falar abertamente do HIV. Isadora, considerando as trajetórias dessas três pessoas, está grávida e foi infectada pelo parceiro, então, decide abortar e revela através de uma live que é soropositiva e abortou.

1.3 – REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS E LITERÁRIAS

O processo criativo de Alento contou também com o background midiático que se fez necessário principalmente por ser um projeto audiovisual. Uma vez que narrativas tomam outras como referências para construir o seu repertório, assisti a filmes e seriados que pudessem, de alguma forma, contribuir para a história que eu estava criando, uma base tanto para estudar a estrutura narrativa quanto a construção de personagens. Isadora, como dito anteriormente, é a primeira protagonista que criei e escrevi; então, o desafio era compreender como as mulheres se comportavam em situações de abandono, de descoberta do HIV e em questões que envolvessem gravidez e aborto.

Antes mesmo de Alento se transformar na história de uma mulher, tive meu primeiro contato com o longa-metragem O Céu de Suely (2006), de Karim Aïnouz, no início da graduação. A narrativa ainda reverbera até hoje e, desde aquela primeira exibição, senti a necessidade de contar uma trama que fosse tão peculiar e singular quanto O Céu de Suely. Não porque era sobre uma personagem feminina, mas porque consegui enxergar simbolismos e subversões nos personagens – o ato de rifar o próprio corpo como uma escapatória para angariar fundos e sair da cidadezinha no interior do Ceará é o ponto máximo do desespero e da subversão, e a personagem Suely (Hermila Guedes) o faz. Suely não permite que nada

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atrapalhe o seu desejo de ir embora do interior, nem mesmo um rápido romance com o mototaxista João (João Miguel). No início da narrativa, mesmo com uma promessa que a encontraria no interior de onde ambos vieram, Suely é abandonada por Matheus, marido e pai de seu único filho, sem explicação alguma. Eles foram morar em São Paulo por alguns anos.

Assim como Suely, Isadora é deixada para trás pelo parceiro e muda o seu desejo a partir deste momento: no roteiro de Aïnouz, a personagem objetiva sair da cidade após perceber que o companheiro não vai mais encontrá-la; em Alento, a jovem quer abortar depois de ser abandonada, mas principalmente por descobrir que é soropositiva. Ambas as personagens, ao saberem que foram abandonadas, se resignam e procuram novas perspectivas para suas histórias; não lamentam de maneira exacerbada a perda do homem. Neste ponto, há outra subversão de valores: as mulheres não dependem do companheiro e não choram pela partida dele. Pelo contrário, utilizam isso como uma motivação para mudar o rumo do seu percurso. Parte da personalidade de Isadora foi inspirada em Suely porque foi uma das personagens com quem mais tive empatia; consegui entender as decisões e ações dela. Suely é uma mulher comedida nas emoções e, na maior parte da narrativa, pode ser interpretada como fria devido às escolhas traçadas ao longo de sua trajetória. Sobretudo porque ela é mãe.

Talvez a narrativa da qual Alento mais se aproxime em termos de trama seja a do filme argentino Insivível (2017), de Pablo Giorgelli. Em ambos, as protagonistas têm idades e condições financeiras parecidas e enfrentam o mesmo problema: querem abortar em um país onde qualquer procedimento ou método abortivo é proibido e não têm dinheiro para pagar o aborto. Ao contrário de Alento, a personagem de Giorgelli não continua com o procedimento assim que consegue o capital. Desse longa, entendi como uma mulher se articula para tentar abortar ilegalmente, aliado às pesquisas realizadas por meio das matérias da BBC Brasil. Além da articulação, foi interessante notar a construção da personagem Ely, de 17 anos: enquanto lida com a ideia do aborto, ela amadurece com a colaboração de outros agentes externos, tais como a saúde debilitada da mãe. A relação entre as duas se converge e muda o pensamento de Ely.

A HQ Pílulas Azuis, de Frederick Peeters, discute temas universais, como amor e morte, partindo de uma experiência autobiográfica do autor quando se apaixonou e se relacionou com uma mulher soropositiva. Embora haja poucas informações sobre o HIV, a trama, não estritamente informativa, mostra um outro lado da doença que é o estigma social trazido pelo vírus e o impacto que ser portador pode trazer para uma pessoa. A narrativa de

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será afetada, por exemplo, ou como enfrentar as dificuldades advindas com o HIV. Ao mesmo tempo que traz a insegurança de entrar em um relacionamento permeado de restrições e o medo da contaminação, suscita a culpa que o portador do vírus sente e o receio de infectar aquele que ele ama.

No início do Projeto, a ideia da morte iminente por conta do HIV ainda povoava minha mente uma vez que eu não conhecia o assunto e fui “ensinado” pelo social a temer os portadores como se fossem leprosos. Com a narrativa de Peeters, antes de começar as entrevistas com soropositivos, pude ampliar essa visão e entender que pessoas podem, e são capazes, de conviver com a doença sem infectar o outro, contanto que se cuidem. Sendo assim, Isadora passa a enxergar a condição de soropositiva não mais como maldição mas como uma forma de viver diferente. Essa mudança não ocorre de uma cena para a outra, mas apenas quando a personagem percebe que sobreviveu ao aborto, no início do Ato III; não há outra possibilidade para ela se não aceitar que é soropositiva e falar sobre a infecção.

1.4 – MOODBOARD

Moodboard é um painel de referências visuais que ilustram o conceito visual de um

projeto, um quadro que traduz as emoções e a ideia da obra. Este método de organização da linguagem visual implica na forma estética em que o projeto está inserido e evidencia as referências para a construção identitária da imagem do filme. Alento transita entre um código ora naturalista, ora realista em as suas resoluções estéticas ao propor um visual que funcione tanto como uma metáfora dos sentimentos de Isadora quanto como uma representação mais próxima da realidade em que a protagonista vive.

Figuras 1 e 2 – Sonho de Deriva (2013), de Gabriel Mascaro. Fonte:< https://pt.gabrielmascaro.com/SONHO-DE-DERIVA>

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Figuras 3 - Reforma (2018), de Gabriel Mascaro. Fonte: Ponte Produções

Figuras 4 - Invisível (2017), de Pablo Giorgelli. Fonte: Captura de tela

Figuras 5 – Aos Teus Olhos (2017), de Carolina Jabor. Fonte: Conspiração Filmes

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Figuras 6 e 7 – O Delírio é a Redenção dos Aflitos (2016), de Fellipe Fernandes. Fonte: Ponte Produções

Figura 8 – O Som ao Redor (2012), de Kléber Mendonça Filho. Fonte: Cinema Scópio

Figura 9 – É Proibido Fumar (2009), de Anna Muylaert. Fonte: Google Imagens

Figuras 10 e 11 – Era uma vez eu, Veronica (2012), de Marcelo Gomes. Fonte: REC Produtores

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1.5 – PERSONAGENS

Na Antiguidade, Aristóteles fez uma análise das narrativas gregas contadas e encenadas nos anfiteatros, considerando os gêneros comédia, epopeia e tragédia. O primeiro ensaio sobre estrutura narrativa, intitulado A Poética, proposto pelo filósofo, traz à luz o grau de importância que um personagem tem para a composição e desenvolvimento da trama; para Aristóteles, se fôssemos dar dois pesos, à trama e ao personagem, a narrativa seria primária e o personagem, secundário. Contudo, à medida que os estudos narrativos foram se refinando e se atualizando, não se pode mais falar de estrutura em detrimento do personagem, uma vez que estrutura é personagem e personagem é estrutura (MCKEE, 2006).

Um personagem e uma história são complementares; o personagem demanda uma narrativa porque tem uma “falha” para corrigir durante o arco dramático. A trajetória da história, dessa forma, gira em torno da personagem e da resolução da “falha”, da questão. A narrativa funciona devido à força-motriz que o personagem carrega, de forma intrínseca à sua construção, durante os estágios da história. De acordo com Robert McKee, pressão é essencial para que escolhas sejam feitas com risco, afinal “o verdadeiro personagem é revelado nas escolhas que um ser humano faz sob pressão – quanto maior a pressão, maior a revelação [..].” (MCKEE, 2006, p. 106).

Anna Muylaert pontua que quanto mais complexo o protagonista consegue ser, mais interessante a trama se torna: se é apresentado um personagem de conduta admirável, ele deve ter ou terá de cometer algum deslize para que a sua caracterização e quem ele realmente é sejam diferentes e a narrativa se torne crível. McKee suscita que pessoas superficiais e não dimensionais existe, mas para a narrativa não são úteis. Três elementos que devem ser levados em conta para o desenho do perfil de um personagem: veracidade, verossimilhança e realidade (COMPARATO, 2016), além da sinceridade, pois, é através desses elementos e características que o personagem expõe suas verdades para o público e aprende com elas, transformando-se ao longo dos três atos.

A função do personagem é trazer para a narrativa qualidades de caracterização necessárias para escolher e traçar caminhos convincentes (MCKEE, 2006). A combinação de qualidades permite que o público tenha empatia pelo personagem e acredite nas suas ações, colocando-se no lugar dele, como poderia agir da maneira que o protagonista age dentro da

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misé-èn-scene8. Cada personagem, na sua posição dentro da narrativa, desempenha uma

função específica para o desenvolvimento da história e, para o estruturalista russo Vladimir Propp (1984), são necessários sete personagens básicos: o antagonista; o doador; o auxiliar; o mandante; o herói; o falso herói; e a princesa. O teórico se baseava nos contos russos quando propôs a estrutura e esquematização dos personagens. Contudo, a contribuição de Propp na compreensão das funcionalidades dos personagens auxiliou outras teorias e construção de arquétipos.

Antes mesmo de me aprofundar nos estudos dos arquétipos, a base dos personagens de

Alento tem quase as mesmas características da proposta de Christopher Vogler. Assim como

Propp, Vogler não enxerga os arquétipos como papéis rígidos de personagens, mas “funções desempenhadas temporariamente pelos personagens para alcançar certos efeitos numa história” (p. 62). Em outras palavras, um personagem pode atuar como mais de um arquétipo, possibilitando a fluidez e a manifestação das qualidades de vários arquétipos. Este termo é uma ferramenta utilizada para entender o objetivo e a função dos personagens de uma narrativa, uma vez que os arquétipos são parte da linguagem universal da narrativa.

Os arquétipos mais frequentes nas histórias são: • Herói;

O arquétipo do Herói representa o aprender e o amadurecer; é aquele que aprende ou cresce mais no curso da narrativa. O objetivo dramático deste arquétipo é apresentar a trama ao público e se tornar passível de identificação a fim de alcançar empatia, fundindo seu olhar e forma de enxergar o mundo com o da audiência. Os heróis são estimulados à ação por impulsos universais e as vontades deles movem a narrativa adiante; sua função também é realizar a decisão da trama. Com certa frequência, este arquétipo traz um personagem que precisa fazer sacrifícios, que é a principal característica dele; o sacrifício, nesse caso, é o abrir mão do que ele valoriza em prol de um ideal, um objetivo maior. Por isso, os protagonistas precisam ter um “querer” para poderem agir na história. Os defeitos, entretanto, humanizam o arquétipo e o aproximam da realidade porque é possível reconhecer os erros, a culpa e os traumas do passado inerentes ao ser humano.

• Mentor

A figura do Mentor representa as maiores aspirações do Herói; simboliza o que o herói pode se tornar ao final da jornada. Não coincidentemente, este arquétipo possui uma relação

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estreita com a imagem do pai ou da mãe, simbolizando a sabedoria necessária para os caminhos tortuosos que o Herói terá de tomar. A função dramática do Mentor é ajudar temporariamente o Herói na fase de preparação para a Travessia do Primeiro Limiar, porém, não é necessário haver um personagem desempenhando este arquétipo porque ele é interpretado mais como uma energia, podendo estar presente em objetos, por exemplo.

• Guardião

Este arquétipo representa os obstáculos que normalmente são enfrentados, desde sentimentos particulares até intempéries e pessoas hostis. O Guardião pode ser simbólico ao retratar os demônios internos humanos: as crises emocionais, dependências, neuroses e vícios que impedem que cresçamos e possamos alcançar objetivos. A função dramatúrgica deste arquétipo é testar os limites do herói: como lidar com os obstáculos? É possível vencê-los?

• Arauto

A função deste arquétipo é anunciar que mudanças são necessárias. O Arauto é passível de simbolização através de chamados, a princípio, básicos: assistir a um filme ou a leitura de um livro; até mesmo pode ser um chamado íntimo, um acontecimento externo ou um personagem trazendo mudanças. A funcionalidade dentro da narrativa é motivar e oferecer ao herói um desafio e colocar a história em movimento.

• Camaleão

O arquétipo funciona para retratar personagens cuja aparência ou comportamento mudam para se moldar à narrativa.

• Sombra

A Sombra é compreendida como o antagonista da trama, contudo, a sua função psicológica representa os sentimentos reprimidos, tais como traumas profundos e culpa que se agravam devido às emoções. Na trama, a Sombra atua no desafiar o herói e lhe dar um adversário a ser combatido, criando conflito e revelando quem o herói é ao coloca-lo em uma posição de risco.

• Aliado

Os heróis precisam de aliados para cruzar a jornada de uma ponta a outra, e este arquétipo desempenha várias funções necessárias, como companheirismo, consciência e alívio cômico. São partes não expressas da personalidade do herói que deverão ser adicionadas para que haja um equilíbrio no relacionamento do protagonista e aquele que o acompanha.

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• Pícaro

Dentro da narrativa, esse arquétipo funciona como o alívio cômico e pode ser um Aliado trabalhando para o herói. O Pícaro exerce também a funcionalidade de colocar os pés do herói no chão e dizer o que, de fato, está acontecendo.

Estruturado em uma narrativa clássica, os personagens de Alento estão inseridos nos arquétipos universalmente conhecidos, de forma personificada ou não. A construção dos personagens ocorreu antes dos estudos dos arquétipos, como dito anteriormente, todavia, é importante entender quais são as funções que um personagem desempenha em um determinado ponto da narrativa. Enquanto Isadora cumpre o arquétipo do Herói, Gustavo desempenha tanto o Aliado quanto o Pícaro, mas isso não impede que todos os personagens exerçam outros tipos de arquétipos. A Sombra, por sua vez, é desempenhada pela falta de amor; é por causa da ausência desse sentimento que Isadora enfrenta seus traumas com a mãe e coloca sua vida em risco iminente ao realizar o aborto. A protagonista muda de comportamento a partir do momento em que objetiva colocar em prática o procedimento do aborto e assume o arquétipo do Camaleão. O Arauto pode ser interpretado como sendo o HIV, pois é a partir deste momento que as mudanças começam a ocorrer na vida de Isadora. A personagem Martha, embora apareça a partir do segundo ato, é quem aconselha e orienta a heroína em sua jornada assim que se conhecem no grupo de Whatsapp. O Guardião tem um papel decisivo no final do primeiro ato, que, na narrativa, é desencadeado pela psicóloga Tereza, que começa a acompanhar Isadora e, em seguida, oferece a ela um meio de entrar no

chat para comprar medicamentos clandestinos.

Para construir a protagonista Isadora, não encontrei tanta dificuldade quanto pensei que iria, por ser a primeira protagonista feminina que criei. Entretanto, me preocupei com a representação da mulher sob a visão masculina de roteirista; me preocupei se a forma como eu a estava idealizando e traçando o arco narrativo dela, mediante às suas escolhas e atitudes, eram críveis e verossímeis. Não queria, de maneira alguma, construir uma personagem egoísta e fria, calculista. Representação importa e cinema é um meio de comunicação e artístico massivo; a problemática, enquanto criador, não era meramente colocar uma mulher na história, mas saber como narrar a sua história.

Dessa forma, busquei traços dos entrevistados e das mulheres com as quais convivo para compor a personagem Isadora, no tocante às ações e seu comportamento. A narrativa não poderia ser apenas sobre uma jovem mulher tentando abortar, tampouco utilizar o HIV como

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justificativa para o aborto. Foi necessário, durante o processo criativo e a construção da personagem, compreender o que Isadora queria, além do que estava explícito.

Isadora quer abortar o bebê não apenas porque foi abandonada ou infectada com HIV pelo namorado, mas justamente porque não consegue amar o feto em desenvolvimento. Uma vez concebida de uma gravidez indesejada, Isadora sabe o preço de não ser amada pela mãe e ter de procurar esse afeto fora de casa – aquele a quem ela transferiu todo o amor a abandonou e a contaminou. Como ela pode dar à luz um bebê que não ama? Isadora, dessa maneira, busca transferir esse sentimento para algo ou alguém durante a narrativa, sem perceber que é ela a quem precisa amar.

1.6 – PERFIL DOS PERSONAGENS

ISADORA MARTIN (23): Gravidez nunca esteve nos planos de Isadora, após passar anos ouvindo da mãe Lúcia que era indesejada e se sente culpada. A relação familiar de Isadora foi frágil e sem referências: a mãe, tirana e ameaçadora; o pai, alcoólatra e distante. Ela viu em Miguel, seu namorado de escola, um porto seguro em meio a tantos tormentos dentro de casa. De natureza impulsiva e ágil, Isadora partiu com Miguel para a capital, deixou tudo para trás, sob os presságios da mãe que o rapaz ainda lhe traria o inferno.

A convivência com Miguel se tornou difícil com o passar do tempo morando juntos. O casal não conseguia alcançar seus objetivos individuais e entrava em discordância. Isadora é uma pessoa que oscila emocionalmente mediante o que lhe acontece, mas aprendeu a ser fria e observadora, pensando em si mesma em primeiro lugar. Então, após ser abandonada e se descobrir com HIV, Isadora percebe que não quer o filho, se for para pôr no mundo alguém que não será amado assim como ela não foi pela mãe.

MIGUEL NEGREIROS (25): Aventureiro de nascença, Miguel sempre sonhou alto e luta por aquilo que acredita. Ter a cabeça nas alturas não faz, entretanto, com que seus pés saíam do chão: estrategista, ele sabe muito bem onde pisar. Porém, toda as suas convicções sobre o quão bom ele é caem por terra quando os sonhos começam a não se realizar e ele se vê morando junto com sua namorada Isadora, longe da família que o apoia financeiramente, e completamente infeliz. Ao mesmo tempo que tem casos extraconjugais, passa a enxergar Isadora mais como uma companheira do que como mulher. A notícia do filho anima Miguel um pouco, parece uma luz no fim do túnel.

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Contudo, a descoberta do HIV faz com que ele haja por impulso e deixe Isadora, mesmo sem saber se ela está contaminada também. Por um lado, ele se sente aliviado por deixá-la; por outro, se sente culpado pela criança. Ele não suportaria a reação dela se estivesse contaminada tampouco a responsabilidade que isso lhe recairia.

GUSTAVO MANOEL (24): O sonho de Gustavo é viver da arte drag queen, que começou a desenvolver desde muito jovem e lhe custou o afeto da família, embora o pai o apoiasse, com ressalvas. Ele se mudou de para Natal para estudar Turismo e ter a independência que sabia que não teria se continuasse em Várzea, cidade do interior do Rio Grande do Norte. Ao mesmo tempo em que estuda, Gustavo performa em casas noturnas e trabalha em um call center – ele ainda não consegue se manter apenas como drag –, e foi onde encontrou Isadora. Apesar de opiniões divergentes, os dois são melhores amigos um do outro porque compartilham de um passado parecido: deixaram a família para buscar uma vida diferente.

Gustavo é a pessoa a quem Isadora recorre para falar sobre suas frustrações e desabafar, mesmo que ela não admita que precisa de ajuda. Ele vê nela um porto seguro em um ambiente em que as amizades não são confiáveis e as pessoas tentam passar a perna umas nas outras, mas não aprova o relacionamento dela com Miguel, que ele considera volátil e instável. Gustavo questiona a amizade de Isadora quando descobre que ela manteve em segredo o plano de abortar quando ele foi o único a ficar ao lado dela depois de Miguel abandoná-la. Contudo, no fundo, ele consegue compreendê-la.

MARTHA CRUZ (33): Empresária de uma loja de roupas no Brás, em São Paulo, Martha é descendente de asiáticos e aprendeu, da pior maneira, que nada vem fácil e tudo tem um preço. Aos 31 anos, engravidou pela primeira vez durante o processo de divórcio, após seis anos casada, e optou pelo aborto quando se viu com pouco dinheiro e percebeu não querer ter uma criança de forma alguma em decorrência do desencantamento pelo então marido. O casamento desgastado era baseado em uma relação fraca na qual só Martha se doava enquanto o homem usufruía do que ela tinha.

Dessa forma, ela recorreu, decidida pelo aborto, a um grupo de amigas que lhe indicaram três alternativas: uma clínica, que seria a mais cara; a compra de medicamento pela internet; ou uma moça que fazia na casa dela. Martha entrou em um grupo de Whatsapp para comprar o medicamento e não passou complicações no procedimento. Ela, depois de abortar,

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