• Nenhum resultado encontrado

Texto 4

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Texto 4"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

AS PRÁTICAS NEOLIBERAIS NO

ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA

JULIANA SANTANA CAVALLARI

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem Universidade do Vale do Sapucaí

Avenida Prof. Tuany Toledo, 470 – 37550-000 Pouso Alegre-MG – Brasil

TATIANA SILVIA ANDRADE DOS SANTOS

Faculdade de Tecnologia Prof. Jessen Vidal Fatec de São José dos Campos

Avenida Cesare Mansueto Giulio Lattes, s/nº. – 12247-014 São José dos Campos-SP – Brasil

judu77@hotmail.com tatianna_andrade@yahoo.com.br

Resumo. O discurso capitalista-empresarial, regido por princípios

neoliberais, permeia as relações de professores e alunos, deixando marcas em suas constituições identitárias. Esta pesquisa buscou investigar, com base nos depoimentos coletados e nos procedimentos teórico-metodológicos da Análise de Discurso, o modo como as novas posições discursivas afetam as práticas pedagógicas. Como material de pesquisa foram utilizados depoimentos de professores e alunos coletados por meio de entrevistas informais.

Palavras-chave. 1. Ensino-Aprendizagem de Línguas. 2. Análise de Discurso.

3. Práticas Neoliberais. 4. Constituição Identitária.

Abstract. The business-capitalist discourse, influenced by neoliberal

principles, permeates the relations between teachers and students leaving marks in their identity constitutions. Based on teachers and students testimonies and on the theoretical and methodological principles of the Discourse Analysis, this research has investigated the way how the new discursive positions influence on the pedagogical practices. The research material was taken from informal interviews with teachers and students.

Keywords. 1. Language Teaching and Learning. 2. Discourse Analysis. 3.

(2)

1. Introdução

O contexto de globalização gera uma necessidade de se aprender inglês, o que impulsionou o surgimento das escolas de idiomas1, assim como dos mais variados métodos de ensino. Os centros especializados no ensino de idiomas ganham lugar de destaque no competitivo cenário atual em que professores, alunos e até mesmo o ensino parecem assumir diferentes posições e funções.

A presença de práticas neoliberais na escola, sobretudo nas particulares, transforma o ensino em produto, o aluno em cliente, o professor em vendedor e a escola em empresa, gerando conflitos como a rotatividade de alunos e professores, o insucesso na aprendizagem de línguas, a insatisfação de professores e alunos.

Esta pesquisa tem como foco questões acerca dos discursos que incidem e orientam as práticas discursivo-pedagógicas e seus efeitos no processo de ensino-aprendizagem e na constituição da identidade de professores e alunos. Procuramos compreender, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso Francesa (AD), o modo como as práticas discursivo-pedagógicas, regidas por princípios neoliberais, produzem efeitos de sentido e de verdade nos depoimentos de alunos e professores de uma escola particular de idiomas.

Partindo do pressuposto de que o contexto amplo de globalização e o momento sócio-histórico atual incidem diretamente no processo de ensino-aprendizagem, levantamos a hipótese de que a forte presença do discurso capitalista-empresarial, regido por princípios neoliberais, no espaço pesquisado e no fazer-docente, tem como foco a manutenção do aluno na escola e o lucro a ser obtido, e não mais a formação de professores e alunos. A seguir, mobilizamos algumas noções que fundamentam nossos gestos de interpretação.

2. Algumas noções norteadoras

Para a AD, o sujeito é interpelado pela ideologia e é constituído sócio-historicamente. A cada enunciação o sujeito se assujeita à língua para se tornar sujeito de seu dizer: “[...] o assujeitamento é a própria possibilidade de se ser sujeito. Essa é a contradição que o constitui: ele está sujeito à (língua) para ser sujeito de (o que diz)” (ORLANDI, 1999, p. 19). O sujeito de linguagem não é origem dos sentidos que seu dizer produz, mas se “esquece” disso para que possa enunciar. Segundo Pêcheux (1975), o sujeito do discurso tem a ilusão de que o que diz tem apenas um significado e que o interlocutor irá captar suas intenções e suas mensagens de uma mesma maneira ou de forma literal. Trata-se dos esquecimentos 1 e 2, postulados por Pêcheux (1975).

A ideologia que interpela o indivíduo em sujeito também produz efeitos de verdade em seu dizer. São os posicionamentos ideológicos que se materializam no discurso e que apontam para a(s) formação(ões) discursiva(s) na(s) qual(is) o sujeito de

1 Esse crescimento também está relacionado à omissão das políticas públicas. Há trabalhos como os de Garcia (2009)

(3)

linguagem se insere para que seu dizer produza determinados sentidos, que buscamos resgatar na parte analítica deste estudo, lembrando que as FD estão em constante transformação, pois são atravessadas por outras FD. Orlandi (1996, p. 59 apud COURTINE, 1982) elabora que: “[...] um texto não corresponde a uma só FD, dada a heterogeneidade que o constitui, lembrando que toda FD é heterogênea em relação a si mesma”.

O sujeito inserido na FD de professor também será atravessado por vários discursos em formação na contemporaneidade, os quais afetam sua representação do que é ser professor. Apesar das dispersões e constantes transformações, há certa regularidade nas FD. O sujeito, ao formular sua enunciação, se assujeita a esses “limites” da formação discursiva à qual se filia, tal como postula Foucault (1969, p. 43):

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação

discursiva [...].

A FD está vinculada ao lugar socialmente legitimado de onde o sujeito fala. Nas palavras de Orlandi (2006, p.16) “[…] o lugar social do qual falamos marca o discurso com a força da locução que este lugar representa”. Como professores, quando enunciamos, já compartilhamos da força e das representações imaginárias que esse lugar nos confere, lembrando que o sujeito para a AD não diz respeito ao indivíduo que fala, mas à posição sujeito projetada no discurso. É pela FD que o indivíduo ocupa seu lugar de sujeito como efeito do que enuncia. “A interpelação do indivíduo em sujeito do seu discurso se efetua pela identificação do sujeito com a formação discursiva que o domina” (ORLANDI, 2006, p.19).

Para Pêcheux (1975), o sentido de uma palavra não é transparente, mas sim determinado pelas posições ideológicas que estão em ação no processo sócio-histórico em que a palavra é produzida. As FD, por sua vez, são a projeção, na linguagem, das formações ideológicas (ORLANDI, 2006, p. 17).

O saber discursivo ou o já-dito que constitui todo dizer nos permite relacionar a noção de memória discursiva à de interdiscurso. Essa memória se refere a algo que já foi dito anteriormente (ORLANDI, 2006, p.18):

O interdiscurso é irrepresentável. Ele é constituído de todo dizer já-dito. Ele é o saber, a memória discursiva. Aquilo que preside todo dizer. É ele que fornece a cada sujeito sua realidade enquanto sistema de evidências e significações percebidas, experimentadas.

A noção de interdiscurso, que permite acessar a memória discursiva que atribui sentidos ao dizer, é essencial para nossa pesquisa, pois é no fio intradiscursivo que se materializam os discursos que já se inscreveram na memória do enunciador. Orlandi (2006, p. 21) enfatiza que “a memória discursiva é trabalhada pela noção de interdiscurso:

(4)

‘algo fala antes, em outro lugar e independentemente.’ Trata-se do que chamamos saber discursivo. É o já-dito que constitui todo dizer”.

A seguir, abordamos algumas características do momento sócio-histórico atual e dos discursos que permeiam as práticas pedagógicas.

3. Discurso capitalista-empresarial e neoliberalismo

O neoliberalismo consiste na prática das ideias do liberalismo: uma liberdade do comércio na economia, sem a participação do estado. Entre os princípios básicos que regem o neoliberalismo estão: ênfase na globalização, abertura para as multinacionais, aumento na produção e defesa dos princípios econômicos do capitalismo.

A proposta neoliberal, inicialmente relacionada à questão econômica, é, dentre outras coisas, uma nova forma de controle e poder do Estado, conforme aponta Peters (1994 apud CARMAGNANI, 2001, p. 502). A partir dessa noção de poder e controle, do isolamento e individualização do sujeito, o autor sugere uma nova concepção de sujeito: o sujeito de mercado.

O Estado tem retido seu poder institucional através de uma nova forma de individualização, na qual os seres humanos transformam-se em sujeitos do mercado, sob o signo do Homo economicus. E, esta é a base para compreender o ‘governo dos indivíduos’ na educação como uma técnica ou forma de poder que é promovida através da adoção de formas de mercado.

A escola, como organização interpelada pelo discurso capitalista-neoliberal, é constituída por práticas mercadológicas. Segundo Ramos (2008, p. 2), “[...] um dos princípios do neoliberalismo é a reestruturação da educação à lógica do mercado.” As práticas neoliberais, além de trazerem um novo formato para a organização escolar, também possibilitam um maior controle, segundo Foucault (2004, p. 125):

Determinando lugares individuais tornou possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar.

O mérito, o individualismo e a ideia de oportunidades iguais constituem os princípios neoliberais. Essa prática mercadológica, pautada na relação de causa e efeito e no discurso capitalista-empresarial, está fortemente presente no funcionamento escolar, que parece priorizar a manutenção do aluno na escola e o lucro a ser obtido, e não necessariamente a formação consistente e contínua de professores e alunos. Amarante (2002), que analisa o funcionamento neoliberal nas práticas avaliativas, postula que

[...] a sobrevivência da instituição de ensino de caráter privado depende da manutenção do aluno-cliente e, assim, o funcionamento de uma política do afeto, de modo a não desmotivar os aprendizes, é crucial nesse contexto. (AMARANTE, 2002, p. 84)

(5)

Entendemos que as escolas de idiomas, para se manterem em um mercado bastante competitivo, adotam práticas empresariais. O que buscamos salientar e compreender são os efeitos desse funcionamento discursivo no processo de ensino-aprendizagem.

4. A abordagem comunicativa e seus efeitos no ensino de línguas

A necessidade de se falar uma língua estrangeira atrai muitos alunos para escolas que empregam o termo “conversação” como atrativo para divulgar os cursos ofertados. A Abordagem Comunicativa (AC), adotada na escola pesquisada, tem como ponto de partida a aplicação de atividades que promovam a conversação.

O movimento comunicativo surgiu para atender uma necessidade do contexto histórico: ensinar língua aos imigrantes adultos que aparecem com a abertura do Mercado Comum Europeu (MASCIA, 2003, p. 216). “O Comunicativo surgiu como uma reação ao Audiolingualismo (métodos Áudio-oral e Audiovisual) e à visão estruturalista de língua, na Europa – berço dos estudos semânticos e sociolinguísticos”.

Diferentemente da noção de linguagem opaca, não transparente, como postula a AD, para a AC a linguagem é considerada como autêntica por estar relacionada a um contexto real de comunicação. A compreensão literal da intenção do falante é parte integrante do processo para se tornar comunicativamente competente. A língua-alvo é vista como veículo de comunicação simétrica entre os falantes.

Leffa (1988) afirma que a AC defende a aprendizagem centrada no aluno não só em termos de conteúdo, mas também de técnicas usadas em sala de aula. Uma vez que o papel do professor que segue a AC é menos central, espera-se que o aluno se torne mais responsável por seu próprio aprendizado. Nota-se, com base nesses princípios, um conflito que se estabelece: tradicionalmente, os alunos não são encorajados a se responsabilizarem pelo seu próprio aprendizado; pelo contrário, parece haver um discurso que já se fez memória que prega que a aula de qualidade, o bom professor e a escola renomada garantirão o aprendizado do aluno.

A Abordagem Comunicativa propõe uma mudança de foco, pois o professor não é mais visto como o centro ou origem do processo de ensino-aprendizagem. Esse poder conferido ao aluno e que é, em certa medida, retirado do professor, propicia o aparecimento de novas posições discursivas que modificam a relação de poder-saber. Historicamente, o professor é representado como ‘detentor’ do saber, o que, consequentemente, lhe conferiria poder. O aluno, ao ocupar o centro do processo de ensino-aprendizagem, lugar anteriormente ocupado pelo professor, assume uma posição que lhe atribuiu poder, num contexto em que o ensino passa a ser comercializado e regido pelo discurso empresarial.

(6)

5. Análise dos registros

O corpus desta pesquisa é composto por recortes discursivos coletados por meio de entrevistas informais semiestruturadas, realizadas com cinco professoras de inglês e dois alunos adultos de uma escola de idiomas tradicional de São José dos Campos (SP). As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. A análise será apresentada em quatro eixos que foram delimitados a partir das regularidades observadas no corpus. Convém destacar que esses eixos se imbricam e se constituem mutuamente.

5.1 Escola-empresa

Perguntamos ao professor denominado (S3) – que possui experiência como docente em outras instituições e que está neste instituto há quase dois anos – sobre a experiência de trabalhar na escola pesquisada.

[RD3] S3 - Olha... pra mim tá sendo uma experiência legal, muito legal ...

porque é uma empresa, que pra mim, tá oferecendo vários benefícios e tudo

mais, ah... Tem algumas outras coisas que as vezes deixam a gente um pouco

desmotivada... Às vezes é o próprio ânimo da gente que a gente acaba

trazendo, mas eu estou sempre me sentindo motivada a fazer meu trabalho aqui, eu vejo que é uma empresa que valoriza muito o funcionário. É uma

escola que eu sempre tive muita vontade de trabalhar, que eu admirei, assim,

desde longe o trabalho dos professores daqui e tá sendo muito gostoso.

As escolhas lexicais de S3 – “porque é uma empresa”, “oferecendo vários benefícios”, “é uma empresa que valoriza muito o funcionário” – apontam para as representações que o professor tem do seu local de trabalho. S3 se filia à formação discursiva empresarial-neoliberal pelas escolhas lexicais: “empresa”, “funcionários”, “benefícios” oferecidos igual à “valorização” do funcionário. No que tange ao funcionamento operacional, a escola é representada por S3 como uma empresa; por outro lado, ao falar de suas funções como professor, o enunciador se refere ao seu local de trabalho como “escola”: “é uma escola que eu sempre tive muita vontade de trabalhar”. O professor descreve seu local de trabalho e as funções que exerce de maneiras distintas: ora como “escola” e ora como “empresa”; ora como “professor” e ora como “funcionário”.

No mesmo recorte discursivo, S3 afirma que há coisas (na escola) que o desmotivam, mas, em seguida, retoma o fio intradiscursivo para retirar a escola da origem de sua desmotivação, no trecho: “às vezes é o próprio ânimo da gente que a gente acaba trazendo”. Trata-se de mais uma marca do funcionamento da ideologia neoliberal que individualiza e responsabiliza os sujeitos por seus sucessos e insucessos. O sujeito enunciador modaliza sua fala ao se referir à instituição, usando o advérbio “às vezes”, para falar do que o desanima. Em contrapartida, emprega o advérbio “sempre”, para falar de sua constante motivação para realizar seu trabalho. É significativo destacar que essas formulações foram formuladas por um professor que está iniciando sua carreira na instituição e que, portanto, deve ‘mostrar serviço’, ‘vestir a camisa’ e entrar em consonância com o funcionamento da escola.

(7)

5.2 Professor-vendedor

No recorte discursivo abaixo, S4 – que trabalha na escola pesquisada há quase dez anos – fala sobre a avaliação que a escola realiza do professor2.

[RD4] S4 - Sim. A gente tem um plano de carreira na escola e o professor ele

pode mudar, né, de nível dentro desse plano de carreira e pra que mude de nível o professor precisa merecer, né? Então, o merecimento ele tem várias

coisas que são incluídas aí, então, dentro desse merecimento, digamos assim, o professor ele tem que se desenvolver profissionalmente. Ele tem que ser um

professor que cumpre com as suas obrigações dentro da empresa. Ele tem que ser um professor que traz resultados bons pra empresa. Então ele segue

uma série de normas né, e o professor estando dentro desses padrões ele tem

a oportunidade de... né... de ir pra frente nesse plano de carreira que existe dentro da escola. E isso é uma motivação a mais para que o professor procure estar sempre melhorando, se desenvolvendo.

O neoliberalismo propõe uma visão de mundo segundo a qual todos têm as mesmas oportunidades e o destino de cada um depende de como essas oportunidades foram aproveitadas. Essa visão constitui o professor de idiomas que reproduz o discurso do merecimento e das oportunidades que rege as relações empresariais. Ao falar sobre o plano de carreira que a escola oferece, S4 revela que se filia a essa visão neoliberal, por meio do uso do verbo merecer e seus derivados.

S4 descreve o que caberia ao professor, para que haja um progresso em seu plano de carreira. Assim como em uma empresa, os objetivos a serem atingidos e os procedimentos adotados já estão prescritos, sem levar em conta a singularidade do professor e do aluno, bem como as surpresas que inevitavelmente surgem no processo de ensino-aprendizagem. A escola enquanto empresa “fixa” a posição de seus funcionários, no que tange ao cumprimento de normas e deveres. No entanto, a posição de professor está atrelada à questão do saber. Os alunos são representados, ao mesmo tempo, como clientes da escola-empresa e como alunos para os quais se busca transmitir um saber.

S4 fala das atribuições do professor, reforçando a obrigatoriedade de trazer bons resultados para a escola. O que o professor “tem que” realizar, segundo o enunciador, não diz respeito a sua atuação em sala de aula, mas sim a sua função como vendedor ou funcionário de uma empresa: “ele tem que ser um professor que traz resultados bons pra empresa”, “ele segue uma série de normas” e “o professor estando dentro desses padrões”. Assim como toda empresa visa ao lucro, para a escola-empresa o resultado que mais interessa parece ser o número de alunos rematriculados.

5.3 Aluno-cliente

Para justificar por que escolheu estudar na referida escola de idiomas, o sujeito-aluno (SA1), que está na faixa dos vinte e cinco anos e é analista de sistemas, respondeu:

(8)

[RD7] SA1 – é porque eu acho que tem mais métodos, tem o portal da

internet..., tem os professores..., tem um acesso maior à informação, a dúvidas do que um professor particular.

O aluno valoriza a escola pelos recursos que ela oferece: “tem mais métodos”, “o portal da internet”, “um acesso maior à informação”, sem levar em conta seu aprendizado e o preparo de seu professor. Ao afirmar que em uma escola se “tem um acesso maior à informação e às dúvidas do que um professor particular”, nota-se um posicionamento que supervaloriza a instituição e sua infraestrutura ao invés do ensino em si, quando enfatiza que um profissional fora de uma instituição teria acesso limitado, em comparação ao que uma escola pode oferecer, sem se dar conta de que os recursos mencionados também estão ao alcance de um professor particular: métodos de ensino, portal de exercícios e troca com outros profissionais. O aluno parece “comprar” as vantagens “vendidas” pela escola, embora não se dê conta da posição assumida nesse jogo discursivo no qual a escola surge como empresa e o aluno como cliente.

5.4 Ensino-produto

Assumindo uma posição semelhante a do aluno, o professor (S4) enaltece os recursos tecnológicos oferecidos pela escola:

[RD8] S4 - Bom, a escola oferece pro aluno vários recursos. Inclusive um portal na internet onde ele tem acesso a muitas atividades diferentes. Inclusive

um professor on-line que tira as dúvidas dele praticamente 24 horas por dia.

Então, dicionários on-line que ele tira dúvidas a qualquer momento. Então, o X tem recursos assim que muitas escolas não têm. Então, o aluno pode utilizar esses recursos de muitas maneiras. O próprio material didático, ele tem livro de exercícios que ele pode fazer em casa. E os professores também fornecem outras atividades que eles podem fazer, e coisas que eles podem utilizar para estudar. Então é uma infinidade de recursos, mesmo dentro da sala de aula,

a gente tem uma TV enorme dentro da sala com DVD, com computador

dentro da sala. Então, a gente usa uma infinidade de recursos dentro de sala e ele tem os recursos fora de sala pra que ele possa usar também. Então é

muita coisa que o aluno tem à disposição dele.

Valores neoliberais capitalistas como imediatismo, consumo a qualquer hora e em qualquer lugar se materializam na fala de S4: “inclusive um professor on-line que tira as dúvidas dele praticamente 24 horas por dia” e “dicionários on-line que ele tira dúvidas a qualquer momento”. O adjetivo “enorme”, para descrever as televisões das salas de aula, e os trechos “o aluno pode utilizar esses recursos de muitas maneiras”, “muita coisa que o aluno tem à disposição dele” e “infinidade de recursos” sugerem que os recursos oferecidos não apenas seduzem e impressionam os alunos, mas também os professores, que também passam a ver o ensino como um produto que deve ser oferecido da forma mais atrativa possível.

(9)

Algumas considerações

Os eixos de análise apresentados – escola-empresa, professor-vendedor, aluno-cliente e ensino-produto – foram delimitados a partir da hipótese de que o contexto capitalista, regido por princípios neoliberais, desencadeia mudanças nas posições discursivas, de modo que a escola como empresa passa a visar, prioritariamente, a manutenção do aluno-cliente, ao invés de sua formação. O mesmo acontece com o professor que, ao assumir a posição de vendedor, é valorizado pelos resultados lucrativos e quantificáveis que traz para a escola, ao manter o aluno-cliente “fiel” e satisfeito com o ensino-produto que lhe é entregue a cada aula.

Ao se configurar como empresa, o funcionamento da escola e as técnicas empresariais nela adotadas incidem diretamente nas práticas discursivo-pedagógicas estabelecidas. As metas de manutenção, que constituem o principal item para a promoção, colocam o professor na posição de vendedor. O aluno como cliente, por sua vez, valoriza a escola a partir dos recursos tecnológicos oferecidos a ele, o que parece suplantar a qualidade do ensino. O aluno-cliente precisa “receber” o que foi comprado. Para tanto, a escola lança mão de práticas que contabilizam o que é ensinado.

Apesar de o espaço de coleta dos registros ter se restringido a uma escola particular de idiomas, as reflexões aqui propostas também podem ser pensadas em relação à escola regular. A aula interessante, dinâmica e que “agrada” o aluno parece ser uma busca constante. Todo professor deseja alunos interessados em suas aulas; no entanto, esse interesse, que também deve partir do desejo de saber do aluno, passou a ser uma conquista quase que exclusiva do professor e dos recursos utilizados em suas aulas. As práticas neoliberais se mostram presentes nas escolas através de metas de aprovação e matrícula, bonificações, avaliações externas etc.

Afinal, quem é o professor hoje e quais são as funções que ele deve desempenhar? Nosso estudo buscou desnudar as novas posições assumidas no espaço escolar, de modo a permitir uma prática docente que provoque mudanças e transformações dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Referências

AMARANTE, M. F. S. Formulário para Avaliação de Aprendizagem: dispositivo ótico-enunciativo e funcionamento neoliberal. Revista da Faculdade de Letras, PUC- Campinas, nos. 1 e 2, vol. 21 (112), p.74-91, dez. 2002.

CARMAGNANI, A. M. G.; GRIGOLETTO, M. (Orgs.). Inglês como língua

estrangeira: identidade, práticas e textualidade. São Paulo: Humanitas, 2001.

FOUCAULT, M. [1975] Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Bras. Petrópolis: Vozes, 2001.

(10)

_____. [1969] A Arqueologia do saber. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

_____. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Bras. Rio de Janeiro: Nau, 1999. _____. [1979] Microfísica do Poder. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

GARCIA, R. A. Os Parâmetros curriculares Nacionais de língua estrangeira e as

representações que incidem no processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa.

TCC. Taubaté, UNITAU, 2009.

LEFFA, V. J. Metodologia do ensino de línguas. In: BOHN, Hilário; VANDRESEN, Paulino (Orgs.). Tópicos de linguística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. v. 1. Florianópolis, 1988. p. 211-236.

MASCIA, M. A. A. Discursos fundadores das metodologias e abordagens de ensino de língua estrangeira. In: CORACINI, M. J.; BERTOLDO, E. S. (Orgs.). O desejo da teoria

e a contingência da prática: discursos sobre e na sala de aula: (língua materna e língua

estrangeira). Campinas: Mercado de Letras, 2003. p. 211-222.

ORLANDI, E. P.; LAGAZZI, Suzy M. (Orgs.). Introdução às Ciências da Linguagem

– Discurso e Textualidade. Campinas: Pontes, 2006.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

_____. Interpretação. Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996.

PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Unicamp, 1995 [1975].

Referências

Documentos relacionados

a !idr"lise #cida o amido é con$ertido, completamente, em glicose, isso ocorre a !idr"lise #cida o amido é con$ertido, completamente, em glicose, isso ocorre porque o

Os testes de desequilíbrio de resistência DC dentro de um par e de desequilíbrio de resistência DC entre pares se tornarão uma preocupação ainda maior à medida que mais

Se no cadastro da administradora, foi selecionado na aba Configurações Comissões, para que as comissões fossem geradas no momento da venda do contrato, já é

Northern Dancer South Ocean Secretariat Crimson Saint Red God Runaway Bride Raja Baba Away Northern Dancer Special Le Fabuleux Native Partner Cannonade Cold Hearted Pretense Red

Ocorre que, passados quase sete anos da publicação da Lei n o  12.651/2012 e pacificadas as discussões sobre a sua aplicação, emendas a uma medida provisória em tramitação

Ambas são cavernas preparadas para receber o turismo de massa (muitas estruturas para receber uma quantidade razoável de visitantes: iluminação artificial, escadas,

A sensibilidade, especificidade, valor de previ- são positivo e valor de previsão negativo da lesão do tronco da artéria coronária esquerda para a ocorrên- cia de óbitos e para

Embora a segunda opção (Temos três opções. Vamos votar entre nós) possa soar como colaborativa, ela, de fato, não ajuda a equipe a resolver o problema apresentado, pois