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Os bancários no futebol paulistano : a experiência de uma categoria profissional no esporte (1929-1945)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação Física

GABRIELA MARTA MARQUES DE OLIVEIRA

Os bancários no futebol paulistano: a experiência de uma categoria profissional no esporte (1929-1945)

CAMPINAS-SP

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GABRIELA MARTA MARQUES DE OLIVEIRA

Os bancários no futebol paulistano: a experiência de uma categoria profissional no esporte (1929-1945)

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação Física, na Àrea de Educação Física e Sociedade

Orientador: Prof. Dr. Edivaldo Góis Junior

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA

GABRIELA MARTA MARQUES DE OLIVEIRA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. EDIVALDO GÓIS JUNIOR.

CAMPINAS-SP

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Oliveira, Gabriela Marta Marques de,

OL4b OliOs bancários no futebol paulistano : a experiência de uma categoria profissional no esporte (1929-1945) / Gabriela Marta Marques de Oliveira. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

OliOrientador: Edivaldo Góis Junior.

OliDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física.

Oli1. Futebol-História. 2. Bancários - São Paulo (Estado) - 1923-1944. 3. Sindicatos - São Paulo (Estado) - História. I. Góis Junior, Edivaldo. II.

Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação Física. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The banck employees in the state os São Paulo's football: : the

experience of an occupational category in sport (1929-1945)

Palavras-chave em inglês:

Football - History

Banking - São Paulo (State) - 1923-1944 Unions - São Paulo (State) - History

Área de concentração: Educação Física e Sociedade Titulação: Mestra em Educação Física

Banca examinadora:

Edivaldo Góis Junior [Orientador] Michel Nicolau Netto

Victor Andrade de Melo

Data de defesa: 11-08-2020

Programa de Pós-Graduação: Educação Física Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-1734-3176 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9354731114719267

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COMISSÃO EXAMINADORA1

___________________________________________ PROF. DR. EDIVALDO GÓIS JUNIOR

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP

__________________________________________ PROF. DR. MICHEL NICOLAU NETTO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS- UNICAMP

_________________________________________ PROF. DR. VICTOR ANDRADE DE MELO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ

1 A ata da defesa, com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na secretaria do Programa de Pós-Graduação, na Faculdade de Educação Física da Unicamp.

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O futebol é aquilo que homens concretos fazem dele em cada momento e local.2

2 JÚNIOR, Hilário Franco, Dando tratos à bola - Ensaios sobre futebol, Edição: 1. São Paulo, Brasil: Companhia

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AGRADECIMENTOS

Essa talvez seja a parte mais difícil desse trabalho. Não porque ache que agradecer os que estão e estiveram comigo seja difícil, mas por medo de, enganada pela memória, me esquecer de alguém. De antemão, peço desculpas caso isso ocorra. Deixo claro também que, apesar de essenciais, essas pessoas nada tem a ver com os problemas desse texto, de inteira responsabilidade de sua autora.

Muitos foram os amigos que estiveram comigo, nem sempre fisicamente. Ana, Paula e Alyssa foram, cada uma em um lugar desse país, pessoas que estiveram sempre disponíveis para mensagens essenciais (e nem tão essenciais assim) quando fosse preciso. Rafaella, Ruy, Camila, Franco, Caio, Gabi Pratavieira, Menini e Thayde estiveram por perto em almoços, bares, jogatinas, viagens, na biblioteca e nos corredores do IFCH, prontos para risadas e discussões sem fim, que passavam em minutos de assuntos sérios a amenidades, e sempre a postos para o tradicional café das 16h no prédio rosa. Silvia, Rita e Letícia foram, cada uma a seu tempo, companheiras que fizeram apartamentos vazios se transformarem em lares, e serei eternamente grata a elas por isso. Talison se tornou amigo querido, com quem falar de futebol era sempre mais divertido. Agradeço pelas idas aos estádios, por todas as cervejas divididas, pelas conversas, pelos planos que nem sempre sobreviveram às mesas de bar, pelos pitacos historiográficos e pela parceria nas frentes de história do Emancipa. Ivan foi fundamental para essa jornada. Juntos desde o ensino médio, dividimos as salas do curso de história e as ansiedades do processo de entrada e estada na pós-graduação. A ele agradeço pelas palavras, sempre precisas, nos momentos em que eu mais precisava. À Henrique, agradeço pelos treze anos de amizade. Pela disponibilidade, o carinho, a diversão, por ser sempre tão bem recebida em sua casa, e, principalmente, pelos abraços.

Aos colegas do grupo Corpo e Educação, Samuel, Diego, Léo, Igor e Bruna agradeço por terem me recebido tão bem e contribuído tanto para essa pesquisa. Um agradecimento especial deve ser feito ao Igor, que esteve comigo em quase todos os dias de trabalho no Laboratório Margem. Agradeço a eles pelas críticas, sugestões, pela leitura atenta do texto e pela amizade.

Agradeço ao meu orientador, professor Edivaldo Góis Junior, por ter acolhido a ideia de uma aluna de segundo ano e a orientado com tanta paciência. Desde 2015, quando iniciamos nossa jornada em uma Iniciação Científica, se mostrou um orientador humano,

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compreensivo, crítico e instigante, sempre respeitando minhas opiniões. Sem ele, a execução do projeto teria sido infinitamente mais difícil.

Aos professores Victor Andrade de Melo e Michel Nicolau Netto agradeço pela leitura cuidadosa do texto. Eles foram críticos certeiros e gentis, e seus comentários e o diálogo com eles foi essencial para que o trabalho ganhasse corpo.

Alguns professores marcaram minha trajetória acadêmica, e se tornaram um norte na vida profissional. No ensino médio Fernanda Zucarelli e Adriano Di Nardo, professores sensíveis, competentes e inspiradores, me apontaram uma forma diferente de ensinar, que ia muito além de suas respectivas disciplinas. Na graduação, Leila Mezan Algranti me mostrou a paixão pela história e pelo fazer historiográfico. Seu entusiasmo em ensinar história a alunos ingressantes e a forma como falava de história foram cativantes. Agradeço a eles, e a todos os meus professores, pela dedicação.

Agradeço à Veridiana pela acolhida em sua casa para que as pesquisas para esse trabalho fossem feitas, compartilhando comigo as alegrias e frustrações da pesquisa de campo. Pesquisas essas que não teriam sido possíveis sem a ajuda de Alexandre, do CEDOC-Bancários, César, do Satélite Esporte Clube e Marlene, da A.A.B.B. Sua disposição e atenção foram essenciais para que a coleta das fontes pudesse ser realizada com êxito.

Aos alunos e professores do Cursinho Popular Emancipa -Toninho agradeço pelos anos de companheirismo e dedicação à educação popular, tão essencial para que as universidades públicas se encham de povo. Certamente aprendi muito mais do que ensinei nesse espaço, e sou grata aos que estiveram comigo durante esse tempo.

Agradeço ao tio Vitor pelo universo cultural que me apresentou. Música, cantores, livros, experiências de vida. Também sou grata por todos os preparativos e enfeites natalinos, a alegria, as risadas, por fazer tudo virar festa. Tia Dete e tio “Calinho” me receberam em sua casa enquanto meus pais estavam trabalhando e as escolas de tempo integral ainda não eram o sucesso que são hoje. Muito obrigada pelo carinho e por terem me transformado na corintiana que sou.

Dona Gabriela merece agradecimentos especiais, a começar pelo empréstimo do nome. Obrigada pelas férias em sua casa, por estar sempre por perto, ainda que nem sempre estivesse presente, pelos cuidados, por torcer para que eu “aprendesse rápido” e enfim terminasse esse trabalho “tão custoso”. Obrigada, vó, por compartilhar sempre tanto amor.

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Por fim, agradeço aos meus pais, sem os quais certamente eu não teria chegado até aqui. Me faltam palavras para expressar a gratidão e o amor que sinto por eles. Sem eles nada disso teria disso possível. Muito obrigada por percorrerem esse caminho ao meu lado, por compreenderem as ausências necessárias para que esse trabalho fosse escrito, e por me encorajarem a ir deixando sempre as portas abertas para que eu possa voltar.

À sociedade paulista, agradeço pela manutenção da Universidade Estadual de Campinas onde pude realizar meus estudos desde a graduação. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, processos de número 1775997 e 88882.434725/2019-01.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo olhar para o esporte praticado pelos trabalhadores bancários em São Paulo, entre os anos de 1929 e 1945, organizado pela Liga Bancária de Esportes Atléticos, vinculada à Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo, para compreender a formação de uma cultura em comum entre os bancários no período. O olhar para esse objeto nos permitiu compreender como as representações sobre o esporte veiculadas pela Folha Bancária, órgão oficial da Associação dos Bancários, eram recebidas e vivenciadas na experiência desses agentes históricos praticantes de esportes, notadamente do futebol. Olharemos também para dois clubes de funcionários do Banco do Brasil, e através de suas atas e estatutos refletiremos sobre a heterogeneidade dos bancários e como ela se refletia no universo esportivo. O diálogo com a história da Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo será feito na medida em que, para compreender as diversas representações sobre o esporte veiculadas no jornal da associação, fonte principal dessa pesquisa, é preciso perceber as mudanças políticas na organização da associação, decorrentes das alterações políticas que aconteceram no primeiro governo Vargas.

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ABSTRACT

The present Masters Dissertation aims to look at the sports, which were organized by Liga Bancária de Esportes Atléticos (Banking League of Athletic Sports), linked to Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo (Association of Bank Employees of the State of São Paulo) and played by bank workers in São Paulo from 1929 to 1945, to understand the formation of a shared culture among bank employees in that period. The examination of this object enabled us to understand how the representations about sports that were published by Folha Bancária, the official body of Associação dos Bancários (Association of Bank Employees), were received and felt in the experience of these historical agents who played sports, notably football. We will also look at two clubs of Banco do Brasil employees, and through their minutes and statutes, we will reflect on the heterogeneity of bank employees and how it was reflected in the sports universe. The dialogue with the history of Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo will take place to the extent that, in order to understand the various representations about sports which the associations newspaper, the main source of this research, published, it is necessary to understand the political changes in the organization of the association, which resulted from the political changes that occurred during the first Vargas government.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1. Gabinete dentário do Dr. João Reis...41

Imagem 2. Sala de xadrez da Associação...42

Imagem 3. Biblioteca da Associação...42

Imagem 4. Sala de ping-pong...43

Imagem 5. Ambulatório Médico...43

Imagem 6. Fachada da sede da associação, na Rua Conselheiro Furtado, 39... 44

Imagem 7. Quadro do Clube Banco Noroeste, vencedor do Torneio Início de 1929...49

Imagem 8. Bancários em frente ao prédio da Gazeta durante a greve de 1934...65

Imagem 9. Os campeões bancários de 1934 ...72

Imagem 10. Equipe da A.A.B.B.-SP que enfrentou a A.A.B.B.-Santos em 1934...81

Imagem 11. Equipes da A.A.B.B.-São Paulo e A.A.B.B.-Rio durante a excursão à São Paulo, em 1935... 81

Imagem 12. Torneio de Xadrez...90

Imagem 13. Aspecto dos assistentes e participantes do 6º Campeonato Bancario de Atletismo ...92

Imagem 14. A turma dos bancários paulistas que venceu no Rio...93

Imagem 15. Fundação da Federação Brasileira Bancaria de Esportes...95

Imagem 16 – Time do Satelite para o campeonato de 1938...103

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Média salarial nos bancos...32

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1. Localização das sedes da Associação entre 1930 e 1944...45

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LISTA DE ABREVIATURAS

A.C.E.A. – Associação Comercial de Esportes Athleticos A.P.E.A. – Associação Paulista de Esportes Athleticos D.E.T. – Departamento Estadual do Trabalho

D.O.P.S. – Delegacia de Ordem Política e Social F.E.B. – Federação Esportiva dos Bancários F.P.A. – Federação Paulista de Athletismo

I.A.P.B. – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários L.A.F. – Liga Amadora de Futebol

L.B.E.A. – Liga Bancária de Esportes Athleticos L.P.F. – Liga Paulista de Futebol

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SUMÁRIO

Introdução...17

1. Os bancários, sua associação e seu universo esportivo...32

2. Entre os campos e as páginas do jornal...51

3. As cisões no interior da categoria e seus reflexos políticos e esportivos...63

4. A socialização através do esporte...84

Considerações finais...108

Fontes...111

Referências Bibliográficas...117

Apêndice I – Lista de clubes e bancos...122

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Introdução

Nas últimas duas décadas o futebol como objeto das Ciências Humanas vem ganhando espaço e consistência, porém, os objetos privilegiados são geralmente os ligados ao futebol oficial, que constituíram o Brasil como o país do futebol. Outros lugares de prática, como a várzea ou o futebol praticado pela classe trabalhadora suscitaram pouco interesse até o momento3.

As pesquisas que tratam do início do desenvolvimento do jogo de bola no Brasil4 comumente dividem a história deste esporte em três momentos: o primeiro diz respeito à sua chegada no final do século XIX até meados dos anos 1910, no qual ele estaria restrito às elites, e por isso apenas praticado nos principais clubes das grandes cidades; o segundo é o que vai até o final dos anos 1920, entendido como um momento de aproximação de outras camadas sociais, sendo marcado pelo impulso de exclusão de negros e pobres que começavam a se envolver com o jogo; o terceiro momento alude ao futebol praticado a partir da década de 1930, no qual houve a efetivação da inclusão dos negros nos campos de futebol, concretizando-se o que Mario Filho chamou de “ascensão do negro”5. No entanto, essa periodização vem sendo questionada por trabalhos mais recentes6, pois, centrada nos grandes clubes, nas grandes ligas e associações, e nos grandes sujeitos, ela não leva em conta “outras possibilidades de percepção desse processo por parte daqueles que eram alvos”7 da exclusão da prática nesses ambientes.

Ao dedicarem-se especificamente ao segundo e ao terceiro momentos, isto é, meados dos anos 1920 e anos 1930 – período para o qual nos propomos a olhar neste trabalho

3 ARAÚJO, José Renato de Campos. Prefácio. In: SILVA, Diana Mendes Machado da, Futebol de várzea em

São Paulo: a Associação Atlética Anhanguera (1928-1940), 1. ed. São Paulo: Alameda, 2016.

4 Como exemplo dessas pesquisas podemos citar: DAMATTA, Roberto, Universo do futebol: esporte e

sociedade brasileira, Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982; ANTUNES, Fatima M. R. F., Futebol de Fábrica em São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992; SOARES, Antônio Jorge, História e invenção de tradições no campo do futebol., Estudos Históricos, v. 13, n. 23, p. 119–146, 1999; HELAL, Ronaldo; SOARES, Antônio Jorge; LOVISOLO, Hugo, A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria, Rio de Janeiro: Mauad, 2001; LOPES, José Sergio Leite, Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro., in: BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira da (Orgs.), Culturas de Classe, Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 121–166; FILHO, Mario, O Negro no Futebol Brasileiro, 5a edição. Rio de Janeiro: Mauad,

2010.

5 FILHO, O Negro no Futebol Brasileiro.

6 Como exemplo dessas pesquisas podemos citar: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda, Footballmania: uma

história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938, Rio de Janeiro, RJ, Brasil: Editora Nova Fronteira, 2000; FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de (Orgs.), The country of football: politics, popular culture and the beautiful game in Brazil, London: Hurst, 2014; GAMBETA, Wilson, A bola rolou: o Velódromo Paulista e os espetáculos de futebol (1895-1916), São Paulo: Editora Sesi-SP, 2015; SILVA, Futebol de várzea em São Paulo.

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– a maioria dos autores trata o futebol de forma dicotômica, como sendo “espetáculo ou estratégia de controle corporal. Um meio de ganhar dinheiro ou uma diversão fortuita para privilegiados”8. Raramente o jogo é tratado como, por exemplo, um meio de ganhar dinheiro e

uma diversão fortuita não apenas para privilegiados. O que percebemos ao estudar o assunto é que o alerta de Leonardo Pereira9 de que é necessário “deixar de lado a tentativa de construir

uma história do jogo somente pela lógica daqueles que tentavam utilizá-lo como meio de levar aos trabalhadores os seus próprios projetos”, apesar de feita há algum tempo, só muito recentemente vem sendo levada adiante.

Como já dito, os trabalhos geralmente se dedicam ao futebol praticado nos grandes clubes. Quando se voltam para o jogo praticado longe dos espaços oficiais, tendem a olhar para ele como uma forma de controle social – imposto pela elite de modo a entreter uma massa uniforme, ou controlar e disciplinar o tempo de lazer dos trabalhadores, em uma política paternalista10; como uma forma de propaganda governamental – muito utilizada pelo Estado Novo, quando o “Conselho Nacional de Desportos ditava os modelos dos estatutos, que deveria ser acatado por clubes de todo o país”11; como forma de ascensão social12, já que oferecia um

bom emprego aos operários jogadores13; ou ainda como “ópio do povo” - análise muito ligada às ideias de anarquistas e comunistas dos anos 1920 e 1930 de que o futebol era utilizado pela elite como forma de controle da classe trabalhadora14.

Por muito tempo as interpretações históricas tenderam a valorizar os homens que de maneira mais visível haviam feito a história. Depois, voltaram seu olhar para as evoluções maciças e anônimas, pensando-as como grandes arranjos anônimos, que podiam ser chamados de Estado, modernização, industrialização etc. Inclinaram-se, então, a procurar indivíduos que tivessem se oposto às grandes transformações, empenhando-se em se contrapor a elas. Isso explica por que, nos últimos 40 anos, a intelectualidade foi se entusiasmando “pelos marginais,

8 MELO, Victor Andrade de, Introdução, in: GOMES, Eduardo de Souza; PINHEIRO, Caio Lucas Morais (Orgs.),

Olhares para a profissionalização do futebol: Análises Plurais, Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2015, p. 26.

9 PEREIRA, Footballmania, p. 280.

10 FONTES, Paulo, Futebol de Várzea and the Working Class: Amateur Football in São Paulo, 1940s – 1960s, in:

FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Buarque de (Orgs.), The country of football: politics, popular culture and the beautiful game in Brazil, London: Hurst & Company, 2014.

11 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, p. 37.

12 ROSENFELD, Anatol, Negro, Macumba e Futebol, Edição: 1a. Campinas, SP: Perspectiva, 1993 entende que

o futebol abriu possibilidade de ascensão econômica para a primeira geração de praticantes, gerando efeitos sociais apenas em seus descendentes.

13 JACKSON, Gregory E., Malandros, "Honourable Workers‟ and the Professionalisation of Brazilian Football,

1930-1950, in: FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Buarque de (Orgs.), The Country of Football: politics, popular culture the beatiful game in Brazil., Londres: Hurst & Company, 2014, p. 41–66.

14 “Esse tipo de abordagem pode ser encontrada em Futebol: Ideologia do poder, de Roberto Ramos, onde o esporte

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pelos rejeitados, pelos alternativos da história, pelos bandidos sociais e as bruxas, os heterodoxos e os anarquistas, os excluídos de todo tipo”15. No entanto, como alertou Jacques

Revel, esta é ainda uma forma de reconhecer a realidade maciça do poder, “já que apenas uma minoria dispersa de heróis tinha sido capaz de se levantar contra el[e], a partir de fora e sem uma esperança verdadeira”16. Os estudos sobre futebol não ficaram alheios a essas tendências.

Muitos dos trabalhos sobre o tema tratam dos “excluídos” do futebol oficial como “grandes arranjos anônimos” ou como “uma minoria dispersa de heróis”.

Dentre as interpretações já feitas sobre o futebol estão as de que ele teria sido utilizado pela elite como forma de tentar manter o povo sob controle, ou ainda que teria trazido para a classe trabalhadora uma nova forma de ascensão social, ainda que restrita, além de ser uma maneira de a elite se manter como nos velhos tempos da pré-abolição, em que negros e brancos pobres eram utilizados como “pé de obra” dos clubes de espetáculo, ficando reféns de um sistema patronal que criou grandes relações de dependência17.

No entanto, à luz das interpretações já feitas sobre o jogo e sua utilização pela e para a classe popular, achamos necessário compreendê-lo de maneira menos unilateral, olhando para o modo como esses sujeitos vivenciavam e representavam o esporte, tentando acessar suas formas de apropriação e ressignificação do jogo. Da mesma forma que se pode afirmar que “nem todos os futebolistas ricos tinham como sonho jogar nos espetáculos”18, também deve

haver possibilidade de avaliar que alguns dos praticantes da classe trabalhadora também não o tinham. O futebol poderia ser, para esses sujeitos, apenas uma forma de ocupação do tempo livre, se mostrando uma boa maneira de socialização entre pares. Talvez nem fosse necessária a prática do jogo. Apenas a frequência aos campos poderia ser suficiente para que o jogo tivesse alguma importância na vida daquelas pessoas.

A partir da análise do cotidiano da vida em São Paulo é possível perceber como as atividades esportivas eram difundidas. As primeiras décadas do século XX apresentam um aumento substancial no número de colunas esportivas nos jornais, que aos poucos vão ganhando páginas inteiras dedicadas aos esportes. O futebol era, sem dúvida, o mais difundido deles. Os cronistas esportivos se utilizavam das páginas dos jornais para noticiar os acontecimentos e resultados dos jogos, principalmente daqueles realizados pela Liga Amadora de Futebol

15 REVEL, Jacques, Jogos de escalas: a experiencia da microanalise, Rio de Janeiro (RJ): Editora Fundação

Getúlio Vargas, 1998, p. 29.

16 Ibid.

17 JACKSON, Malandros, "Honourable Workers‟ and the Professionalisation of Brazilian Football, 1930-1950. 18 GAMBETA, A bola rolou, p. 190.

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(L.A.F.), Liga Paulista de Futebol (L.P.F.) e Associação Paulista de Esportes Atléticos (A.P.E.A.). Os jogos não vinculados a essas associações esportivas tinham maior ou menor destaque na mídia, a depender do jornal e de quem eram os sujeitos que o praticavam.

Ao buscarmos por um futebol praticado longe das grandes praças esportivas nos deparamos com a Liga Bancária de Esportes Atléticos (L.B.E.A). Os bancários formavam uma categoria bastante numerosa nos anos 1930. Em 1931, um levantamento realizado pela Associação dos Funcionários de Banco do Estado de São Paulo19 mostrou que havia na cidade 2629 bancários20, sendo que 1459 deles faziam parte da Associação21. Em 1943 ela já contava

com 3011 associados22. O modo como se viam, como mais ou menos próximos de outras

categorias de trabalhadores, variou durante os anos de 1929 e 1945 – período que o presente trabalho aborda – mas durante todo esse tempo eles se viam como trabalhadores. Eram, em suas palavras, “operários da casaca”, que tinham condições de trabalho ruins e recebiam pouco pelo trabalho realizado e para a manutenção do padrão de vida que deveriam aparentar ter. Porém, eram vistos pela sociedade como uma classe privilegiada, já que recebiam mais do que a média salarial da cidade e pareciam sustentar um bom padrão de vida. Owensby, ao analisar a formação da classe média no Brasil entre os anos de 1920 e 1950 afirma ter havido um esforço das associações de classe dos “colarinhos brancos” em frisar uma fronteira entre eles e os trabalhadores manuais. Teria sido nesse momento, portanto, que essas associações localizaram esses funcionários em uma nova taxonomia de classe, a classe média23. No entanto, no que se refere à associação dos bancários, é difícil fixar o momento em que essa fronteira começa a ser delineada. Ao contrário, o que verificamos é a existência de uma linha bastante tênue entre a vinculação com trabalhadores manuais e a vinculação com trabalhadores não manuais. Ela dependia, em muitos casos, de qual era a reivindicação da categoria e de que maneira essa reivindicação era feita. Um exemplo disso pode ser a realização da greve de 1934, em defesa da criação do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários – IAPB (forma de reivindicação consagrada pelos trabalhadores manuais), e a negociação diretamente com os bancos pelas duas horas de almoço em 1932. Ambas as reivindicações tiveram êxito, porém

19 A Associação teve diversos nomes durante o período estudado. Trataremos melhor da questão de nomenclatura

no capítulo 1. Nesse momento faz-se necessário apenas dizer que nos referiremos à Associação de maneira diferente conforme sua nomenclatura se alterava nas fontes no decorrer do tempo.

20 Estatistica dos Bancarios de São Paulo, Vida Bancaria, 81. ed. p. 2, jul. de1931. 21 R.R., Quantos somos?, Vida Bancaria, 83. ed. p. 1, set. de 1931.

22 Quantos somos?, Folha Bancária, 16. ed. p. 2, mar. de 1943.

23 OWENSBY, Brian P., Intimate Ironies: Modernity and the Making of Middle-Class Lives in Brazil, Edição:

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contaram com formas reivindicatórias que colocavam os bancários ora mais próximos dos trabalhadores manuais, ora mais próximos de trabalhadores não manuais.

Segundo Williams24, a associação entre o termo trabalhador e a “classe trabalhadora” já era forte na década de 1880, mas a definição incluiria contrato com empregador e trabalho manual. Porém, com o desenvolvimento das funções de escritório houve uma ambiguidade no que se refere à posição dos que trabalhavam por salário, mas não realizavam trabalho manual. Eles poderiam ser – e muitas vezes foram – caracterizados como “classe média”. O termo, referindo-se àqueles que ganham salários, é “uma expressão de posição social relativa e, portanto, de distinção social”25. Já o termo “classe trabalhadora”, a partir de uma

noção de classe produtiva, é uma expressão de relações econômicas. Os dois termos, desse modo, se apoiam em modelos diferentes. Um grupo, ao se definir como classe média, mostra ter consciência de sua posição social relativa, de certa distinção social, porém, quando esse mesmo grupo se encontra no interior de uma relação econômica em que depende de seu trabalho, há um ponto crítico de sobreposição dos termos, podendo haver confusão entre eles. No entanto, “é absurdo supor que só as classes trabalhadoras trabalham, mas se aqueles que realizam trabalhos outros que não o manual se descrevem em termos de posição social relativa (classe média), a confusão é inevitável.”26

Não foram poucos os pesquisadores que se debruçaram sobre o problema de definição da “classe média”. Ele não é, no entanto, ponto pacífico entre os estudiosos do tema. Wright Mills27, ao analisar a formação da nova classe média nos Estados Unidos no início do século XX olha não apenas para questões econômicas, mas também psicológicas e sociais. Segundo ele, constituem a chamada “nova classe média” americana funcionários que recebem seu salário por mês, em contraste com os que recebem por hora ou dia trabalhado; que conseguem algum status social a partir de seu trabalho, e que utilizam roupas de passeio no local de trabalho. A esses funcionários Mills chamou de “colarinhos brancos”. As três características apresentadas se complementam para a formação do que ele entende por um funcionário de “colarinho branco”. O status social que consegue através do trabalho estaria ligado ao fato de receber por mês, e, portanto, de conseguir se diferenciar de outro tipo de trabalhador, o que recebe por dia ou hora. Ainda o fato de utilizar roupas de passeio traz a esse

24 WILLIAMS, Raymond, Palavras-chave um vocabulário de cultura e sociedade, São Paulo: Boitempo, 2007,

p. 91.

25 Ibid., p. 92. 26 Ibid.

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trabalhador mais status, já que, novamente, não será confundido com o operário. No entanto, a possibilidade de utilização de vestimenta de passeio só é possível pois se exerce uma profissão que garante status social. É uma via de mão dupla. Esses trabalhadores de “colarinho branco” passaram a ser vistos pela sociedade de maneira diversa de outros tipos de trabalhadores, mas também se enxergavam como diferentes deles. Eles possuíam outros anseios, outras perspectivas e outro status.

Décio Saes faz observações importantes sobre pontos que podem ser levantados para a definição de quais indivíduos integrariam a “classe média”. Seriam os que exercem trabalhos improdutivos, ou seja, trabalhos que não contribuem diretamente com a produção de mercadorias28. A definição passaria ainda pela execução de trabalhos não-manuais em contraposição aos que exercem trabalhos manuais. Para o autor a distinção entre esses dois tipos de trabalho teria criado na sociedade capitalistas grupos médios e uma consciência média, diferente da consciência operária29.

Jürgen Kocka, por sua vez, afirma que a linha que difere operários de empregados, o que ele chamou de “collar line” é mais historicamente condicionada e culturalmente variada do que os estudos sociológicos podem demonstrar. Para ele, a origem da distinção entre operários e empregados está na origem do sistema capitalista industrial. Por isso, seria preciso um estudo comparativo entre sociedades em estágios similares de desenvolvimento industrial para compreender a linha de separação entre eles30. Kocka defende ainda que a inclusão de grupos tão diferentes no mesmo lugar de “classe média baixa” aconteceu por causa da necessidade dos contemporâneos de preencher um vazio existente na polarização da sociedade em dois campos hostis, burguesia e proletariado. Assim, os sujeitos que não pudessem ser classificados em nenhum dos campos ganhariam o status de “classe média”. No entanto, essa polarização não teria sido completa e a classificação de grupos tão diversos entre si como num mesmo estrato social seria errônea31.

Para Owensby a classe média se caracterizaria por um estado mental orientado pela dinâmica social e pela ordem econômica. Ela seria caracterizada por pessoas que “se preocupavam com pequenas rendas [e] demandavam um status respeitável e que trabalhavam duro por uma boa educação para que tivessem sucesso por seu próprio mérito e ainda assim

28 SAES, Décio, Classe méda e sistema político no Brasil, São Paulo: T. A. Queiroz, 1984, p. 8. 29 Ibid., p. 12.

30 POPINIGIS, Fabiane, Proletários de Casaca: Trabalhadores do Comércio Carioca, Edição: 1. Campinas,

SP, Brasil: Editora da Unicamp, 2007, p. 48–49.

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procuravam assiduamente por relações de patronagem”32, e formada por trabalhadores dos mais variados tipos, de literatos chefes de família a guarda-livros e funcionários do comércio, passando pelos profissionais liberais. Uma das maneiras que essas pessoas adotavam para se distinguir socialmente dos trabalhadores manuais era a educação. Isso explicaria a profusão de cursos noturnos e por correspondência em São Paulo e no Rio de Janeiro entre os anos de 1930 e 1940. A ida à escola e a posse do diploma podiam fazer com que os colarinhos brancos se sentissem “‘civilizados’ de uma forma que os trabalhadores manuais não eram”33. O diploma

seria, assim uma forma de demonstração de qualificação social e status. Esse desejo pela cultura explica ainda a criação de cursos de humanidades, de bibliotecas, salas de aula e teatros no interior das associações de classe nesse período34. Em síntese, pode-se dizer que faziam parte da classe média pessoas “que temiam as classes mais baixas, desconfiavam da elite e ainda esperavam que a moralidade pudesse ancorar a ordem social.”35

Fabiane Popinigis, ao se debruçar sobre a vida e organização dos trabalhadores do comércio carioca no início da República, argumenta que eles formavam uma categoria de empregados cujas funções eram intelectuais e que possuíam uma identidade de classe, ainda que dentro dos empregados no comércio houvesse desde os caixeiros de botequins até os empregados em lojas de roupas importadas. Eles construíram sua luta política através de sua identidade de classe apesar de estarem subdivididos em categorias específicas, que tinha particularidades de hierarquia, função, sociabilidade e nas escolhas de lazer36. Ela demonstra que os trabalhadores do comércio formavam um grupo tão heterogêneo que possuíam diferentes periódicos e sindicatos para reivindicar suas demandas37.

Assim como os funcionários do comércio analisados por Popinigis, os bancários também formavam uma categoria com cultura e estilo de vida próprios. Eles tinham gostos específicos pelo vestir, pela mobília e decoração, uma forma de organização política específica, preferências por maneiras de se sociabilizar e, é claro, preferências para a ocupação do tempo livre.

Muitas vezes dentro do material analisado, os bancários se autodenominaram como “classe dos bancários”. Eles eram, de fato, membros de uma mesma categoria de trabalhadores

32 OWENSBY, Intimate Ironies, p. 9 Tradução nossa. 33 Ibid., p. 52 Tradução nossa.

34 Ibid., p. 59 Tradução nossa. 35 Ibid., p. 9 Tradução nossa.

36 POPINIGIS, Proletários de Casaca, p. 23. 37 Ibid., p. 43.

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que buscava se definir, ou se classificar, de maneira a encontrar seu lugar na sociedade paulistana. Começavam, naquele momento, a formar uma identidade e uma cultura de classe. Se identificavam como pertencentes a uma mesma realidade – a dos trabalhadores bancários – que tinham em comum condições de vida social, cultural e economicamente parecidas. Isso significa que além do local de trabalho, essas pessoas compartilhavam outros lugares de encontro na cidade: o bonde, o café, o estádio de futebol, o salão da associação. Compartilhavam ainda gostos, seja pela literatura, por artigos importados, pela música da moda, pelo que fazer durante o tempo livre. Enfim, compartilhavam a experiência, essa categoria que compreende a resposta mental de grupos ou indivíduos aos acontecimentos que interferem em seu mundo38. Esse compartilhamento da experiência fazia com que eles formassem uma identidade e cultura em comum.

Pensando na existência dessa cultura em comum, o que pretendemos é compreender como o fenômeno esportivo se torna parte dela e de que maneira ajuda a forjá-la. Para responder a essas questões acreditamos ser necessário olhar para a forma como essa classe representava e geria o esporte tanto dentro da Associação como nos clubes. Desse modo, o que se pretende fazer é uma história que encare o esporte como parte integrante da cultura dos trabalhadores bancários.

*****

A Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo foi fundada em 1923, e em 1929 foi criada a Liga Bancária de Esportes Atléticos, que tinha por finalidade organizar e gerir os esportes praticados pelos bancários, realizando campeonatos esportivos. Muitas notícias sobre os resultados dos seus jogos e campeonatos eram veiculadas nos jornais de grande circulação da cidade, o que dá indícios de que ela possuía alguma relevância no meio esportivo paulista, mesmo não fazendo parte do circuito esportivo oficial.

A fim de compreender o modo como essa classe enxergava, vivenciava e representava o esporte foram analisados os jornais da Associação entre 1929 e 194539. Através

deles foi possível acompanhar as mudanças na política da Associação e nas suas formas de atuação, além de permitir perceber as lutas travadas pelos bancários através dela. A partir disso

38 THOMPSON, E. P., A miséria da Teoria ou um planetário de erros - Uma crítica ao pensamento de

Althusser, 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 15.

39 O jornal muda de nome nesse período. Entre a fundação da Associação, em 1929 e setembro de 1939, se chamou

“Vida Bancária”. Depois disso, por causa da união com o Syn-Dikê (outro sindicato de bancários fundado em São Paulo em 1935), os órgãos dos dois sindicatos são unificados, e o jornal passa a se chamar “Folha Bancária”. Mais informações sobre esse acontecimento serão dadas no capítulo 1.

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conseguimos analisar em que momentos o esporte aparecia com maior ou menor centralidade dentro de suas políticas, como ela o utilizava, sua relação com a Liga Bancária de Esportes Atléticos e até mesmo com algumas federações esportivas.

O acesso aos jornais se deu através de uma visita à sede do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo Osasco e Região. O que buscávamos a princípio eram as atas das reuniões da diretoria da Associação, que foram pesquisadas por Leticia Bicalho Canêdo40 e

Liraucio Girardi Junior41 em seus trabalhos sobre o sindicalismo bancário. Localizado no Centro de Documentação e Memória dos Bancários (Cedoc-Bancários), o rico acervo do Sindicato passou por digitalização e sua ordem inicial foi alterada. A empresa responsável pela digitalização da documentação o deixou sem ordem, e, no momento da visita, devido à falta de funcionários, ele ainda esperava por organização. A busca foi iniciada nos arquivos digitalizados, porém, com o arquivo físico tão próximo e à disposição, pareceu mais fácil – e mais prazeroso – lidar com ele. As visitas ao acervo foram intensas. Uma semana, das 9 horas às 17 horas, com uma pequena pausa para o almoço. Conforme os dias foram passando, a desorganização do arquivo e a falta de resultados começou a pesar. As atas buscadas não poderiam estar ali. Continuando a busca, muitos documentos interessantes foram encontrados. A história dos bancários se passava diante dos olhos, mas não havia sinal da história dos esportes bancários. Já sabíamos que eles tinham alguma projeção nos meios esportivos da cidade através do contato com os periódicos de grande circulação. E tínhamos conhecimento da seção de esportes no jornal da Associação42. Se havia alguma forma de contar aquela história, ela era através dos jornais. Eles são, de fato, fontes privilegiadas para dar conta do cotidiano das pessoas, e são muito utilizados nas pesquisas sobre esporte43.

Porém, não desistimos da busca às atas da diretoria. Entramos em contato com os pesquisadores que tiveram acesso a elas, e eles confirmaram o acesso. Eram livros encadernados, escritos a mão, e bastante detalhados. Mas não estavam no acervo do Sindicato. O bibliotecário responsável pelo Cedoc dizia nunca ter visto os livros, e, apesar dos esforços e

40 CANEDO, Leticia Bicalho, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, Dissertação de Mestrado,

Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1977.

41 GIRARDI JR., Liraucio, Classe média, meritocracia e situação de trabalho: o sindicalismo bancário em

São Paulo (1923-1944), Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1995.

42 Os jornais estão todos digitalizados e disponíveis no site do Cedoc-Bancários: https://spbancarios.com.br/cedoc 43 HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MELO, Victor Andrade de (Orgs.), O esporte na imprensa e a

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de sua ajuda, não conseguimos localizá-los. Aceitar a perda dessa documentação talvez tenha sido uma das partes mais difíceis da pesquisa. Mas era preciso seguir adiante.

Entramos em contato com três clubes bancários ainda em atividade em São Paulo. Na visita à Associação Atlética Banco do Brasil- São Paulo (A.A.B.B.- São Paulo) encontramos a ata de fundação do clube, em 1935, e o livro de atas da diretoria a partir da década de 1940. Os primeiros cinco anos de registros haviam sido perdidos pelo clube. Havia ainda dois grandes livros com fotografias, que davam conta de boa parte da história da associação. Em algum momento, na ânsia de organizar as fotografias, alguém as colou nos livros, e suas informações, anotadas no verso, ficaram perdidas. Após contato com o presidente do Satélite Esporte Clube para pedir autorização para realizar a pesquisa no clube, tivemos acesso a todo o material disponível na sede de São Paulo, porém, foram encontrados apenas documentos referentes à história recente do clube. Novamente o sentimento de frustração nos abatia. Em conversas com o funcionário responsável, ele sempre dizia que havia uma “salinha” na qual poderia ter alguma coisa, mas o acesso a ela nunca acontecia, até que um dia um funcionário da limpeza a abriu. Era a sala onde guardava-se materiais de limpeza. Ali, na prateleira de baixo dos desinfetantes, estavam as caixas com os livros ata do clube. Finalmente um momento de alegria, permeado pelo pensamento sobre como nossa sociedade lida mal com a gestão da memória histórica. O contato com o Esporte Clube Banespa, apesar dos esforços envidados, se mostrou completamente infrutífero. Não teríamos acesso aos seus arquivos. Novamente era preciso aceitar e seguir com o que tínhamos: os jornais da Associação, os periódicos da grande imprensa, as poucas atas da A.A.B.B. e as atas do Satélite.

O acesso a essa documentação permitiu que se enxergasse a forma como os clubes, e não mais a Liga Bancária, entendiam o esporte, ou seja, qual era o significado dos esportes e da prática esportiva, notadamente do futebol – esporte central de um dos clubes analisados – para os atletas e dirigentes dos clubes. Entender a organização desses clubes ajudou a perceber um pouco melhor como os funcionários do Banco do Brasil se utilizavam de seu tempo livre. Em outras palavras, ajudou-nos a apreender as experiências desses agentes. Mas há algo a mais que deixa o olhar sobre esses clubes interessante. Eles são compostos por funcionários do mesmo banco: o Banco do Brasil. Mas por que, então, havia dois clubes que representavam esse mesmo banco? Esse era um caso isolado na Liga44. Apenas o Banco do Brasil tinha dois

44 CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944 afirma que havia outros bancos com mais de

um clube, mas não apresenta seus nomes. Em nossa pesquisa documental não foram encontrados outros casos além do do Banco do Brasil. Pode ser que, se houvesse outros clubes de mesmo banco, eles não fossem filiados à Liga Bancária.

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clubes filiados, que participavam do campeonato e se enfrentavam. O que teria levado os funcionários desse banco a se dividirem em clubes diferentes, se trabalhavam no mesmo estabelecimento bancário? Essa questão era instigante. Para respondê-la, seria preciso compreender o momento histórico no qual o episódio se deu e a organização dos bancários naquele momento.

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O primeiro governo Vargas (1930-1945) foi um período de intensas mudanças políticas e sociais no Brasil. Esse período teve diversas interpretações historiográficas. A mais comum talvez seja a de que ele foi marcado pela prática do populismo, resultado da propaganda política e da repressão social. Segundo essa interpretação a repressão política se dedicou a eliminar os setores mais combativos da classe, minando as bases de um sindicalismo mais avançado. De outro lado, a propaganda voltou seus esforços para os trabalhadores que não tiveram acesso ao movimento sindical, inculcando em suas mentes crenças e valores baseados na mentira. Nesse cenário os trabalhadores brasileiros do período tiveram acesso à direitos sociais, mas não a direitos políticos, trocando benefícios de legislação por submissão política. Aqui, são levadas em conta apenas questões econômicas, olhando-se para os cálculos utilitários feitos pela classe trabalhadora. Outra interpretação sobre o período é a que destaca o teor totalitário do regime. Essa interpretação multiplica a capacidade de repressão do Estado e amplia ao máximo a eficácia da propaganda política, aproximando o governo Vargas dos de Hitler e Stalin.45

Há ainda uma terceira via interpretativa que deve ser destacada: ela afirma que a aceitação dos trabalhadores ao novo regime se deu na forma de pacto. Segundo essa interpretação o governo criou uma série de políticas públicas voltadas para o trabalhador, iniciando uma nova forma de relação entre Estado e classe trabalhadora. Ela não nega os cálculos utilitários feitos pela classe trabalhadora, mas inclui no escopo de dimensões a serem analisadas a política e a cultural. Assim, a simples troca de obediência política por legislação social não basta para compreender o período. Para Angela de Castro Gomes,o Estado resgatou os valores e a imagem do trabalhador vigentes durante a Primeira República, deu-lhes novos significados, e apresentou-os como seus.

A classe trabalhadora, por conseguinte, só “obedecia” se por obediência política ficar entendido o reconhecimento de interesses e a necessidade de retribuição. Não havia,

45 FERREIRA, Jorge Luiz, Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945), Rio de Janeiro:

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neste sentido, mera submissão e perda de identidade. Havia pacto, isto é, uma troca orientada por uma lógica que combinava os ganhos materiais com os ganhos simbólicos da reciprocidade, sendo que era esta segunda dimensão que funcionava como instrumento integrador de todo o pacto46.

Ou seja, não havia conformismo com a situação política ou social vivida pela classe trabalhadora. Jorge Ferreira mostra, através das cartas escritas por pessoas comuns para Getúlio Vargas, que o aparente conformismo demonstrado nas solicitações feitas por aquelas pessoas ao presidente era na verdade uma estratégia para alcançarem seus objetivos. Ao manipularem o “arcabouço doutrinário e prático do Estado varguista, selecionavam aquilo que poderia beneficiá-los – a legislação, os discursos sobre a família, o trabalho, o progresso, o bem-estar etc. – e deixavam de lado todo o aparato autoritário, repressivo e excludente”47, mas isso não significa que desconheciam esse aparato. Porém o limite da crítica era a contestação e negação das regras autoritárias. Ou seja, aceita-se para poder avançar na conquista de objetivos48.

É nesse cenário político que o presente trabalho está inserido. O recorte temporal adotado é composto pelos anos entre 1929 e 1945, abrangendo, então, todo o primeiro governo Vargas. Contudo não se trata aqui de uma periodização externa ao objeto, com uma delimitação marcada exclusivamente por uma história política, mas sim a adoção da data inicial a partir do momento de fundação da Liga Bancária de Esportes Atléticos. A adoção do ano de 1945 como final se explica pelo fato de ser nesse momento que as tensões entre os clubes analisados (A.A.B.B.-São Paulo e Satelite) se apaziguam, sendo possível observar como o fenômeno esportivo ajudou na consolidação de uma cultura comum aos bancários.

Podemos dizer, então, a título de síntese, que a problemática em torno da qual o presente trabalho gira é a de compreender o modo como o futebol em particular, e os esportes de maneira geral, se tornaram parte de uma cultura comum dos bancários, ajudando na sua formação. O que se pretende, dessa forma, é fazer uma história do futebol, que consiga enxergar e compreender como o jogo se desenvolveu, ao mesmo tempo em que volta seu olhar para a identidade e a cultura de uma categoria de trabalhadores.

Durante o primeiro governo Vargas houve uma sistemática aproximação entre Estado e esportes. Foi nesse momento – notadamente durante o Estado Novo – que o Estado passou a geri-los mais de perto, criando uma série de legislações que incidiam sobre esse objeto.

46 GOMES, Angela de Castro, A Invenção do Trabalhismo, 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 195. 47 FERREIRA, Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945), p. 43.

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Essa aproximação tem como justificativa adequar as práticas esportivas à ideologia do regime. Devido à incapacidade do mundo esportivo de conter a indisciplina em campo, houve a construção de um sistema jurídico esportivo que tinha como base o Direito Penal49. Foi também nesse momento que o futebol foi utilizado para ajudar na construção da imagem do presidente Getúlio Vargas, bem como na criação de uma identidade nacional. Vargas utilizava os estádios de São Januário, no Rio de Janeiro, e do Pacaembu, em São Paulo, como palco de solenidades oficiais – notadamente as do Dia do Trabalhador – que reuniam milhares de pessoas promovendo um congraçamento cívico. As tentativas de criação de uma identidade nacional tinham como grandes propagandistas cronistas esportivos como Mario Filho e Thomaz Mazzoni50.

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O esporte como parte da cultura da classe trabalhadora já foi visitado por diversos pesquisadores. É possível, a partir desses estudos, afirmar que ele faz parte da cultura dos mais diversos trabalhadores ao redor do mundo. Uassyr Siqueira51, ao analisar clubes recreativos de bairros paulistanos com grande presença operária entre os anos de 1890 e 1920 demonstrou que muitos desses clubes tinham como objetivo, além da organização dos momentos de lazer dos trabalhadores, fornecer auxílios diversos para seus sócios. Eles mantinham bibliotecas, proporcionavam espetáculos, diversões lícitas e aulas que pudessem ser úteis a seus associados. No entanto, a relação entre esses clubes e os Sindicatos e Ligas Operárias não era pacífica. Os anarquistas acreditavam que as práticas de lazer difundidas nos bairros operários, principalmente a dança e o futebol, eram prejudiciais aos trabalhadores e suas lutas. Assim, ao invés de se juntarem ao redor desses passatempos, eles deveriam ingressar nos seus sindicatos. A crítica aos clubes recreativos tinha ainda como objetivo evitar a separação entre os sócios, que era promovida nos clubes por meio de sua hierarquização, divididos entre contribuintes, honorários e beneméritos.

49 Para saber mais sobre a criação da Justiça Desportiva durante o Estado Novo ver: SOARES, Jorge Miguel

Acosta, Justiça desportiva: o Estado Novo entra em campo (1941-1945), Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

50 DRUMOND, Maurício, Estado novo e esporte: a política e o esporte em Getúlio Vargas e Oliveira Salazar

(1930 - 1945), Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2014; COUTO, Euclides de Freitas, Da ditadura à ditadura: uma história política do futebol brasileiro (1930 - 1978), Niterói: Editora da UFF, 2014; SOARES, Justiça desportiva: o Estado Novo entra em campo (1941-1945).

51 SIQUEIRA, Uassyr de, Entre Sindicatos, Clubes e Botequins: Identidades, associações e lazer dos

trabalhadores paulistanos (1890-1920)., Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2008.

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Edivaldo Góis Junior e Carmen Lúcia Soares52 ao analisarem as práticas de educação física por parte da juventude comunista no Rio de Janeiro durante a década de 1930 afirmam que grupos juvenis vinculados a movimento políticos, como comunistas e integralistas, buscaram legitimar seus objetivos através das práticas de educação física – por eles entendidas como práticas ligadas aos esportes, jogos e ginásticas – a fim de fazerem crescer sua influência sobre grupos formais e informais de jovens atletas. A educação física constituiria, então, “um espaço de interesse para atuação política”53. Por isso, os comunistas, através do jornal A Manhã,

fomentavam a aproximação com clubes do subúrbio carioca. A discussão sobre amadorismo e profissionalismo também estava presente, uma vez que eles entendiam que o profissionalismo – e sua consequente mercantilização de jogadores – dificultaria o acesso popular aos esportes. Em outros contextos nacionais foram identificadas relações diferentes entre organizações de trabalhadores e esportes. Na Finlândia houve a criação de uma Federação Finlandesa de Esportes de Trabalhadores (TUL) em 1919. Ela tinha como objetivo fazer uma luta no campo da cultura e não uma luta partidária, se colocando contra a Federação Finlandesa de Ginástica e Esportes (SVUL) e tentando alcançar uma cultura esportiva ideal para os trabalhadores. Utilizava ainda o esporte como forma de aliviar os problemas físicos e mentais decorrentes de um trabalho monótono. Os clubes a ela filiados estavam ligados a associações e sindicatos de trabalhadores. Eles viam no esporte uma forma de atrair mais trabalhadores. Tinham como objetivos representar a cultura da classe trabalhadora, formar novas tradições, se diferenciar da cultura burguesa e promover a imagem de um corpo saudável.54

Na Inglaterra, entre meados dos anos 1920 e 1930 houve a criação da British Workers’ Sports Federation (BWSP), dedicada, como o próprio nome indica, a gerir o esporte operário no país. Criada por apoiadores do Labour Party, em 1928 passa a ser controlada por comunistas, que logo entendem a importância do esporte para os trabalhadores. Havia incentivo ao esporte operário, mas o esporte tido como capitalista não era bem visto, ainda que não haja formalmente nenhum impedimento em um amante de futebol ser engajado no sindicato do qual faça parte. Havia campeonatos específicos para esses clubes, e o profissionalismo era

52 GÓIS JUNIOR, Edivaldo; SOARES, Carmen Lucia, Os comunistas e as práticas de educação física dos jovens

na década de 1930 no Rio de Janeiro, Educação e Pesquisa, v. 44, p. 1–20, 2018.

53 Ibid., p. 11.

54 KESKINEN, Lauri, Working-class Sports Clubs as Agents of Political Socialisation in Finland, 1903–1923,

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condenado por ser entendido como uma forma de deixar o trabalhador em situação pior do que a que se encontrava55.

Olhar para esses trabalhos que tratam de contextos diversos em diferentes lugares do Brasil e do mundo, em momentos históricos próximos nos ajuda a compreender que há semelhanças e distinções na forma como o esporte voltado aos trabalhadores foi encarado e organizado nos diferentes locais, não sendo plausível uma interpretação homogênea que descreva de forma uniforme a experiência que envolveu as práticas esportivas por parte de diferentes sujeitos, ainda que em um mesmo recorte temporal.

Por isto, em particular, no tratamento e análise das fontes estudadas a partir das delimitações desta problematização, optamos em organizar este trabalho da seguinte forma: no primeiro capítulo, trataremos da estrutura da Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo, de quem eram os bancários, da periodização adotada e da Liga Bancária. Do segundo ao quarto capítulo, trataremos da experiência dos bancários com relação aos esportes em cada um dos períodos estabelecidos. Assim, no capítulo 2, olharemos para os anos entre 1929 e 1932, que tinha uma visão de esporte muito próxima dos ideais higienistas. Nesse período o esporte vai ganhando espaço no jornal da Associação e passa a ser discutido como uma forma de manutenção da saúde, desde que praticado com moderação. No capítulo 3, nos deteremos aos anos de 1933-1935, momento em que os esportes praticamente desaparecem do órgão oficial da Associação, e que converge com um momento de maior engajamento político de suas lideranças. Nesses anos, esporte e política se misturaram de maneira indissociável, e os resultados da greve de 1934 foram a criação de um outro sindicato e deu uma outra organização esportiva entre os bancários. No capítulo 4, o foco serão os anos entre 1936 e 1945, em que o esporte foi visto como forma de entretenimento e congraçamento em um sindicato corporativista. Aqui, olharemos para os clubes para compreender de que maneira os bancários se utilizavam de seu tempo livre, com práticas que iam além do esporte, em locais teoricamente dedicados apenas a ele.

55 JONES, Stephen G., Sport, politics and the labour movement: the British workers’ sports federation, 1923–

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1. Os bancários, sua associação e seu universo esportivo

Os bancários formavam uma categoria bastante numerosa nos anos 1930. Eles eram divididos, de acordo com suas funções, entre escriturários ou funcionários administrativos e contínuos. Os primeiros trabalhavam na administração do banco. Eram gerentes, subgerentes, contadores, procuradores, escriturários, caixas, correntistas etc. Suas funções estavam ligadas às atividades-fim dos bancos. Já os contínuos eram funcionários do quadro de portaria. Eram porteiros, vigias, ascensoristas, telefonistas etc. e tinham funções ligadas às atividades-meio das agências. Eles eram trabalhadores subalternos, e não eram considerados parte do quadro de funcionários bancários. Mesmo trabalhando nas agências56, recebiam salários diferentes, ainda que não fosse formalizada a divisão salarial por categoria nos bancos, o que só aconteceria em 1945.

Os salários variavam muito de banco para banco e dentro do próprio banco, como é possível constatar nas tabelas feitas pela Associação, em meados dos anos 193057 e nos

diversos artigos que tratam das condições de vida dos bancários, além dos referentes à campanha pelo Salário Mínimo, que teve início em 1934. Várias vezes o salário médio dos bancários, entre 1933 e 1936 foi apresentado pela Vida Bancária como sendo de 300$000 (trezentos mil réis). Em um número de 1942, tratando da composição salarial média dos bancários em 1935 e 1941, temos as seguintes cifras58:

Tabela 1 – Média salarial nos bancos

Bancos 1935 1941 Acrescimo

Um grande Banco nacional 612$000 934$000 52% Um pequeno Banco nacional 532$000 631$000 16% Um grande Banco extrangeiro 950$000 1:398$000 47% Um pequeno banco extrangeiro 415$000 864$000 108%

Fonte: MEMOLO NETO, P., Folha Bancária, O salário bancário e a carteira predial do instituto, 10. ed. p. 12, jun. de 1942.

56 KAMARADA, Vida Bancaria, Julgamento indefinido, 141. ed. p. 2, 20 de abr. de 1935; CANEDO, O

Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 22.

57 As tabelas foram feitas de maneira manuscrita, e apresentam cargo inicial e atual, escolaridade, salário inicial,

atual e anual com gratificações, estado civil, idade, tempo de serviço, número de filhos, número de pessoas que sustenta, instrução e necessidade de subsistência. CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 27 as apresenta como se fossem de 1935. GIRARDI JR., Liraucio, Classe média, meritocracia e situação de trabalho: o sindicalismo bancário em São Paulo (1923-1944), Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1995, p. 83 as apresenta como enquete realizada pelo sindicato na Campanha pelo Salário Mínimo, em 1934. As tabelas encontradas no Sindicato tinham apenas uma anotação de que foram produzidas na década de 1930, sem maiores especificações.

58 Essa é uma média que leva em consideração o salário dos chefes e gerentes, e, por isso, segundo o jornal, é mais

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Nesse mesmo artigo é apresentada uma estatística feita pelo Ministério da Fazenda sobre o custo de vida no Rio de Janeiro entre 1912 e 1941. Expõem-se como necessário para a subsistência de uma família de 7 pessoas o orçamento mensal de 1:828$000 (um conto, oitocentos e vinte e oito mil réis) para o ano de 1935 e de 2:823$000 (dois contos, oitocentos e vinte e três mil réis) para 1941. O jornal toma por média uma família de 4 pessoas, e apresenta os índices médios de 1:040$000 (um conto e quarenta mil réis) para 1935 e 1:600$000 (um conto e seiscentos mil réis) para 1941 tomando esses números como o mesmo que uma família de 4 pessoas em São Paulo precisaria para sua subsistência. Em outro artigo, esse de 1938, o jornal afirma que a média de salário dos funcionários do Banco Commercial do Estado de S. Paulo era de 400$000 (quatrocentos mil réis), enquanto o presidente ganhava 5:000$000 (cinco contos de réis) e o superintendente 12:000$000 (doze contos de réis)59. Em 1943 o Salário Mínimo era de 360 cruzeiros60e em 1944 o ordenado médio dos bancários de 700 cruzeiros61. Todos esses números demonstram a dificuldade em definir a média salarial dos bancários e qual o seu padrão de vida – algo bastante subjetivo, uma vez que é preciso levar em consideração questões como alimentação, saúde, moradia, vida familiar, utilização do tempo livre, educação etc., tornando a linha entre padrão de vida e modo de vida bastante tênue62 – porém, é possível perceber a partir dos dados apresentados que se tratava de uma classe de trabalhadores que ganhava mais do que o Salário Mínimo do Estado de São Paulo, que, aprovado em junho de 1939 era de 200$000 (duzentos mil réis) para a zona da capital e de 140$000 (cento e quarenta mil réis) para o interior63.

Olhar para os salários dos bancários do Rio Grande do Sul pode dar margem para uma comparação interessante quanto aos ganhos dessa classe em outro local que não São Paulo. Escreve um bancário gaúcho para a Vida Bancária, em 1935:

A maioria dos bancarios desta praça percebe um salario variavel de 150$000 a 300$000 mensais, o qual dá escassamente para as despeças forçadas do mês, visto como a vida nesta cidade é muito cara.

Há bancários que percebem um ordenado de 1500$000, como um irmão meu que trabalha no Banco Noroeste, que só se mantem com esse ordenado porque papai lhe dá pensão, ficando a migalha de 150$000 para comprar roupas, calçados, chapéu, etc.

59 A media dos vencimentos do pessoal do Banco Commercial do Estado de S. Paulo, Vida Bancaria, 172. ed.

p. 1, 25 de mai. de 1938.

60 Operários paulistas reclamam contra a alta do custo de vida, Folha Bancária, 23. ed. p. 3, fev. de 1945. 61 Ao lado da multiplicação dos bancos floresce a miséria dos bancários ..., Folha Bancaria, 21. ed. p. 6, jul. de

1944.

62 THOMPSON, E. P., A formação da classe operária inglesa - A maldição de Adão, 2. ed. São Paulo: Paz &

Terra, 2012, p. 43.

(34)

Eu por exemplo percebo 400$, porque fui aumentado em 50$000 em Junho p. passado, depois de suar quasi um ano com insistentes reclamações, pois minha despesa forçada é de 100$000 de aluguel de casa; pago agua, 20$; luz 15$000; armazem de 80$ a 100$; lenha (uma carroça apenas dá para um mês) 24$000; leite, 24$000 (1 litro diario a 800$); açougue, 25$ compreendendo carne e toucinho, que talvez nem mesmo 25$000 dêem para pagar; padaria, 21$000, farmaria (mês em que pago pouco) 10$000, por cima. [...]64

Percebemos que a média salarial dos bancários no Rio Grande do Sul não diferia muito da média dos paulistanos e o autor insere um dado interessante em sua narrativa: o custo de vida. Muito se falou sobre o assunto, principalmente durante a campanha pelo Salário Mínimo. A tabela abaixo mostra o custo de vida na cidade de São Paulo, para uma família de 5 pessoas, nos anos de 1935, 1939 e 1943, em cruzeiros:

Tabela 2 – Custo de vida na cidade de São Paulo65

64 Também o salario fome no Rio Grande do Sul, Vida Bancaria, 155. ed. p. 2, 30 de nov. de 1935.

65 “O gráfico acima, organizado pelo ‘Boletim Semanal’ da Associação Comercial de São Paulo, mostra-nos o

que foi o aumento do custo de vida, na cidade de S. Paulo, para uma família de 5 pessôas de categoria média, categoria em que se pode enquadrar a classe bancária. Verifica-se de 1935 a Setembro de 1943 um aumento no custo de vida de quase 60%. De 1939 a Setembro de 1943 esse índice é de cerca de 40%. Note-se que certas verbas fôram calculadas com grande otimismo, como as que dizem respeito a Alugueis, Indumentária e Escola. Deve-se também assinalar que de Setembro de 1943 a esta data, maior alta se tem observado no custo de todas as utilidades.”

(35)

Custo de vida na cidade de São Paulo

Orçamento mensal para uma familia de 5 pessoas

1935 1939 1943

Aumento 1935 a

1943

Assuntos Unidades Média

cruzeiros Média cruzeiros Setembro cruzeiros % HABITAÇÃO Aluguel mês 300 340 380 26,5 Agua - 8,4 8,4 8,4 Gás ou Carvão - 32 35 47 45,9 Luz - 10,8 10,8 10,8 Porcentagem s. o Total % 351,2 394,2 446,2 27 35,3 33,9 20,3 ALIMENTAÇÃO Açucar 10 kg 11 13 21 91 Arroz 12 kg 15,6 20,4 28,8 84,6 Batatas 15 kg 12 18 27 125 Café 4 kg 14 16 24,8 75,8 Carne e Linguiça 18 kg 43,2 54 88,2 194,2 Cebolas e condiment. - 10 14 20 100 Farinha de Trigo 4 kg 4 4,8 8 109 Feijão 8 kg 5,6 8 12,8 128,5 Frutas - 12 18 25 108 Legumes e Verduras - 16 20 32 107 Leite 45 ls 36 45 58,5 62,5 Macarrão 4 kg 4,8 6 10 116,6 Manteiga 1 kg 7,5 10,4 16 113,2 Oleo 6 ls 14 15,6 36 150

Ovos e Queijo 5 duz. 15 20 27 80

Pão 45 kg 45 49,5 76,5 70 Divers. Aliment. - 26 30 42 61,5 Porcentagem s. o Total % 292,1 362,7 558,8 89,4 29,3 31,2 35,1 OUTRAS DESPESAS Indumentária - 140 160 250 78,5 Consertos - Tinturaria - 22 26 36 63,3

Moveis. Utens. Domest. - 60 70 105 75

Médico. Remédios - 16 20 27 68,8 Escola - 40 45 55 37,5 Condução - 40 40 40 Diversos - 35 45 65 63,7 Porcentagem s. o Total % 353 406 578 35,4 34,9 36,5

Total das Despesas 996,2 1162 1579 58,4

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