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Criminalização do aborto voluntário no brasil versus a liberdade de escolha da mulher

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Academic year: 2021

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WILLIAM MOTTA DE OLIVEIRA

CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO VOLUNTÁRIO NO BRASIL VERSUS A LIBERDADE DE ESCOLHA DA MULHER

Ijuí (RS) 2017

(2)

WILLIAM MOTTA DE OLIVEIRA

CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO VOLUNTÁRIO NO BRASIL VERSUS A LIBERDADE DE ESCOLHA DA MULHER

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DECJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador

:

MSc

.

Marcelo Loeblein dos Santos

Ijuí (RS) 2017

(3)

Dedico este trabalho a todos os que acreditaram em mim e me apoiaram nesta longa jornada, mesmo nos momentos difíceis.

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e namorada, por acreditarem em mim e me fornecerem apoio.

A meu orientador pela dedicação, sinceridade e disponibilidade sempre que foi necessário.

Aos meus amigos e colegas pela compreensão e ajuda nos mais diversos momentos desta longa caminhada.

(5)

“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros. ”

(6)

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica visa abordar sobre a polêmica discussão acerca da legalização da interrupção voluntária da gestação, pauta que, não obstante o fato de ser abordada há décadas no Brasil, nunca obteve a devida atenção do legislador. O objetivo da pesquisa é demonstrar que criminalizar a interrupção voluntária da gestação, além de resultar em mortes que poderiam ser evitadas, penaliza as camadas mais vulneráveis da sociedade e priva a mulher de escolher sobre o seu próprio destino, assim como o seu próprio corpo, criando um problema de saúde pública e afrontando o direito fundamental à dignidade da pessoa humana, a partir do método de abordagem hipotético-dedutiva e pesquisa do tipo exploratória. Diante disso, o tema proposto para essa pesquisa é a criminalização do aborto voluntário no Brasil versus a liberdade de escolha da mulher. Para tanto, se estudará o contexto histórico do aborto, a visão do ordenamento legal brasileiro sobre o assunto e o posicionamento de outros países sobre tal, bem como as suas consequências na prática.

Palavras-Chave: Direitos Fundamentais. Aborto. Direito Comparado. Direito Penal.

(7)

ABSTRACT

The present work of monographic research aims to bring to the fore the controversial discussion about the legalization of voluntary interruption of gestation, an agenda that, despite being addressed for decades in Brazil, has never received the due attention of the legislator. The aim of the research is to demonstrate that criminalizing the voluntary termination of pregnancy, in addition to resulting deaths that could be avoided, penalizes the most vulnerable sections of society and deprives a woman of choosing her own destiny as well as her own body’s, creating a public health problem and confronting the fundamental right to the dignity of the human person, based on the hypothetical-deductive approach and exploratory-type research. Considering this, the proposed theme for this research is the criminalization of voluntary abortion in Brazil versus women's freedom of choice. To do so, will be studied the historical context of abortion, the vision of the Brazilian legal system on the subject and the position of other countries on such, as well as its consequences in practice.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9

1 O ABORTO VOLUNTÁRIO NO BRASIL...11

1.1 O início da vida humana...11

1.1.1 Cinco teses da ciência...12

1.1.2 As religiões e o aborto...14

1.1.2.1 O cristianismo e o aborto...14

1.1.2.2 O islamismo e o aborto ...15

1.1.2.3 O hinduísmo e o aborto ...16

1.2 O aborto em números no Brasil e no mundo...16

1.2.1 Tipos aborto e seus métodos...18

1.3 A criminalização do aborto no direito brasileiro...21

1.4 Resistência à legalização do aborto...24

2 O ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...27

2.1 Avanços acerca do tema...27

2.1.1 O projeto de lei nº 1.135/91...28

2.1.2 Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 422...29

2.1.3 Habeas corpus 124.306/Rio de Janeiro...31

2.1.4 As excludentes de ilicitude e a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 54...33

2.1.5 A ação direta de inconstitucionalidade nº 5.581...35

2.2 O aborto no direito comparado...37

2.3 A legalização do aborto como alternativa ao problema de saúde pública ...44

2.3.1 Os movimentos sociais na luta pela legalização...44

2.4 A criminalização do aborto como uma questão de saúde pública e a afronta à dignidade da pessoa humana...47

CONCLUSÃO...50

(9)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresentará um estudo sobre o conflito entre a criminalização da interrupção voluntária da gestação no Brasil e a liberdade de escolha da mulher sobre seu próprio corpo, haja vista que possui os mesmos direitos reprodutivos do homem, assegurados pela Constituição Federal.

Para tanto, na realização do presente texto será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo e a pesquisa será do tipo exploratório. Utilizar-se-á no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas e em meios eletrônicos, visando buscar, das mais diversas fontes, informações, conhecimento e opiniões sobre o tema, a fim de que seja demonstrado a importância de uma análise mais aprofundada na questão do aborto no Brasil como um sério problema de saúde pública a ser enfrentado.

No primeiro capítulo, abordar-se-á as diferentes teorias sobre o início da vida humana, trazendo as diversas opiniões da ciência e de diferentes religiões, contrapondo-as com o que determina a legislação brasileira. Serão, também, trazidos à baila os métodos utilizados no abortamento. Outrossim, ao final será realizado um estudo da forma como o aborto é abordado atualmente na legislação penal brasileira.

No segundo capítulo, será estudado sobre o aborto no ordenamento jurídico brasileiro, buscando demonstrar um contexto histórico da proibição do procedimento. Tratar-se-á, também, a respeito dos avanços acerca do tema, através de projetos de lei e jurisprudências, bastante recentes ou não. Buscará analisar também o aborto sob o viés do direito comparado, demonstrando a visão de diversos países sobre o

(10)

assunto, tentando traçar paralelos entre a legislação estrangeira e a brasileira, a fim de trazer exemplos de eficácia na aplicação da lei que poderiam ser empregados no no Brasil. Por fim, apresentar-se-á a legalização da interrupção voluntária da gestação como uma alternativa ao problema de saúde pública enfrentado atualmente no país.

A partir desta pesquisa, buscar-se-á apresentar a legalização do aborto voluntário como uma forma de garantir o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais à dignidade da pessoa humana, à cidadania, à não discriminação, à inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade de gênero, à saúde e o planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas, bem como a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante.

(11)

1 O ABORTO VOLUNTÁRIO NO BRASIL

Apesar da ilicitude, todos os anos milhões de mulheres, de forma clandestina e ilegal, interrompem gestações indesejadas, por inúmeros motivos, seja por não ter condições socioeconômicas de criar e sustentar uma criança, ou em razão de deformações do feto.

Entretanto, devido à falta de regulamentação deste procedimento, muitas dessas mulheres vêm a óbito ou ficam permanentemente impossibilitadas de terem filhos, em sua maioria, aquelas que não têm condições de pagar por clínicas clandestinas melhor estruturadas, revelando a criminalização do aborto como uma forma de eugenia social, causando um verdadeiro problema de saúde pública e afrontando os direitos à dignidade humana da mulher e liberdade de escolha sobre seu próprio corpo.

O principal impasse nesta discussão se encontra no que tange ao fato do aborto caracterizar, ou não, um crime contra uma vida humana, trazendo à baila uma pluralidade de teorias sobre o início da vida, propriamente dita. Tais posicionamentos são utilizados ao argumentar de forma favorável ou contrária à descriminalização.

Contudo, acredita-se que no atual contexto social, não há mais que se falar em criminalização de um ato cuja prática cabe, tão somente, à mulher decidir, com sua consciência e seus valores, uma vez dona de seu próprio corpo e ciente da complexidade e riscos a serem levados em conta.

Deste modo, o presente capitulo busca tratar acerca das teorias a respeito do início da vida humana e trazer dados sobre o aborto em um contexto histórico e estatístico, demonstrando, também, projetos que oferecem resistência a legalização do aborto no país.

1.1 O início da vida humana

Quando se trata sobre a interrupção voluntária da gestação, é inegável que uma das questões mais polêmicas gira em torno do momento em que se inicia a vida

(12)

humana, pois não há consonância entre as diferentes teorias a respeito do tema, conforme explanado nas palavras de Tessaro (2008, p. 38):

Até o momento, não existe consenso na ciência, filosofia ou religião, sobre qual o momento em que se inicia a vida. Destacam-se algumas posições majoritárias, tais como a fecundação, nidação ou o início da atividade cerebral, entretanto, todas elas são passíveis de questionamentos, traduzindo-se não raras vezes, num debate apaixonado baseado mais num ato de fé do que na razão.

O ordenamento jurídico brasileiro menciona, no artigo 2º do Código Civil de 2002 que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, entretanto, a lei não especifica quando pode ser determinado o início da vida. A respeito do referido artigo, Farias et. al. (2017. p. 29) aduz que:

A proteção que a lei confere ao ser humano em gestação no útero materno merece atenção especial. O nascituro já é sujeito de direito, embora ainda não possa ser considerado pessoa, o que justifica que a proteção concedida aos seus interesses fique condicionada ao seu nascimento com vida.

Neste sentido, a própria ciência tem inúmeras respostas para a mesma pergunta, uma vez que, com o avanço tecnológico, cada vez mais surgem novas descobertas acerca do tema. Conforme explana Tessaro (2008. p. 2):

Os novos recursos de diagnóstico pré-natal e o advento das técnicas de reprodução assistida trouxeram novo fôlego para as discussões sobre o momento em que se deve considerar existente a vida humana, inclusive no que se refere a sua proteção jurídico-penal. Isso porque, no que concerne ao diagnóstico pré-natal, atualmente é possível conhecer detalhadamente as etapas do desenvolvimento embrionário e fetal, inclusive com a detecção de anomalias que comprometam sua viabilidade extra-uterina.

Atualmente fala-se em “genética”, “manipulação do DNA (Ácido desoxirribonucleico)”, “bebês de proveta”, feitos completamente inimagináveis há poucos anos atrás. Entretanto, as próprias respostas trazidas pela ciência diferem entre si, sendo cinco as principais teses, como será tratado a seguir.

1.1.1 Cinco teses da ciência

(13)

humana, denotam-se cinco visões divergentes: a visão genética, a visão embriológica, a visão neurológica, a visão ecológica e a visão metabólica.

Conforme Muto e Narloch (2005, p. 64), segundo a visão genética “a vida humana começa na fertilização, quando espermatozoide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único. Assim é criado um novo indivíduo”. Cabe mencionar que tal posicionamento é o mesmo tomado pela Igreja Católica, sobre qual será aprofundado mais adiante.

Na visão embriológica, os autores esclarecem: “a vida começa na terceira semana de gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isso porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas.”. Esta visão justifica a possibilidade de se utilizar a chamada “pílula do dia seguinte” sem ser considerado um aborto voluntário.

Acerca da visão neurológica, Tessaro (2008, p. 41) aduz que “[...] no terceiro mês de gravidez, com a constituição dos hemisférios cerebrais, já é possível fazer a distinção entre um organismo vivo humano dos demais primatas.” Nesta mesma seara Sarmento (2005, p. 30) relata:

[...] pelo menos até a formação do córtex cerebral - que só acontece no segundo trimestre de gestação -, não há nenhuma dúvida sobre a absoluta impossibilidade de que o feto apresente capacidade mínima para a racionalidade. Antes disso, o nascituro não é capaz de qualquer tipo de sentimento ou pensamento.

A visão ecológica, para Muto e Narloch (2005. p. 64) determina que o início da vida se dá no momento que o feto adquire capacidade de sobreviver fora do útero. Um bebê só se manteria vivo após os pulmões completamente formados o que ocorre após cerca de 20 a 24 semanas de gravidez.

Por fim, a visão metabólica, refere que “a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início.” (MUTO; NARLOCH. 2005. p. 64). Para essa corrente, o óvulo e o espermatozoide já possuem tanta vida quanto qualquer ser humano já desenvolvido.

(14)

1.1.2 As religiões e o aborto

Não obstante o fato de ser, teoricamente, um estado laico, conforme o estabelecido no Decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890, o Brasil ainda possui grande influência da religião em seu ordenamento jurídico penal já defasado (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.), tornando o debate da descriminalização do aborto em uma discussão moral, desprendendo-se do viés jurídico e científico

Além do Brasil, a religião desempenha papel fundamental na proibição do aborto em outros países em que é grande a sua presença. Apesar de algumas exceções, geralmente em países nos quais há grande presença religiosa na política, o aborto é proibido em qualquer hipótese. A seguir, tratar-se-á a respeito da visão das religiões com o maior número de adeptos sobre o aborto.

1.1.2.1 O cristianismo e o aborto

O cristianismo, religião com mais adeptos no mundo, sempre possuiu importante papel na estigmatização do aborto, baseada no preceito de que a vida é uma criação de Deus e que abortar seria tirar uma vida humana, sendo, assim, um sacrilégio, punindo-se com excomunhão, a qual Houaiss (2017. p. 1) define como “penalidade da Igreja católica que consiste em excluir alguém da totalidade ou de parte dos bens espirituais comuns aos fiéis”.

Para o cristianismo, a vida começa já no momento da fecundação, conforme a citação bíblica “Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio da tua mãe, Eu te consagrei” (Jeremias 1:5), ou seja, conforme Narloch e Muto (2005. p. 64) “quando o óvulo é fertilizado forma um ser humano pleno e não é um ser humano em potencial”, tanto é que segundo Arias (2015. p. 1) “As mulheres cristãs que abortaram foram sempre vistas pela Igreja como as grandes pecadoras a quem só um bispo podia perdoar”, o que evidencia a contrariedade em relação ao procedimento.

(15)

A Igreja Católica é, das adeptas do cristianismo, provavelmente, a mais severa em relação ao aborto, uma vez que considera que o feto já está vivo no momento da sua concepção. Conforme afirma Arias (2015. p.1):

As Igrejas protestantes, em geral, mesmo considerando que o aborto fere o princípio do respeito à vida, são mais liberais que a Católica. A Igreja Anglicana, por exemplo, permite o aborto antes das 28 semanas. Os metodistas deixam à mulher a liberdade de abortar, “após uma profunda meditação”, ou seja, com responsabilidade. Entre os luteranos, existem duas correntes: a radical, que se identifica com a católica oficial; e a mais liberal, que permite o aborto sob certas condições.

Assim, cabe mencionar o discurso de Papa Francisco (PULELLA. 2014. p. 1), atual líder maior da Igreja Católica no qual aduziu que “É horrível até mesmo pensar que há crianças, vítimas do aborto, que jamais verão a luz do dia”, deixando claro que apesar da polêmica, a instituição parece manter a visão conservadora.

1.1.2.2 O islamismo e o aborto

O Islamismo é a segunda maior religião do mundo em número de adeptos, possuindo hoje no mundo 1,6 bilhão de pessoas que se designam muçulmanas. A maioria dos muçulmanos (62%) está na região Ásia-Pacífico e o maior país muçulmano é a Indonésia (RUIC. 2017).

Isto posto, em algumas correntes o islamismo permitem o aborto até o quarto mês de gestação (SCHLESINGER; PORTO. apud BALBINOT. p. 100. 2003). Entretanto, apesar de majoritária, esta visão não é unânime. Acompanhe-se a explanação de Al-Karadhawi (n.d. p.1):

Os juristas Muçulmanos concordam unanimemente que depois que o feto está completamente formado e recebeu uma alma, é ilícito abortá-lo. E é também um crime, cuja consumação é proibida ao Muçulmano porque representa uma ofensa contra um ser humano completo e vivo. Os juristas insistem no pagamento obrigatório de indenização de sangue se a criança houver sido abortada viva morrendo em seguida, sendo a compensação um pouco menor se ela tiver sido abortada já morta.

Outrossim, algumas correntes do Islã afirmam que o aborto só poderia ser permitido após os quatro primeiros meses de gestação em casos que ofereçam riscos à vida da gestante ou em caso de estupro violento (PEW RESEARCH CENTER. p. 3. 2013).

(16)

1.1.2.3 O hinduísmo e o aborto

O Hinduísmo figura atualmente como a terceira maior religião do mundo em número de adeptos, contando atualmente com mais de 1 bilhão de fiéis. Na religião hinduísta atual existem inúmeras ramificações, as quais geraram crenças e práticas diversas, assim como há muitos deuses e muitas seitas de diversas características, evidenciando que trata-se de uma religião ampla e complexa. Esta religião tem sua ênfase no que seria o modo correto do viver (dharma) (RAINER. p.1. n.d.).

A literatura hinduísta condena a interrupção voluntária da gestação como sendo uma atrocidade, conforme afirma Libório (2016. p.1):

O aborto é considerado um ato contrário à rita (a lei cósmica) e àahimsa (a não violência). O misticismo hindu predica que o feto é uma pessoa viva e consciente, que necessita e merece proteção. As escrituras hindus se referem ao aborto como um garha-batta (matar no ventre) e um bhroona hathya (matar uma alma não desenvolvida).

No entanto, ainda nas palavras de Libório (2016. p.1) “o hinduísmo geralmente deixa ao indivíduo a decisão de se o aborto é ou não ruim, apesar de estar associado a um mal karma”. Inclusive, na Índia, apesar do aborto voluntário ser juridicamente permitido em alguns casos, existe grande ocorrência de feticídio seletivo do sexo feminino, ou seja, a rejeição de filhas meninas após o nascimento.

1.2 O aborto em números no Brasil e no mundo

Apesar de ilícito, todos os dias inúmeras mulheres abortam, muitas delas morrem no procedimento e outras tantas ficam com graves sequelas. Não obstante o fato de se tratar de um assunto em alta no momento, não se trata de um problema atual.

Em 2012, segundo Castro, Tinoco e Araujo (2013. p. 1), “foram 205.855 internações decorrentes de abortos no país — sendo 51.464 espontâneos e 154.391 induzidos (ilegais e legais)”, demonstrando que a proibição não evita que os abortos ocorram.

(17)

Tratam-se de números alarmantes, 20% das mulheres com mais de 40 anos já fizeram, pelo menos, um aborto na vida, conforme Castro, Tinoco e Araujo (2013. p. 1). Atualmente no Brasil estima-se que existem cerca de 37 milhões de mulheres nessa faixa etária (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. 2010), ou seja, cerca de 7.400.000 já realizaram procedimentos para interromper a gestação, em casos amparados, ou não, pela legislação.

Segundo Tornquist et. al. (2009. p. 488-489), dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que anualmente ocorrem no mundo cerca de 75 milhões de gestações não desejadas e não planejadas, bem como, verificam-se 46 milhões de abortos voluntários ao ano (22%), variando de país a país.

No Brasil, realizou-se em 2016 a Pesquisa Nacional do Aborto, na qual foram entrevistadas mulheres alfabetizadas, as quais possuem idades entre 18 e 39 anos e residem nas áreas urbanas, objetivando colher dados sobre a magnitude da pratica de abortos no país. Tal estudo obteve os seguintes resultados (DINIZ et al. 2016. p.655-656):

Das 2.002 mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos entrevistadas pela PNA 2016, 13% (251) já fez ao menos um aborto.

[...]

Na faixa etária de 35 a 39 anos, aproximadamente 18% das mulheres já abortou. Entre as de 38 e 39 anos a taxa sobe a quase 19%. A predição por regressão linear das taxas de aborto pelas idades é de que a taxa a 40 anos é de cerca de 19%. Por aproximação é possível dizer que, em 2016, aos 40 anos de idade, quase uma em cada cinco mulheres já fez aborto (1 em cada 5,4).

[...]

Em 2016 o total estimado de mulheres de 18 a 39 anos no Brasil, incluindo as vivendo em áreas rurais, era de 37.287.746. Extrapolando-se a partir das taxas de aborto de alfabetizadas urbanas (13%), o número de mulheres que, em 2016, já fez aborto ao menos uma vez, portanto, seria em torno de 4,7 milhões. Aplicando-se a taxa de aborto no último ano, o número de mulheres que o fizeram somente no ano de 2015 seria de aproximadamente 503 mil.

Neste sentido, cabe mencionar que em países em que o aborto já é regulamentado, não houve aumento no número de procedimentos realizados, como bem demonstra Chade (2016. p. 1):

[...] países com leis que proíbem o aborto não conseguiram frear a prática e que, hoje, contam com taxas acima daqueles locais onde o aborto é

(18)

legalizado. Já nos países onde a prática é autorizada, ela foi acompanhada por uma ampla estratégia de planejamento familiar e acesso à saúde que levaram a uma queda substancial no número de abortos realizados.

Isso ocorre pois, com a regulamentação do aborto, as gestantes recebem o acompanhamento de especialistas, os quais orientam sobre os riscos e consequências do procedimento, aumentando os índices de desistência. Cabe mencionar, também, que altas taxas de aborto estão relacionadas com dificuldade no acesso à métodos contraceptivos.

1.2.1 Tipos de aborto e seus métodos

Através da identificação dos motivos que levaram à gestante a voluntariamente cessar a gestação, pode-se classificar o aborto em tipos, quais sejam, como menciona França (2015. p. 751-760), o aborto terapêutico, aborto sentimental, aborto eugênico, aborto social e aborto por motivo de honra.

O aborto terapêutico é aquele realizado por médico com o intuito de salvar a vida da gestante, tal procedimento é resguardado pela excludente de ilicitude do Estado de Necessidade (art. 23, I, do Código Penal), uma vez que, conforme França (2015. p. 751):

Para se salvar a vida da mãe, cujo valor é mais relevante, sacrifica-se a vida do filho. É uma forma de proteger um bem maior, consagrado pela fundamental importância sobre outras vidas. A solução jurídica encontrada no conflito desses dois bens é o sacrifício do bem menor.

O aborto sentimental, é o realizado em casos de estupro, uma vez que é uma experiência traumatizante para a mulher, esta não deve ser forçada a gerar um filho que é fruto de um ato violento e sem o seu consentimento.

Conforme Cunha (2016. p. 104) “o motivo consiste em que nada justificaria impor-se à vítima do atentado sexual, ofendida em sua honra, uma maternidade que talvez lhe fosse odiosa e sempre relembraria o triste acontecimento de sua vida”, neste mesmo sentido, França explica (2015. p. 755):

A questão surgiu quando alguns países da Europa, na Primeira Guerra Mundial, tiveram suas mulheres violentadas pelos invasores. Nasceu, então, um movimento patriótico de repercussão em todo o mundo contra essa

(19)

maternidade imposta pela violência, pois não era justo que aquelas mulheres trouxessem no ventre um fruto de um ato indesejado, lembrado para sempre como uma ignomínia e uma crueldade. Assim, a partir de então, em quase todas as legislações do mundo, a lei permite que a mulher grávida, vítima dessa forma de conjunção carnal, aborte, pois não seria concebível admitir que uma pessoa humana tivesse um filho que não fosse gerado pelo seu consentimento e pelo seu amor. Em tais situações, defende-se o princípio do estado de necessidade contra as consequências oriundas de um grave dano à pessoa. O nosso legislador atendeu unicamente a razões de ordem ética e emocional, evitando-se, dessa maneira, a vergonha e a revolta da mulher violentada, que traria no filho a imagem de uma ofensa e de uma humilhação, testemunha da sua desgraça e da sua desonra.

O aborto eugênico é aquele realizado em casos em que o feto é “defeituoso” ou pode vir a ser, de modo que possa prejudicar a plenitude da vida fora do útero, nas palavras de França (2015. p.757):

Consideram alterações patológicas incompatíveis com a plenitude de vida e integridade social aquelas que ocasionam retardo mental de tal intensidade que causem dependência física e socioeconômica do indivíduo; alterações do sistema nervoso e/ou osteomuscular por aberrações cromossômicas desequilibradas, em diversas doenças gênicas e em fetos que sofreram a ação de agentes físicos, químicos de comprovado potencial teratogênico.

O aborto social é o realizado quando não há condições econômicas ou sociais de manter a criança, de modo que a saída para a gestante é interromper a gestação. Conforme explanado por Cunha (2016. p.95) o aborto miserável ou econômico-social é o “praticado por razões de miséria, incapacidade financeira de sustentar a vida futura (não exime o agente de pena, de acordo com a legislação pátria) ”.

Já o chamado aborto por honra ou honoris causa é o realizado para ocultar desonra da gestante, geralmente motivado por relações extraconjugais. Neste mesmo sentido Maggio (2017. p.1) explica que “é aquele praticado por motivo de honra, para interromper, especialmente, a gravidez extraconjugal, visando resguardar a honra exclusivamente pelo aspecto sexual da gestante”.

Diversas são os motivos e as maneiras de interromper uma gravidez

,

seja por meio de substâncias químicas ou por procedimentos cirúrgicos

.

Entretanto

,

todos desgastam física e psicologicamente a mulher

,

deixando sequelas

,

muitas vezes fatais ou que impedem uma nova gravidez.

(20)

Grecco, apud, Mirabete (Greco, Rogério. 2017. p. 529-530), acerca do tema afirma:

O aborto pode ser realizado com a utilização de diversos meios. Mirabete os sintetiza, dizendo: “Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou psíquicos. São substâncias que provocam a intoxicação do organismo da gestante e o consequente aborto: o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio, a beladona

etc. (orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com

punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária),

térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque

elétrico por máquina estática). Os meios psíquicos ou morais são os que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestão, susto, terror, choque moral etc.). ”

Os métodos abortivos farmacológicos consistem em dosagem de medicamentos que provocam a interrupção da gravidez e a expulsão do embrião

,

tendo como principais substancias a mifepristona e a prostaglandina. Tal método é aplicável somente até o primeiro trimestre da gestação. Há também o Cytotec, substância que, do contrário das anteriores, é inserida em via vaginal, não oral (INFOABORTO. n.d.). Neste mesmo sentido, acerca das substâncias utilizadas para o abortamento, aduz França (2015. p. 761):

É comum dividir os meios empregados para o aborto em medicamentosos e mecânicos. Preferimos classificá-los em tóxicos e mecânicos, pois não existe nenhuma substância especificamente abortiva. O que de fato se verifica é a intoxicação do organismo materno e, consequentemente, a morte ovular, embrionária ou fetal por meio da circulação placentária. As substâncias tóxicas podem ser de origens vegetal e mineral. Entre as de origem vegetal, tem sido largamente usada grande parte da flora brasileira: a jalapa, o sene, a sabina, o apiol, a arruda, o quinino, o centeio-espigado, a cabeça-de-negro, a quebra-pedra, entre outros. Até mesmo a Thuja occidentalis, flor de rara beleza, por ser tóxica, é usada na prática abortiva. Entre as substâncias de origem mineral, as de emprego mais largo foram o fósforo, o arsênico, o antimônio, o bário, o chumbo e o mercúrio. Na Inglaterra, usou-se muito o chumbo em forma de pílulas. Na Áustria e na Suécia, o ácido arsenioso. Na Grécia e na Finlândia, cabeças de fósforos maceradas em leite.

Há também os métodos cirúrgicos

,

nos quais a mulher é submetida a procedimentos realizados em clínicas ou hospitais

,

seguem os principais métodos adotados, conforme explanação de Duarte (2016

.

p

.

1

.

)

:

Aspiração Uterina a Vácuo: um aparelho de sucção, que pode ser manual

ou elétrico, é introduzido na vagina para sugar todo o material intrauterino. Pode ser necessário realizar a dilatação do colo do útero antes de fazer a sucção. Se bem realizado é o método mais simples e com menos

(21)

complicações, caso contrário pode provocar aborto incompleto, lesões no colo e na parede uterina;

Dilatação e Curetagem: para fazer a dilatação cervical é introduzido um

dilatador através da vagina até o colo do útero. São usados diferentes tamanhos de dilatador para ir abrindo progressivamente o colo uterino (geralmente feito um dia antes). Quando houver dilatação suficiente é introduzido uma cureta no interior do útero, ferramenta cortante que retira todo o tecido fetal e também a parede endometrial por raspagem. O processo de curetagem representa risco de perfuração da parede do útero, também pode provocar aborto incompleto e infecções.

Dilatação e Evacuação: após a dilatação do colo uterino, o conteúdo no

interior do útero é reduzido a partes menores e depois retirado por meio de aparelho de sucção. Há também risco de lesões, aborto incompleto e infecções. (grifos do autor)

Na mesma seara França (2015. p. 762) também escreve sobre os meios chamados “mecânicos” de interrupção da gestação, geralmente agressivos e improvisados, acompanhe-se:

Os meios mecânicos podem ser divididos em diretos e indiretos. Os meios diretos são aqueles usados na cavidade vaginal, no colo do útero e na cavidade uterina.

1. Na cavidade vaginal: tamponamentos, duchas alternadas de água fria e quente, cópulas repetidas.

2. No colo uterino: a cauterização, esponjas, dilatadores mecânicos, o emprego das laminárias colocadas no canal cervical com a finalidade de dilatá-lo.

3. Na cavidade uterina: a punção das membranas, embora seja um método muito antigo, é ainda hoje usado por curiosas, parteiras e leigos ou pela própria gestante. Os instrumentos utilizados são os mais variáveis, como sondas de borracha, agulhas de croché, penas de ganso, varetas de bambu, palitos de picolé, aspas de sombrinhas etc. Também o desprendimento da membrana e o esvaziamento do útero pela curetagem, pela aspiração a vácuo e pela histerotomia (microcesárea).

Tais procedimentos chocam pela violência contra o corpo da gestante e demonstram que a legalização e regulamentação de forma alguma seriam um incentivo ao aborto

,

uma vez que a mulher só se sujeita a tais procedimentos em casos de extrema necessidade

,

colocando em risco a própria vida e

,

muitas vezes

,

vindo a óbito quando não há o devido acompanhamento médico.

1.3 A criminalização do aborto no direito brasileiro

O ordenamento jurídico Civil brasileiro deixa bem claro, já em seu artigo 2º, que a personalidade jurídica se inicia no momento do nascimento com vida, deixando a salvo os direitos do nascituro, desde a sua concepção (BRASIL. p.1. 2002).

(22)

O conceito de Personalidade se confunde com o conceito de pessoa, tal qual esclarece Gonçalves (2016. p.125):

O conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa. Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade. Esta é, portanto, qualidade ou atributo do ser humano. Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica. A personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade.

Deste modo, nota-se que é necessário que haja o nascimento com vida para que surja um sujeito de direito, capaz de exercer funções e cumprir deveres em um estado democrático de Direito. Entretanto, no mesmo artigo supramencionado, destaca-se que estão a salvo os direitos do nascituro, desde a sua concepção, para fins de direito sucessório, ou recebimento de doações, com anuência de seu representante legal.

O crime de Aborto apareceu pela primeira vez expressamente no Código Criminal do Império, datado de 1830, em seus artigos 197 a 200. Acompanhe-se (BRASIL. 1830. p.21-22):

Art. 197. Matar algum recemnascido.

Penas - de prisão por tres a doze annos, e de multa correspondente á metade do tempo.

Art. 198. Se a propria mãi matar o filho recem-nascido para occultar a sua deshonra.

Penas - de prisão com trabalho por um a tres annos.

Art. 199. Occasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da mulher pejada.

Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos.

Se este crime fôr commettido sem consentimento da mulher pejada. Penas - dobradas.

Art. 200. Fornecer com conhecimento de causa drogas, ou quaesquer meios para produzir o aborto, ainda que este se não verifique.

Penas - de prisão com trabalho por dous a seis annos.

Se este crime fôr commettido por medico, boticario, cirurgião, ou praticante de taes artes.

Penas - dobradas.

Nota-se que no referido dispositivo legal “abortar era crime grave contra a segurança das pessoas e da vida. No entanto, quando era praticado pela própria gestante ela era preservada de alguma punição” (SOUZA. p.5. 2009). Tal posicionamento seria semelhante ao adotado no Código Penal da República, em 1890

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“em que o aborto passa a ser punido quando praticado por terceiros, podendo ou não ter aprovação da gestante, e se ele resultasse na morte da mesma” (PRADO apud. SOUZA. p.5. 2009).

Do ponto de vista constitucional, afirma Tessaro (2008. p. 7) que a Constituição Federal de 1988 “garante a todos o direito à vida, não fazendo qualquer menção expressa à proteção da vida humana desde a concepção”. Neste mesmo sentido a autora prossegue (2008. p. 8):

A proteção constitucional da vida em formação não garante ao nascituro o status de pessoa, uma vez que não é sujeito de direitos e deveres, possuindo tão-somente interesses patrimoniais salvaguardados pela lei civil. Assim, pode-se afirmar que é pessoa em potêncial, que só será sujeito de direito a partir de seu nascimento com vida.

Atualmente a interrupção voluntária da gestação é criminalizada no Brasil, com pena de detenção de 1 a 3 anos para a gestante, conforme artigo 124 do Código Penal, bem como pena de reclusão de 1 a 4 anos para o médico, ou quem quer que tenha realizado o procedimento com o consentimento da gestante, conforme artigo 126 do mesmo texto legal.

Para aquele que provocar aborto sem o consentimento da gestante, a pena é de reclusão de 2 a 10 anos, conforme o artigo 125. Neste sentido acompanhe-se o texto legal ipsis litteris (BRASIL. 1940. arts. 124-126):

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o

consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência (grifo do autor)

Tal artigo tem como justificativa a proteção do direito à vida, presente na Constituição Federal (BRASIL. p.1. 1988) em seu artigo 5º, onde menciona que para

(24)

a lei todos são iguais não havendo quaisquer distinções, sendo garantido aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito inviolável à vida.

1.4 Resistência à legalização do aborto

Dentre os principais projetos que pretendem enrijecer a legislação pode-se enumerar o Estatuto do Nascituro e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 181/11, ambos geraram bastante repercussão no país, principalmente pela grande polêmica do assunto abordado.

O Projeto de Lei nº 478 de 2007, conhecido como Estatuto do Nascituro, de autoria dos deputados Luiz Bassuma (PT/BA ) e Miguel Martini (PHS/MG), visa alterar artigos da Constituição Federal e Código Penal, conferindo ao nascituro a proteção desde sua concepção, nas palavras de Potechi (2013. p.1):

O Estatuto do Nascituro se apresenta como um projeto de lei prevendo assegurar que embriões, fetos, zigotos, ou, todos os seres concebidos, mas ainda não nascidos – chamados na proposta legislativa de nascituros – são pessoas. São assim, pessoas legais, e devem ter seus direitos conferidos às Pessoas (no sentido aqui da Pessoa Física da Constituição Federal), consideradas, enquanto tal, nesse cenário.

Tal projeto foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 2013 e segue aguardando a votação pela na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. O texto dispõe sobre a criminalização do aborto inclusive em casos de estupro, conforme exposto de forma mais aprofundada por Martins e Goulart (2016. p.12):

A proposta de tal projeto é a possibilidade de gravidez gerada por estupro, uma das poucas possibilidades de aborto legalizado no ordamento brasileiro, o Estado obrigue o agressor a manter uma pensão (?) à criança resultante da gestação consequente dessa violência. E em caso de não se identificar o agressor, o Estado será o mantenedor dos valores de um salário mínimo por mês à mãe que faça a opção de manter a gestação e conceber tal criança. Dispõe o projeto: “Art. 13. O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes: I – direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante; II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos; III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento. Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste

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artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado”.

Outrossim, além destas medidas, o projeto também cria a modalidade culposa do crime de aborto, conforme Martins e Goulart (2016. p.12) seguem sua explanação acerca do tema:

O art. 23 do PL 478/2007 determina que “Causar culposamente a morte de nascituro”, possuirá como pena possível a “detenção de 1 (um) a 3 (três) anos”. Enquanto demais países da América e Europa se movimentam fortemente numa transformação da mentalidade coletiva e jurídica, consolidando a descriminalização ou legalização da prática dos abortamentos, o Brasil permite a tramitação de um projeto de lei, que se encontra atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, a fim de incriminar mais uma conduta vinculada aos abortos, a modalidade culposa do crime. Nestes termos, diante de conjunturas hipotéticas e práticas, a restrição de decidir da mulher será ainda mais imperativa no ordenamento brasileiro, isto porque, se uma gestante, mesmo com o consentimento da(o) médica(o), ingere bebida alcóolica ou outra substância que possa ser prejudicial ao feto, ou faz alguma prática não recomendada, e se verifica um aborto na sequência, o pensamento punitivista unido ao problema da teoria do nexo causal no Brasil, vinculada a forma culposa do crime de aborto, permitiria uma aplicação irracional e esquizofrênica do crime de aborto.

Neste sentido, é evidente que o projeto representaria um grande retrocesso quanto a regulamentação da interrupção voluntária da gravidez no Brasil, suprimindo, inclusive, às garantias já obtidas pelas mulheres em casos de estupro e fetos anencéfalos.

Na mesma esteira, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 181/2011, da autoria do senador Aécio Neves (PSDB/MG), buscava, originalmente, modificar o inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal, o qual dispõe a respeito da licença-maternidade, a fim de estendê-la em caso de parto prematuro (CALEGARI. 2017).

Entretanto, o projeto sofreu modificações, realizadas pelo deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP), em uma manobra legislativa, inserindo trechos, os quais protegem o nascituro, em outros artigos da Constituição Federal, conforme aduz Lima (2017. p.1):

No inciso III do artigo 1º da Constituição, que trata dos princípios fundamentais da República, foi inserida a frase: “dignidade da pessoa humana desde a concepção”. No caput do artigo 5º – o que garante a igualdade de todos perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida –

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acrescentou-se a expressão “a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.

As referidas modificações abririam precedentes para proibição do aborto em todas as circunstâncias, uma vez que, ao proteger o nascituro desde sua concepção, veda-se, inclusive, a possibilidade de aborto em casos de estupro e grave risco à vida da gestante, assim como casos de fetos anencéfalos. Nesta mesma seara aduz Amaral (2017. p.1):

Retrocesso visível nos planos jurídico e ético, a proposta feres direitos humanos, fere liberdades individuais, desrespeita até mesmo o direito que todo ser humano tem à sua própria integridade física. Proposta que prevê criminalização de ato legítimo — que o Direito Penal brasileiro já consagrara há quase oito décadas — jamais poderá ser acolhida. O legislador de 1940, agindo com sensatez e equilíbrio, acolheu possibilidades de aborto em situações altamente gravosas, a saber, nas hipóteses de gravidez decorrente de estupro (o chamado aborto sentimental) e de gravidez com riscos para a gestante (o chamado aborto terapêutico). A essas previsões legais somou-se, recentemente, em 2012, a legalidade do aborto cometido nas hipóteses de anencefalia do embrião.

Cabe repisar que no caso de gestações oriundas de um estupro, na legislação atual é assegurado à gestante o direito de decidir se deseja ter o filho, mesmo que fruto de uma experiência violenta e traumatizante, uma vez que é ela a detentora do próprio corpo e arbítrio. Caso contrário, querendo interromper a gestação, estaria amparada pela legislação e atendida pelo Estado. De qualquer forma, independentemente do caminho escolhido, a gestante teria em suas mãos a liberdade de decisão (AMARAL. 2017).

Portanto, é evidente que tais projetos vão à contramão do progresso da legislação e das garantias fundamentais, uma vez que, com ideias conservadoras e retrógradas, contrastam com os avanços já atingidos em legislações de países desenvolvidos e, inclusive, propostas favoráveis a legalização do aborto no Brasil, as quais apresentam argumentos mais contundentes e adequados à realidade do país, conforme será tratado no capítulo seguinte.

(27)

2 O ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Uma vez abordada a polêmica a respeito da descriminalização da interrupção voluntária da gestação, o presente capitulo buscará apresentar alternativas viáveis ao modelo atual, principalmente no que tange ao âmbito jurídico, pois é evidente que está se tratando de um grande problema de saúde pública e direitos humanos.

Deste modo, tratar-se-á acerca dos avanços tomados em direção à legalização do aborto no país, bem como exemplos no direito comparado, os quais poderiam servir de modelos para o Brasil.

Por fim, busca-se elencar a liberdade de escolha da mulher sobre levar, ou não, a gestação até o final, como um direito que deve ser resguardado, apresentando a descriminalização do aborto como forma de assegurar o cumprimento do preceito fundamental da dignidade da pessoa humana.

2.1 Avanços acerca do tema

O projeto de lei mais conhecido, visando a modificação dos dispositivos que proíbem o aborto no Brasil, é o de nº 1.135 de 1991, proposto pelos ex-deputados Eduardo Jorge e Sandra Starling. Conforme Souza (2009. p. 6) o projeto “propunha suprimir o artigo 124 do Código Penal, descriminalizando o aborto provocado pela própria gestante ou com o seu consentimento”.

Mais recentemente, entre os principais avanços em direção a legalização da interrupção voluntária da gravidez no Brasil, interpôs-se a ADPF nº 54, a qual instituiu a excludente de ilicitude do feto anencéfalo na legislação penal. Houve, também, como um dos principais avanços a ADPF nº 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em parceria com a Anis – Instituto de Bioética, em março de 2017, a qual se embasa no fato do Código Penal de 1940, vigente atualmente, estar em descompasso com os valores e a evolução da sociedade.

Recentemente, ocorreu, também, o julgamento, pelo STF, do Habeas Corpus nº 124.306 RJ, proposto por réus acusados da pratica do crime de aborto na cidade

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de Duque de Caxias – RJ e julgado por ministros da primeira turma, composta por Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello de forma favorável aos pacientes.

Outrossim, a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) protocolou em 2016 a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.881, a qual trata acerca da concessão de Benefícios de Prestação Continuada (BPC) à mães e crianças vítimas do vírus da Zika e Chikungunya, bem como a legalização da interrupção da gestação em casos comprovados de microcefalia, uma das sequelas dos vírus supracitados.

2.1.1 O projeto de lei nº 1.135/91

Em 1991, através do Projeto de Lei (PL) nº 1.135, os deputados Eduardo Jorge e Sandra Starling propuseram a supressão do disposto no artigo 124 do Código Penal de 1940, objetivando fosse legalizado o aborto voluntário no Brasil, conforme consta no Diário do Congresso Nacional (BRASIL. 1991. p. 25):

O presente projeto de lei tem por objetivo atualizar o Código Penal, adaptando-o aos novos valores e necessidades do mundo atual, particularmente no sentido do reconhecimento dos direitos da mulher enquanto pessoa humana. O artigo que se suprime penaliza duramente a gestante que provoca aborto ou consente que outro o realize. Esta é uma disposição legal ultrapassada e desumana.

O projeto de lei vinha embasado no princípio da dignidade da pessoa humana, presente no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, como forma de proteger a mulher que deseja interromper a gestação, no exercício do seu livre arbítrio, conforme prosseguem os autores (BRASIL. 1991. p.25):

A lei não pode pretender punir baseando-se apenas na compreensão isolada e individual do ato e desconsiderando toda a realidade social a que está submetida a mulher brasileira. Ademais, é absolutamente desnecessário e desumano querer aplicar penalidade a uma pessoa que já foi forçada a submeter-se a tamanha agressão. A gestante, quando provoca aborto em si mesma ou permite que outro o faça, está tomando uma providência extrema que a violenta física, mental e, com frequência, moralmente.

Contudo, tal projeto foi votado somente em 2008, sendo rejeitado por 33 votos contrários e nenhum a favor, seguindo para a Comissão de Constituição e Justiça e

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de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, onde foi novamente rejeitado, desta vez por 57 votos contrários e 4 favoráveis (FREITAS. 2008) e, deste modo, o Projeto de Lei foi arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, situação na qual permanece até o momento.

2.1.2 Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 442

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) consiste em uma ação proposta perante o STF que visa à reparação de lesões a preceitos fundamentais da Constituição Federal, que resultem de ato do Poder Público, nos termos do art. 102, § 1º do mesmo diploma legal (BRASIL. 1988), sendo regulada pela Lei nº 9.882 de 1999. Conforme explanam Paulo e Alexandrino (2017. p. 852):

A ADPF vem completar o sistema de controle de constitucionalidade concentrado, uma vez que a competência para sua apreciação é originária e exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Nos termos em que foi regulada a ADPF pelo legislador ordinário, questões até então não passíveis de apreciação nas demais ações do controle abstrato de constitucionalidade (ADI e ADC) passaram a poder ser objeto de exame. Os exemplos mais notórios são a possibilidade de impugnação de atos normativos municipais em face da Constituição Federal e o cabimento da ação quando houver controvérsia envolvendo direito pré-constitucional. Ainda, impende observar que a ADPF não se restringe à apreciação de atos normativos, podendo, por meio dela, ser impugnado qualquer ato do Poder Público de que resulte lesão ou ameaça de lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição Federal.

Dito isso, a Arguição de nº 442, já em sua nota introdutória, traz a base jurídica para seus pedidos, qual seja, a alegação de que a proibição do aborto fere os direitos fundamentais contidos nos artigos 1º, incisos I e II; art. 3º, inciso IV; art. 5º, caput e incisos I, III; art. 6º, caput; art. 196 e art. 226, § 7º, todos da Constituição Federal de 1988. Acompanhe-se o trecho a seguir (BOITEUX. et al. p. 1. 2017):

A tese desta Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é que as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não se sustentam, porque violam os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas.

Outrossim, a ação menciona o fato do Brasil ser um estado laico, não podendo embasar sua legislação em paradigmas religiosos. A ADPF relata também que a

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legalização do aborto é “um caso difícil pelo forte apelo moral que provoca” (2017. p. 2-3), dividindo fortes opiniões favoráveis e contrárias ao procedimento.

A ADPF nº 442 busca reparar o disposto nos artigos 124 e 126, do Código Penal de 1940, aduzindo que tais dispositivos estão ferindo diversos preceitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal. Este tipo de ação está resguardado no artigo 102, § 1º da Constituição e regulado Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999 que diz em seu artigo 1º (BRASIL. 1999. p.1):

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será

proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

Deste modo, conforme a arguição, os dispositivos do Código Penal, quais sejam atos do poder público (cabível, assim, a ação) ferem os seguintes preceitos fundamentais, entre eles a dignidade da pessoa humana e da cidadania, bem como a promoção do bem a todas as pessoas, sem discriminação (art. 1º, incisos I, II e art. 3º, inciso IV, da Constituição), acompanhe-se (BOITEUX. et al. 2017. p. 8-12):

A criminalização do aborto e a consequente imposição da gravidez compulsória compromete a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, pois não lhes reconhece a capacidade ética e política de tomar decisões reprodutivas relevantes para a realização de seu projeto de vida. [...]

Devido à seletividade do sistema penal, são também as mulheres mais vulneráveis as diretamente submetidas à ação punitiva do Estado.

De outra banda, os artigos ferem também o direito à saúde (art. 6º, da Constituição), à integridade física e psicológica das mulheres e às submetem à tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III, da Constituição), conforme cita-se (BOITEUX. et al. 2017. p. 9):

a negação do direito ao aborto pode levar a dores e sofrimentos agudos para uma mulher, ainda mais graves e previsíveis conforme condições específicas de vulnerabilidade que variam com a idade, classe, cor e condição de deficiência de mulheres, adolescentes e meninas.

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Nesta mesma seara, os dispositivos legais ferem também o direito ao planejamento familiar, o qual consta no artigo 226, §7º da carta magna, o qual menciona que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (BRASIL. 1988. p. 94), uma vez que a mulher é impedida de tomar uma decisão importante sobre gerar um filho.

A ADPF 442 menciona também o fato dos dispositivos do código penal ferirem direitos sexuais e reprodutivos, os quais, não obstante o fato de não estarem presentes de forma expressa no texto constitucional, tem estreita ligação com os direitos à liberdade e igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal) e estão enumerados em compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Outro preceito fundamental desrespeitado nos artigos 124 e 126 é a igualdade de gênero (art. 5º, caput, da Constituição Federal), conforme é mencionado na arguição (BOITEUX. et al. 2017. p. 12):

afronta também o princípio da igualdade de gênero, decorrente do direito fundamental à igualdade (CF, art. 5º, caput) e do objetivo fundamental da República de não discriminação baseada em sexo (CF, art. 3º, inciso IV), uma vez que impõe às mulheres condições mais gravosas,24 inclusive perigosas à sua vida e saúde, para a tomada de decisões reprodutivas, desproporcionais em comparação com as condições para a tomada das mesmas decisões por parte dos homens, que não são submetidos à criminalização e a consequências da coerção penal nas condições de exercício de seus direitos a uma vida digna e cidadã.

A presente arguição, ainda não foi analisada pelo STF e é um importante marco nos avanços sobre a legalização do aborto no país, caso venha a ser julgada de forma favorável mudará drasticamente o cenário.

2.1.3 Habeas corpus 124.306/Rio de Janeiro

Julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, tendo como relator o Ministro Marco Aurélio, o Habeas Corpus (HC) 124.306 RJ versava sobre o cometimento do crime de aborto, tipificado nos artigos 124 a 126 do Código Penal. Apesar do não cabimento do HC em questão, a primeira turma do STF acolheu de ofício o caso para

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derrubar a prisão preventiva imposta aos acusados nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso (2016. p. 5):

Não se encontram preenchidos, no caso concreto, os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, que exigem, para decretação da prisão preventiva, que estejam presentes riscos para a ordem pública ou para a ordem econômica, conveniência para a instrução criminal ou necessidade de assegurar a aplicação da lei. Note-se que a prisão torna-se ainda menos justificável diante da constatação de que os pacientes: (i) são primários e com bons antecedentes; (ii) têm trabalho e residência fixa; (iii) têm comparecido devidamente aos atos de instrução do processo; e (iv) cumprirão a pena, no máximo, em regime aberto, na hipótese de condenação. Aplicável, portanto, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é ilegal a prisão cautelar decretada sem a demonstração, empiricamente motivada, dos requisitos legais

Dito isso, o Ministro elaborou seu voto de forma que restou julgado que o aborto voluntário, cometido pela gestante ou por terceiro com o consentimento desta, não seria crime, caso seja realizado até o terceiro mês da gestação. Com unanimidade foi dado voto favorável à interpretação dos referidos artigos em conformidade com a Constituição, acompanhe-se (BARROSO. 2016. p.1-2):

é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.

Deste modo, entendeu-se que a interrupção voluntária da gestação, pela própria gestante, é legítima, assim como a de quem realiza tal procedimento, desde que com o consentimento da mesma. Entretanto, tal decisão vale tão somente para o caso em tela, mas indica que, caso o tema seja levado ao plenário do tribunal, onde seria discutida a repercussão geral, há a possibilidade de legalização do procedimento.

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2.1.4 As excludentes de ilicitude e a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 54

No Código Penal brasileiro de 1940 existem três exceções à proibição do aborto, quais sejam, quando ocorre o chamado “Aborto Necessário”, em casos em que a gravidez oferece risco à vida da gestante, não havendo outro meio de salvá-la, bem como gravidezes que resultaram de estupro ou em caso de feto anencéfalo, nos termos do artigo 128 do Código Penal (BRASIL. 1940. art. 128):

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (grifo do autor)

A excludente de ilicitude relacionada ao feto anencéfalo, apesar de não estar explícita no Código Penal, ganhou precedentes a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54. Tal arguição foi apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Na Saúde (CNTS) e julgada pelo ministro Gilmar Mendes, no ano de 2012, e tinha como pedido principal o que segue (MENDES. 2012. p.1):

[...] requer seja julgado procedente o presente pedido para o fim de que esta Eg. Corte, procedendo à interpretação conforme a Constituição dos arts. 125, 126 e 128, I e II, do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848/40), declare inconstitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico 2 habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.

No seu voto, o ministro Gilmar Mendes reconheceu que o Código Penal, por regra, veda o aborto, entretanto, nos casos de anencefalia do feto, prevaleceria a excludente de ilicitude do inciso I do artigo 128, a qual resguarda a saúde da gestante, permitindo o aborto em casos que ofereçam riscos à vida da mulher, assevera também que “o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura.” (MENDES. 2012. p. 54).

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Nesta seara, o Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.752/2004 (posteriormente revogada pela Resolução nº 1.949/2010) dispõe que “os anencéfalos são natimortos cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto” (CFM. 2004. p. 1), sendo assim, impossível a vida da criança fora do útero.

Dito isto, o voto do ministro diante da ADPF foi favorável, reconhecendo o aborto de anencéfalo como excludente de ilicitude e fazendo com que o disposto nos artigos 125, 126 e 128 do Código Penal seja interpretado conforme os princípios fundamentais da Constituição Federal. Mendes (2012. p. 79) assevera em seu voto:

Se alguns setores da sociedade reputam moralmente reprovável a antecipação terapêutica da gravidez de fetos anencéfalos, relembro-lhes de que essa crença não pode conduzir à incriminação de eventual conduta das mulheres que optarem em não levar a gravidez a termo. O Estado brasileiro é laico e ações de cunho meramente imorais não merecem a glosa do Direito Penal. A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher. No caso, ainda que se conceba o direito à vida do feto anencéfalo – o que, na minha óptica, é inadmissível, consoante enfatizado –, tal direito cederia, em juízo de ponderação, em prol dos direitos à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral e à saúde, previstos, respectivamente, nos artigos 1º, inciso III, 5º, cabeça e incisos II, III e X, e 6º, cabeça, da Carta da República.

Mendes (2012), em seu voto, deixou claro que a proibição do aborto em casos de feto anencéfalo é uma omissão legislativa, em desacordo com a carta constitucional e que necessita ser suprida. Outrossim, menciona o fato do Código Penal ter entrado em vigor em 1940, sendo impossível à época, do ponto de vista da tecnologia empregada na medicina, prever a anencefalia.

Na decisão em tela o Ministro também menciona a importância da defesa da liberdade de escolha da mulher sobre a decisão de ter, ou não, a criança, estando ciente do fato de que esta não sobreviveria fora do útero, acompanhe-se o exposto por Mendes (2012. p. 80) ao final do seu voto:

Os tempos atuais, realço, requerem empatia, aceitação, humanidade e solidariedade para com essas mulheres. Pelo que ouvimos ou lemos nos depoimentos prestados na audiência pública, somente aquela que vive tamanha situação de angústia é capaz de mensurar o sofrimento a que se submete. Atuar com sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e religioso,

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obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto.

Outro excludente de ilicitude no tipo penal é o caso de estupro, no qual a mulher, dado o constrangimento que já foi sofrido na violência sexual, pode solicitar a interrupção da gravidez, sem necessidade de apresentar qualquer documento ou exame médico que comprove o estupro, sendo o seu depoimento a principal prova. Neste sentido a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL. 2012. p. 69) aduz:

O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesse caso, a não ser o consentimento da mulher. Assim, a mulher que sofre violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento. O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência, deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde, portanto não cabe ao profissional de saúde duvidar da palavra da vítima, o que agravaria ainda mais as consequências da violência sofrida. Seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados a Polícia ou Justiça.

Nestes casos, é impreterivelmente necessário o consentimento da gestante, bem como, caso esta for menor incapaz, de seu representante legal, entretanto, apesar destas excludentes de ilicitude, claramente a gestante ainda não possui o direito à escolha de interromper a gravidez quando bem entender, ficando fadada à depender de casos extremos e se vendo obrigada a levar adiante gestações nas quais não terá condição de suprir uma qualidade de vida adequada à criança

2.1.5 A Ação Direta De Inconstitucionalidade nº 5.581

Protocolada em 2016 pela Associação Nacional Dos Defensores Públicos (ANADEP), a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.581, que também contém pedidos cumulados na modalidade de ADPF, pleiteia, diante do Supremo Tribunal Federal, nas palavras de Muniz (2016. p.1) “que sejam garantidos direitos que estariam sendo violados diante da epidemia do vírus zika no Brasil: acesso à informação, planejamento familiar, interrupção da gravidez, proteção social e garantia ao transporte”.

Referências

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