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Clínica, transferência e o desejo do analista

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

CLÍNICA, TRANSFERÊNCIA E O

DESEJO DO ANALISTA

FERNANDA CORRÊA Ijuí – RS 2017

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FERNANDA CORRÊA

CLÍNICA, TRANSFERÊNCIA E O

DESEJO DO ANALISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do grau de Psicólogo.

Orientadora: Profª Ms. Normandia Cristian Giles Castilho

Ijuí – RS 2017

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FERNANDA CORRÊA

CLÍNICA, TRANSFERÊNCIA E O

DESEJO DO ANALISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do grau de Psicólogo.

Banca Examinadora:

_____________________________________ Profª Ms. Normandia Cristian Giles Castilho

_____________________________________ Profª Ms. Tania Maria de Souza

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Profª Normandia Cristian Giles Castilho, por seu tempo, pelas trocas intelectuais, pela indicação e empréstimo de textos e pela contribuição a respeito das direções a seguir no desenvolvimento deste trabalho. Agradeço à família que estou construindo com Tomás e Aurora pelo amor e pelas horas subtraídas de sua convivência. Agradeço aos meus pais pelo apoio e dedicação, em especial à minha mãe, pelo auxílio nos cuidados com minha filha Aurora, ainda tão pequena. Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que eu pudesse realizar este trabalho.

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RESUMO

Este trabalho versa sobre a temática da transferência e sua implicação no tratamento analítico. No primeiro capítulo, um breve histórico dos caminhos percorridos por Freud em sua construção teórica e sua descoberta a respeito da centralidade da transferência é descrito. Em sequência, a transferência, já situada como eixo condutor do tratamento, é analisada em sua íntima relação com a resistência a partir dos textos de Freud e Lacan. Num terceiro ponto dentro deste capítulo a questão do amor de transferência e da demanda se coloca e é abordada em sua abrangência e importância clínica. No segundo capítulo, dando continuidade ao que foi discutido no capítulo anterior, realiza-se uma reflexão sobre as posições do analista na transferência de modo que ele possa sustentar a demanda e conduzir o tratamento aos desdobramentos da repetição, ou seja, ao encontro com o Outro e com o objeto causa de desejo do sujeito em análise. Por fim, em um segundo ponto no capítulo dois, analisa-se o conceito de desejo do analista criado por Lacan para designar a importância do percurso analítico daqueles que pretendem atuar como analistas, salientando o encontro com a falta-a-ser por parte destes, como fundamental para que o analisando possa chegar ao termo de sua análise, no qual se encontra com seu desejo.

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ABSTRACT

This research deals with the theme of transference and its implication in the analytical treatment. In the first chapter, a brief history of Freud's paths in his theoretical construction and his discovery of the centrality of transference is described. In sequence, the transference, already situated as the driving axis of the treatment, is analyzed in its intimate relation with the resistance. In a third point within the first chapter the issue of transference love and demand arises and it is approached in its scope and clinical importance. In the second chapter, giving continuity to what was previously discussed, a reflection on the analyst's positions in the transference is carried out so that he can sustain the demand and lead the treatment to the unfolding of the repetition, that is, the encounter with the great Other and with the objet petit a. Finally, in a second point in chapter two, the concept of desire of the analyst by Lacan is analyzed to designate the importance of the analytical course of those who intend to act as analysts, emphasizing the encounter with the lack as fundamental for the analyst to lead the analysand to the encounter with his own lack and therefore with his desire.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 CLÍNICA E TRANSFERÊNCIA ... 9

1.1 A CLÍNICA PSICANALÍTICA E A TRANSFERÊNCIA COMO EIXO CENTRAL ... 9

1.2 A TRANSFERÊNCIA E A RESISTÊNCIA EM FREUD E LACAN ... 10

1.3 O AMOR DE TRANSFERÊNCIA E A DEMANDA ... 17

2 AS POSIÇÕES DO ANALISTA NA TRANSFERÊNCIA E O DESEJO DO ANALISTA ... 21

2.1 AS POSIÇÕES DO ANALISTA NA TRANSFERÊNCIA ... 21

2.2 O DESEJO DO ANALISTA ... 30

CONCLUSÃO ... 36

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INTRODUÇÃO

A ideia de abordar este tema em meu projeto de pesquisa surgiu a partir de minha experiência na clínica de Psicologia do curso da Unijuí. A questão da transferência colocou-se como central no trabalho clínico por permear todo o percurso terapêutico e mostrou-se, ao mesmo tempo, extremamente complexa, exigindo um grande trabalho psíquico de minha parte. As questões relativas à clínica colocaram-se como fundamentais, por serem para mim de grande interesse e de grande desafio, mas também por estar nela uma possibilidade de ressignificação da teoria que aprendemos e que embasa o curso e nossa atuação profissional enquanto psicólogos.

Surgiu assim a ideia de escrever meu trabalho de conclusão de curso sobre a transferência, buscando no desejo do analista uma possível resposta para tal problemática e pensando ser este tema de grande contribuição, não apenas pessoal, para estudar esta temática tendo em vista meu projeto de futuro exercício profissional na área, mas também acadêmica, por ser uma reflexão fundamental a respeito do fazer clínico.

Sendo assim, esta pesquisa traz em seu primeiro capítulo uma breve reflexão histórica do que vem a ser a clínica psicanalítica e como a questão da transferência veio a tornar-se central para Freud. Em seguida, tendo como base os textos de Freud e Lacan, a transferência é abordada em sua relação com a resistência e, ainda dentro deste primeiro capítulo, um terceiro ponto é analisado, o qual vem a ser a questão do amor de transferência em relação com a demanda de amor.

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No segundo capítulo, as posições do analista na transferência são abordadas, e, em um segundo e último ponto dentro deste capítulo, a questão do desejo do analista.

Este trabalho tem como um de seus objetivos o aprofundamento do tema da transferência, conceito tão importante na área psicanalítica, e revela-se como uma possibilidade de reflexão sobre muitos outros conceitos da área.

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1 CLÍNICA E TRANSFERÊNCIA

1.1 A CLÍNICA PSICANALÍTICA E A TRANSFERÊNCIA COMO EIXO CENTRAL

Este trabalho tem como sua proposta inicial falar sobre a problemática da transferência e sua relevância e abrangência no percurso analítico. Entendida como fio condutor do tratamento e condição fundamental para que este aconteça, ela adquire papel central também nesta escrita. Sendo assim, torna-se necessário, em um primeiro momento, falar sobre o trabalho clínico psicanalítico e como a transferência, no decorrer dos estudos de Freud, passou a ser um eixo central da psicanálise.

De acordo com Pinheiro (1999), o campo clínico se constitui pela linguagem e as neuroses podem ser tidas como produto dos processos de simbolização. Os sintomas são estruturados pela linguagem e ela deve servir como pilar para o método terapêutico. Em suas palavras, “uma vez que a linguagem estrutura a formação dos sintomas, ela deve ser tomada como pilar estruturador do método terapêutico e instrumento clínico que possibilita a cura das neuroses”. A autora parte do método catártico de Breuer e Freud e afirma que este primeiro método terapêutico desenvolvido propõe a possibilidade de eliminar sintomas à medida que a fala dos pacientes provoca uma ab-reação, ou seja, uma descarga emocional do conteúdo afetivo vinculado ao acontecimento traumático. A palavra torna-se o elo que liga o conteúdo psíquico ao sintoma. Nas palavras de Pinheiro (1999):

A eliminação dos sintomas a partir da ocorrência de uma ab-reação do afeto patogênico ao fornecê-lo uma expressão verbal. Aqui, se inserida de forma radical, a eficácia terapêutica da palavra, na medida em que ela permite a ponte entre os registros físico e mental, ou seja, entre o componente psíquico (a representação patogênica) e o componente somático (o quantum afetivo) das manifestações sintomáticas.

Sabe-se que esta proposta sugere a possibilidade de simbolização de toda a energia psíquica; no entanto Freud, desde este momento inicial de construção de sua teoria, compreendeu, a partir da prática clínica, que uma parte do complexo patógeno ficava impossibilitado de simbolização e demonstrava, com isso, que a palavra dita não dava conta de ligar de forma linear os componentes físicos e mentais. De acordo com Pinheiro (1999):

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Essa proposta clínica implicava na suposição de que a energia psíquica é passível de receber um processo de simbolização, garantindo, desta forma, a eficácia terapêutica da palavra. Porém, podemos notar que já nessa primeira fase de elaboração teórica freudiana, embora as relações psíquico/somático tenham sido estabelecidas sobre o pilar da linguagem, os processos clínicos desenvolvidos indicavam que algo escapava à essa relação, demonstrando que não há uma mediação ponto a ponto entre esses dois registros. Assim, se ao nível da teoria, os estudos empreendidos apontavam para a possibilidade de simbolização da energia psíquica, a clínica, por seu turno, demonstrava o encontro de um êxito parcial nesse processo.

Segundo esta autora, durante a construção da metapsicologia freudiana, a proposta de tratamento foi modificada e os sintomas passaram a ser entendidos como detentores de uma verdade própria a respeito do desejo inconsciente do paciente. A autora coloca que a transferência passa a ter um papel fundamental a partir do qual o paciente passa, investindo no analista sua libido, a reviver suas atividades mentais no percurso de análise. De acordo com Pinheiro (1999):

Essa mudança teve início a partir do momento no qual o fenômeno transferencial se deslocou da periferia do processo clínico para a centralidade do mesmo, tornando-se, como afirma Lacan (1977), o veículo através do qual a cura opera. Perspectiva que foi aberta a partir da compreensão, por parte de Freud, de que reside na transferência a possibilidade de se encenar, no processo analítico, o caráter metapsicológico das atividades mentais. Ou seja, em seus aspectos econômico (na medida em que se apresenta como um investimento libidinal na figura do analista), tópico (uma vez que ela reedita o funcionamento dos movimentos inconscientes) e dinâmico (enquanto se presentifica como resistência ao processo clínico).

A transferência passa a ser parte fundamental no processo terapêutico e é condição para que ele aconteça, mas do que se trata afinal?

1.2 A TRANSFERÊNCIA E A RESISTÊNCIA EM FREUD E LACAN

A transferência é entendida na teoria psicanalítica como um eixo que possibilita ao paciente reviver em análise, de forma atualizada, suas atividades psíquicas de longa data. Ela funciona como pano de fundo e fio condutor do tratamento na medida em que o paciente vincula a figura do analista a uma imago de afeto de seu passado, mas adquire papel principal no momento em que o fenômeno da resistência ganha força na relação entre analista e analisando. Dessa

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forma, é necessário pensar a transferência e a resistência de forma articulada, uma vez que, como será visto, a transferência se coloca porque serve à resistência.

Quando explica em que consiste a transferência, Lacan (1985), em O

seminário, livro 1, afirma que, à medida que o sujeito vai se revelando no processo

analítico, o fenômeno da resistência vai se colocando e quando esta resistência se torna extremamente forte, surge então a transferência. De acordo com Freud (1996), é necessário dar tempo ao sujeito para que a transferência apareça e as resistências tragam à tona as pistas que revelam algo do seu conteúdo pulsional1. Em seu texto

Recordar, repetir e elaborar, o autor menciona que a resistência está intimamente

atrelada à transferência e salienta que a revelação das resistências ao paciente para que este as reconheça é o primeiro passo para a superação das mesmas. Ele fala também que é justamente quando as resistências estão trabalhando de forma ostensiva que se pode descobrir o que está nutrindo as mesmas, ou seja, o recalcado. Nas palavras de Freud (1996, p. 170-171):

Deve-se dar ao paciente tempo para conhecer melhor esta resistência com a qual acabou de se familiarizar, para elaborá-la, para superá-la, pela continuação, em desafio a ela, do trabalho analítico segundo a regra fundamental da análise. Só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista, trabalhando em comum com o paciente, descobrir os impulsos instintuais reprimidos que estão alimentando a resistência.

Freud (1996, p. 171) deixa claro que a elaboração de tais resistências no tratamento é muitas vezes penosa e lenta, porém é, segundo ele, “a parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente” e que, por isso, caracteriza o método psicanalítico e o diferencia do método por sugestão. Cabe então uma pergunta importante: o que é a resistência?

Em A dinâmica da transferência, Freud (1996) nos dá uma explicação técnica do que vem a chamar de resistência. Para ele, à medida que o tratamento analítico avança e parte do conteúdo recalcado vai sendo revelado, a libido2 tende a regressar ao “seu esconderijo”, como dito por ele, e é justamente neste ponto que uma batalha se coloca entre as forças que levaram a esta regressão e o trabalho

1

Pulsional ou pulsão é um termo utilizado por Freud para designar a carga de energia presente na origem da atividade psíquica inconsciente e consciente, assim como presente na origem da atividade motora do organismo.

2

Libido é um termo utilizado na teoria psicanalítica para designar as energias relativas aos instintos sexuais e de sobrevivência. A expressão da libido depende da fase em que cada sujeito se encontra em sua estruturação psíquica.

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clínico. Freud denominou este jogo de forças de resistência e, segundo ele, para que a libido volte a ser liberada, este mecanismo inconsciente deve ser superado com a eliminação das repressões estabelecidas no indivíduo. Freud (1996, p. 115) escreve:

A resistência acompanha o tratamento passo a passo. Cada associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de levar em conta a resistência e representa uma conciliação entre as forças que estão lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe opõem.

Lacan (1985), em O seminário, livro 1, no qual fala sobre os escritos técnicos de Freud situa a resistência como um fenômeno e explica a mesma a partir de um sentido longitudinal e outro radial. Segundo ele, a resistência acontece no sentido radial, quando se tenta passar da extremidade para o centro dos registros, como se uma força fosse exercida deste centro no qual se encontra o recalcado. Coloca ainda que tanto mais próximo de um discurso bom e último o sujeito está, maior a resistência. Em suas palavras (1985, p. 32):

O fenômeno da resistência está situado exatamente aí. Há dois sentidos, um sentido longitudinal e um sentido radial. A resistência se exerce no sentido radial, quando queremos nos aproximar dos fios que estão no centro do feixe. Ela é a consequência da tentativa de passar dos registros exteriores para o centro. Uma força de repulsão positiva se exerce a partir do núcleo recalcado, e quando nos esforçamos para atingir os fios do discurso que estão mais próximos dele, experimentamos resistência.

Ao falar sobre a guerra de forças que se estabelece no indivíduo e levando em consideração o sintoma em nível aparente até suas raízes, em nível inconsciente, Freud (1996) afirma que se passa a ingressar em uma área na qual a resistência se mostra com clareza e, dessa forma, a próxima associação do indivíduo precisa levar em conta a resistência de maneira a satisfazer as exigências da resistência e as do tratamento. De acordo com ele, é neste momento que a transferência se torna central. Quando algo do material psíquico que está sendo trabalhado é transferido ao analista a associação que vem em seguida é produzida e surge como resistência. Uma interrupção pode ser um exemplo disso. Nas palavras de Freud (1996, p. 115):

É neste ponto, segundo prova nossa experiência, que a transferência entra em cena. Quando algo no material complexivo (no termo geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é

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realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistências - por uma interrupção, por exemplo. Inferimos desta experiência que a ideia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência.

Ao explicar parte do texto de Freud, Lacan (1985) salienta que a resistência surge do processo de aproximação do próprio discurso, e é justamente neste ponto que a transferência ganha força. Como dito primeiramente por Freud e interpretado por Lacan, é pelo fato de que a transferência satisfaz à resistência que ela aparece. Este movimento se repete diversas vezes no percurso do tratamento. De acordo com os autores, a transferência manifesta parte do complexo, o qual é levado para o consciente, e é defendido pelo paciente de forma tenaz. Lacan (1985, p. 48), ao falar sobre o que Freud denomina núcleo patógeno em A dinâmica da transferência, afirma ser “o que é procurado, mas que repele o discurso – aquilo a que o discurso foge”. O psicanalista francês teoriza sobre o texto de Freud a partir de uma perspectiva linguística e coloca que ao se aproximar deste núcleo, há uma inflexão do discurso, que pode ser entendido como resistência. Nas palavras de Lacan (1985, p. 48): “A resistência é essa inflexão do discurso ao se aproximar desse núcleo. A partir de então, só poderemos resolver a questão da resistência se aprofundarmos o sentido deste discurso. Já o dissemos, um discurso histórico”.

Freud (1996) atenta para o fato de que a resistência e suas deformações aparecem diversas vezes no percurso de uma análise e quanto mais o sujeito percebe que tais deformações não impedem que o material patogênico seja revelado, mais faz uso das deformações que, segundo o autor, concedem ao paciente inúmeras vantagens e que consistem nas deformações que se colocam pela própria transferência e que precisam nela ser combatidas. Em seu texto A

dinâmica da transferência, Freud (1996, p. 116) diz:

Quanto mais um tratamento analítico demora e mais claramente o paciente se dá conta de que as deformações do material patogênico não podem, por si próprias, oferecer qualquer proteção contra sua revelação, mais sistematicamente faz ele uso de um tipo de deformação que obviamente lhe concede as maiores vantagens – a deformação mediante a transferência. Essas circunstâncias tendem para uma situação na qual, finalmente, todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência.

A identificação das resistências e suas deformações foram consideradas de extrema importância por Freud em seus estudos. Em seu texto Recordar, repetir e

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elaborar, Freud fala de uma técnica revisada e coloca a interpretação como

fundamental na identificação das resistências para que possam, assim, tornar-se conscientes para o paciente. Nas palavras de Freud (1996, p. 163), “descritivamente falando, trata-se de preencher lacunas na memória; dinamicamente, é superar resistências devidas à repressão”. De acordo com ele, o analisando passa a aceitar suas resistências e, com isso, deixa de invocar a ausência de suas lembranças, passa a recordar. Mas ele escreve também a respeito de um segundo tipo de paciente, o qual ao invés de recordar suas lembranças, expressa as mesmas atuando-as (acting out). Freud (1996, p. 165) escreve:

... Se nos limitarmos a este segundo tipo, a fim de salientar a diferença, podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que está repetindo.

Neste mesmo texto o autor (1996, p. 166) articula então a relação desta compulsão à repetição com a transferência e com a resistência. Ele afirma que a transferência é uma pequena parte da repetição, sendo esta última uma “transferência do passado esquecido”. E prossegue dizendo que “quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar”.

Freud (1996, p. 167) questiona então o que o paciente atua e responde dizendo tratar-se justamente do que ele já manifestou de seu conteúdo inconsciente, além de seus sintomas. Em suas palavras:

Aprendemos que o paciente repete ao invés de recordar e repete sob as condições da resistência. Podemos agora perguntar o que é que ele de fato repete ou atua (acts out). A resposta é que repete tudo o que já avançou a partir das fontes do reprimido para sua personalidade manifesta – suas inibições, suas atitudes inúteis e seus traços patológicos de caráter. Repete também todos os seus sintomas, no decurso do tratamento.

Freud sinaliza que o sujeito revive no tratamento seu estado de enfermidade e o experimenta como algo atual. Cabe ao analista a tarefa de situá-lo no passado, assim como é trabalho deste último manter os impulsos do paciente em esfera psíquica. À medida que o paciente afirma sua atuação dentro do setting analítico, tanto mais a compulsão à repetição pode ser reprimida por meio do manejo da

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transferência. De acordo com Freud (1996, p. 170), “a transferência cria, assim, uma região intermediária entre a doença e a vida real, através da qual a transição de uma para outra é efetuada”. Para ele o contexto da transferência faz com que nela seja representada a doença de forma artificial, com as mesmas características da doença em si, porém em uma condição que permite a intervenção do analista.

Freud (1996) deixou claro em seus escritos que o método psicanalítico se diferencia do método por sugestão por levar em conta, e de forma central, a transferência, e como já mencionado antes, o fenômeno da resistência. Fala então a respeito da transferência como algo que vai além do que se passa no setting analítico, o que nos leva a uma nova questão: qual o alcance da transferência e sua importante função?

No texto Sobre o início do tratamento, Freud (1996, p. 153) enfatiza que tudo que se passa na vida do paciente no decorrer do tratamento representa uma transferência para o analista e pode servir à resistência. Em suas palavras:

Tudo que é relacionado com a situação atual representa uma transferência para o médico, que se mostra apropriada para servir como uma primeira resistência. Somos assim obrigados a começar por descobrir esta transferência; e um caminho que dela parte fornecerá rápido acesso ao material patogênico do paciente.

Freud coloca que as bases para que a transferência se estabeleça estão na própria estrutura neurótica e esta tem uma função importante de interromper o fluxo associativo, permitindo que o material psíquico possa emergir a partir da repetição no espaço clínico. Em A dinâmica da transferência, o autor afirma que a transferência torna-se bem mais intensa nos neuróticos que estão em análise do que nos que não estão. Em suas palavras (1996, p. 112):

... permanece sendo um enigma a razão por que na análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e condição de sucesso.

Quando explica a interrupção do fluxo associativo que ocorre por meio da transferência no percurso analítico, Freud afirma que esta ocorre pelo fluxo estar sendo dominado por uma associação que se relaciona ao analista ou a algo que se vincula a este e pode, por isso, ser removida ou também alterada, quando esta

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explicação é fornecida. Ainda no texto A dinâmica da transferência, Freud (1996, p. 112-113) assevera:

... se as associações de um paciente faltam, a interrupção pode invariavelmente ser removida pela garantia de que ele está sendo dominado, momentaneamente, por uma associação relacionada com o próprio médico ou com algo a este vinculado. Assim que esta explicação é fornecida, a interrupção é removida ou a situação se altera, de uma em que as associações faltam para outra em que elas estão sendo retidas.

Lacan (1985), em O seminário, livro 1, parte da palavra para explicar a transferência e a interrupção do fluxo de associações. De acordo com ele, quando aquilo que o sujeito está tentando dizer não chega ao termo, acontece um agarramento do outro pela palavra; pode-se dizer assim que o analista, ou algo que esteja relacionado a ele, passa a servir de intermediário no processo, ou seja, o paciente se agarra a ele porque transfere para ele o que não consegue falar, o que resiste em saber, e transfere como resistência. Para Lacan (1985, p. 61) é da própria “essência da palavra, se é que se pode dizer isso, o agarrar-se ao outro”. Ele explica que é pela sua característica de mediação entre o sujeito e o outro (a), que a palavra os une, e faz isso porque ela realiza o outro (a) na própria mediação. E complementa: “A palavra é mediação sem dúvida, mediação entre o sujeito e o outro (a), e ela implica na realização do outro (a) na mediação mesma. Um elemento essencial da realização do outro (a) é que a palavra possa nos unir a ele”.

Lacan (1985, p. 62) coloca que é necessário saber então “a que nível esse outro é realizado, e como, em que função, em que círculo da sua subjetividade, a que distância se encontra esse outro”. Afirma que esta distância varia incessantemente no percurso analítico e não deve ser vista como um “estado do sujeito”. Para ele, o que é relevante a esse respeito é em que momento se direciona ao outro (a) o sentimento da presença. Em suas palavras (1985, p. 62):

Trata-se de saber como, num dado momento, aponta em direção ao outro esse sentimento tão misterioso da presença. Talvez esteja integrado àquilo de que Freud nos fala na Dinâmica da Transferência, quer dizer, a todas as estruturações prévias, não somente da vida amorosa do sujeito, mas da sua organização do mundo.

Assim, ao falar sobre a transferência e a realização do outro (a) pela palavra, Lacan situa a experiência da transferência e sua relação com a resistência, esta

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última sendo entendida por ele como inflexão da palavra e do discurso. A resistência, na qual a palavra se inflete, vem a revelar a verdade do sujeito à medida que revela onde o outro do sujeito toma função, onde este outro se realiza e a distância que está em relação ao discurso. A transferência permite assim que o fluxo associativo seja interrompido, ou em termos linguísticos, que a inflexão da palavra e do discurso aconteça e possa ser então manejada.

Cabe então mais uma relevante questão: o que faz com que a transferência possa surgir no percurso do tratamento?

1.3 O AMOR DE TRANSFERÊNCIA E A DEMANDA

Segundo Freud, se aquele que procura o tratamento é tomado com cuidado e atenção, ele estabelece a transferência por si só e faz isso a partir da vinculação do analista à imago de alguém que anteriormente o tratou com amor. Nas palavras de Freud (1996, p. 154) em seu texto Sobre o início do tratamento:

Se se demonstra um interesse sério nele, se cuidadosamente se dissipam as resistências que vêm à tona no início e se evita cometer certos equívocos, o paciente por si próprio fará essa ligação e vinculará o médico a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição.

A transferência permeia todo o tratamento analítico, mas se torna central em alguns momentos quando pode servir à resistência e apontar algo sobre a verdade do sujeito. Como pano de fundo para que a análise aconteça, ela pode ser entendida, como afirma Lacan (1985, p, 12) no O seminário, livro 8, como “uma experiência”, experiência de amor que se coloca entre analista e analisando, mas que precisa ficar em nível virtual, como observa Freud (1996) em seu texto

Observações sobre o amor transferencial. O autor escreve que é de suma

importância conduzir o tratamento de forma a abster-se de qualquer satisfação, uma vez que o amor de transferência se relaciona ao amor endereçado àquilo que o analista representa e não a ele em si mesmo. Como regra fundamental da psicanálise, Freud atenta para a importância de deixar que a necessidade de amor do paciente permaneça, uma vez que é esta necessidade que o impele a fazer o trabalho de análise e realizar mudanças, mas o analista deve oferecer substitutos. Nas palavras de Freud (1996, p. 182):

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O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência. Com isto não quero significar apenas a abstinência física, nem a privação de tudo o que a paciente deseja, pois talvez nenhuma pessoa enferma pudesse tolerar isto. Em vez disso, fixarei como princípio fundamental que se deve permitir que a necessidade e anseio da paciente nela persistam, a fim de poderem sentir as forças que a incitam a trabalhar e efetuar mudanças, e que devemos cuidar de paziguar estas forças por meio de substitutos. O que poderíamos oferecer nunca seria mais que um substituto, pois a condição da paciente é tal que, até que suas repressões sejam removidas, ela é incapaz de alcançar satisfação real.

Freud salienta que tanto a satisfação quanto a supressão da satisfação levam à ruina do tratamento. O amor transferencial, para o autor, deve ser entendido em seu contexto analítico. O terapeuta não deve afastar-se dele, nem rechaçá-lo e nem fazer dele algo que desagrade o paciente, mas deve manter-se firme em não dar-lhe qualquer retribuição. Em suas palavras (1996, p. 184), ainda no texto sobre as Observações sobre o amor transferencial:

É, portanto, tão desastroso para a análise que o anseio da paciente por amor seja satisfeito, quanto que seja suprimido. O caminho que o analista deve seguir não é nenhum destes; é um caminho para o qual não existe modelo na vida real. Ele tem de tomar cuidado para não afastar-se do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo desagradável para a paciente; mas deve, de modo igualmente resoluto, recusar-lhe qualquer retribuição.

De acordo com Freud (1996, p. 184), quanto mais controle em relação ao amor transferencial o analista tiver e quanto mais demonstrar este controle ao paciente, de forma a certificá-lo de que “está à prova de qualquer tentação, mais prontamente poderá extrair da situação seu conteúdo analítico”. A não retribuição, quando se fala no amor transferencial, consiste, para Lacan em dar o que não se tem ao paciente diante da sua demanda, ou, em outras palavras, consiste em dar a ele a própria falta do analista.

Segundo Lacan (1985, p. 172) neste mesmo O seminário, livro 8, “é a questão formulada ao Outro, quanto ao que pode nos dar e ao que tem para nos responder, que se liga o amor como tal”, e assim a transferência pode ser pensada a partir da falta, a partir de uma posição de evanescência do terapeuta frente à demanda do paciente para que esta venha a se colocar. Para Lacan (1985, p. 172),

... o Outro, grande A é definido para nós como o lugar da fala, esse lugar sempre evocado desde que há fala, esse lugar terceiro que existe sempre nas relações com o outro, “a”, desde que há articulação significante. Esse A não é um outro absoluto, um outro que seria o que chamamos, em nossa

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verbigeração moral, o outro respeitado enquanto moralmente nosso igual. Não, esse Outro, tal como lhes ensino aqui a articular, que é simultaneamente necessidade e necessário como lugar, mas ao mesmo tempo incessantemente submetido à questão daquilo que o garante, ele próprio, é um Outro perpetuamente evanescente e que, por isso mesmo, nos coloca numa posição, perpetuamente evanescente.

Ocupar um lugar que está a cair constantemente talvez seja um dos grandes desafios por parte dos terapeutas para que o paciente possa reposicionar-se frente a suas questões e para que a transferência e seu amor tenham lugar. Ferreira (2006) afirma que “o ato psicanalítico primeiro é suportar a transferência e, com isto, ter inscrito a demanda, entendendo-se esta originada e marcada pela falta, sendo, portanto, uma demanda de amor”. Pode-se entender assim que manter-se firme no propósito de não responder à demanda do paciente é fundamental no processo do tratamento e na própria manutenção da transferência e daquilo que ela provoca.

No texto Observações sobre o amor transferencial Freud (1996, p. 185) enfatiza que o amor transferencial traz a resistência com toda a sua força, mas afirma que ela apenas “faz uso dele e agrava suas manifestações”. O autor diz ainda que há uma diferença entre o amor de transferência e o amor dito normal. Apesar de que ambos reproduzem neuroses infantis, o amor transferencial tem menor liberdade, uma vez que é mais claro e menos adaptável do que o amor da vida comum. Nas palavras de Freud (1996, p. 185):

É verdade que o amor consista em novas adições de antigas características e que ele repete reações infantis. É precisamente desta determinação infantil que ele recebe seu caráter compulsivo, beirando, como o faz, o patológico. O amor transferencial possui talvez um grau menor de liberdade do que o amor que aparece na vida comum e é chamado de normal; ele exibe sua dependência mais claramente e é menos adaptável e capaz de modificações.

Freud (1996, p. 186) escreve que o amor transferencial “caracteriza-se por certos aspectos que lhe asseguram posição especial”. De acordo com ele, a própria situação analítica leva ao amor de transferência e ganha ainda mais intensidade porque a resistência entra em cena. Freud (1996, p. 186) afirma que, além disso, falta no amor transferencial “em alto grau consideração pela realidade, é menos sensato, menos interessado nas consequências e mais ego em sua avaliação da pessoa amada” do que acontece com o amor normal.

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No mesmo texto Freud fala sobre a importância de não ceder à demanda de amor do paciente, salientando que caso isso não seja levado a cabo perde-se a oportunidade de auxiliar o analisando a atravessar uma etapa de grande importância de sua vida, a qual ele define como o aprendizado em relação à superação do princípio do prazer. Nas palavras de Freud (1996, p. 187):

E, no entanto, é inteiramente impossível para o analista ceder. Por mais alto que possa prezar o amor, tem de prezar ainda mais a oportunidade de ajudar sua paciente a passar por um estádio decisivo de sua vida. Ela tem de aprender com ele a superar o princípio do prazer, e abandonar uma satisfação que se acha à mão, mas que socialmente não é aceitável, em favor de outra mais distante, talvez inteiramente incerta, mas que é psicológica e socialmente irrepreensível.

Freud (1996, p. 187) finaliza suas recomendações a respeito do amor transferencial afirmando que é trabalho do analista conduzir o paciente “através do período primevo de seu desenvolvimento mental” a partir da superação do princípio do prazer, uma vez que com isso o sujeito adquire maior domínio sobre seu funcionamento mental e ganha uma “parte adicional de liberdade mental”, a qual diferencia as atividades mentais consciente e inconsciente.

À medida que o terapeuta se abstém de responder à demanda de amor do paciente, a fala vem ocupar o lugar da falta e permite que o tratamento aconteça. De acordo com Lacan (1985, p. 175) em O seminário, livro 8, se a fala se mantém, há transferência:

... o fenômeno de transferência é ele próprio colocado em posição de sustentáculo da ação da fala. Com efeito, ao mesmo tempo em que se descobre a transferência, descobre-se que se a fala se mantém, como se manteve até que percebem isso, é porque existe a transferência.

Entende-se com isso que a condição para a transferência é uma condição de falta. Trata-se de dar ao paciente aquilo que não se tem e, com isso, manter a demanda de amor e, consequentemente, a demanda de tratamento. Surge então mais uma questão pertinente: em que consiste a falta que se dá ao analisando para que em sua fala se desdobre sua verdade? Partindo desta pergunta surge a tentativa de respondê-la com base naquilo que Lacan (1985) chamou de o desejo do

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2 AS POSIÇÕES DO ANALISTA NA TRANSFERÊNCIA E O DESEJO DO ANALISTA

2.1 AS POSIÇÕES DO ANALISTA NA TRANSFERÊNCIA

Para que o analista possa manejar a transferência e o tratamento se viabilize, faz-se necessário saber qual lugar ele ocupa para o paciente em sua organização psíquica. De acordo com Maurano (2006, p. 24), “é da posição que lhe é dada pela transferência que o analista pode analisar, interpretar, enfim, intervir sobre a própria transferência”. Segundo Maurano a busca por um tratamento analítico pressupõe que consideremos o analista ou a teoria psicanalítica como detentores de um saber que nos escapa e que pode, por meio da análise, nos ser revelado. Lacan (1985) propôs o conceito de sujeito suposto saber, que pode ser pensado a partir da construção que o analisando faz no percurso do tratamento, no qual coloca o analista na função de grande Outro no processo terapêutico, sendo para quem se dirige na esperança de que este possa dizer-lhe sobre sua verdade. De acordo com Maurano (2006, p. 26-27),

Lacan chama a quem é creditado o saber de “o grande Outro”, e ele funciona como uma referência para a nossa organização subjetiva, que é tecida pelo nosso acesso à linguagem. É a esse Outro que nos dirigimos como se ele fosse a garantia do bom andamento das coisas, lugar de onde emanaria a verdade última de nós mesmos. É essa suposição de um saber no Outro que Lacan localiza como pivô do deslanchamento da transferência, via pela qual o analista vem a encarnar a função de sujeito suposto saber.

Este grande Outro, encarnado no analista, permite que a repetição se coloque e, por intermédio desta, a demanda do paciente surge como um pedido ao analista, o qual é suposto como aquele que sabe algo sobre o sujeito e que pode por isso libertá-lo. De acordo com a autora, à medida que o analista não responde à demanda, a repetição do fracasso dos desejos infantis se coloca e o encontro com a falta pode ser então trabalhado pela via da transferência. Nas palavras de Maurano (2006, p. 27-28):

Assim, para Lacan, a transferência não se reduz à repetição por ter seu acionamento vinculado à função do sujeito suposto saber. O que leva à repetição é a demanda de que o analista viabilize esse acesso ao saber. É

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esse pedido que leva à repetição de um caminho já trilhado nessa mesma direção, no qual o sujeito espera que um saber no Outro acene como via de salvação do real traumático.

Soler (2004), ao falar sobre a repetição, coloca que o sujeito repete porque ao passar pela linguagem é separado do gozo e dessa separação ficam apenas os restos do Outro, ao qual ele está sujeito. Para ela, a repetição em si não muda com a experiência de análise, e consequentemente com a transferência, mas Soler afirma que o que pode ser modificado são as condições de gozo e isso se dá pelo que Lacan chamou de “atravessamento do fantasma”. Em suas palavras (2004, p. 165):

Podemos designar del seguiente modo essas condiciones: el sujeto, por estar sujeto al Outro, como dice Lacan, es dicer, por pasar por el linguaje, está separado del goce y, de resultas, no tiene sino restos de este. Es, por lo tanto, “Uno solo” com esos restos. Lo sorprendente es que entre él y ellos hay algo muy misterioso, el amor, que nunca termina de asombrarnos. El discurso analítico no cambia esas condiciones del hablanteser, que requerien la repetición porque ésta, ya insistí en ello, es necessária debido a la pérdida de goce.

Pero puede cambiar algo en las inercias de la repeticón que son, en el fondo, y para resumir, las inercias de las condiciones de goce, y puede hacerlo gracias a la elaboración de la transferencia3.

A repetição que surge no tratamento analítico está relacionada com uma tentativa de simbolização dos restos deixados pelo Outro, mas não deixa de ser também comemorações e revivescências destes restos, deste gozo. Uma vez que o analista não responde à demanda do analisando, tal repetição se intensifica e se estabelece uma disparidade entre o desejo de um e de Outro. A crença de que este Outro que se repete em análise possa revelar algo sobre a verdade do sujeito conduz ao laço analítico, ao amor de transferência. Maurano (2006, p. 28) afirma que é pela via do amor que se dá o trabalho analítico e escreve:

3“Podemos designar do seguinte modo essas condições: o sujeito, por estar sujeito ao Outro, como

disse Lacan, é dizer, por passar pela linguagem, está separado do gozo e, como resultado, não tem senão os restos deste. É, portanto, um só com esses restos. O surpreendente é que entre ele e eles há algo de muito misterioso, o amor, que nunca deixa de nos assombrar. O discurso analítico não muda essas condições do falante, que requerem a repetição porque esta, já insisti nisso, é necessária devido à perda de gozo.

Mas pode mudar algo nas inércias da repetição que são, no fundo e para resumir, as inércias das condições de gozo e pode fazê-lo graças à elaboração da transferência” (Livre tradução da autora deste trabalho).

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A transferência é a aposta de que há que existir um saber que virá dar conta dessa falta do encontro perfeito, desse furo presente na relação do sujeito ao Outro. Esse crédito dado ao Outro traz como efeito o amor. Na transferência, temos por um lado um apelo ao saber que advém da relação com a linguagem e, por outro, um apelo ao ser, que se configura como demanda de amor. Demanda de vir a encontrar sua consistência, o sentido do seu ser, pela via do amor.

Stryckman (apud DORGEUILLE, 1997) coloca que a efetivação da análise se dá pela representação do sujeito, na qual o que interessa é seu desejo. Nesta tentativa de representar o sujeito surge o amor como um efeito secundário deste processo e que tenta dar conta da disparidade subjetiva criada pela transferência, disparidade esta que é fundante do saber inconsciente e que revela que o que causa o desejo de um não tem uma relação recíproca com o que causa o desejo do Outro. O analista, ao ocupar o lugar de sujeito suposto saber, lugar do Outro, leva o sujeito a encontrar-se com sua alienação no desejo deste Outro. É pela transferência que o desejo do Outro será substituído pelo desejo do analista, o qual possibilitará, a partir do encontro com a falta, que o inconsciente se atualize e, com isso, o saber inconsciente que o sujeito busca. Nas palavras de Stryckman (apud DORGEUILLE 1997, p. 278):

A técnica psicanalítica permite a entrada na análise mas não seu resultado. Este resultado, esta efetivação, Lacan os situa numa topologia do sujeito onde o que está em jogo é seu desejo. Nesta topologia subjetiva, o amor não é mais que um epifenômeno, como o indica Ch. Melman, epifenômeno que vem ali recobrir isto que a transferência cria: uma disparidade subjetiva que funda o saber inconsciente (cf. Breuer, Anna O. Freud), em um lugar onde o que causa o desejo de um, não é o que causa o desejo do Outro e onde a posição do analista (com tudo que ela implica), obriga, dita ao sujeito que seu desejo é o desejo do Outro vai se substituir o desejo do analista que assim atualiza a realidade do inconsciente, o saber inconsciente.

Tendo em vista a disparidade que se cria a partir da relação analítica, a qual tem como consequência o amor de transferência, Soler (2004) escreve que todo amor é mendicante e sempre assume o caráter da demanda. A autora fala das posições do analista na transferência a partir do amor, o qual ela situa em dois polos, sendo que em um deles está o ideal, no qual se encontra a demanda de amor em si mesma – uma vez que o sujeito se dirige a este ideal na tentativa de fazer-se amado; e no outro polo está a pulsão, o objeto. Nas palavras de Soler (2004, p. 167):

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Quisiera relacionarlo con outro, el del Seminario 11 en el que Lacan señala que el amor de transferência – que, como todo amor, asume la forma de la demanda; el amor siempre es pedigueño – está tendido entre dos polos: en uno situá el ideal con respecto al cual el sujeto quiere hacerse digno de amor, que es el polo de la demanda de amor propriamente dicho, mientras que en el outro situá el objeto, digamos la pulsión4.

Assim sendo, a transferência se coloca em três tempos. Em um primeiro tempo se dá o apaixonamento primário, em que se dá o acolhimento da demanda de amor do analisando, a qual se relaciona com o ideal do eu suposto no analista, que é colocado no lugar do Outro. Este primeiro tempo se refere também ao interesse demonstrado pelo analista em escutar o que o analisando tem a dizer e, mais do que isso, em assinalar ao sujeito que o que ele diz o levará a algum lugar. Soler (2004, p. 169) afirma:

Esta estrutura del amor actúa al comienzo del psicoanalisis en el enamoramiento primário, que se desencadena casi automaticamente con formas específicas de cada sujeto. No todos lo viven en el lirismo de una expresión desbordante, pero ese enamoramiento se presenta em todos los comienzos y obedece a la acogida analítica de la demanda. Es decir, se debe em princípio al interés mostrado hacia la persona que se presenta, puesto que se la escucha, pero no es sólo eso, ya que en el mundo hay mucha gente que escucha: los confesores, los enfermeros, los veinos del mismo piso, todos los terapeutas que pululán em la espécie parlante. No se trata sólo del interés mostrado hacia la persona. Ésta viene a presentar su queja y le señalamos que la recibimos, pero que basta con que hable, y que hable de una manera: a su capricho, hasta decir tonterías, locuras, todo lo que quiera, y le damos a entender que eso la llevará a alguna parte5.

Neste primeiro tempo da transferência o analisando se depara com a falta, o que o mobiliza a repeti-la e atualizá-la. Lebrun et al. (apud DORGEUILLE, 1997, p.

4“Quisera relacioná-lo com outro, do Seminário 11, no qual Lacan assinala que o amor de

transferência - que como todo amor assume a forma da demanda; o amor é sempre medicante - está tendido entre dois polos: em um situa o ideal com respeito ao qual o sujeito quer fazer-se digno de amor, que é o polo da demanda de amor propriamente dito, enquanto que no outro situa o objeto, digamos a pulsão” (Livre tradução da autora deste trabalho).

5“Esta estrutura do amor atua no início da psicanálise como apaixonamento primário, que se

desencadeia quase que automaticamente nas formas específicas de cada sujeito. Nem todos o vivem como lirismo de uma expressão transbordante, mas esse início se apresenta em todos os começos e obedece à acolhida analítica da demanda. É dizer, se deve em princípio ao interesse mostrado pela pessoa que se apresenta, posto que se a escuta, mas não é só isso, já que há muita gente no mundo que escuta: os confessores, os enfermeiros, os vizinhos do mesmo andar, todos os terapeutas que abundam na espécie falante.

Não se trata somente do interesse mostrado pela pessoa. Esta vem a apresentar sua queixa e lhe assinalamos que a recebemos, mas basta com que fale, e que fale de uma maneira: a seu capricho, para dizer bobagens, loucuras, tudo o que quiser, e lhe damos a entender que isso a levará a algum lugar” (Livre tradução da autora deste trabalho).

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291) afirmam que o analista, ao responder à demanda do paciente com sua própria falta-a-ser, permite ao analisando experimentar sua castração e “testemunhar a não resposta absoluta e definitiva do Outro”. Os autores explicitam também que há inicialmente uma identificação narcísica por parte do analisando, o qual, no lugar de

eu ideal busca o olhar do outro, o analista, e que, por isso, supõe no Outro o ideal do

eu. Este ideal do eu, como já descrito por Soler (2004), representa um dos polos do amor de transferência que vem a ser o lugar da demanda. O analisando repete sua demanda de amor a partir daquilo que ele supõe e constrói sobre a figura do analista como ideal do eu, por quem quer fazer-se amado. A intervenção proveniente do ideal do eu, que se encontra situado na figura do analista, proporciona uma contestação da imagem narcísica do paciente e possibilita a substituição do objeto causa de desejo do analisando pelo desejo do analista, o qual coloca o sujeito em relação com o significante que causa seu desejo, ao invés de mantê-lo em relação com o objeto que o aliena. Nas palavras de Lebrun et al. (apud DORGEUILLE, 1997, p. 291):

Dizer que “o sujeito tem uma relação com seu analista cujo centro está ao nível desse significante privilegiado que se chama ideal do eu” dá conta da substituição que se opera, na relação analítica, do objeto causa do desejo do analisante pelo desejo do analista, que institui o sujeito num desejo fundado pelo significante que o causa (e não por um objeto que o aliena).

Lacan (1985), em seu O seminário, livro 8, afirma que para que a contestação produzida pela metáfora paterna se instale no percurso do tratamento e possa haver uma mudança de registro de eu ideal para ideal do eu por parte do analisando, é necessário que o analista, o qual é colocado na posição de ideal do eu, venha a cair desta posição para que a análise chegue aonde deve chegar. Dessa forma, torna-se fundamental que o terapeuta possa se haver com sua própria relação com a função de ideal do eu, e que, enquanto analista, possa sustentar sua ação por algo que seja exterior a ele, aquilo que o autor chamou de massa analítica, que diz de uma identificação com o discurso analítico e com o desejo do analista. Lacan (1985, p. 323) diz:

O analista, na medida em que é analista, inteiramente só, soberano, a bordo, é colocado face a face com sua ação. Trata-se, para ele, do aprofundamento, do exorcismo, da extração de si mesmo, indispensável para que haja uma justa percepção de sua relação, dele próprio, com a

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função de ideal do eu, na medida em que para ele, como analista, e consequentemente de uma maneira particularmente necessária, essa função é sustentada no interior daquilo que chamei de a massa analítica.

Lacan explicita que a queda da posição de ideal do eu pelo analista é fundamental para que o que é produzido pelo sujeito em análise seja concebido como um erro, como tendo um sentido semiexterior a ele e que não se limite àquilo que o sujeito supõe ser o ideal do eu enquanto encarnado na imagem do analista. Se o deslizamento de sentido não ocorrer como um engano, o sujeito permanece alienado no analista, de forma que não se implica subjetivamente. Assim, não ocorre a queda do grande Outro para que o sujeito possa acessar a posição na qual é o ponto da falta do objeto causa de desejo e na qual deve reconhecer-se para se apropriar de sua verdade.

Através do processo de dialetização com o ideal do eu suposto no Outro irredutível, o reconhecimento do analisando como falta-a-ser se dá na medida em que o sujeito vai se separando da cadeia significante que o aliena no Outro e vai se apropriando do saber antes suposto no analista. Soler (2004) situa este como sendo o segundo tempo da transferência. A autora coloca que o primeiro passo da estratégia do analista é possibilitar que o analisando passe da fase do apaixonamento primário para este segundo momento, o qual ela chama de amor miserável. Soler explicita que neste momento o sujeito entra em um processo dialético com relação às fases de expectativa, esperança, decepção, renúncia. Isso permite que ele desdobre sua demanda e se descole do desejo do Outro, passagem que é vivida com grande frustração pelo analisando, e a partir deste descolamento desponta o objeto a, o objeto causa de desejo. Nas palavras de Soler (2004, p. 171):

Para decirlo en términos del linguaje común, el primer passo de la estratégia del analista consiste en hacer passar del enamoramiento primário al amor desdichado, a la pena de amor que, desde luego, no asume las formas dramáticas y ruidosas de la ruptura. El análisis es una pena de amor prolongada! Cuanto más se prolonga, mas se dialectiza, com las fases de esperanza, decepción, expectativa, renunciamiento. El interés de passar del enamoramiento a la pena de amor – cosa que los analistas, creo, quisieron decir com el término ‘frustración’, para señalar que el dispositivo frustra parcialmente el passaje – es que esta frustración lleve al analizante a desplegar su demanda y, al hacerlo, tenga acceso a lo que el inconsciente le oculta6.

6“Para dizer em termos de linguagem comum, a primeira estratégia do analista consiste em fazer

passar do apaixonamento primário ao amor miserável, à pena de amor que, desde logo, não assume as formas dramáticas e ruidosas da ruptura. A análise é uma pena de amor prolongada. Quanto mais

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Soler (2004) coloca que neste movimento de demanda de amor e separação do Outro, assim como na elaboração da frustração desta ruptura, o analisando vai construindo uma ficção para dar conta da perda de gozo proveniente deste processo. Para ela, é de extrema importância que o sujeito possa identificar o que configura os momentos de perda e inscrevê-los na ficção que constrói em análise, assim como é essencial que inscreva também as compensações que constrói para suas perdas. Soler (2004, p. 173) afirma:

La puesta em juego de la repetición, motivada por el goce y generadora del recurso al Outro, arrasta al sujeto a um proceder causal consistente, entre otras cosas, em construir lo que Freud llamó ‘novela familiar’. La novela familiar es uma ficción. Uma ficción para dar cuenta de que? De las perdidas de goce, y em um análisis es crucial que el sujeto identifique las configuraciones de los momentos de pérdidas decisivas. Por conseguinte, inscribir em la ficción los momentos de perdida, per también lo que se contruyó como compensación, pues no sólo hay perdida7.

Aparece então o objeto a, objeto causa de desejo que delimita a posição que o sujeito ocupa em relação a este Outro e que se situa no outro polo do amor de transferência descrito por Soler. No processo de queda que se dá em relação ao Outro, o objeto causa de desejo passa a revelar-se no analista, o qual ao encarnar o

objeto a para o analisando substitui-o pelo desejo do analista, ou seja, pela sua

falta-a-ser, partilhando-a e permitindo que o encontro do sujeito seja então com sua própria falta-a-ser. Dessa forma, o sujeito pode, a partir da apropriação de seus significantes, interrogar-se sobre seu desejo, articulando um saber que agora lhe pertence com sua verdade singular.

Este é definido como o terceiro tempo da transferência e foi chamado por Lacan como tempo das “satisfações tão difíceis de romper”. O autor afirma que na medida em que o analista passa a ser colocado na posição de objeto causa de desejo na transferência, passa-se a interrogar sobre o que o objeto possui de mais se prolonga, mais se dialetiza com as fases de esperança, decepção, expectativa, renúncia. O interesse de passar do apaixonamento primário para a pena de amor – caso que os analistas, creio, quiseram dizer com o termo frustração, para assinalar que o dispositivo frustra parcialmente a passagem – é que esta frustração leve o analisante a desdobrar sua demanda e, ao fazê-lo, tenha acesso ao que o inconsciente lhe oculta”(Livre tradução da autora deste trabalho).

7“Ao colocar-se em jogo, a repetição, motivada pelo gozo e geradora do recurso ao Outro, arrasta o

sujeito a um proceder causal consistente, entre outras coisas, em construir o que Freud chamou de ‘novela familiar’. A novela familiar é uma ficção. Uma ficção para dar conta de que? Das perdas de gozo, e em uma análise é crucial que o sujeito identifique as configurações dos momentos de perdas decisivas. Dessa forma, inscrever na ficção os momentos de perda, mas também o que construiu como compensação, pois não há apenas perda”(Livre tradução da autora deste trabalho).

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profundo, de forma a desvelar o que há de mais escondido nele. Nas palavras de Lacan (1985, p. 375):

O horizonte da relação com o objeto não é, antes de tudo, uma relação conservadora. Trata-se, se posso dizer, de interrogar o objeto sobre o que ele tem no ventre. Isso prossegue na linha onde tentamos isolar a função do pequeno a, a linha propriamente sadeana, por onde o objeto é interrogado até as profundezas de seu ser, solicitado a mostrar-se no que tem de mais escondido para vir preencher essa forma vazia na medida em que ela é fascinante.

No entanto, Lacan deixa claro que há um limite no que pode ser suportado pelo objeto interrogado, sobre o que ele revela do próprio sujeito que o interroga. Este é um limite perigoso no qual a derradeira falta-a-ser aparece e se confunde com a própria destruição do objeto. Dessa forma, o autor situa uma barreira necessária para que o objeto seja conservado, a barreira da beleza ou da forma, para a qual o analista deve estar atento e a qual permite que a conservação do objeto possa se refletir no sujeito. Lacan (1985, p. 375) afirma:

Até onde o objeto pode suportar a questão? Talvez até o ponto em que a última falta-a-ser é revelada, até o ponto em que a questão se confunde com a própria destruição do objeto. Tal é o termo – e é por essa razão que existe a barreira que situei para vocês no ano passado, a barreira da beleza, ou da forma. Ali, a exigência de conservar o objeto se reflete sobre o próprio sujeito.

Com relação a este terceiro tempo da transferência Soler (2004) afirma não se tratar da demanda de amor e sim da própria pulsão. De acordo com ela, neste momento o sujeito já se dá conta de seus significantes e das figuras de sua novela familiar. Há perda, mas há também satisfação. Salientando que apesar de pulsão e demanda estarem ligadas estruturalmente, a autora diz que a pulsão como atividade não é demanda e, ao citar Lacan, esclarece que o sujeito e a demanda desaparecem na pulsão. A pulsão consegue a satisfação sem demandá-la. Soler (2004, p. 174) escreve:

Pero la pulsión como actividad no es demanda – aunque Lacan la escriba en el grafo en el lugar de la demanda de amor – y Lacan lo dice com todas las letras: en la pulsión el sujeto se desvance y la demanda también. La pulsión no demanda, toma. Bueno, no tanto; tomaría si hubiera alguien a quien tomar. La pulsión consigue la satisfacción y el problema es que detrás de toda la batahola de la queja analizante – porque la queja analizante y su

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sufrimiento hacen mucho ruido - está el goce que se sustrae em silencio, y es preciso discernilo em cada analizante. Ése es el meollo de la cuestión8.

De forma a explicitar os objetos de satisfação, Soler traz o exemplo do objeto olhar e salienta que quando um sujeito tem neste objeto sua satisfação, investe em sua estratégia de fazer-se ver de modo a alcançá-la. Segundo ela, o sujeito não demanda tal satisfação, alcança a mesma pela sua posição na transferência e pela sua posição de palavra. Nas palavras da autora (2004, p. 174):

“Hacerse ver”: cuando un sujeto está animado en toda su estrategia por el objetivo de alcanzar esta satisfacción, no la demanda, la consigue por la modalidad de su posición de palabra y de transferencia con respecto al outro. El exhibicionista no pide permiso. El único lazo de la pulsión con la demanda es el hecho de suponer la presencia del Outro9.

Assim também ocorre com o objeto voz, de forma que o sujeito que tem como satisfação o fazer-se ouvir, se aplicará em alcançar esta satisfação sem ter que demandá-la. Soler coloca que há o risco de que tal busca por satisfação venha a eternizar a transferência e afirma que nestes casos o analista está reduzido ao objeto. A autora salienta que, assim como ensinou Lacan, estas satisfações tão difíceis de romper se colocam porque o analista passa a funcionar no fantasma do sujeito e de sua presença é extraído o próprio objeto pulsional. Nestes casos, o sujeito em análise obtém um gozo da própria análise e tem um falso efeito terapêutico. Soler (2004, p. 175) escreve:

8“Mas a pulsão como atividade não é demanda – embora Lacan a escreva no grafo no lugar da

demanda de amor – e Lacan disse com todas as letras: na pulsão o sujeito desaparece e a demanda também. A pulsão não demanda, toma. Bom, não tanto; tomaria se houvesse alguém a quem tomar. A pulsão consegue a satisfação e o problema é que detrás de toda a barulheira da queixa analisante – porque a queixa analisante e seu sofrimento fazem muito ruído – está o gozo que se subtrai em silencio, e é preciso discerni-lo em cada analisante. É esse o cerne da questão” (Livre tradução da autora deste trabalho).

9“’Fazer-se ver’: quando um sujeito está animado em toda a sua estratégia pelo objetivo de alcançar

esta satisfação, não a demanda, consegue-a pela modalidade de sua posição de palavra e de transferência com respeito ao outro. O exibicionista não pede permissão. O único laço da pulsão com a demanda é o de supor a presença do Outro”(Livre tradução da autora deste trabalho).

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Conectemos estes dos textos, cuando Lacan dice: el momento en que el analista queda reducido al objeto, y “La dirección de la cura”, donde habla de “las satisfacciones tan difíciles de romper”. Éstas se dan justamente cuando el analista empieza a funcionar en el fantasma y el objeto pulsional se extrae de su presencia10.

Para que haja um efeito terapêutico que Lacan (1985) denominou “substancial”, é necessário que o analista atue a partir do desejo do analista, ou seja, a partir de sua falta-a-ser, a qual propicia ao analisando o duelo com o objeto a que não está em lugar algum, que se trata de uma representação significante do próprio sujeito em análise, e que não pode, por isso, se reduzir ao objeto encarnado no analista. A falta-a-ser, a qual está diretamente relacionada com o desejo do analista, torna-se fundamental para que a saída de análise aconteça. Cabe assim o questionamento do que vem a ser este conceito pivô criado por Lacan denominado por ele desejo do analista.

2.2 O DESEJO DO ANALISTA

Para que a análise chegue a seu termo e possa levar o paciente ao confronto com o Outro encarnado no analista e ao encontro com seu desejo, Lacan (1985) criou o conceito de desejo do analista para designar aquilo que possibilita a interpretação da transferência e a necessária disparidade entre o desejo do Outro e o desejo do outro. De acordo com Maurano (2006), o desejo do analista torna possível ao analista fazer o manejo da transferência e superar as resistências que se colocam em relação à interpretação, ou seja, do lado do analista. Nas palavras de Maurano (2006, p. 34-35):

O desejo do analista é o que habilita-o a manejar a transferência para colocá-la a serviço do trabalho analítico, e, portanto, vencer as resistências que tentam obstaculizar o processo, já que a transferência tem duas faces: facilitação e impedimento. Se o desejo do analista não estiver afinado com o trabalho, a resistência surgirá também do seu lado, por meio de uma transferência mal colocada por parte dele, e que o ensurdecerá para tratar as colocadas pelo analisando.

10“Conectemos esses dois textos, quando Lacan disse: o momento em que o analista cai reduzido ao

objeto, e ‘A direção da cura’, no qual fala das ‘satisfações tão difíceis de romper’. Estas se dão justamente quando o analista começa a funcionar no fantasma e o objeto pulsional se extrai de sua presença”(Livre tradução da autora deste trabalho).

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Segundo esta autora, o conceito de desejo do analista foi criado por Lacan para dar conta da questão da contratransferência, uma vez que se tornou importante pensar a respeito dos afetos positivos e negativos despertados no analista e colocar acima disso o desejo do analista para o qual é necessário habilitar-se e o qual permite que o tratamento chegue a seu termo de fato. Nas palavras de Maurano (2006, p. 35-36):

A noção lacaniana de desejo do analista vem em socorro aos impasses no trato da questão da contratransferência ao revelar que o mais importante para um bom andamento do trabalho não são propriamente os afetos positivos e negativos que podem ser despertados em um analista por um analisando, mas a habilitação que lhe permite sobrepor a isso o funcionamento de seu desejo de analista.

Como já mencionado anteriormente, há uma disparidade necessária para que a transferência se coloque e, portanto, a relação analítica não caracteriza uma relação intersubjetiva. O analista nesse contexto está em uma posição dessubjetivada e precisa ocupar o lugar de objeto para que a verdade do paciente possa emergir. De acordo com Maurano o objetivo da análise é o de que, ao atravessar sua fantasia fundamental, o sujeito possa apropriar-se de seu desejo, despertado do desejo do Outro, mas para que isso aconteça é imprescindível que o desejo do analista atue e que este tenha, ele também, despertado do desejo do Outro. Maurano (2006, p. 37-38) escreve:

A ideia aqui referida vincula-se ao fato de que, por um lado, é com uma fantasia fundamental que um sujeito veste sua falta-a-ser, constituindo assim sua subjetividade, pela emergência de um estilo próprio de ele se haver com o desejo do Outro, tentando respondê-lo e salvando-se assim da absoluta inconsistência e da confrontação insuportável com o real inapreensível. Mas, por outro lado, a travessia da fantasia fundamental – processo visado, segundo Lacan, no tratamento analítico – virá revelar-se como um modo de despertar do desejo do Outro. Dessa maneira, espera-se que o analista, por ter levado sua análise o mais longe possível, tenha despertado do desejo do Outro, para colocar em ação seu desejo de analista.

É fundamental que se tenha em mente que o desejo do analista é uma função, a qual requer uma extração de si por parte do analista e que, dessa forma, habilita-o a operar a partir do desejo do analista e não de seu desejo de sujeito. O desejo do analista, segundo Maurano vai em direção ao infinito, a um universal e por

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