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A sucessão trabalhista na recuperação judicial

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Academic year: 2021

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A SUCESSÃO TRABALHISTA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Gabriela Mascarenhas Lasmar∗

Resumo

O presente trabalho versa sobre a sucessão trabalhista na recuperação judicial. Apesar da omissão do parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, discute-se se haverá ou não sucessão trabalhista na aquisição de estabelecimento do devedor; concluímos que não. Se houvesse a determinação de uma obrigatoriedade, ocorrência da sucessão trabalhista, a lei seria expressa nesse sentido. A recuperação judicial tem por finalidade a obtenção de recursos para que o devedor possa cumprir suas obrigações e continuar exercendo suas atividades, de acordo com os objetivos estipulados no artigo 47 da mencionada Lei. A recuperação judicial não importa apenas aos devedores e credores, mas cumpre função social ao atender aos interesses da sociedade como um todo, daí sua importância.

Palavras-chave: Recuperação Judicial. Lei 11.101/2005. Sucessão Trabalhista. Inocorrência.

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos.

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Abstract

The dissertation focuses on labour succession during judicial intervention. In spite of the dearth of provisions in the article 60 of the Bill 11.101/2005, there is an on-going discussion whether or not there will be labour succession’s liability to the buyers of the debtor company when it is sold: we conclude that it will not. If that were to be the case, the Bill would explicitly state so. The judicial recovery has as its goal to create conditions to allow the debtor to comply with his/her obligations and keep running the business as stated in article 47 of the Bill. The importance of the provisions of the judicial recovery goes beyond the debtors and creditors it addresses. It has an important social role as it preserves the interests of the society as a whole.

Key words: Judicial recovery. Bill 11.101/2005. Labour succession. It does’t have.

1 Introdução

A Lei n. 11.101, publicada no dia 9 de fevereiro de 2005, reformulou o instituto da falência e extinguiu as concordatas, introduzindo a recuperação judicial e extrajudicial.

A mencionada lei foi criada para acompanhar a nova tendência do Século XXI, trazendo novos mecanismos às sociedades empresariais e aos empresários, para superarem crises econômico-financeiras. A recuperação de um empresário ou de uma sociedade empresarial, com a manutenção de sua atividade e perpetuação de empregos, envolve múltiplos interesses:

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a) dos empregados; b) dos credores;

c) das instituições financeiras, que lhes dão financiamento, atentas à segurança das garantias;

d) da ordem social;

e) do Estado, em razão do pagamento dos tributos a que à sociedade está sujeita.

Para atender aos múltiplos interesses na continuidade, permanência e preservação da atividade do empresário, o juiz deverá estar atento ao preceito do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

O artigo 141, II, da Lei de Falências dispõe:

Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.

O referido artigo 141 encontra-se inserido nas disposições que tratam da falência e não, da recuperação judicial.

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A Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, que tem como objetivo adequar a legislação tributária à Lei de Falências, introduziu três parágrafos ao artigo 133 do Código Tributário Nacional, o qual trata da sucessão tributária do adquirente do fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e determinou que não há sucessão nas hipóteses de alienação judicial em processo de falência, nem mesmo de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial.

Todavia o parágrafo único do artigo 60 da Lei de Falência, que trata da recuperação judicial, é omisso quanto à sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor, bem como nas decorrentes de acidente do trabalho.

A legislação deixa dúvidas quanto à sucessão trabalhista na alienação de bens do empresário em recuperação judicial. A omissão da lei sinaliza decisões divergentes quanto à sucessão trabalhista. Se considerada a sucessão trabalhista do adquirente de unidades da sociedade em recuperação, os empregados serão beneficiados, todavia essa situação poderá dificultar a alienação dos bens da sociedade, podendo tornar inviável a sua recuperação. Vários interessados deixarão de participar da alienação judicial, porque terão receio de assumir o passivo trabalhista da sociedade. Por outro lado, poderá implicar mitigação de direitos trabalhistas e mesmo da dinâmica hermenêutica justrabalhista.

Para saber se há sucessão trabalhista do arrematante dos bens do devedor em recuperação judicial, serão abordadas as vantagens e desvantagens de uma possível sucessão, aliando a isso uma criteriosa análise das fontes do direito, dos vetores e métodos hermenêuticos.

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manutenção da empresa e da impactação no Direito do Trabalho. A situação é nova porque a lei é nova, e o tema até então foi pouco estudado pelos doutrinadores e pouco citado pela jurisprudência.

A pesquisa tem, ainda, por objetivo mostrar as diversas implicações da sucessão trabalhista na recuperação das sociedades.

Considerando-se praticamente inexistentes as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema e sua contemporaneidade, verifica-se que o trabalho que se pretende fazer será importante e útil.

1.1 A sucessão no direito empresarial

O Direito empresarial é o ramo do direito que visa à proteção do empresário. Por isso, jamais se pode olvidar que o objetivo fundamental de uma empresa é gerar lucro. Quando isso não for mais possível, uma das possibilidades dada ao empresário será o pedido de recuperação judicial, que visa à tentativa de superação da crise econômica do devedor e, consequentemente, a preservação da empresa, estimulando a continuidade das atividades econômicas. A outra opção é o pedido falimentar. Apesar de a falência proteger os credores e seus créditos, não beneficia a sociedade como um todo, a qual necessita da atividade produtiva para o seu desenvolvimento.

Com o passar do tempo, as relações comerciais vêm se tornado cada vez mais complexas. Por isso, nas palavras de Bulgarelli (1999)1, nos quadros

1 BULGARELLI, Waldiriro. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 26.

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concentracionistas, a fusão e a incorporação tomaram um novo sentido, não em si mesmas, como integração societária, mas pelas causas e objetivos visados e, consequentemente, por seus efeitos. E acrescenta que, antes, o fenômeno ocorria sob o aspecto econômico em que a incorporação surgia, como uma verdadeira absorção da mais fraca pela mais forte; enquanto, hoje, dá - se também por causas variadas, entre elas a concentração diagonal ou conglomerado, as de natureza fiscal, ou então para subtraírem-se às leis contra o abuso do poder econômico, o que acaba por modificar a concepção simplista de outrora, de que constituía sempre um fenômeno de crescimento de empresa.2

Para se ajustar à nova realidade empresarial, a Lei de Falências e Recuperação Judicial estabeleceu, em seu artigo 50, meios de recuperação do devedor. Como por exemplo, permitiu ao devedor não apenas ter uma maior flexibilidade de prazos e condições especiais para o pagamento das obrigações vencidas ou vincendas, mas também e especialmente, concedeu a possibilidade de se utilizarem outros mecanismos para efetiva recuperação da empresa, a exemplo da cisão, incorporação, fusão e transformação de sociedade, dentre outras, como meio de recuperação judicial, observada a legislação pertinente de cada caso.

O objetivo da lei foi dar ao empresário liberdade na gestão de seus negócios. Assim, não houve limitação na estratégia a ser adotada pela empresa e seus credores. Tudo dependerá, exclusivamente, da visão empresarial das partes.

Na recuperação judicial, o devedor apresenta diretamente ao judiciário um plano de recuperação, demonstrando um diagnóstico da situação financeira da empresa e sua proposta para a renegociação das dívidas, inclusive as trabalhistas e tributárias. Caso seja necessário, mencionará se haverá cisão, transformação, incorporação etc.

2 BULGARELLI, Waldiriro. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 26.

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1.2 A sucessão trabalhista

A sucessão trabalhista é denominada, também, sucessão de empregadores, ou até mesmo alteração subjetiva do contrato. A sucessão, no Direito do Trabalho, traduz uma substituição de empregadores, com uma imposição de créditos e débitos3.

O fenômeno da sucessão trabalhista decorre de dois princípios. O primeiro, da continuidade do vínculo jurídico trabalhista, ao declarar que a alteração na estrutura jurídica e a sucessão de empresas em nada o afetarão, defendendo, assim, os contratos de trabalho e visando à garantia do empregado4. O segundo, princípio da despersonalização quanto à figura do empregador, ou seja, ausência de pessoalidade da figura do empregador, gerando a fungibilidade do tomador. O empregado, regra geral, não poderá se opor à sucessão e nem pleitear a rescisão indireta.

Segundo a regra geral, a aquisição de uma fábrica ou equipamentos não gera sucessão. No entanto, qualquer alteração intra ou inter empresarial que venha a promover a impossibilidade de cumprimento das obrigações, ou quando essa venda é de tal monta que o empregador antigo não consegue se manter, haverá a sucessão. No instante em que o empregador vende a “alma da empresa” e não consegue mais manter o seu negócio, será uma hipótese de sucessão. Ou mesmo quando ocorrer a transferência de uma unidade produtiva essencial para a atividade do negócio também se dará a sucessão.

Ressalta-se que a cláusula de não responsabilização só é válida entre as partes. Tais cláusulas restritivas da responsabilização trabalhista não têm qualquer valor para o

3 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2006. p.366. 4 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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Direito do Trabalho. Porém, tais cláusulas viabilizam o mais ágil e funcional ressarcimento de gastos eventualmente realizados pelo adquirente no que tange aos períodos empregatícios anteriores à transferência5.

Caso haja fraude, o sucedido será responsável solidariamente, entretanto é preciso fazer prova nesse sentido.

Há, no ordenamento jurídico, alguns institutos que parecem ser passivos da ocorrência da sucessão trabalhista, mas há normas jurídicas que o excluem da abrangência da sucessão.

A sucessão trabalhista abrange tanto os empregados urbanos quanto os rurais (artigos 10 e 448 da CLT, combinados com o art. 1º, caput, Lei n. 5.889/73). No entanto, há exceções para essa regra mencionada.

Para a categoria dos empregados domésticos, não se aplica a sucessão trabalhista. Os institutos da Consolidação das Leis do Trabalho não são aplicados automaticamente para os domésticos (artigo 7º, alínea a da CLT). Consequentemente, não se lhes aplica os artigos 10 e 448 do mesmo diploma legal.

É importante mencionar também que os artigos 10 e 448 da CLT utilizam o conceito de empresa para caracterizar o empregador, enquanto o empregador doméstico não tem finalidade lucrativa. Assim, destaca-se o entendimento de Barros (2006)6: “o empregado doméstico vincula-se à pessoa do empregador e não à sua residência, não se lhe aplicando os artigos 10 e 448 da CLT, por exclusão expressa do mesmo diploma legal (artigo 7º)”.

5 DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 408.

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A própria lei do doméstico (Lei n. 5.856/1972), em seu artigo primeiro, define que o empregador doméstico será apenas a pessoa física ou a família, no âmbito residencial. Logo, há a pessoalidade na figura do tomador doméstico, afastando-se, assim, o princípio da despersonalização do empregador, que é um dos princípios presente no instituto da sucessão trabalhista.

Outra situação excetiva à regra geral da sucessão trabalhista é a do 483, § 2º da CLT: "No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho”. Nesse caso, a modificação subjetiva do tomador não é imperativa sob a ótica do empregado, e este poderá optar pela continuidade ou não de seus serviços.

É também situação excetiva a criada pela Lei n. 11.101/2005, que reformulou o instituto da falência e extinguiu as concordatas, introduzindo a recuperação judicial e extrajudicial no Brasil. O artigo 141, II, dispõe:

Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.

Ou seja, não haverá sucessão trabalhista no caso de alienação da empresa falida ou de alguns de seus estabelecimentos. Os novos contratos trabalhistas serão regidos pela norma do parágrafo segundo do mesmo artigo: “Empregados do

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devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior”.

Todavia, o parágrafo único do artigo 60 da Lei de Falências, que trata da recuperação judicial, é omisso quanto à sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor, outrossim, as decorrentes de acidente do trabalho. A legislação deixa dúvidas quanto à sucessão trabalhista na alienação de bens da sociedade em recuperação judicial. Esse assunto, que é o objeto de investigação nesta dissertação, será desenvolvido nos próximos capítulos.

1.3 Recuperação judicial ordinária de empresas

1.3.1 Conceito de recuperação judicial

A recuperação judicial tem por objeto viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47, caput da Lei n. 11.101/2005). Nas palavras de Sérgio Campinho (2006) 7: “apresenta-se como um somatório de providências de ordem econômico-financeiras, econômico-produtivas, organizacionais e jurídicas, por meio das quais a capacidade produtiva de uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada”.

Na visão processual, a medida se implementa por via de uma ação judicial que somente poderá ser proposta pelo próprio devedor (parágrafo único do artigo 48 da Lei n. 11.101/2005), com o intuito de concretizar o princípio da

7 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 10.

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preservação da empresa e a sua função social. No entanto, tal pretensão somente poderá ser exercida até a declaração da falência (artigo 48, I da Lei n. 11.101/2005).

1.3.2 Natureza jurídica da recuperação judicial

A recuperação judicial de empresas abrange todos os credores. De acordo com o artigo 47 da Lei n. 11.101/2005, a recuperação judicial visa à preservação da empresa subjetivamente considerada e do empresário, enquanto a falência tem por escopo exclusivamente a preservação da empresa (objetivamente considerada).

Ajuizada a recuperação judicial, compete ao juiz verificar as condições da ação e averiguar a presença dos pressupostos específicos aplicáveis à espécie para, então, deferir o processamento da recuperação, o qual pressupõe a observância dos requisitos do artigo 51 da Lei n. 11.101/2005.

Ressalta-se que o ato judicial que determina o processamento da recuperação não se confunde com o ato da concessão (o qual pressupõe a manifestação dos credores) da recuperação.

A superação da situação de crise econômico-financeira do devedor será concretizada pela vontade dos credores, que é manifestada pela aceitação ao que consta no plano de recuperação judicial.

Se não houver objeção dos credores ao plano de recuperação, o juiz deferirá a recuperação judicial, a qual, baseada no plano, implica novação. O plano de recuperação implica novação dos créditos anteriores ao pedido de recuperação (mas sem prejuízo das garantias ofertadas). Se o plano dispuser acerca da alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia e/ ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia, artigo 50, §1º da Lei n. 11.101/2005. É importante frisar que a novação na recuperação judicial difere da

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novação do Código Civil (artigo 360), porque, decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas, deduzidos os valores recebidos durante a recuperação, artigo 61, § 2º da Lei n. 11.101/2005.

Poder-se-á dizer que o plano é um negócio de cooperação celebrado entre devedor e credores, homologado pelo juiz8. A cooperação se assemelha ao contrato plurilateral; a homologação é uma forma de garantia do cumprimento das obrigações assumidas, com redução dos custos de transação, devido à coercitividade que dela resulta9. Ou seja, a natureza jurídica da recuperação judicial é contratual e judicial.

Caso haja objeção ao plano, caberá ao juiz convocar a assembleia geral de credores para deliberar sobre o tema. Não é necessário que haja a aprovação da totalidade dos credores, desde que haja aprovação pela assembleia geral consoante artigo 45 da Lei n. 11.101/2005, ou então, caso não ocorra a aprovação nesses termos, o magistrado poderá concedê-la respeitadas as regras do artigo 58 da Lei n. 11.101/2005. A massa de credores é que declara a sua vontade, através do órgão deliberante: a assembleia-geral de credores. De acordo com Campinho (2006)10, isso se justifica porque o fim do processo de recuperação judicial deve ser único para todos, pois a relação processual que se estabelece é única.

1.3.3 Finalidade da recuperação judicial

O impacto da falência de um devedor não se restringe apenas às empresas que se tornam insolventes ou a seus credores particulares, mas afeta

8 FRANCO, Vera Helena de Mello; STAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 234.

9 FRANCO, Vera Helena de Mello; STAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 234.

10 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 13.

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diretamente a economia, que sofre os efeitos das crises econômicas, fatores conjunturais, problemas de liquidez, acirramento da concorrência, desenvolvimento de novas tecnologias e até mesmo insolvência de fornecedores ou clientes.

Os nefastos efeitos sócio-econômicos da falência demandam uma ordem jurídica mais coerente e adequada, visando a diminuir os impactos causados pela insolvência na economia, voltando-se, principalmente, para a função social da empresa, enquanto atividade desenvolvida pelo empresário.

Assim, a interação entre direito e economia torna-se essencial para o desenvolvimento e o funcionamento de um sistema seguro e eficiente para a preservação da empresa e dos interesses de todos aqueles que dela dependem, inclusive o Estado e os trabalhadores.

Daí nasceu o objetivo da Lei n. 11.101/2005, ao instituir o princípio da preservação da empresa como instituição social, o qual é manifestado através da figura jurídica da recuperação judicial. Essa norma legal é regulamentada no artigo 47 da mencionada lei e visa a preservar a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

É inegável que a aprovação da Lei de Recuperação de Empresas representou um avanço na medida em que consolidou o princípio da preservação da empresa. A real implementação desses princípios na prática forense brasileira pode trazer benefícios maiores aos credores, devedores e à própria sociedade.

2 Elementos de Interpretação da Lei

Na língua portuguesa, é muito comum a compreensão da palavra interpretação como sinônimo de hermenêutica. No entanto, esses dois vocábulos possuem significados

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diferentes.

Interpretar, que, de acordo com o dicionário De Plácido (2009)11, significa: “do latim interpretatio, do verbo interpretare (explicar, traduzir, comentar, esclarecer), é compreendido, na acepção jurídica, como a tradução do sentido ou do pensamento que está contido na lei, na decisão, no ato ou contrato”. Já hermenêutica12 origina-se do grego hermeneutikos, de hermeneus (intérprete), de Hermes ou Mercúrio, pelo latim hermenêutica (que interpreta ou que explica), e é empregado na técnica jurídica para assinalar o meio ou modo por que se devem interpretar as leis, a fim de que se tenha delas o exato sentido ou o fiel pensamento do legislador. Ou seja, interpretar é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurídica, enquanto hermenêutica, em sentido técnico, é a teoria científica da interpretação13.

As leis são elaboradas em termos genéricos e abstratos, para que possam ser estendidas a todos que se encontrem na mesma situação. A passagem do texto abstrato de uma lei para o caso concreto é tarefa que cabe ao aplicador do direito, por exemplo, advogados, magistrados, promotores, dentre outros. Toda lei é obra humana e aplicada por homens, portanto imperfeita, na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não for verificado, com esmero, o sentido e alcance das suas prescrições14.

Para que seja extraído de uma lei o seu real significado, o intérprete utilizará os

11 DE PLÁCIDO e Silva (1987). Vocabulário jurídico. Atualiz. por Nagib Slaibi Filho; Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p 764.

12 DE PLÁCIDO e Silva (1987). Vocabulário jurídico. Atualiz. por Nagib Slaibi Filho; Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 681.

13 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 27. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 420.

14 KORKOUNOV Cours de théorie générale du droit, p. 525; Giuseppe Saredo. Tratado delle Leggi, 1866, n. 503 apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 8.

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instrumentos necessários para alcançar o verdadeiro sentido da norma jurídica. Com esse intuito, deverá usar os elementos de interpretação, que assim passam a ser explicados15:

Os elementos de interpretação constituem recursos de que dispõe o intérprete, como meios necessários, para atingir o sentido da norma jurídica e o seu alcance prático. Esses elementos são relacionados como o gramatical ou literal, o lógico-sistemático, o histórico e o sociológico.

Não se pode olvidar que o principal objetivo para uma determinada lei a ser interpretada e aplicada é atender aos anseios da sociedade na qual ela foi criada. O intérprete deverá sempre visar ao fim social a que a lei se destina, bem como o juiz ao aplicá-la, conforme consta no artigo 5º da lei de Introdução do Código Civil.

Nesse contexto, é preciso sempre ter em mente a possibilidade de reavaliação do sentido de uma norma jurídica, devido à constante mutação e progresso, para que ela possa continuar servindo e sendo aplicada com o escopo de solucionar as questões para as quais foi criada.

A alteração da Lei n. 11.101/2005 modificou um importante paradigma, agora voltado não apenas para o interesse do credor e do devedor ou para a proteção do crédito e das relações privadas entre comerciantes, mas,

15 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva. Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 48.

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preponderantemente, para a função social, com toda ênfase para a preservação ou conservação da empresa, conforme expressou Márcia de Paoli Balbino (2005)16.

A matéria tratada na Lei de Falências e de Recuperação Judicial é algo muito importante para a economia do país. Ela objetiva, como já se tem afirmado reiteradamente, a preservação de empresas. Está voltada especificamente para a manutenção das atividades empresariais, na plena convicção de que, quando existe uma falência no País, o prejuízo é de todos. Além disso, parte-se do princípio de que o devedor está de boa-fé. Do contrário, seus sócios devem responder pelos seus atos e suas consequências. O prejuízo é também dos credores, trabalhadores e da economia em geral17.

Nos próximos tópicos serão abordados os elementos de interpretação da Lei, com ênfase na Lei n. 11.101/2005 e seus princípios norteadores do processo de elaboração e aplicação.

2.1Elemento gramatical ou literal

O elemento gramatical é o mais antigo utilizado pelos intérpretes do direito18. Pode ser chamado, também, de literal; gramatical e literal são palavras sinônimas.

O primeiro passo para uma interpretação gramatical é o conhecimento da linguagem

16 BALBINO, Márcia de Paoli. Palestra proferida no seminário: A nova Lei de falências, EJEF-TJMG, 06/05/2005, belo Horizonte/MG. Disponível em: <http://www.iamg.org.br/site/revista/sumarios.htm>. Acesso em 16 jan. 2009.

17 BRASIL. Senado Federal. Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 84. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009

18 Historicamente, é a interpretação literal, gramatical ou filológica a mais antiga, chegando a ser exclusiva para os glosadores medievais. (SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva. Como

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empregada no texto, comum e jurídica. A lei é a manifestação de vontade do legislador e, portanto, deve ser reproduzida com precisão e observância rigorosa de seu conteúdo. Para que seja concretizado esse tipo de interpretação, é necessário realizar esforço para compreender o pensamento do legislador. Nesse sentido é o entendimento de Reale (2002)19:

A lei é uma realidade morfológica e sintática que deve ser, por conseguinte estudada do ponto de vista gramatical. É da gramática – tomada esta palavra no seu sentido mais amplo – o primeiro caminho que o intérprete deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma legal. Toda lei tem um significado e um alcance que não são dados pelo arbítrio imaginoso do intérprete, mas são, ao contrário, revelados pelo exame imparcial do texto.

Muitos requisitos orientam a exegese literal, todos ligados ao conhecimento da língua. Um deles, por exemplo, é o conhecimento do fato de que uma determinada palavra pode ter vários significados. Pode, também, ocorrer o contrário, várias palavras possuírem significado semelhante. Presume-se que a lei não contém palavras inúteis. Algumas vezes, o uso e costume de uma determinada região podem influenciar entendimentos diferentes, como, por exemplo, em uma cidade do interior do país e em uma grande metrópole, onde a realidade e os hábitos de cada localidade são completamente distintos. O contexto em que uma determinada lei foi criada também deverá ser observado.

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Ressaltam-se outras regras que devem ser observadas: o singular não exclui o plural, os enunciados podem ser taxativos ou exemplificativos, a concordância gramatical deve ser observada, dentre outros20.

A interpretação deve ser condizente com as necessidades atuais, para que sejam observados os princípios da preservação da empresa, do emprego e da competitividade empresarial, que foram alguns dos princípios norteadores da Lei n. 11.101/2005.

A discussão do assunto central deste trabalho gira em torno do parágrafo único, do artigo 60 da Lei de Falências, que trata da recuperação judicial, mas é omisso quanto à sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor, bem como as decorrentes de acidente do trabalho. Está, assim, redigido:

Artigo 60: Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta lei .

Parágrafo único do artigo 60: O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta lei.

20 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito

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No entanto, o artigo 141, II, da Lei de Falências, que está inserido dentro do capítulo que trata da Falência e não, da recuperação judicial, assim dispõe:

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.

A legislação deixa dúvidas quanto à sucessão trabalhista na alienação de bens da sociedade em recuperação judicial. Por isso, neste tópico, será feita uma interpretação gramatical dos artigos da Lei n. 11.101/2005, acima mencionados.

De acordo com a interpretação gramatical, haverá sucessão trabalhista do arrematante nas obrigações do devedor em recuperação judicial, conforme a interpretação dada pelos romanos: exceptinoes sunt strictissima interpretationis (interpretam-se as exceções estritissimamente). Ou seja, o fato de não ocorrer sucessão trabalhista na alienação de estabelecimento em decorrência de recuperação judicial representa uma exceção, portanto deveria o legislador ter mencionado expressamente tal condição exceptiva. Pelo fato de não a ter mencionado, não poderá o intérprete colocar uma ressalva onde não foi posta; caso o fizesse, estaria inovando a norma jurídica e, por consequência, acabaria por exercer uma função que não é a sua e sim, do legislador, o qual, a princípio, representa a vontade do povo em geral.

A Lei n. 11.101/2005, em seu artigo 60, parágrafo único, ressalvou apenas que não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor com relação às dívidas de natureza tributária. Tanto foi essa a intenção do legislador, que foi editada a Lei

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Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, com o objetivo de adequar a legislação tributária à Lei de Falências. Foram introduzidos três parágrafos ao artigo 133 do Código Tributário Nacional, que trata da sucessão tributária do adquirente do fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional e determina que não há sucessão nas hipóteses de alienação judicial em processo de falência, nem mesmo de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial (art. 133, § 1º, I e II do CTN).

No entanto, no parágrafo segundo do artigo 133 do Código Tributário Nacional, tentou-se evitar a ocorrência de uma possível fraude:

§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo quando o adquirente for:

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II – parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

(21)

A correta interpretação literal desse dispositivo deve ser feita no sentido de que, se alguns dos compradores forem as pessoas referidas nos incisos supra mencionados, estes não serão beneficiados com a supressão da sucessão tributária.

O objetivo da legislação tributária foi possibilitar a continuação da empresa através do plano de recuperação judicial. Caso a empresa obtenha êxito na manutenção dos seus negócios, poderá, eventualmente, beneficiar seus credores e, consequentemente, manter seus empregados ou, talvez, até mesmo criar novos postos de trabalho.

As possíveis tentativas de fraude devem ser combatidas. O legislador quis, a princípio, incentivar a continuação dos negócios, mesmo que para isso fosse necessária a ausência da sucessão tributária. Entretanto, no momento em que esse instituto passa a ser desvirtuado, a própria lei veda a sua ausência e passa a exigir, integralmente ou subsidiariamente, o valor da dívida, consoante o artigo 133, caput, e incisos I e II do CTN.

Conforme mencionado, para o elemento de interpretação gramatical não há sucessão tributária do arrematante nas obrigações do devedor, nesse sentido é o parágrafo primeiro do artigo 133 do CTN, ressalvadas as hipóteses de fraude. No entanto, conclui-se pela sucessão trabalhista do arrematante na recuperação judicial. Assim, os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis Trabalhistas deverão ser observados sob a ótica da interpretação gramatical.

Apesar desta conclusão, haver sucessão trabalhista do arrematante na recuperação judicial, uma crítica merece ser feita. Note-se a observação de Tepedino (2002)21:

21 TEPEDINO, Ricardo. A recuperação da empresa em crise diante do Decreto-Lei n. 7.661/1945.

(22)

Há, pois, que se abandonar interpretações literais de antanho, para procurar inserir o texto legal na conjuntura da atualidade, e não simplesmente realejar interpretações literais antiquadas, com os olhos fixos numa realidade que há muito já passou. A lei, definitivamente, não é um fenômeno estático – muito ao revés, ela deve renovar-se através da hermenêutica.

A interpretação literal para esse dispositivo legal (parágrafo único do artigo 60, da Lei n. 11.101/2005) não satisfaz, uma vez que, ao elaborar a Lei de Falências e Recuperação Judicial, o legislador se inspirou em alguns princípios, tais como: a preservação da empresa; a recuperação das sociedades e empresários recuperáveis; a redução do custo de crédito no Brasil.

É, por isso, que, nos próximos tópicos, o parágrafo único do artigo 60 da Lei de Falências e Recuperação Judicial será interpretado sob a ótica de outros elementos de interpretação.

2.2 Elemento lógico-sistemático

A interpretação lógica pretende o simples estudo das normas em si ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, para obter a interpretação correta22, enquanto a interpretação sistemática expressaria o sentido de uma lei de acordo com o sistema em

Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 128, p. 165-173, out./dez. 2002. p. 168.

22 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeio: Forense, 2002. p. 100.

(23)

que estiver inserida. Assim, pode-se dizer que o processo sistemático consiste em comparar o dispositivo sujeito à exegese com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto23

Ressalta-se que o elemento lógico busca a harmonia lógica das normas dentro de uma determinada lei ou legislação, enquanto o elemento sistemático visa à análise do todo.

Voltando ao estudo do artigo 60, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005, Delgado (2006)24 apresenta a seguinte interpretação:

[...] Nas falências processadas a partir do império do novo diploma, não incidirá sucessão de empregadores no caso de alienação da empresa falida ou de algum ou de um ou alguns de seus estabelecimentos (art. 141, II e § 2º, da Lei n. 11.101/2005). Em conseqüência, serão tidos como novos os contratos de trabalho iniciados com o empregador adquirente, ainda que se tratando de antigos empregados da antiga empresa extinta (§ 2º do art. 141 da Lei n. 11.101/2005).

A presente exceção, contudo, não se aplica a alienações efetivadas durante o processo de simples recuperação extrajudicial ou judicial de empresas, nos moldes da recente lei

23 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeio: Forense, 2002. p. 104.

(24)

falimentar. Quanto à modalidade extrajudicial, tal não abrangência da excludente sucessória é bastante clara na Lei n. 11.101/2005 (art. 161, § 1º, combinado com o art. 83, todos do referido diploma normativo).

No tocante à recuperação judicial, esta não abrangência resulta de interpretação lógico-sistemática da nova lei, uma vez que semelhante vantagem somente foi concedida para os casos de falência, conforme inciso II e § 2º do art. 141, preceitos integrantes do capítulo legal específico do processo falimentar. Nada há a respeito da generalização da vantagem empresarial dos dispositivos comuns à recuperação judicial e à falência, que constam do capítulo II do mesmo diploma legal (arts. 5º até 46). Além disso, o art. 60 e seu parágrafo único, regras integrantes do capítulo regente da recuperação judicial, não se referem às obrigações trabalhistas e acidentárias devidas aos empregados, embora concedam a vantagem excetiva (ausência de sucessão) quanto às obrigações de natureza tributária. Por fim, estes mesmos dispositivos (art. 60, caput e parágrafo único) somente se reportam ao §1º do art. 141, mantendo-se, significativamente silentes quanto às regras lançadas no inciso II e § 2º do citado art. 141(estas, sim, fixadoras da ausência de sucessão

(25)

trabalhista).

À medida que os créditos trabalhistas dos empregados (trabalhistas e acidentários) têm absoluta preponderância na ordem jurídica, em face dos princípios constitucionais da prevalência do valor-trabalho, da dignidade da pessoa humana e da subordinação da propriedade à sua função social, torna-se inviável, tecnicamente, proceder-se à interpretação extensiva de regras infraconstitucionais agressoras de direitos constitucionalmente assegurados. (GRIFO NOSSO).

Múcio Nascimento Borges25 também fez uma interpretação sistemática do artigo 60 da Lei n. 11.101/2005. Em suas próprias palavras:

Aqui a interpretação não pode ser outra senão a sistemática, ou seja, no artigo 60 e parágrafo, não se desonerou o arrematante dos encargos sociais (onde se incluem os trabalhistas), pelo contrário, o legislador expressamente inseriu e diferenciou as obrigações de encargos no artigo 49 acima transcrito, determinando que “As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou

25 RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho. Sucessão Trabalhista do arrematante de

empresa em recuperação judicial (Varig S.A). Decisão com base na nova Lei de falências

11.101/2005 do Juiz titular da 33ª VTRJ, Múcio Nascimento Borges. Decisão proferida nos autos da ação civil pública de nº: 1053-2006-033-01-00-7.

(26)

definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”.

Observa-se que há uma tendência no âmbito trabalhista em reconhecer a sucessão do arrematante nas obrigações do devedor na recuperação judicial. Note-se o seguinte comentário26:

A tendência que se observa, no âmbito da Justiça do Trabalho, com amplo apoio dos juslaboralistas, é no sentido de rejeitar qualquer interpretação que altere as regras dispostas nos arts. 10 e 448 da CLT, que garantem os direitos e a imutabilidade do contrato de trabalho, na alteração da estrutura jurídica da empresa.

Pensamento oposto é do ramo empresarial, o qual entende claramente que não haverá sucessão em nenhuma hipótese. Daí, cria-se a divergência na doutrina no que diz respeito a se haverá ou não responsabilidade do adquirente. Note-se o pensamento de Jorge Lobo (2007)27:

Interpretando-se lógica, literal, sistemática e teleologicamente o art. 133, § 1º, II, do CTN e o parágrafo único do art. 60 da LRE, conclui-se que, no “trespasse de estabelecimento”, previsto no art. 50, VII, da LRE, com as denominações “filial” ou “unidade

26 ALMEIDA, Amador Paes de; ALMEIDA, André Luiz Paes de. A sucessão trabalhista na recuperação judicial. Revista Ltr, v. 71, n. 04, p. 442-444, abril de 2007. p. 444.

27 LOBO, Joaquim Jorge. Comentários aos artigos 35 a 69 da lei de recuperação de empresas. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÂO, Carlos. (Org.). Comentários à lei de

(27)

produtiva isolada” dadas pelo art. 60, parágrafo único, da LRE e pelo inciso II do § 1º do art. 133 do CTN, o adquirente não “responde pelos tributos relativos ao fundo de estabelecimento adquirido”, na esteira, aliás, da legislação de diversos países, como, por exemplo, Itália, França e Estados Unidos.

De acordo com esse método de interpretação lógico-sistemático, na visão trabalhista, conclui-se que haverá sucessão trabalhista na alienação de bens da sociedade em recuperação judicial, pelos argumentos acima expostos. Porém, sob a ótica da área empresarial, não sucede o devedor nas obrigações e dívidas tributárias e nem em quaisquer outras dívidas por ventura existentes.

A discussão sobre a existência ou inexistência de sucessão continua nos próximos tópicos em que serão abordados outros elementos de interpretação.

2.3 Elemento histórico

O elemento histórico tem por escopo analisar o projeto de lei, a sua justificativa, a exposição de motivos, pareceres, discussões, as condições culturais e psicológicas que resultaram na elaboração da norma28.

recuperação de empresas e falência. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 185-186.

(28)

Pode-se definir como29:

Pela interpretação dos elementos históricos procura-se alcançar o sentido da norma jurídica, tendo-se em vista as idéias dominantes, os usos e costumes da época em que foi elaborada. Visa, dentro de uma lógica, ao esclarecimento de determinadas expressões e situações específicas da ordem do conhecimento histórico.

Uma vez que se encontra pronta uma lei, ela não fica presa às suas fontes originárias, pois deve acompanhar os anseios da sociedade para a qual foi criada. É muito importante conhecer as fontes que inspiraram a sua elaboração para que se verifiquem quais foram as intenções do legislador, bem como para adaptá-la às situações do cotidiano.

Será realizada, a seguir, a interpretação histórica do parágrafo único, do artigo 60, da Lei n. 11.101/2005.

O processo legislativo originário da Lei n. 11.101/2005, que, na Câmara dos Deputados, apresentado pelo Poder Executivo, tramitou sob o número 4.376/1993, foi apresentado no dia 22 de dezembro de 1993 e, no Senado Federal, se transmutou em Projeto da Câmara de número 71/2003.

29 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito

(29)

Uma Emenda de número 12-PLEN foi apresentada em turno suplementar ao Substitutivo ao PLC número 71, de 2003, em que foram relatores: o senador Ramez Tebet, representando a Comissão de assuntos econômicos, e o senador Fernando Bezerra, relator da Comissão de constituição e justiça.

A Emenda de número 12, do senador Arthur Virgílio, que constituía reiteração de emenda apresentada pelo senador Rodolpho Tourinho à comissão de constituição, justiça e cidadania, tinha como objetivo a modificação do parágrafo único do artigo 60 do Substitutivo e tinha o seguinte argumento30:

[...] para estabelecer a não responsabilização do arrematante pelo passivo trabalhista nas vendas judiciais de empresas no âmbito da recuperação judicial, ou seja, propõe o fim da sucessão

trabalhista também na recuperação judicial. (GRIFO NOSSO)

E o conteúdo do parecer foi31:

Nosso parecer é pela rejeição da emenda, porque a exclusão da sucessão trabalhista na recuperação judicial pode dar margem a

30 BRASIL. Senado Federal. Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 92. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009

31 BRASIL. Senado Federal. Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 92-93. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009

(30)

fraudes aos direitos dos trabalhadores e a comportamentos oportunistas por parte de empresários. Além disso, é preciso ressaltar que diferentemente do crédito tributário, protegido ao menos pela exigência de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa para a concessão da recuperação judicial – o crédito trabalhista fica desguarnecido caso a empresa seja vendida e o valor apurado seja dissipado pela administração da empresa em recuperação judicial, já que não há, na recuperação judicial, ao contrário da falência, vinculação ou destinação específica desses valores.

No entanto, a emenda número 41, do senador Pedro Simon, trouxe alterações de trinta artigos do Substitutivo, modificando a disciplina dos créditos de natureza trabalhista na recuperação judicial e na falência. De maneira semelhante foram as Emendas de números 43, 44, 46, 47 e 49, da senadora Heloísa Helena, e as emendas de números 45 e 50, do senador Paulo Paim.

O objetivo dessas emendas, no tocante à falência, tinha por escopo restabelecer a sucessão trabalhista nas alienações judiciais do processo falimentar e de incluir expressamente a solidariedade do arrematante. Mas o parecer foi pela rejeição da emenda, devido aos seguintes argumentos32:

32 BRASIL. Senado Federal. Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 59. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009

(31)

Já a exclusão da sucessão trabalhista na falência tem por objetivo viabilizar a venda da empresa como unidade produtiva e maximizar o valor obtido na alienação judicial. O valor apurado será utilizado para pagar os próprios trabalhadores, com preferência sobre os demais credores. Viabilizando-se a venda e maximizando-se o valor da empresa pela exclusão da sucessão trabalhista, ganham os trabalhadores, que terão maiores chances de obter o pagamento integral de seus créditos. Mais ainda, a alienação da empresa como unidade produtiva beneficia os trabalhadores não somente em relação ao recebimento de seu crédito, mas também - e talvez principalmente – no que tange à preservação de seus empregos. Se não for possível a venda em bloco, os bens da massa serão vendidos em separado e, nesse caso, além de o agregado econômico se perder, nenhum dos empregos poderá ser mantido.

A Emenda nº 99 tinha como proposta modificar o parágrafo único do artigo 60, o inciso II do artigo 141 e o parágrafo único do artigo 166, do Substitutivo, com o escopo de reintroduzir a sucessão trabalhista na alienação judicial da empresa em processo de falência33:

33 BRASIL. Senado Federal. Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 59. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009

(32)

Não concordamos com as modificações propostas pela Emenda nº 99, por entendermos estar baseada em uma visão equivocada dos objetivos e dos efeitos da exclusão da sucessão trabalhista na falência. O fato de o adquirente da

empresa em processo de falência não suceder o falido nas obrigações trabalhistas não implica prejuízo aos trabalhadores. Muito ao contrário, a exclusão torna mais interessante a compra da empresa e tende a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumenta a garantia dos trabalhadores, já que o valor pago ficará à disposição do juízo da falência e será utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em blocos da empresa possibilita a continuação da atividade empresarial e preserva empregos. Nada pode ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de venda da empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus créditos e ainda perdem seus empregos. Portanto, reiteramos o entendimento adotado na elaboração do Substitutivo, cuja redação julgamos importante manter. (GRIFO NOSSO)

Durante o processo legislativo, discutiu-se, também, sobre a questão da sucessão tributária na recuperação extrajudicial. É interessante verificar quais foram os

(33)

argumentos utilizados34:

No que tange à recuperação extrajudicial, convém rever o entendimento relativo à exclusão da sucessão tributária na alienação judicial do estabelecimento, se prevista em plano de recuperação extrajudicial. Na falência, tal medida é salutar e plenamente justificável, pois o valor obtido com a alienação fica à disposição do juízo para pagamento dos credores. Na recuperação judicial, muito embora não haja essa retenção do valor pago pelo adquirente, o fato de esse instituto consistir em um remédio extremo para as dificuldades das empresas, com o grave risco de decretação da falência no caso de não-concessão, associado ao rigoroso controle judicial em todo o processo, diminui a probabilidade de conduta lesiva ao fisco. Na recuperação extrajudicial, contudo, esses argumentos não cabem, pois a participação do juiz restringe-se à homologação do plano negociado extrajudicialmente e não há conseqüências para a não-aceitação ou para a não-homologação das condições propostas aos credores. Por isso, amplia-se excessivamente a possibilidade de devedores mal-intencionados valerem-se do instituto com o fito exclusivo de promover a venda de

34 BRASIL. Senado Federal. Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 53. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009

(34)

estabelecimentos sem sucessão tributária, o que não é objetivo da nova lei. Assim, é necessário suprimir o parágrafo único do art. 166 do Substitutivo e, conseqüentemente, também o parágrafo primeiro do artigo 162, uma vez que, afastado o risco ao crédito tributário, não há motivo para exigir certidões negativas para a homologação do plano de recuperação extrajudicial. Com a modificação aqui proposta, deverá ser alterado também o PLC nº 70, de 2003 – Complementar, a fim de compatibilizar a redação do CTN ao novo entendimento.

De acordo com o exposto, o legislador no processo de elaboração da Lei n. 11.101/2005 pensou ser razoável a ausência da sucessão tributária na falência e na recuperação judicial, com o objetivo de incentivar a preservação da empresa.

Embora no processo legislativo de elaboração da Lei de Falências e Recuperação Judicial o legislador tenha entendido, devido aos argumentos acima, ser melhor a exclusão da sucessão na falência, entendeu por bem manter a sucessão na recuperação judicial. Entretanto, tal argumentação não poderá ser aceita, pois um dos princípios que orientou a elaboração da Lei de Falências e de Recuperação Judicial foi o da preservação da empresa, por implicar benefícios indiretos ou até mesmo diretos em razão do estímulo à atividade produtiva, bem como a possibilidade de manutenção dos empregos acaso já existentes e, talvez, até mesmo de criação de novas oportunidades de trabalho.

Adiante, será tratado o elemento de interpretação teleológico.

(35)

É o elemento que busca a finalidade da norma. A norma jurídica deve alcançar a sua finalidade social e econômica para a qual foi criada e, consequentemente, será esta a finalidade do direito. É, por isso, que muitos juristas chamam o elemento teleológico, também, de interpretação sociológica.

Em A finalidade do direito, Ihering estabelece o método teleológico como o método próprio do direito, objetivando a realização dos interesses sociais35.

Na busca da melhor interpretação do artigo 60, parágrafo único da Lei de Falências e Recuperação Judicial, é necessário que seja feita uma análise teleológica desse artigo.

Primeiramente, ressalte-se que o princípio da preservação da empresa não foi uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei n. 11.101/2005.

A Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as sociedades por ações em seu artigo 117, § 1º, alínea b, já demonstrava a preocupação do legislador em preservar a companhia próspera dos atos abusivos do acionista controlador. Assim, vem redigido o artigo 117, § 1º, alínea b da lei de sociedades por ações:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§1º. São modalidades de exercício abusivo de poder:

35 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito

(36)

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia.

No ano de 1988, foi publicada, no Diário Oficial da União n.º 191-A, no dia 05 de outubro, a Constituição da República Federativa do Brasil36.

No Título I, dos princípios fundamentais, temos o artigo 3º, inciso II:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

II – garantir o desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, é interessante observar o comentário de Fonseca (2003)37 em relação à

36 BRASIL. Códigos Civil: Comercial; Processo Civil; Constituição Federal/obra coletiva de autoria da Ed.

Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia

Céspedes. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 9.

37 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da empresa na falência e sucessão tributária.

Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro. Nova série- Ano XLII- n. 132-

(37)

exclusão da sucessão tributária, que poderia ser aplicada por analogia à ausência de sucessão trabalhista na recuperação judicial:

Parece-nos suficientemente demonstrado que a exclusão da sucessão tributária em hasta pública no curso do processo de falência contribui para o desenvolvimento nacional ao ensejar maior agregação de valor à empresa falida a ser vendida e promover a continuação da atividade econômica. Os benefícios ao desenvolvimento nacional estão na manutenção e possível criação de empregos, aumento das riquezas produzidas no país, no aumento de arrecadação e estímulo a investimentos internos e externos.

O artigo 37 da Constituição da República em seu caput faz menção expressa ao princípio da eficiência na administração pública. Tal dispositivo não se presta somente à análise dos atos administrativos, mas também à elaboração e à interpretação das normas atinentes à atividade administrativa 38.

Já demonstramos que a alienação da empresa em bloco deve ser estimulada e só pode ser plenamente implantada se não houver sub-rogação pessoal do arrematante, uma vez que o risco excessivo afugenta os possíveis interessados e diminui o valor da oferta. Eficiência, no que tange à Fazenda Pública, implica maximização do valor obtido com a venda dos bens do devedor e conseqüente aumento de arrecadação efetiva.

38 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da empresa na falência e sucessão tributária.

Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro. Nova série- Ano XLII- n. 132-

(38)

Tal fundamentação para a ausência de sucessão tributária deverá ser aplicada também para a exclusão da sucessão trabalhista na recuperação judicial, como meio de incentivar a continuação dos negócios e perpetuação dos empregos. Constam também outros artigos na Constituição da República que incentivam o princípio da preservação da empresa.

O artigo 170 da Constituição da República está inserido dentro do título VII: Da ordem econômica e financeira, no capítulo I: dos princípios gerais da atividade econômica. Consta do artigo 170:

Art. 170, caput: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes preceitos:

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

VIII – busca do pleno emprego [...].

Assim, por contribuir para a preservação da empresa, a exclusão da sucessão trabalhista na recuperação judicial encontra-se em perfeita harmonia com o texto constitucional.

(39)

inserido dentro do titulo II: Dos direitos e garantias fundamentais, que um de seus escopos é o da preservação da empresa, pois, no caput do artigo 5º, é assegurado o direito à propriedade. Logo, conclui-se que uma sociedade empresária que exerce suas atividades de modo lícito estará amparada nos termos deste dispositivo constitucional.

Verifica-se que a interpretação teleológica busca os fins colimados pela lei. Nesse sentido, não haverá sucessão trabalhista do arrematante nas obrigações do devedor na recuperação judicial, em decorrência da sistemática de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cabe ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir39.

A Lei de Falências e Recuperação Judicial materializa uma forma de pensamento que ao longo dos anos já vinha se manifestando através das normas jurídicas supracitadas. O objetivo almejado pelo legislador é o interesse na preservação e perpetuação da atividade empresarial, devido à sua inegável importância para a sociedade. Ou seja, ressalta- se, mais uma vez, que não haverá sucessão trabalhista.

A seguir, será feita a interpretação quanto às fontes.

2.5 A interpretação quanto às fontes

(40)

Fonte significa origem, causa40. A interpretação jurídica quanto às fontes refere-se à origem do ato interpretativo, por exemplo, pelos órgãos jurisdicionais ou pelos juristas em suas obras doutrinárias41. A interpretação pode ser modificada de acordo com a fonte de que se origina.

Em relação às fontes, a interpretação pode ser: legislativa, jurisprudencial, doutrinal e administrativa.

Nos próximos tópicos, serão abordados os métodos de interpretação jurisprudencial, doutrinário e administrativo.

2.5.1 Interpretação legislativa

A interpretação legislativa é chamada também de autêntica. É a que se origina do próprio legislador através da lei. É materializada por norma jurídica (lei, regulamento, tratado etc) que estabelece como uma determinada lei (primária) deverá ser compreendida através de outra lei (secundária). A lei corporifica o resultado de um processo de sua elaboração e acaba por ter obrigatoriedade na sua aplicação.

A fonte de interpretação autêntica não pode ser aplicada neste estudo. A lei em estudo, Lei n. 11.101/2005, produto da atividade legislativa, veio substituir o Decreto – Lei n. 7.661/1945, Lei de Falências e Concordatas. Portanto, é a Lei de Falências e Recuperação Judicial que será obrigatoriamente colocada em prática. Mesmo que a Lei n. 11.101/2005 fosse apenas explicativa, constituir-se-ia em verdadeira norma, logo esta é que deverá ser aplicada, devido à sua obrigatoriedade. Entretanto, na prática, não há

40 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.

ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 926.

41 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito

(41)

nenhuma lei posterior à Lei n. 11.101/2005 que procure estabelecer o sentido desta. E, para finalizar, o Decreto – Lei n. 7.661/1945 foi substituído pela Lei de Falência e Recuperação Judicial. Assim, fonte de interpretação legislativa não constitui objeto deste estudo devido à sua impossibilidade de aplicação, na medida em que a lei não se prestou e este método.

2.5.2 Interpretação jurisprudencial

A interpretação jurisprudencial consiste na interpretação feita pelos magistrados e tribunais através das sentenças e acórdãos. Tem como objetivo a aplicação da lei em casos concretos.

Nas palavras de Mata Machado (1995)42:

O termo jurisprudência pode revestir-se de três significados diferentes: os alemães usam-na para designar “ o conjunto das ciências do Direito”, jurisprudence, para os ingleses, é a “disciplina jurídica mais geral”, digamos a Teoria Geral do Direito; na França, como no Brasil, reserva-se a palavra jurisprudência para referir-se à “prática dos tribunais”, quando revestida de certa continuidade.

42 MACHADO, Edgar de Godói Mata. Elementos de teoria geral do direito: para os cursos de introdução

(42)

Os juízes devem aplicar o direito aos casos concretos, bem como dirimir conflitos que surgem entre os indivíduos. No entanto, ao aplicar o Direito, o magistrado terá que interpretar a norma jurídica e realizar um procedimento prévio de hermenêutica, antes de concluir qual será a melhor norma a ser aplicada para o caso. Ressalta-se que as leis jurídicas constituem momentos da vida que se integram na experiência humana e, a todo instante, exigem que sejam superadas, para que sejam aplicadas em consonância com as exigências da sociedade em determinado momento e lugar43

No entendimento de Gusmão (2003)44, a interpretação jurisprudencial é a mais importante, porque é por ela que se orientam os advogados e se esclarecem os juízes em suas dificuldades ao julgar. Declara o direito vivo.

Em relação à sucessão trabalhista do arrematante nas obrigações do devedor na recuperação judicial de empresas, não há muitas decisões judiciais proferidas. Recentemente, o STF julgou improcedente a ADI 3.93445, em que se pedia a declaração direta de inconstitucionalidade dos artigos 83, incisos I e VI, letra “c” e 141, inciso II da Lei n. 11.101/2005. O que ocorre é que a situação é nova, porque a lei é relativamente nova no ordenamento jurídico brasileiro, e o tema até então foi pouco discutido nos tribunais.

O primeiro caso debatido nos tribunais em relação à existência ou não da sucessão trabalhista foi o da Varig.

43 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 167.

44 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 232.

45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3934-2/600 (Medida Liminar). O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, vencidos. Os Senhores Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, a julgavam parcialmente procedente nos termos de seus votos. Data do julgamento final: plenário: 27/05/2009.Disponível em: <http://www;stf.jus.br>. Acesso em: 21 jul. 2009.

(43)

Em breve síntese relata-se o ocorrido. Com fundamento na nova Lei de Falências e Recuperação Judicial, o juiz titular da 33ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro entendeu que havia a sucessão trabalhista do arrematante (Varig Log) de empresa em recuperação judicial (Varig S.A), a aplicabilidade dos acordos coletivos e, em sede de antecipação de tutela, o bloqueio de R$ 244.457.839,12 (duzentos e quarenta e quatro milhões, quatrocentos e cinquenta e sete mil, oitocentos e trinta e nove reais e doze centavos) por meio do sistema on line (bacen jud) para a garantia do pagamento dos valores devidos aos empregados da sucedida.

A sentença foi proferida nos autos de ações civis públicas46 conexas propostas pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, Associação dos Comissários da Varig, Associação dos Mecânicos da Varig, Associação dos Pilotos do Nordeste, Sindicato dos Aeronautas do Município do Rio de Janeiro e Ministério Público do Trabalho.

O provimento antecipatório foi sustado, em decisão monocrática, pelo Ministro Ari Pargendler na Reclamação número: 2281 no Superior Tribunal de Justiça.

A Associação dos Comissários da Varig–Apvar e outros suscitaram no Supremo Tribunal Federal conflito de competência entre o Ministro do STJ e o Juiz Titular da 33ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, cujo seguimento foi negado pelo Ministro Relator Joaquim Barbosa, decisão que foi atacada por meio de agravo regimental no dia 20 de setembro de 2006. O parecer da procuradoria-geral da república foi pelo desprovimento do agravo.

46 A sentença foi proferida nos autos da ação civil pública: 1053-2006-033-01-00-7, conexas propostas pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, Associação dos comissários da Varig, Associação dos mecânicos da Varig, Associação dos pilotos da Varig, Associação dos pilotos do nordeste, Sindicato dos aeronautas do município do Rio de Janeiro e Ministério Público do Trabalho.

Referências

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