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As mulheres chinesas no fim do século XIX e o início do século XX:sob a influência ocidental

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Academic year: 2020

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Universidade do Minho

Instituto de Letras e Ciências Humanas

Dong Xinran

As Mulheres Chinesas no

Fim do Século XIX e o Iní

cio

do Século XX:sob a

Influência Ocidental

Setembro de 2019 A s M u lh e re s C h in e s a s n o F im d o S é c u lo X IX e o I n íci o d o S é c u lo X Xso b a In fl u ê n c ia O ci d e n ta l UM in ho |2 01 9 D o n g X in ra n

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Dong Xinran

As Mulheres Chinesas no Fim do Século XIX e o Início

do Século XX:sob a Influência Ocidental

Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês: Tradução, Formação e Comunicação Empresarial

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Margarida Esteves Peireira

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Instituto de Letras e Ciências Humanas Nome: Dong Xinran

Número de aluno: PG33962 E-mail: teresa98ran@163.com

Título da dissertação: As Mulheres Chinesas no Fim do Século XIX e o Início do Século

XX:sob a Influência Ocidental

Orientador: Professora Doutora Margarida Esteves Peireira Ano de Conclusão: 2019

Designação do Mestrado: Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês:

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DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕ ES DE UTILIZAÇÃ O DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.

Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.

Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.

Licença concedida aos utilizadores deste trabalho

Atribuição CC BY

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar a minha gratidão a todos aqueles que me ajudaram durante a realização deste trabalho.

Um agradecimento profundo à Professora Doutora Margarida Pereira, como minha orientadora, pelas suas sugestões e comentários, bem como pela sua paciência e ajuda.

Agradeço à Professora Doutora Sun Lam, diretora do curso de mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês: Tradução, Formação e Comunicação Empresarial, pelo seu apoio, pessoal e académico.

Aos professores do mestrado, pela sua simpatia, ensinamentos e apoio no processo de aprendizagem da língua portuguesa e nos estudos interculturais, que frequentei nos últimos dois anos na Universidade do Minho.

Aos meus pais, por sempre me amarem e me apoiarem.

À minha querida amiga Han Yujun, pela sua amizade e ajuda com o meu trabalho. Ao meu namorado Chen Kuijian, pelo seu apoio e encorajamento durante a minha vida no estrangeiro, e pela companhia.

Aos meus colegas e amigos, chineses e portugueses, pela amizade e também as memórias inesquecíveis que levo de Portugal e da vida universitária.

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio, nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados, em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

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As mulheres chinesas no fim do século XIX e início do século XX:sob a influência ocidental

Resumo

Na consciência cultural chinesa, os homens ocupam uma posição dominante na política nacional, nos assuntos sociais públicos e nas relações familiares. O patriarcado moldou a consciência coletiva desde a antiguidade. Por norma, o talento das mulheres não era recompensado, apenas uma pequena parte da população do sexo feminino mereceu algum reconhecimento posterior. Apesar desta falta de reconhecimento, as mulheres fizeram contribuições notáveis para o desenvolvimento da sociedade. O percurso das mulheres chinesas não pode ser separado da influência do pensamento ocidental levado pelos missionários. No entanto, nesse longo processo de comunicações interculturais entre o Oriente e o Ocidente, o lado gentil e submisso das mulheres chinesas e asiáticas tornou-se gradualmente um estereótipo aceite pelos ocidentais.

Esta dissertação pretende descrever as mudanças no estatuto das mulheres ao longo da história chinesa, com especial foco no período que compreende o fim do século XIX e início do século XX. Propõe-se ainda analisar a fonte e a base histórica dos estereótipos sobre as mulheres chinesas e asiáticas, com o objetivo de os quebrar, revelando uma variedade de personalidades e formas de estar no mundo.

Palavras-chave: educação; estereótipos; final do século XIX; mulheres chinesas;

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Chinese women in the late 19th and early 20th century: under Western influence

Abstract

In the cultural consciousness of the Chinese nation, it is generally believed that men occupy a dominant position in national politics, public social affairs, and family relations. Patriarchy has dominated collective consciousness since ancient times. As a rule, women's talent was not rewarded, only a small part of the female population deserved some further recognition. Despite this lack of recognition, women have made remarkable contributions to the development of society. The path of the Chinese women cannot be separated from the influence of Western thought carried by missionaries. However, in this long process of intercultural communication between East and West, the gentle and submissive side of Chinese and Asian women has gradually become a stereotype accepted by Westerners.

This paper aims to describe the general changes in the status of women throughout Chinese history since ancient times, with special focus on the period from the late nineteenth to the early twentieth century. It also analyses the source and historical basis of stereotypes about Chinese and Asian women, in order to break it and show a variety of personalities and ways of living.

Keywords: Chinese women; education; late 19th century; stereotypes; western

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西方影响下的 19 世纪末 20 世纪初的中国女性 摘要 在中华民族的文化意识中,人们普遍认为,男性在国家政治,公共社会事 务和家庭关系中占据主导地位。父权制的概念自古以来就一直存在,由于缺乏 对女性才能的认可,她们中只有很少一部分人被后人所熟知。但无论女性的作 用是否得到承认,妇女都为社会的发展做出了卓越的贡献。除此之外,不可否 认的是,中国女性的发展离不开传教士带来的西方思想的影响和帮助。然而, 在这个漫长的东西方跨文化交流过程中,中国和亚洲女性的温柔和顺从的一面 逐渐成为了刻板印象而被西方人所了解。 本文将描述自古以来,特别是 19 世纪末 20 世纪初中国社会历史进程中妇 女状况的总体变化, 并分析中国和亚洲女性刻板印象的来源和历史基础,旨在 打破这种对今天中国女性的刻板印象,展现她们多元的个性。 关键词:中国女性;19 世纪末;教育;西方思想;刻板印象

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Índice

Introdução ... 1

Capítulo I - As mulheres na sociedade chinesa primitiva ... 5

I.1 A lenda de Nu Kua e a origem da civilização chinesa ... 6

I.2 O legado da civilização agrícola ... 8

I.2.1 Superioridade masculina e inferioridade feminina ... 9

I.2.2 Pés-de-lótus: transformação corporal sob a dominação feudal ... 11

Capítulo II - Tentativa inicial de educação das mulheres no século XIX ... 18

II.1 Chegada à China dos missionários ... 19

II.2 Escolas para meninas: o nascimento da educação moderna das mulheres ... 21

II.2.1 Educação tradicional das mulheres e crítica dos missionários ... 22

II.2.2 A criação de escolas para meninas ... 25

II.3 A influência das escolas para meninas na sociedade chinesa ... 29

Capítulo III - O despertar da consciência feminina no início do século XX ... 32

III.1 Introdução ao feminismo ocidental ... 33

III.2 Consciência feminina e campanhas anti-pés-de-lótus ... 36

III.3 A influência do feminismo ocidental na sociedade chinesa ... 41

III.3.1 Jornais e revistas feministas ... 41

III.3.2 Escritoras e literatura feminina representativas ... 47

Capítulo IV - Orientalismo e estereótipos ... 51

IV.1 O orientalismo e a formação de estereótipos ... 52

IV.2 As imagens das mulheres asiáticas ... 56

IV.2.1 Madame Butterfly ... 57

IV.2.2 Memórias de uma Gueixa ... 60

IV.2.3 Outras imagens... 64

IV.3 A participação dos asiáticos nos estereótipos ... 68

IV.3.1 Origem ... 68

IV.3.2 A incorporação de “Self-Orientalization”... 69

Conclusão ... 71

Bibliografia ... 77

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Índice de Figuras

Figura 1 - Nu Kua e Fu Xi ... 7

Figura 2 - Corpo da dinastia Song do Sul, no Museu de Fuzhou ... 13

Figura 3 - Sapatos de prata desenterrados de um túmulo da dinastia Song do Sul ... 14

Figura 4 - Pés-de-lótus na dinastia Ming e Qing ... 15

Figura 5 - Sapatos de mulher com pés-de-lótus na dinastia Qing ... 16

Figura 6 - As mulheres que trabalhavam não tinham pés-de-lótus ... 16

Figura 7 - Mary Ann Aldersey (1797–1868) ... 26

Figura 8 - Capa da primeira edição de Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher ... 34

Figura 9 - Algumas mulheres com pés naturais no final da dinastia Qing ... 39

Figura 10 - Mulheres com pés naturais na década de 1870 ... 40

Figura 11 - Primeira edição de Progresso da Menina Chinesa ... 43

Figura 12 - Primeira edição do Jornal de Mulheres Chinesas ... 44

Figura 13 - Jornal Nova Juventude ... 47

Figura 14 - Xiao Hong ... 50

Figura 15 - Ding Ling ... 50

Figura 16 - Cartaz da ópera Madame Butterfly ... 58

Figura 17 - Detalhe do enredo de M. Butterfly ... 59

Figura 18 - Cartaz de Memórias de uma Gueixa ... 62

Figura 19 - Capa do livro Geisha of Gion ... 62

Figura 20 - Cartaz de O mundo de Suzie Wong ... 65

Figura 21 - Dragon Lady em Terry e os Piratas ... 67

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As mulheres chinesas foram, sem dúvida, beneficiárias do rápido desenvolvimento económico registado pelo país na era da globalização. No entanto, a discriminação e o tratamento injusto das mulheres na sociedade ainda persistem. Uma filosofia patriarcal causou um desequilíbrio entre homens e mulheres no país, e a oportunidade de as mulheres receberem educação também é limitada. Para além disso, existem também estereótipos sobre as mulheres chinesas e asiáticas no Ocidente, no contexto da comunicação intercultural.

O presente trabalho propõe-se rever a história das mulheres na China antiga, explorar as causas dos problemas encontrados por elas na sociedade moderna e analisar as fontes históricas dos estereótipos sobre as mulheres asiáticas. Procura ainda identificar as formas de expressão das mulheres chinesas, no sentido de mostrarem a sua individualidade, de dialogarem com os homens e com o Ocidente.

A dissertação divide-se em quatro capítulos. No primeiro capítulo, começa por descrever a lenda de Nu Kua e a mudança de condição das mulheres chinesas desde um passado longínquo. Na sociedade matriarcal, a condição feminina era relativamente elevada; as mulheres eram líderes em todos os setores da sociedade. No entanto, devido à força física dos homens, eles frequentemente contribuíam mais no esforço de guerra e nas atividades produtivas. A sociedade matriarcal foi-se transformando numa do tipo patriarcal. Desde então, a China vive num patriarcado, que restringiu muito os direitos das mulheres. Neste tipo de sociedade, só os homens têm direito à educação e as mulheres são-lhes subordinadas. O capítulo analisa o controlo da sociedade patriarcal sobre as mulheres em dois contextos específicos: restrição ideológica e transformação corporal.

Depois da primeira guerra do Ó pio (1840-1842), o governo Qing assinou o primeiro tratado desigual com o governo da Inglaterra: tratou-se do Tratado de Nanquim, que pôs fim ao isolamento do país e deu início à história da China moderna. O Cristianismo começou a espalhar-se amplamente na China, os missionários

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estabeleceram uma variedade de escolas enquanto pregavam - as escolas femininas da igreja nasceram nessa época.

O segundo capítulo aborda, sobretudo, a primeira tentativa de educação das mulheres, sublinhando a influência das escolas femininas no movimento de libertação. Pode dizer-se que a fundação das escolas missionárias significou o início da educação das mulheres na China. Neste capítulo, identificam-se algumas semelhanças entre as mulheres chinesas e ocidentais no contexto da educação. Nos registos dos missionários ocidentais, compreende-se que eles promoveram o direito feminino à educação, no entanto, quando descreviam a vida das mulheres chinesas, eles deliberadamente aumentavam o seu sofrimento. Estes registos forneceram fundamentos históricos para os estereótipos posteriores sobre as mulheres chinesas e asiáticas, ou seja, as mulheres chinesas foram realmente limitadas pelo conceito de patriarcado durante a sociedade feudal. Mas isso não explica, pelo menos completamente, os estereótipos que ainda hoje existem.

No terceiro capítulo, aborda-se o conceito geral e a origem do feminismo, apontando-se algumas obras ocidentais representativas de filosofia feminista e literatura feminina. No final do século XIX, quando a doutrina democrático-burguesa entrou na China, a população tomou contacto com algumas ideias avançadas do Ocidente. Os escritos feministas ocidentais foram traduzidos para o chinês e tiveram um significado orientador para a conscientização sobre os direitos das mulheres. De seguida, analisa-se o movimento feminista na sociedade chinesa, no início do século XX, e a promoção do conceito de igualdade de género, com a ajuda dos missionários. Analisa-se a influência da teoria feminista ocidental na sociedade chinesa, incluindo a promoção de uma série de publicações femininas, como jornais, revistas e literatura.

Na quarta parte, a tese analisa as mulheres asiáticas tal como vistas pelos ocidentais. Do conteúdo dos capítulos II e III destaca-se a participação dos missionários e a difusão dos pensamentos ocidentais durante os séculos XIX e XX, como suporte da evolução do estatuto das mulheres chinesas. Esta foi uma influência

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positiva da comunicação intercultural entre o Oriente e o Ocidente. Por outro lado, os missionários - no processo de pregação, administração de escolas e participação no movimento feminista – passaram uma imagem estereotipada das mulheres chinesas e orientais, contribuindo assim, inconscientemente, para a criação dos atuais estereótipos. Isso relaciona-se com a teoria de Orientalismo abordada no capítulo IV. Começa-se por caracterizar, em traços gerais, o Orientalismo de Edward Said, para depois se fazer uma análise contrastiva do Oriente e do Ocidente à luz desta teoria, através de uma listas de palavras. Analisada a origem dos estereótipos sobre as mulheres orientais à luz do Orientalismo, introduzem-se algumas figuras femininas típicas do cinema e da literatura ocidental do século XIX ao século XX, nomeadamente a Madame Butterfly, uma Gueixa e a Dragon Lady. Ao longo dos anos, os chineses foram-se gradualmente acomodando à impressão do Ocidente sobre o Oriente, participando mesmo na sua manutenção, isto é “self-Orientalization”, para usar a expressão de Arif Dirlik. Mencionada a origem desse conceito, procurar-se-á identificar a sua incorporação em filmes e literatura asiáticos e na vida quotidiana.

Por fim, num momento conclusivo, fornecem-se pistas de leitura sobre a relação entre a evolução das mulheres chinesas e o pensamento ocidental, numa tentativa de caracterizar a situação atual e os problemas que as mulheres chinesas enfrentam hoje em dia. Deixam-se ainda algumas sugestões para se quebrarem os estereótipos ocidentais sobre as mulheres chinesas e asiáticas.

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Capítulo I - As mulheres na sociedade chinesa

primitiva

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I.1 A lenda de Nu Kua e a origem da civilização chinesa

A China é uma das civilizações mais antigas do mundo, mas a história da sua origem é confusa. Com vários mitos e lendas transmitidos pelos antepassados, a civilização oriental ganhou um cunho mitológico. Considerando a dependência e confiança dos antepassados nas mulheres, a atitude em relação a elas evoluiu, gradualmente, para adoração. Surgiu assim um mito sobre a criação humana1 por

parte de uma mulher, Nu Kua2, que circulou por um longo tempo.

Objetivamente, a mitologia foi uma forma de explicação dos fenómenos naturais por parte dos antigos e de expressar o desejo da humanidade viver em harmonia com a natureza, pelo que a história da civilização chinesa tem cores mágicas. Estudos das áreas da etnologia, história e arqueologia mostram que todos os grupos étnicos na China têm um mito ou lenda semelhante, para expressar a origem humana: os ancestrais de todos os grupos étnicos são descendentes de Nu Kua e Fu Xi3. Isto reflete

o simbolismo e a perspetiva espiritual, o caráter e a autoconsciência nacional da civilização chinesa primitiva (Qian & Tian, 2009, p. 2).

Nu Kua, uma deusa da mitologia chinesa, surge na literatura não antes de 350 a.C, ligada à criação humana. Na Enciclopédia Imperial Taiping Yulan4, lê-se: “No início

do mundo, não havia humanidade, Nu Kua usou barro para criar os homens”5 (Li,

1960). Este mito fundador difere da mitologia grega e hebraica. Na mitologia grega, Prometeu criou os humanos com barro e roubou o fogo de Héstia para lhes oferecer, sendo punido por Zeus por isso. O primeiro livro do Antigo Testamento diz que: “O Senhor Deus fez o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida;

1 O mito de Nu Kua criar os humanos foi registada no livro Taiping Yulan (Li, 1960).

2 Nu Kua (女娲, nǚwā), uma deusa da mitologia chinesa.

3 Fu Xi (伏羲, fúxī), irmão e marido de Nu Kua, figura da mitologia chinesa.

4 Taiping Yulan (太平御览, tàipíng yùlǎn) é uma enorme enciclopédia desenvolvida por um grupo de oficiais na

dinastia Song, sob orientação do editor principal Li Fang (977 -983).

5 “俗说天地开辟,未有人民,女娲抟黄土作人”, súshuō tiāndì kāipì, wèiyǒu rénmín, nǚwā tuán huángtǔ zuò

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e o homem foi feito alma vivente”. De seguida: “...tomou uma das suas costelas, formou uma mulher” (Gênesis 2). A masculinidade desempenha um papel dominante nos mitos fundadores da Humanidade na cultura ocidental, resultantes da mitologia grega e mitologia hebraica. O deus masculino criou tudo, incluindo os seres humanos. Mas na mitologia chinesa, o criador da humanidade é uma mulher. De um certo ponto de vista, isso pode ser um reflexo da realidade matriarcal pré-histórica.

.

Figura 1 - Nu Kua e Fu Xi6

A civilização chinesa assumia inicialmente um conceito de igualdade entre homens e mulheres, o seu desenvolvimento foi acompanhado pelo respeito pelas mulheres. Na mitologia chinesa, Nu Kua não é apenas a deusa geradora da vida, a mãe da terra, mas também uma heroína que consertou o céu e formou as pessoas a partir

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da lama. Segundo o livro Huainanzi7, Nu Kua usou uma pedra de cinco cores para

consertar o céu depois de Gong Gong8 danificar um dos pilares que o sustentava. Isto

demonstra o respeito das pessoas pelas grandes mulheres que ousam desafiar a natureza (Liu & Chen, 2016) e conduziu a uma sociedade de clãs dominada por mulheres.

Ao longo da história, formou-se gradualmente o conceito do clã. As pessoas não sabiam quem era o seu pai; a reprodução sagrada feminina e a reprodução étnica bastavam para manter o clã. A sociedade chinesa entrava num período matriarcal. Durante esse período, a produtividade desenvolveu-se gradualmente e a cooperação foi-se acentuando, originando uma divisão do trabalho baseada em diferenças naturais de género: os homens caçavam, as mulheres estavam envolvidas em atividades têxteis, de costura e agrícolas. Embora o estatuto económico das mulheres tenha aumentado, o estatuto dos dois sexos era aproximadamente igual.

I.2 O legado da civilização agrícola

Segundo o livro de Engels, Origin of the Family, Private Property, and the State (1884), com o advento da agricultura e da pecuária, os homens concentraram o seu trabalho nessas atividades, fazendo uso da sua força física natural. Eles assumiram assim, gradualmente, uma posição de liderança na produção agropecuária. A produção de ferro e de outras ferramentas fortaleceu ainda mais a posição masculina no contexto agrícola, enquanto as mulheres se concentravam no trabalho têxtil e doméstico, perdendo sua posição dominante na sociedade. Com o avanço da produção e a rápida acumulação de riqueza, os homens esperavam que os seus descendentes herdassem um forte desejo de propriedade e promovessem a transformação do sistema de propriedade pública do clã matriarcal, para um de propriedade privada do clã patriarcal. Em suma, o patriarcado substituiu o sistema matriarcal (Engels, 1980, pp. 73-75).

7 淮南子(huáinánzǐ) é um livro clássico da filosofia chinesa, escrito por Liu An na dinastia Han.

8 Gonggong (共工, gònggōng) é um deus da mitologia chinesa que bateu a cabeça violentamente contra a

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Também o sistema de poliandria da sociedade matriarcal foi substituído pela monogamia. A organização da linhagem passou a ser contada em linha paterna, o trabalho das mulheres passou a estar limitado à família, o estatuto económico dos homens foi aumentando, enquanto as mulheres recuaram para um estatuto subordinado na economia familiar. Analisaremos, em particular, o controlo da sociedade patriarcal sobre as mulheres sob a forma de restrição ideológica e de transformação corporal.

I.2.1 Superioridade masculina e inferioridade feminina

À medida que o estatuto social e económico das mulheres diminuía, ia-se afirmando o conceito de superioridade masculina e inferioridade feminina. A existência social determina a consciência social, pelo que os governantes feudais criaram inevitavelmente uma teoria para manter o fenómeno de superioridade masculina e inferioridade feminina.

A teoria confucionista reflete esta mentalidade que discrimina e oprime as mulheres. Nos Analectos de Confúcio conta-se que o rei Wu, da dinastia Zhou, afirmou ter dez ministros talentosos. A esta afirmação, Confúcio replicou que havia uma mulher entre eles, pelo que deviam ser nove ministrostalentosos9 (Confúcio & Zhang,

2006). Com isto, ele quis dizer que as mulheres não podem ser contadas como talentosas.

Durante o Período dos Estados Combatentes, o representante de Legalismo Han Fei10 apresentou a teoria dos “três guias cardeais”: o governante guia os

ministros, o pai guia os filhos e o marido guia a esposa (Dong & Ye, 2010). O marido foi considerado o governante da esposa, a quem esta devia obediência. A teoria foi aceite pelo dominador e, nas dinastias Qin e Han, a teoria da superioridade masculina continuou a desenvolver-se. Dong Zhongshu11 combinou a teoria com a filosofia Yin

9 “... 武王曰:予有乱臣十人。孔子曰:有妇人焉,九人而已...”, wǔwáng yuē: yǔ yǒu luànchén shírén. Kǒngzǐ

yuē: yǒu fùrén yān, jiǔrén éryǐ.

10 Han Fei (韩非, hánfēi) (279 a.C - 233 a.C) foi um filósofo chinês no Período dos Estados Combatentes.

11 Dong Zhongshu (董仲舒, dǒng zhòngshū) (179 a.C - 104 a.C) foi um estudioso chinês da dinastia Han, apoiador

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e Yang, afirmando que “o yang é o princípio do homem e o yin é o princípio da mulher” e que a esposa não pode ser independente do marido.

Para fortalecer a impressão das mulheres sobre a superioridade masculina, os dominadores publicaram uma variedade de livros que regulavam os comportamentos e pensamentos femininos. Biografias de Várias Mulheres12 é um livro compilado pelo estudioso Liu Xiang (刘向, Liúxiàng), na dinastia Han (20 a.C.). A obra, dividida em sete partes e com histórias de cerca de 110 mulheres, serviu como material confucionista para a educação moral das mulheres na China tradicional ao longo de dois milénios. De uma maneira geral, as mulheres ali representadas eram de um de dois tipos: a mulher boa que guarda as virtudes femininas e a mulher má que destrói o país. Há muitas histórias de mulheres inteligentes e virtuosas que aconselham o imperador a ser diligente nos assuntos do governo; mas também há mulheres bonitas e maldosas que seduzem os homens e levam à decadência familiar e nacional (Liu & Zhang, 2009). O livro mostra uma variedade de mulheres com conhecimento e moralidade desde a antiguidade até a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.), concentrando-se posteriormente, em especial na dinastia Song, na castidade. Mas o livro não fala apenas sobre isto.

Ban Zhao (班昭, bānzhāo) (45 d.C. – 117d.C.), a primeira historiadora chinesa, escreveu em 106 d.C. Lições para Mulheres13. Ban Zhao nasceu no seio de uma família

culta, o pai e o irmão eram historiadores famosos na dinastia Han, pelo que teve contacto com literatura e história desde a infância e ajudou a completar a História dos

Han após a morte do seu irmão. O livro Lições para Mulheres dirigia-se, originalmente,

às mulheres da família, mas popularizou-se depois. Ali se lista algumas regras para as mulheres: deviam ser humildes; servir o marido cuidadosamente; manter a castidade; os vestidos, a língua e os comportamentos deviam corresponder às virtudes femininas (Ban & Zhang, 1996). Aconselhava ainda as mulheres a seguirem as regras na casa do marido, a quem deviam completa fidelidade. Lições para Mulheres foi amplamente difundido durante as dinastias Ming e Qing: numa época em que as mulheres não tinham direito à educação, as lições tornaram-se leitura obrigatória para as mulheres alfabetizadas. As mulheres não podiam sair de casa ou receber educação escolar, só

12 Biografias de Várias Mulheres (列女传, liènǚzhuàn).

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precisavam aprender algumas habilidades domésticas e, antes de se casarem, como servir o seu marido e os seus sogros. Com isto, a educação das mulheres estaria completa.

Além de Ban Zhao, outras mulheres tiveram a sorte de receber educação graças ao seu ambiente familiar. Foi o caso de Cai Wenji (蔡文姬, cài wénjī) (177 d.C.

– 250 d.C.), Shangguan Wan’er (上官婉儿, shàngguān wǎnér) (664 d.C. –710 d.C.) e Li Qingzhao (李清照, lǐ qīngzhào) (1084 d.C. – 1155 d.C.).

Cai Wenji foi uma poetisa e música da dinastia Han. O seu pai era um famoso escritor e calígrafo, então ela cresceu numa família culta. Shangguan Wan’er foi uma concubina de dois imperadores da dinastia Tang, famosa pelo seu talento como poetisa, escritora e política. O seu avô era um oficial proeminente no início do reinado do imperador Gaozong (高宗, gāozōng) (682 – 683). Li Qingzhao, uma poetisa da dinastia Song, também nasceu numa família aristocrática, possuidora de uma grande coleção de livros, pelo que pôde receber uma educação abrangente.

Estudando as famílias e as realizações de mulheres da Antiguidade, não é difícil descobrir que talentos notáveis são, em grande parte, motivados por um ambiente familiar superior. No entanto, na longa história na China, tais mulheres talentosas são raras, a maioria das mulheres nasceu em famílias medianas, sem condições para lhes proporcionar uma educação com conhecimentos culturais, como poesia, caligrafia ou música.

I.2.2 Pés-de-lótus: transformação corporal sob a dominação feudal

Na sociedade tradicional chinesa, havia uma tradição estranha e popular entre as mulheres: os pés-de-lótus. Pés-de-lótus traduz a prática de apertar os pés para impedir o seu desenvolvimento normal, enfaixando os pés, forçando-os a ficarem menores e mais afiados, até que fiquem em arco. Em seguida, coloca-se as meias, para manter a forma e evitar odores; estas não podem ser retiradas mesmo durante o sono. As mulheres deviam amarrar os pés ainda em crianças (quatro ou cinco anos de idade), resultando em deficiências permanentes. Este processo de transformação corporal era muito cruel, especialmente nas dinastias Ming e Qing. Há um antigo provérbio

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chinês usado para descrever esse sofrimento: “Um par de pés pequenos é pago com um balde de lágrimas”. (小脚一双,眼泪一缸。Xiǎojiǎo yìshuāng, yǎnlèi yìgāng).

“Não sabemos quando começou o hábito de amarrar os pés das mulheres. É um grande sofrimento para uma criança com apenas quatro ou cinco anos, inocente e sem culpa, aguentar esta dor tão grande”14 (Che & Fei, 1990).

Existem muitos pontos de vista diferentes sobre a origem da prática dos pés-de-lótus. Um deles envolve a história de Pan Yuru (潘玉茹, pān yùrú), a concubina favorita de um imperador da dinastia Qi do Sul (南齐, nánqí) (479 d.C. – 502 d.C.), que tinha pés delicados e dançava descalça num piso decorado com desenhos dourados de flores de lótus. O imperador expressou a sua admiração e disse que "Lótus brota de cada passo dela!", uma referência à lenda budista de Padmavati, sob cujos pés brota um lótus. Esta história pode ter dado origem aos termos "lótus dourado" ou "pés-de-lótus" usados para descrever os pés atados. Não há, no entanto, nenhuma evidência de que a concubina Pan tenha amarrado os seus pés (Ko, 2002, pp. 32–34). Outra opinião mais popular remete para o Período das Cinco Dinastias e dos Dez Reinos (século X), durante o reinado de Li Yu (李煜, lǐyù) (937 d.C. – 978 d.C.), o terceiro governador do estado de Tang do sul no século X. A sua bonita concubina, Yao Niang (窅娘, yǎoniáng), era uma boa dançarina. Li Yu criou uma mesa especial em forma de lótus dourado, de seis pés de altura, decorada com pedras preciosas e pérolas, pediu a Yao Niang que amarrasse seus pés em seda branca na forma da lua crescente e fizesse uma dança semelhante a um balé no lótus (Gao, 1995, p. 6). Diz-se que a dança de Yao Niang era tão graciosa que as outras mulheres procuravam imitá-la. Os pés-de-lótus foram então replicados por outras mulheres da classe alta e a prática espalhou-se (Gao, 1995, p. 12). Na sociedade patriarcal, as mulheres dependiam dos homens para sobreviver, então atendiam às preferências masculinas, curvando pés para deixá-los menores, mais graciosos, de modo que os pés-de-lótus gradualmente evoluíram de um conceito a uma prática.

No início, os pés-de-lótus foram populares apenas entre as dançarinas. Com o passar do tempo e com a paixão masculina por pés-de-lótus, esta moda influenciou

14 “妇人缠足不知始于何时,小儿未四五岁,无罪无辜,而使之受无限之苦” , Fùrén chánzú bù zhī shǐ yú héshí,

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gradualmente outras classes na dinastia Song, passando a simbolizar civilização. Tornou-se um costume inerente às mulheres, fomentando a competição entre elas por um pé cada vez mais pequeno (Ren, 2017).

Os dominadores que estabeleceram a dinastia Yuan eram mongóis. Eles não tinham o hábito de amarrar os pés mas, depois de entrarem na Planície Central, foram atraídos por este costume e passaram igualmente a promovê-lo. No entanto, a forma dos pés-de-lótus nas dinastias Song e Yuan era um pouco diferente da forma popularizada no período posterior. Como pode ser visto na foto abaixo, as mulheres da dinastia Song apenas amarravam os pés mais direitos e finos.

Figura 2 – Corpo da dinastia Song do Sul, no Museu de Fuzhou15

(27)

Figura 3 - Sapatos de prata desenterrados de um túmulo da dinastia Song do Sul16

A obra contemporânea Every Step a Lotus: Shoes for Bound Feet (2002), da americana Dorothy Y. Ko, menciona a coleção do Museu da Seda de Hangzhou relacionada com os pés-de-lótus da dinastia Ming. Até meados daquela dinastia, o estilo de sapatos manteve a aparência das dinastias Song e Yuan e um comprimento de 13 a 22 cm, não muito inferior às gerações anteriores (Ko, 2002).

Em meados da dinastia Ming surgiu uma nova forma de sapatos, com salto alto, semelhante ao efeito visual resultante dos saltos altos de hoje. O método de amarração também mudou consideravelmente: à exceção do polegar, os dedos eram dobrados para dentro, aumentando a altura e arqueando o peito do pé (Ko, 2002, p. 60). Esse tipo de amarração é muito cruel, as articulações dos dedos dos pés são partidas e depois dobradas e enroladas com um pano. Esse tipo de pé triangular é frequentemente comparado aos brotos de bambu, tantas vezes esculpidos em jade. O tamanho dos pés neste período tornou-se extremamente pequeno, mas só na classe média alta; as mulheres da classe trabalhadora e as servas não podiam trabalhar com pés assim.

16 Gao, H. X. 高洪兴 (1995). História de Pés-de-lótus 缠足史 (1ª ed.). Shangai: Editora de Literatura e Arte de

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Figura 4 - Pés-de-lótus na dinastia Ming e Qing17

Na época da dinastia Qing, as pessoas buscavam a beleza suprema e a prática dos pés-de-lótus tornou-se comum, o tamanho dos pés tornou-se um critério importante para julgar a beleza das mulheres. Os homens não só gostavam de pés pequenos, mas também exigiam que as mulheres andassem numa posição flexível e leve. As mulheres com pés pequenos eram mais amadas pelo sexo oposto.

Naquele tempo, o casamento era a única maneira de as mulheres poderem ter uma vida melhor. Um par de “pés pequenos” podia proporcionar um futuro melhor para as meninas e suas famílias, era também interpretado como um símbolo de “boa vida” ou prestígio social. Isso pode ser confirmado nos romances das dinastias Ming e Qing. No romance Jin Ping Mei (金瓶梅, jīnpíngméi), Ximen Qing (西门庆, xīmén qìng) apaixonou-se por Pan Jinlian (潘金莲, pān jīnlián) por causa de um par de "pés-de-lótus dourado". Embora Pan não tenha tido um bom final no romance, ela melhorou a sua vida graças aos pés pequenos (Ko, 2005, pp. 211-212).

No final da dinastia Ming, o contexto capitalista permitiu às mulheres trabalharem em casa, em atividades como fiação, tecelagem ou colheita de chá, ganhando dinheiro sem trabalho físico pesado, o que proporcionou uma base

(29)

importante para as mulheres da classe operária amarrarem os pés. Elas não precisavam trabalhar fora, então foram tornando os seus pés cada vez mais pequenos, isso também passou a simbolizar a superioridade masculina e a inferioridade feminina na sociedade antiga.

Figura 5 - Sapatos de mulher com pés-de-lótus na dinastia Qing18

Figura 6 - As mulheres que trabalhavam não tinham pés-de-lótus19

Os pés-de-lótus foram um símbolo da cultura Han e uma expressão das mulheres sob os ideais do confucionismo. As mulheres antigas não eram livres, viviam

18 Gao, H. X. 高洪兴 (1995). História de Pés-de-lótus 缠足史 (1ª ed.). Shangai: Editora de Literatura e Arte de

Shangai.

(30)

sob várias restrições impostas pelo confucionismo; não apenas físicas e espirituais, mas também de comportamento: exigia-se que as suas palavras e ações se ajustassem ao ideal confucionista.

Os pés-de-lótus eram ainda uma maneira de distinguir entre estatuto alto e baixo, mostrando estatuto social, pessoal e riqueza. As mulheres com pés-de-lótus não conseguiam andar normalmente, o trabalho diário e as atividades também eram afetados. Em geral, apenas no caso de uma mulher não precisar de trabalhar em casa, seria possível fazer os de-lótus. De acordo com a História de Pés-de-lótus: “Os pés-de-lótus dificultam cada movimento das mulheres, quando elas saem, devem ter uma serva ao seu lado” (Gao, 1995, p. 112).

Os pés-de-lótus restringiam as mulheres e limitavam as ações quotidianas para que elas ficassem em casa. Às mulheres não era reconhecida qualquer personalidade independente, eram mera propriedade dos homens, existiam como brinquedos, por isso, os corpos podiam ser alterados à vontade. Por detrás dos pés-de-lótus esconde-se um conceito de castidade feminina do sistema patriarcal, constituindo também uma ferramenta para os homens mostrarem a sua riqueza e o seu estatuto social.

Para além dos valores morais, especialmente a aceitação de que "homens e mulheres devem ser tratados de forma diferente" e da “superioridade masculina”, que constituíram uma pressão externa para a prática dos pés-de-lótus, existiam pressões internas, tais como a necessidade matrimonial e os requisitos de virtude feminina. A tudo isto somou-se o antigo conceito estético chinês, para popularizar este costume especial.

(31)

Capítulo II - Tentativa inicial de educação das

mulheres no século XIX

(32)

A partir de 1840, as mulheres chinesas modernas começaram a receber educação sob a influência de missionários. Após a primeira Guerra do Ó pio (1840-1842), as potências ocidentais entraram na China pela força, após a assinatura de uma série de tratados desiguais20 com o país. Através desses tratados, os estrangeiros

conseguiram o privilégio de administrar uma escola na China. Nasciam assim as escolas da igreja, que viriam a ser muito importantes para as meninas.

Em essência, as escolas para meninas eram instituições educacionais estabelecidas por potências ocidentais para difundir o cristianismo na China, no contexto de uma sociedade semicolonial e semifeudal. No entanto, teve um certo efeito positivo no desenvolvimento da educação moderna chinesa. A existência de escolas femininas constituiu uma alternativa na história moderna da educação chinesa e forneceu condições para o despertar da consciência feminina no século XX.

II.1 Chegada à China dos missionários

Historicamente, as atividades dos missionários na China começaram mais de duzentos anos antes da Guerra do Ó pio.

Em 1582, o padre jesuíta italiano Matteo Ricci21 chegou à China e, além de um

grande número de livros teológicos, levou também conhecimentos científicos em matemática moderna, astronomia e geografia. Ele e Xu Guangqi (Paulo Xu)22

traduziram Elements of Geometry de Euclidese introduziram a teoria matemática no país. Ricci elaborou o mapa-mundi, apresentando a teoria dos cinco continentes ao povo chinês. Zhifang Waiji23, escrito principalmente pelo jesuíta italiano Giulio Aleni24,

foi o primeiro atlas detalhado da geografia global disponível em chinês. Deve-se reconhecer que, além da propaganda religiosa, os missionários também levaram ciências naturais para a China.

20 O Tratado de Nanquim, o Tratado de Wanghia, o Tratado de Huangpu, entre outros.

21 Padre Matteo Ricci (1552-1610) foi um missionário italiano, que promoveu o catolicismo na China.

22 Xu Guangqi (徐光启, xú guāngqǐ) (1562 - 1633) foi um matemático chinês na dinastia Ming.

23 Zhifang Waiji (职方外纪, zhífāngwàijì), em Inglês, Record of Foreign Lands. Foi um atlas escrito pelo missionário

italiano Giulio Aleni na China no início do século XVII.

(33)

Chegados ao século XIX, os padrões e as tendências de desenvolvimento mundial assentaram mais claramente na globalização e na modernização. Devido à Guerra do Ó pio, o império chinês sofreu uma turbulência sem precedentes, bem como mudanças internas.

Em meados do século, depois da primeira guerra do Ó pio, o governo Qing assinou o primeiro tratado desigual com Inglaterra: o Tratado de Nanquim, que pôs termo ao isolamento nacional e iniciou a história da China moderna. Assim, o Cristianismo começou a espalhar-se amplamente na China e os missionários estabeleceram várias escolas no território. Ao abrigo deste acordo, além das indemnizações pagas, a China permitiu em 1842 que missionários britânicos entrassem pela primeira vez na China continental e que comerciantes britânicos estabelecessem "esferas de influência" nos portos e arredores.25

O Tratado de Wanghia (1844), sino-americano, determinou o direito de comprar terras junto a cinco portos comerciais, de erguer igrejas e hospitais26 (Gao &

Zhu, 1993). No mesmo ano, a França obrigou o governo Qing a assinar o Tratado de Huangpu, que estipulava: "Os franceses que vivem em cinco portos de comércio, independentemente do número de pessoas, podem construir igrejas, hospitais, escolas, etc.”27 (Gao & Zhu, 1993).

No seguimento destes tratados, jesuítas e outros missionários estabeleceram igrejas em cinco portos comerciais: Guangzhou, Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Shanghai. Isto permitiu o desenvolvimento do trabalho de evangelização; desde então, um grande número de missionários ocidentais chegou ao país e iniciou um processo de agressão cultural e, de certo modo, uma subtil colonização da China.

O propósito fundamental dos missionários era converter os chineses, usando a religião para conquistar a sociedade chinesa. Com o fluxo de missionários, a cultura ocidental viria a ter uma grande influência na cultura nativa, nomeadamente no que respeita à visões das mulheres e à educação feminina. A expansão colonial ocidental rompeu a barreira entre o Oriente e o Ocidente, levando os pensamentos educacionais predominantes no Ocidente para a China. Apesar de não ser esse o

25 http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Treaty_of_Nanking, consultado em 11 de abril de 2019.

26 Um dos tratados desiguais assinados depois da primeira Guerra do Ó pio.

(34)

objetivo dos missionários, alguns fizeram um trabalho útil, ao colocarem as mulheres chinesas em contacto com o pensamento estrangeiro, o que viria a melhorar as suas condições de vida. No entanto, o conceito de igualdade de género levado pelos missionários produziu contradições e conflitos acesos com as ideias tradicionais chinesas. Então, no início, os missionários sofreram uma forte resistência por parte das forças feudais. Por forma a facilitar a pregação e expandir a influência cultural, surgiram as escolas para as meninas.

Devemos atentar no detalhe histórico de que, nesta época (século XIX), a mulher ocidental também não tinha uma condição igual à do homem. A maioria das mulheres não tinha uma educação formal, a educação feminina no Ocidente ainda estava na sua infância. Ou seja, tanto no Oriente como no Ocidente, a educação feminina esteve sempre atrasada em relação à masculina. Esta situação só começou a melhorar no início do século XX, a partir de 1914. “Em França, o número de lycées para rapazes manteve-se aproximadamente estável, 330 a 340, durante todo o nosso período, mas o número de estabelecimentos do mesmo grau para raparigas passou de 0 em 1880 para 138 em 1913 (…) Na Grã-Bretanha, onde não existiu qualquer sistema nacional de ensino secundário até 1902 (...) o número de escolas para raparigas de 99 para um valor comparável ao do dos rapazes (349) (...) Nem todos os países revelavam zelo comparável pela educação formal das raparigas das classes média e média-baixa. Esta avançava muito mais lentamente na Suécia do que nos outros países escandinavos, quase nada na Holanda, muito pouco na Bélgica, e na Suíça” (Hobsbawm, 1990, p. 256).

II.2 Escolas para meninas: o nascimento da educação moderna das mulheres

O nascimento das escolas femininas na China beneficiou da compreensão dos missionários sobre a função da educação escolar na disseminação da cultura religiosa. Por um lado, a educação escolar podia formar um grupo de cristãos instruídos, para expandir a influência do cristianismo; por outro lado, a escola educaria os futuros missionários e líderes espirituais da China, exercendo uma influência permanente e mais poderosa no futuro (Chen, 2009).

(35)

II.2.1 Educação tradicional das mulheres e crítica dos missionários

Vale a pena notar que, no início, não havia diferenças na educação das mulheres na China e no Ocidente, facto confirmado pela análise histórica. Na Europa, o poder da educação manteve-se nas mãos da igreja por longo tempo, ora as mulheres também eram restringidas pela religião, acreditava-se que só precisavam obedecer aos homens e não adquirir conhecimento. Os seus direitos económicos e à educação verdadeira eram negados: a vida das mulheres era quase inteiramente limitada ao escopo de responsabilidade de mãe e esposa. A educação escolar era um privilégio dos homens.

Na classe alta, houve algumas instituições relacionadas com a educação feminina, dando às meninas uma certa educação primária, sobretudo conhecimentos básicos de leitura, escrita, cálculo, música, pintura, etc. Algumas destas escolas forneceram inspiração e formação para as realizações artísticas e literárias das alunas, mas havia muito poucas escolas desse tipo. A maioria das mulheres de classe média e baixa não recebiam qualquer educação formal, as oportunidades educativas eram desiguais para os dois géneros (Bell & Offen, 1983, pp .73-79).

Em Émile, ou de l’éducation, Rousseau explica que naquela época, as mulheres da sociedade, especialmente da classe alta, passavam a maior parte do tempo em atividades de entretenimento, ignorando a família e o marido. No sentido de melhorar os costumes sociais, Rousseau propôs que as mulheres também recebessem alguma educação (Bell & Offen, 1983, p. 71). Percebe-se que a educação feminina ocidental tradicional diferia da masculina, o propósito seria formar boas esposas e mães.

Uma situação idêntica ocorreu na China. Por um longo tempo, uma minoria de pessoas defendeu a educação feminina, algumas mulheres de famílias intelectuais ou ricas alfabetizaram-se, mas o número era muito pequeno e todas estudavam em casa. As mulheres chinesas do passado não tinham os mesmos direitos educacionais do sexo oposto, mas isso não quer dizer que a sua educação fosse ignorada. Muito pelo contrário, a China atribuiu grande importância à educação feminina, não como um objetivo de obterem conhecimento e desenvolverem a inteligência, mas para aprenderem etiqueta e ética, e tornarem-se esposas que atendessem às exigências da sociedade patriarcal.

(36)

Não havia escolas femininas integradas no sistema nacional de educação, na sociedade chinesa antiga, e as mulheres não tinham direito à educação, mas existiu uma longa tradição de ensino doméstico. Podemos ler acerca do contexto educativo de mulheres chinesas antigas na dissertação de Wang, Kaiyu. A sua pesquisa confirma a não existência de instituições de ensino, como escolas, as mulheres eram educadas em casa, sendo os conteúdos baseados na ética feudal e nas “Três Obediências e Quatro Virtudes28” confucionistas. As mulheres aprendiam, desde tenra idade, a servir

os pais, sogros, maridos e a cuidar dos filhos. O objetivo seria apenas treiná-las para serem escravas de uma família feudal, e capacitá-las para serem esposas e mães. As mulheres seriam meros acessórios dos homens e estariam firmemente limitadas pela família (Wang, 2017, pp. 5-7). A educação tradicional feminina continuou da dinastia Qin até o final da dinastia Qing, e a sua influência na China foi muito abrangente. No fim da dinastia Qing, o sistema feudal declinou gradualmente e a educação tradicional das mulheres não foi capaz de se adaptar ao desenvolvimento da sociedade. É nesse contexto histórico que surgem as escolas para meninas.

Como vimos anteriormente, na segunda metade do século XIX, o Cristianismo começou a espalhar-se pela China e os missionários fundaram uma variedade de escolas da igreja enquanto pregavam, incluindo escolas femininas. Para além disso, subsidiaram algumas mulheres para que pudessem estudar no exterior. As primeiras escolas para meninas na história chinesa foram organizadas junto dos portos abertos ao comércio com o Ocidente. Mais tarde, alargaram-se a algumas cidades da China continental, como Pequim, chocando com o modelo tradicional de educação feudal e lançando as bases para a transformação educativa. Indubitavelmente, durante esse período, muitos missionários envolveram-se em atividades de ensino na China, como forma de expressarem a sua fraternidade cristã. Eles foram para a China com crenças religiosas profundas e as suas atividades conquistaram o entendimento e a aquiescência da sociedade moderna chinesa (He & Shi, 1996).

28 As “Três Obediências e Quatro Virtudes” (三从四德, sāncóngsìdé) são um o conjunto de princípios morais

(37)

Os missionários defenderam ativamente a educação para as meninas na China. Num artigo publicado em A Review of the Times29, o missionário Lin Lezhi30 defendeu

que: “a razão pela qual a educação chinesa não pode competir com a educação ocidental é que não presta atenção à educação feminina" ; “Se uma mulher não recebe educação, o país não pode realmente florescer” (Li, 1987). Para muitas pessoas, a educação dos homens ainda não era uma ideia muito popular, quanto mais a educação das mulheres. A resposta do missionário foi: "Homens e mulheres são iguais e a sua educação não está em nenhuma ordem particular. As mulheres ocidentais, envolvidas na agricultura, indústria, negócios, estudos, tornam-se jornalistas, professoras, médicas, trabalham na Cruz Vermelha, cuidam dos soldados feridos por balas, quem pode dizer que a sua contribuição é menor do que a dos homens?" O autor afirmou ainda que se o país quisesse popularizar a educação masculina, devia primeiro "estabelecer a educação feminina" (Li, 1987). A problemática despertara a atenção de muita gente naquela época, o que pode ser verificado na extensa discussão sobre educação feminina publicada em A Review of the Times, e através de um grande número de relatórios sobre o estabelecimento de escolas para meninas. A divulgação dos missionários sobre a questão da educação feminina chinesa forneceu forte apoio para o nascimento e desenvolvimento da educação moderna das mulheres.

Nos registos dos missionários, podemos encontrar a sua defesa ao direito à educação das mulheres chinesas. Mas, quando registaram a vida quotidiana, eles concentraram-se na descrição do sofrimento das mulheres, criticando a tradição costumes bárbaros e um testemunho do baixo nível de civilização da China. Por exemplo, Lin Lezhi também disse: “O grau de civilização dos países ocidentais é alto, porque valorizam a educação das mulheres” (Li, 1987). Com esta afirmação quis mostrar que o estatuto das mulheres deveria ser usado como uma medida do grau de desenvolvimento civilizacional de um país. A civilização ocidental seria superior à o oriental para ser próspera e forte, a China precisava converter-se ao cristianismo para promover o estatuto das mulheres e desenvolver escolas femininas. Os missionários

29 A Review of the Times (万国公报, wànguógōngbào) foi uma publicação mensal publicada na China entre 1868

e 1907. Foi fundada e editada pelo missionário Young John Allen.

30 Lin Lezhi (林乐知, línlèzhī). O seu nome original era Young John Allen (1836-1907) e foi um missionário

(38)

estabeleceram uma imagem ocidental "civilizada" por oposição a uma imagem oriental "selvagem".

Os estudiosos reformistas chineses acreditam que não havia diferenças essenciais entre a situação das mulheres chinesas e ocidentais, porque o sofrimento feminino é um fenómeno comum no mundo. Embora a situação das mulheres na Europa e na América fosse um pouco melhor, estas ainda eram encaradas como pertences dos homens (Kang, 2009, pp. 55-58). A este propósito, o pensador francês Charles Fourier31 afirmou: “O aviltamento do sexo feminino é um traço essencial quer

da civilização, quer da barbárie, com a única diferença de que a ordem civilizada eleva os vícios, que a barbárie pratica num modo simples, a um modo de existência composta, de duplo sentido, ambíguo e hipócrita... Ninguém paga mais caro do que o homem o facto de a mulher ser mantida em escravidão” (Fourier), mencionado no trabalho de Marx (Marx & Engels, 1976, pp. 299-300).

II.2.2 A criação de escolas para meninas

Como já foi referido, as escolas da igreja desempenharam um papel de liderança na história da educação das mulheres chinesas. A fundação de escolas missionárias foi o início da educação feminina na China. A história do estabelecimento de escolas de meninas por missionários é, até certo ponto, a história da ascensão da educação das mulheres chinesas modernas (Wang, 2001).

A Sociedade de Promoção da Educação Feminina no Oriente foi fundada em Londres em 25 de julho de 1834. Tratava-se de uma comunidade religiosa feminina, que enviou missionários e professores para as escolas da China e de países vizinhos. Uma delas foi Mary Ann Aldersey, que chegou à China em 1842 e fundou uma escola para meninas em Ningbo (宁波, níngbō), Zhejiang (浙江, zhèjiāng), em 1844. Foi a primeira escola feminina fundada por missionários estrangeiros na China continental, e também foi o início da educação moderna das mulheres chinesas (Li, 1987).

31 Charles Fourier (1772-1837) foi um filósofo francês da primeira metade do século XIX, influente pensador

socialista e um dos fundadores do socialismo utópico. Fourier é creditado como tendo originado a palavra "feminismo" em 1837.

(39)

Outros foram inspirados por Aldersey, concordando na necessidade de desenvolver os conhecimentos das mulheres chinesas. Surgiram assim outras escolas femininas junto dos portos comerciais e noutras cidades (Chen, 2009).

Figura 7 - Mary Ann Aldersey (1797–1868)32

Com a crescente expansão capitalista, mais e mais escolas femininas foram fundadas por igrejas ocidentais na China. Entre 1844 e 1860, missionários estrangeiros construíram mais de uma dúzia de escolas para as meninas, a maioria de ensino médio. O estabelecimento dessas escolas permitiu às mulheres chinesas receberem a primeira educação escolar (Xiong, 2011).

32

(40)

Diretório de escolas femininas da China entre 1844-186033

33 Chen, X. 陈欣, Chénxīn. (2009). A Influência Sobre a Criação da Escola Missionária Feminina na Dinastia Qing

清末教会女校的创兴及其影响研究, Qīngmò jiàohuì nǚxiào de chuàngxīng jí qí yǐngxiǎng yánjiū. (Dissertação de mestrado). Universidade Normal de Liaoning: Liaoning.

Ano Localização Nome da escola Fundador Observações

1844 Ningbo Escola de Meninas de Ningbo

Mary Ann Aldersey 1844 Hongkong Internato para

Meninas

Igreja Batista Britânica, Henrietta Hall Shuck 1846 Hongkong Escola de Meninas de

Ying Wa

Sociedade Missionária de Londres

1847 Cantão Internato para Meninas

Andrew Patton Happer 1850 Shangai Escola de Meninas Congregacionalismo,

Elijah Coleman Bridgman

Mudou para Escola Secundária de Shangai nº 9

1850 Shangai Escola de Meninas Igreja Batista Britânica 1850 Fuzhou Escola de Meninas de

Fuzhou

Metodismo, Robert Samuel Maclay 1851 Shangai Escola de Meninas Igreja Episcopal dos

Estados Unidos

Mudou para Escola Feminina de Santa Maria

1851 Hongkong Escola de Meninas Igreja Batista Britânica

1853 Shangai Escola de Meninas Igreja Católica da França Mudou para Escola Secundária de Penglai 1853 Cantão Escola de tempo

integral para mulheres

Andrew Patton Happer

1854 Fuzhou Internato para Meninas

Congregacionalismo, Justus Doolittle 1854 Cantão Escola de Meninas Metodismo 1855 Shangai Escola de tempo

integral para mulheres

Presbiterianismo

1855 Shangai Escola de Meninas de Xuhui

Igreja Católica da França Mudou para nº. 4 Escola Secundária de Shangai

1857 Ningbo Escola de Meninas Presbiterianismo 1859 Fuzhou Escola de Meninas de

Yuying

(41)

Os conteúdos de aprendizagem das escolas para meninas incluíam os Quatro livros34, a Bíblia, matemática, geografia, história, biologia, fisiologia, etc. Mas os temas

centrais seriam a Bíblia e os clássicos confucionistas chineses (Chen, 1979). No início havia muitas dificuldades e o desenvolvimento foi extremamente lento. Por um lado, como as escolas estavam ligadas aos missionários e os chineses odiavam os “agressores capitalistas estrangeiros”, sentiam relutância em enviar as suas filhas para a escola. Por outro lado, o povo estava profundamente condicionado pelos conceitos tradicionais, que impediam as mulheres de irem à escola.

Para resolver estes problemas, as escolas implementaram inicialmente a educação gratuita. A escola chegou a subsidiar as meninas que frequentavam a escola, para atrair alunas. Mesmo assim, a Escola de Meninas de Ningbo recrutou apenas algumas alunas no primeiro ano, 15 no segundo ano e, após sete anos, o número de alunas aumentou para 40. Até que, na década de 1880, as escolas da igreja se tornaram populares.

Após a segunda Guerra do Ó pio (1856-1860), as potências ocidentais expandiram o poder político e os direitos económicos na China, com benefícios para as atividades missionárias. Em 1868, o Tratado de Burlingame, assinado entre os Estados Unidos e a China, estipulou que os americanos podiam criar escolas no país, onde os estrangeiros vivessem de acordo com as regras (Wang, 1957). Isso permitiu que estrangeiros abrissem escolas formais.

A partir de então, as igrejas passaram a poder pregar não apenas nas localidades portuárias, mas também estabelecer igrejas livremente em várias províncias. O número de alunas aumentou e os níveis de ensino expandiram-se, passando a abranger também escolas secundárias e universidades. De acordo com o relatório da “Conferência Missionária Cristã na China” realizada em Shangai em 1877, havia 82 escolas femininas de tempo integral em 1876, com 1.307 alunas, 39 internatos femininos e 794 estudantes (Du, 1995).

34 Os quatro livros (四书, sìshū) são textos clássicos do confucionismo: O grande ensino, A Doutrina do Meio,

(42)

Após meio século de desenvolvimento, nascia o ensino superior dirigido às mulheres, surgindo universidades influentes como a Universidade Feminina do Norte da China (1905), a Universidade Feminina do Sul da China (1907) e a Faculdade de mulheres de Jinling (1915). Ao mesmo tempo, o número de estudantes no estrangeiro aumentava gradualmente.

No final do século XIX, quatro jovens foram estudar para o exterior, elas foram as primeiras estudantes do sexo feminino a irem para os Estados Unidos. A primeira foi Jin Yamei (金雅妹, jīn yǎmèi), uma mulher influenciada desde a infância pela educação religiosa. Ela nasceu numa família de pastores em Zhejiang (浙江, zhèjiāng) em 1864, mas os seus pais morreram quando era pequena e a menina foi adotada pelo Dr. Divie Bethune McCartee, um missionário americano. Em 1881, Jin foi para os Estados Unidos para estudar medicina. Ela graduou-se na Faculdade de Medicina Feminina de Nova York em 1885, tornando-se a primeira mulher chinesa a receber um diploma universitário nos Estados Unidos (William & Akiko, 2016). A segunda foi He Jinying (何金英, hé jīnyīng) de Fuzhou (福州, fúzhōu), que se formou na Universidade Médica Feminina da Filadélfia em 1892, regressando à China um ano depois. Juntamente com Kang Aide (康爱德, kāng àidé) e Shi Meiyu (石美玉, shí měiyǜ), elas foram pioneiras na medicina chinesa moderna, criando uma tendência precursora para as mulheres estudarem no exterior, ao mesmo tempo que valorizaram socialmente as mulheres intelectuais (Chu, 1934).

II.3 A influência das escolas para meninas na sociedade chinesa

Como uma parte da educação chinesa, as escolas femininas da igreja experimentaram um caminho difícil e tortuoso até ao seu reconhecimento, formando um sistema educativo relativamente independente e completo. Tornou-se uma parte importante da educação chinesa moderna, especialmente da educação das mulheres, contexto em que obteve um impacto profundo. Estas escolas formaram as professoras para o desenvolvimento futuro da educação e os primeiros talentos do movimento que promoveu o iluminismo das mulheres chinesas.

(43)

As escolas religiosas melhoraram, gradualmente, o sistema de educação escolar das mulheres. As disposições específicas relativas à gestão das escolas para meninas tiveram efeitos óbvios no desenvolvimento da educação formal das mulheres chinesas, fornecendo um modelo de referência. Isso estimulou os pensadores iluministas no início dos tempos modernos da China, que propuseram que os próprios chineses criassem escolas femininas, libertassem as mulheres e desenvolvessem a sua educação.

Zheng Guanying35, um antigo reformador, comentou em Educação Feminina: “A

educação das mulheres ocidentais é tão importante quanto a dos homens. As crianças têm oito anos, e tanto os meninos como as meninas devem receber educação”. O autor sugeriu que o governo chinês aprendesse com o Ocidente, disponibilizando os fundos necessários para criar uma escola para meninas (Dong, 1990).

O líder da Reforma de Cem Dias36, Kang Youwei37, defendeu também a igualdade

de género, nomeadamente no contexto educativo (Kang, 2009). Liang Qichao38

também enfatizou a importância de estabelecer escolas para meninas, pois acreditava que o nível de educação das mulheres era um indicador importante para medir a prosperidade do país. “O país com o nível mais alto de educação das mulheres é também o mais forte, como os Estados Unidos. O país com o segundo nível mais alto de educação das mulheres, é o segundo mais forte, como é o caso do Reino Unido, França, Alemanha, Japão” (Liang & He, 2002).

Graças à defesa de partidários reformistas, a primeira escola feminina fundada pelos próprios chineses seria criada em 31 de maio de 1898 - Escola de Meninas de Jingzheng, em Shangai. Esta primeira tentativa dos chineses inaugurou uma nova tendência na educação formal das mulheres chinesas. Em 1907, o governo Qing promulgou o "Estatuto da Educação das Mulheres", reconhecendo oficialmente o direito das mulheres de receberem educação escolar e incorporando a educação

35 Zheng Guanying (1842 - 1922) (郑观应, zhèng guānyìng) foi um reformador chinês ativo no final da dinastia

Qing.

36 A Reforma de Cem Dias foi um movimento de reformas nacionais em 1898, promovido pelo imperador Guangxu

e partidários reformistas, incluindo Kang Youwei e Liang Qichao. A reforma demorou apenas três meses, e foi

terminada por oponentes conservadores.

37 Kang Youwei (康有为, kāng yǒuwéi) (1858 - 1927) foi um pensador chinês e um dos líderes da Reforma de Cem

Dias.

38 Liang Qichao (梁启超, liáng qǐchāo) (1873 - 1929) foi um estudioso, filósofo e um dos líderes da Reforma de

(44)

feminina no sistema educativo. O estatuto estipulava que as mulheres com idades entre 4-18 podiam candidatar-se à escola. Pela primeira vez na história da China, foi aprovado um estatuto legal feminino da educação escolar: as mulheres chinesas passaram a desfrutar dos mesmos direitos educacionais que os homens.

O movimento de libertação das mulheres modernas na China é resultado da colisão entre as culturas chinesa e ocidental. As escolas da igreja treinaram não apenas um grupo de clérigos e seguidores leais, mas também profissionais do sexo feminino, contribuindo ainda para o despertar da consciência feminista no século XX.

(45)

Capítulo III - O despertar da consciência

feminina no início do século XX

(46)

III.1 Introdução ao feminismo ocidental

Segundo Margaret Walters39, a palavra “feminismo” surge em inglês na década

de 1890, a partir da expressão francesa. Ao longo dos séculos e em muitos países diferentes, as mulheres manifestaram-se em defesa do seu género e articularam, de diferentes maneiras, as suas queixas, necessidades e esperanças (Walters, 2005, p. 1). O feminismo foca-se principalmente no estatuto, nos direitos das mulheres e na igualdade em relação ao sexo masculino. A problemática que mais preocupa as feministas relaciona-se com “igualdade”. A igualdade é o objetivo, o valor supremo perseguido pelo feminismo e o ponto de partida de todas as ideias feministas (Li, 2016, p. 154).

De acordo com o livro Feminism: A Very Short Introduction, de Margaret Walters, o feminismo ocidental tem uma relação com a religião. No final do século XI, Hildegarda de Bingen, também conhecida como Sibila do Reno, uma freira europeia, adquiriu conhecimento num mosteiro feminino e começou a pregar. Esta foi a primeira voz feminina no contexto religioso, antes disso, as mulheres tinham sido excluídas desses assuntos. Várias mulheres foram julgadas no século XV pelas suas ações “não femininas” (como explicar a Bíblia ou ser linguista), excluídas do grupo de cidadãos e rotuladas de "irracionais". A luta das mulheres pelos direitos humanos também levou muito tempo (Walters, 2005, pp. 10-50).

A génese do feminismo ocorreu nos séculos XV, XVI e XVII. As mulheres afirmaram que, como sujeitos racionais e dignos, elas deveriam ser respeitadas pelos outros e receber educação. A “primeira onda” do feminismo começou no final do século XVIII e continuou até o início do século XX, em países como a França, o Reino Unido, o Canadá, os Países Baixos e os Estados Unidos. Essa onda conseguiu transformar muitas reivindicações centrais em instituições sociais e, ao mesmo tempo, incitou forte resistência e repressão (Donovan, 2012).

Este movimento de mulheres surgiu após a Revolução Francesa. No primeiro ano da Revolução Francesa (1789), algumas mulheres propuseram à Assembleia

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Nacional “direitos politicamente iguais entre homens e mulheres”, mas tal reivindicação não foi amplamente reconhecida na sociedade da época (Honma, 1935, pp. 2-10).

Em 1872 Mary Wollstonecraft, uma proto-feminista britânica, escreveu um livro intitulado Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher, uma das primeiras obras de filosofia feminista. Ali, dWollstonecraft criticou o pensamento de Rousseau e de outros por insultarem as mulheres (Li, 2018, Capítulo 1). O livro também enriqueceu o significado do feminismo para incluir a defesa de oportunidades iguais para homens e mulheres, a independência económica e a participação política das mulheres (Wollstonecraft, 1988).

Figura 8 - Capa da primeira edição de Uma Reivindicação dos Direitos da Mulher40

Na segunda metade do século XIX, surgiram alguns movimentos organizados no Ocidente, com o objetivo de melhorar a educação e as oportunidades de trabalho das mulheres, alterar as leis que envolviam os direitos das mulheres casadas e o direito

Imagem

Figura 1 - Nu Kua e Fu Xi 6
Figura 2 – Corpo da dinastia Song do Sul, no Museu de Fuzhou 15
Figura 3 - Sapatos de prata desenterrados de um túmulo da dinastia Song do Sul 16
Figura 4 - Pés-de-lótus na dinastia Ming e Qing 17
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Referências

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