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Capítulo IV Orientalismo e estereótipos

IV.2 As imagens das mulheres asiáticas

IV.2.2 Memórias de uma Gueixa

Pode-se dizer que a gueixa é outra imagem típica do Orientalismo. Como uma cultura tradicional antiga e misteriosa, a gueixa surge pela primeira vez no Japão no final do século XVII. Portanto tem uma história de mais de 300 anos. No início, a

profissão de gueixa era desempenhada por um homem, mais tarde substituído por mulheres com trajes e maquilhagem tradicionais. As gueixas não eram o mesmo que as prostitutas do Oriente, elas passavam por um processo de instrução rigoroso, aprendiam a cultura e artes tradicionais, como dança, canto ou a tocarem um instrumento musical. As gueixas não se casavam e raramente apareciam em público, as pessoas só podiam conhecer um pouco sobre as suas vidas em filmes ou na TV, o que exacerbou a curiosidade do Ocidente em relação a elas.

No início do século XX, muitas famílias pertencentes a uma classe cultural elevada orgulhavam-se por a filha conseguir entrar nessa profissão. No entanto, não era fácil crescer como uma gueixa qualificada. Quando uma menina tinha cerca de 10 anos, era enviada para a casa de gueixas (okiya) e iniciava um estudo sistemático que se prolongava por cinco anos ou mais. No Japão, os critérios para se ser uma gueixa eram muito exigentes e o custo de aprendizagem alto, não acessível a uma família da classe média. Além disso, o processo de aprendizagem era difícil, nem todas as gueixas conseguiam persistir. Após a década de 1970, sob o impacto da nova cultura popular, a indústria tradicional de gueixas diminuiu gradualmente de 80 mil no início do século XX, para menos de 2 mil nos dias de hoje. Todavia, como representante típica da cultura tradicional japonesa, a cultura das gueixas influenciou profundamente o Japão.

Enquanto essência da cultura japonesa, a gueixa tem a sua história específica. O filme Memórias de uma Gueixa (艺伎回忆录 , yìjìhuíyìlù) é um representante proeminente da imagem das mulheres orientais na perspetiva masculina e ocidental. A imagem da cultura tradicional da gueixa foi reescrita pela cultura ocidental, de acordo com os estereótipos dos média populares no Ocidente sobre a cultura oriental. O filme Memórias de uma Gueixa foi adaptado de um livro com o mesmo nome de Arthur Golden68. O livro é baseado na história de uma gueixa famosa em Kyoto,

Iwasaki, e conta a sua vida da perspetiva de um homem ocidental. Após a publicação, o livro foi traduzido para 32 idiomas e vendido em vários países. No entanto, no Japão, o livro e a adaptação do filme foram fortemente criticados. Golden não cumpriu o acordo de confidencialidade, usou o nome original da gueixa diretamente no prefácio do livro, foi levado ao tribunal por Iwasaki, o modelo de Sayuri no livro. Iwasaki acusou

Golden de distorcer os factos, a fim de atender à curiosidade dos leitores ocidentais, confundindo o conceito de gueixa com o de prostituta e violando a cultura tradicional japonesa (Iwasaki & Brown, 2003). Em 2003, ela publicou o livro Geisha of Gion, contando a sua história verdadeira; o livro foi distribuído no Japão com 250 mil cópias, exportado para a Europa e os Estados Unidos.

Figura 18 - Cartaz de Memórias de uma Gueixa69 Figura 19 - Capa do livro Geisha of Gion70

Aos olhos dos ocidentais, o mundo da gueixa oriental tem uma atmosfera exótica, misteriosa e distante. No início do filme, Sayuri, a heroína da história, resume a sua vida através do seguinte monólogo: “Uma história como a minha nunca deveria

ser contada, pois o meu mundo é tão proibido como delicado. Sem os seus mistérios, não pode sobreviver”71. Pode dizer-se que este mistério é uma mulher para um

homem, mas também é o Oriente para o Ocidente. A história conta que, na véspera da Segunda Guerra Mundial, Sayuri, uma menina de 9 anos, foi vendida a uma casa de gueixas pela sua pobre família. Para atrair a atenção do presidente que ela ama, com

69 https://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%B3rias_de_uma_Gueixa_(filme), consultado em 5 de maio de 2019.

70 https://www.amazon.com/Geisha-Gion-Japans-Foremost-Iwasaki/dp/074343059X, consultado em 5 de maio

de 2019.

a ajuda da famosa Mameha, tornou-se a gueixa mais popular daquela época. O filme construiu uma imagem de menina fiel, que está disposta a tudo por amor. A feminização e o exotismo do mundo oriental refletem-se em Memórias de uma Gueixa, em certo sentido, o filme é uma imaginação subjetiva da cultura das gueixas japonesas a partir da perspetiva ocidental.

A maior parte das personagens masculinas deste filme são nobres, têm estatuto alto, a existência das gueixas serve para atrair a sua atenção. Muitas cenas do filme criam uma atmosfera erótica do Oriente misterioso. É o caso da cena do leilão do direito à primeira noite de Sayuri, algumas ações sugerem atividade sexual das gueixas. Isso reflete uma filtragem seletiva sobre a cultura oriental. O filme formou um estereótipo sobre a imagem da gueixa oriental, confundiu gueixa com prostituta, expressando intencionalmente este conceito ambíguo: diz ao público ocidental que gueixa é uma profissão destinada a vender a virgindade e o corpo. Esta é uma compreensão unilateral da cultura das gueixas e também é uma negação do seu valor artístico e cultural.

Além de fomentar o estereótipo de que a gueixa é uma prostituta, o filme criou outro estereótipo: o de que a gueixa é uma escrava. O enredo do filme cria uma vida trágica das gueixas; Sayuri foi forçada a receber instrução, as gueixas não têm liberdade... Na verdade, no Japão, embora as gueixas devessem receber instrução rigorosa desde pequenas, elas recebiam uma educação de qualidade a que as japonesas comuns não tinham acesso. Através da aprendizagem de várias habilidades e de regras de etiqueta, as gueixas normalmente tinham acesso a uma cultura elevada. De facto, ser uma gueixa converteu-se numa maneira de as mulheres de famílias pobres receberem educação de qualidade e subirem na escala social.

Memórias de uma Gueixa apresenta a cultura das gueixas ao público, porém,

não apresenta a cultura oriental real, mas passa um estereótipo da cultura oriental à imaginação ocidental.