Impacto da pandemia no cuidado de crianças e
adolescentes com câncer
A pandemia de covid-19 impactou fortemente os pacientes da pediatria com câncer em todo o mundo. Além dos prejuízos na assistência, como redução das equipes de atendimento, suspensão e/ou adiamento de consultas e procedimentos, e queda na taxa de diagnóstico precoce, a infecção pelo SARS-CoV-2 se mostrou mais grave e letal nesta população de pacientes. Estas e outras consequências da covid-19 foram discutidas durante a sessão científica do 17º Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica, realizada on-line no início de abril, com organização da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope).
Impactos indiretos
Um estudo publicado em maio de 2020 no periódico Lancet Oncology avaliou o impacto precoce da pandemia de covid-19 no cuidado de crianças e adolescentes com câncer na América Latina, revelando consequências importantes da pandemia sobre os serviços de saúde.
A pesquisa conduzida com 453 especialistas em oncologia pediátrica de 20 países, entre eles do Brasil, revelou que mais de 89% dos profissionais suspenderam ou adiaram consultas de acompanhamento ambulatorial.
Segundo o Dr. Guillermo Chantada, oncologista e hematologista do Centro Hospitalario Pereira Rossell, no Uruguai, e do Sant Joan de Déu Barcelona Hopital, na Espanha, houve ainda um impacto importante nos procedimentos ambulatoriais, nas cirurgias, na radioterapia, no transplante de células-tronco, entre outros.
A escassez de hemoderivados foi relatada por 79% dos entrevistados e mais de 87% dos médicos ouvidos acreditavam que a pandemia de covid-19 afetaria o prognóstico das crianças com câncer tratadas nas instituições de saúde em que atuavam.
A repercussão indireta da pandemia de covid-19 provavelmente foi a mais prejudicial para esses pacientes, principalmente por conta dos efeitos da crise sobre a oferta de serviços. Houve também uma redução nos diagnósticos e aumento nos diagnósticos mais tardios, o que impacta no prognóstico.
Resultados semelhantes foram observados também em âmbito global. Uma análise realizada com 311 profissionais de saúde de 213 instituições em 79 países identificou: redução nas cirurgias (72%), escassez de hemoderivados (60%), alterações em quimioterapias (57%) e suspensão de radioterapias (28%). A pesquisa mostrou que a indisponibilidade de agentes quimioterápicos, o abandono do tratamento e a suspensão de radioterapias foram mais frequentes em países de baixa e média renda do que nos países de alta renda.
A plataforma COVID-19 and Childhood Cancer Registry, criada pelo St. Jude Children's Research Hospital e pela International Society of Paediatric Oncology (SIOP), contém um registro global, que está sendo realizado de forma
colaborativa, dos casos de infecção por SARS-CoV-2 em pacientes oncológicos da pediatria.
Em abril, dados fornecidos por 48 países ultrapassaram 1.600 registros de casos de covid-19 em crianças e adolescentes com câncer. A prevalência de meninos com a infecção é um pouco maior. Quanto ao diagnóstico, há um predomínio de leucemia linfoblástica aguda (LLA) como doença de base, seguida por outros tumores hematológicos. Sobre a gravidade da infecção por SARS-CoV-2, na maioria dos casos o quadro foi assintomático, no entanto, a taxa de casos graves supera 11% e a de doença crítica ultrapassa 7%, o que indica que a covid-19 foi mais grave e crítica em crianças e adolescentes com câncer do que naqueles sem doença oncológica.
Mas, nem todos os pacientes pediátricos com câncer tiveram o mesmo desfecho após a infecção. Os dados do registro global mostram que a doença foi mais grave em pacientes com leucemia linfoblástica aguda ou linfoma não Hodgkin. Crianças com tumores sólidos tiveram menos gravidade quando acometidas pelo SARS-CoV-2.
Cerca de 3% dos pacientes pediátricos oncológicos morreram após a infecção pelo coronavírus, sendo que mais de 60% destas crianças tinham LLA (leucemia linfoblástica aguda) como doença de base.
Outro fator associado a óbito foi a baixa contagem de linfócitos. Em mais de um terço dos casos fatais, a contagem dessas células foi < 100/mm3. Outro dado diz respeito ao transplante de células-tronco: entre os que morreram, quase 20% fizeram o procedimento.
A pesquisa mostra que pacientes adultos com infecção por SARS-CoV-2, grave ou não, têm apresentado linfopenia com frequência. A neutrofilia, por sua vez, tem sido verificada frequentemente nos casos mais graves.
Atualmente já existem marcadores de gravidade em pacientes adultos (D dímero aumentado, alteração do coagulograma, fribrinogênio aumentado, etc), no entanto, ainda faltam estudos desse tipo em pacientes pediátricos principalmente porque o número de casos em crianças é muito menor.
Uma revisão da literatura aponta que em crianças com covid-19, os casos graves apresentaram mais frequentemente leucocitose e anemia, seguidas de neutrofilia, linfocitose e linfopenia.
Em estudo realizado pela Dra. Sandra Regina (hematologista do Hospital Sabará) foram avaliadas 93 crianças com covid-19 entre 0 e 10 anos de idade, com mediana de idade de 19 meses. A avaliação das alterações hematológicas no hemograma inicial desses pacientes revelou que os pacientes com quadros graves apresentaram com mais frequência neutrofilia, linfopenia, atipia linfocitária, eosinopenia, diminuição de plaquetas, monocitose e diminuição da relação plaquetas/linfócitos, mas, apesar desses achados, não houve correlação estatística em termos de gravidade.
Um estudo retrospectivo feito em Nova York com bebês com menos de dois meses de idade também revelou linfopenia em 60% dos casos.
Como os casos são poucos em crianças, os pesquisadores precisam unir esforços e serviços para ampliar as investigações.
Referências https://www.nytimes.com/2021/05/09/world/india-covid-mucormycosis.html?smid=fb-nytimes&smtyp=cur https://www.cbc.ca/news/world/india-doctors-covid-19-fatalities-1.6019816 https://www.reuters.com/business/healthcare-pharmaceuticals/who-designates-india-variant-being-global-concern-2021-05-10 Publicado em 18/05/2021
