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MESTRADO EM DIREITO E SEGURANÇA

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Academic year: 2019

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Dissertação de Mestrado

O PROCESSO DE (DES)RADICALIZAÇÃO NA EUROPA: A Resposta da França, Alemanha e Bélgica após os ataques de 2015

Autor:Maria Luís Barbosa

Orientador: Prof. Doutor Felipe Pathé Duarte

Lisboa, 15 de março de 2018

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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito

Mestrado em Direito e Segurança

Título da Dissertação:

O Processo de (Des)Radicalização na Europa: A Resposta da França, Alemanha e Bélgica após os ataques de 2015

Autor:

Maria Luís Barbosa

Professor Responsável pelo Mestrado:

Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia

Professor Orientador:

Professor Doutor Felipe Pathé Duarte

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DECLARAÇÃO ANTIPLÁGIO

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REGRAS DE ESTILO

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AGRADECIMENTOS

Dedico esta tese àquele que a tornou possível, do início ao fim. Ao meu orientador, Professor Dr. Felipe Pathé Duarte que, provavelmente sem se aperceber, no início deste percurso académico nos presenteou com um brilhante Seminário, ainda estava eu a absorver todos os temas e matérias tão interessantes quanto abrangentes neste Mestrado em Direito e Segurança. A sua explicação foi tão aliciante quanto clara e desde esse momento soube o caminho que queria seguir para satisfazer a minha sede de conhecimento pela segurança internacional. Só alguém que fale com tanta paixão e saber consegue transmitir o que ficou em mim. A curiosidade por este tema e o culminar desta dissertação a ele se devem e espero estar à altura da confiança que em mim depositou. Por isto e por tudo mais, obrigada Professor.

Um último ciclo se fecha com a entrega desta dissertação. E nada seria possível sem as pessoas que me acompanharam neste caminho. Sortuda o suficiente para não conseguir enumerar todos aqueles que em mim acreditaram, que este trabalho vos fique como prova de que as vossas palavras sempre tiveram efeito em mim. Que a minha também tenha efeito em vós, ainda que “obrigada” esteja muito aquém daquilo por que vos sou grata.

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RESUMO

Em janeiro de 2015 a França acordou para um ano repleto de violência, estendendo-se a toda a Europa uma sensação de ameaça latente e cujas consequências ainda se sentem. Palco de ataques e perseguições, os acontecimentos em 2015 e 2016 de que a Europa foi alvo vieram reforçar a necessidade de combater a ameaça terrorista. A par da França, a Alemanha e a Bélgica foram dos EM mais afetados durante estes dois anos, provando a falibilidade das medidas de combate ao terrorismo. A violência de que a Europa foi alvo, veio mostrar que as políticas existentes não produziram os resultados desejados. As abordagens adotadas por estes Estados revelaram-se insuficientes perante a complexidade da ameaça, obrigando-os a rever a sua atuação. Compreender o paradigma de atuação dos referidos Estados é o objetivo último desta dissertação, que ao longo das suas páginas procurará apresentar os motivos que levam os indivíduos a cometer estes atos e os processos que os fazem afastarem-se da violência.

Tendo esta tese por objetivo contribuir para uma melhor compreensão e combate da radicalização violenta na Europa, espera-se que no final sejamos capazes de identificar os problemas subjacentes a este processo e a melhor forma de reagir perante aqueles que justificam a sua atuação e legitimam o uso da violência com base numa ideologia de inspiração religiosa e retórica extremista.

Palavras-Chave: Radicalização, Desradicalização, Contra Radicalização, Jihadismo, França, Alemanha, Bélgica

ABSTRACT

In January 2015 France awoke to a year full of violence, leading to a sense of latent threat and whose consequences spread across all Europe and can still be felt. Stage of attacks and persecutions, the events in 2015 and 2016 in which Europe was the target, came to reinforce the need to combat the terrorist threat. Alongside France, Germany and Belgium were the most affected Member-States during these two years, proving the fallibility of the measures to combat terrorism. The violence that Europe has been suffering show us that the existing policies have not produced the desired results. The approaches adopted by these States proved insufficient in the face of the complexity of the threat, forcing them to revise their actions. Understanding the operative paradigm of these States is the goal of this dissertation, which throughout its pages will seek to present the reasons that lead individuals to commit these acts and the processes that make them move away from violence.

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process and the best way of reacting to those who justify their performance and legitimize the use of violence based on an ideology of religious inspiration and extremist rhetoric.

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ÍNDICE DE ABREVIATURAS

AI – Amnistia Internacional

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

EI –Estado Islâmico

EM – Estado(s)-Membro

EUA - Estados Unidos da América

ODH – Observatório dos Direitos Humanos

ONU – Organização das Nações Unidas

TIC – Tecnologias da Informação e da Comunicação

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ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO ... 10

II. UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DE TERRORISMO ... 12

O Terrorismo e a Instrumentalização da Violência ... 13

O Terrorismo e a Questão Jurídico-Penal ... 15

O Terrorismo segundo o Conselho Europeu ... 17

III. A RADICALIZAÇÃO PARA O TERRORISMO ... 19

O Jihadismo... 22

IV. O TERRORISMO: NÍVEIS DE ANÁLISE ... 25

Nível Micro ... 25

Nível Macro ... 26

Nível Meso ... 27

V. OS MODELOS DE RADICALIZAÇÃO ... 30

The Prevention Pyramid... 30

The New York Police Department Four Stage Process ... 31

Marc Sageman’s Four Stage Process ... 32

Taarnby’s Eight Stage Recruitment Process ... 33

Gill’s Pathway Model ... 34

Wiktorowicz’s al-Muhajiroun Model ... 34

McCauley and Moskalenkos’s Twelve Mechanisms Model ... 35

Moghaddam’s Staircase to Terrorism ... 37

VI. O COMBATE À RADICALIZAÇÃO E AO TERRORISMO ... 38

Desvinculação e Desradicalização ... 40

Contra Radicalização ... 47

VII. MODELOS DE CONTRA RADICALIZAÇÃO ... 50

VIII. O COMBATE AO EXTREMISMO JIHADISTA NA EUROPA ... 54

França ... 56

Alemanha ... 59

Bélgica ... 61

IX. Análise Comparativa ... 64

Estratégias Militares ... 65

Estratégias de Justiça Criminal e Segurança ... 65

Estratégias Não-Violentas ... 69

Considerações Críticas ... 71

X. CONCLUSÃO... 75

XI. REFERÊNCIAS ... 77

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I. INTRODUÇÃO

Enquanto cidadãos europeus deveríamos poder orgulhar-nos de afirmar que no século XXI vivemos numa sociedade evoluída, civilizada e onde a liberdade e segurança são uma realidade para todos. Porém, a história da Europa com a violência está longe de terminada. Os ataques terroristas de que o território europeu tem sido alvo nos últimos anos vieram provar que existe um longo caminho a percorrer até àquela realidade. Longe de ser novidade para a Europa a ameaça que o terrorismo representa, os Estados enfrentam agora um tipo de violência sem precedentes, tão arbitrária quanto imprevisível. Inspirada numa retórica que justifica a sua ação com preceitos religiosos e que rejeita a civilização ocidental, a propagação da ideologia jihadista tem sido alvo de uma crescente preocupação por parte dos Estados.

Em janeiro de 2015 a França acordou para um ano repleto de violência, estendendo-se a toda a Europa uma sensação de ameaça latente e cujas consequências ainda se sentem. Palco de ataques e perseguições, os acontecimentos em 2015 e 2016 vieram reforçar a necessidade de combater a ameaça terrorista. A par da França, a Alemanha e a Bélgica foram dos EM mais afetados durante estes dois anos, provando a falibilidade das medidas de combate ao terrorismo por estes aplicadas. A violência de que a Europa foi alvo veio mostrar que as políticas existentes não produziram os resultados desejados, revelando-se assim insuficientes as abordagens adotadas por estes Estados perante a complexidade da ameaça, o que os obrigou a rever a sua ação.

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interesse explorar aqui esta questão e sobre ela dissertar, contribuindo para uma maior consideração das medidas preventivas enquanto prioridade no combate a esta ameaça.

Apesar de há muito debatida, a questão da radicalização violenta e do terrorismo tem sido uma realidade constante, principalmente após os ataques aos Estados Unidos em 2001 e na Europa em 2004 e 2005. Mais recentemente, com os atentados à Europa nos últimos anos, o nosso quotidiano tem sido invadido por temas como o jihadismo, o terrorismo global, a al-Qaeda ou o autoproclamado EI. Estes representam uma nova e complexa ameaça à ordem securitária internacional, exigindo uma compreensão holística do problema. Assim, numa primeira parte, serão descritos os conceitos em torno dos quais esta dissertação irá discorrer, analisando o tema da radicalização e das dificuldades inerentes à sua compreensão. Nesta fase serão apresentadas as várias conceptualizações existentes para conceitos como terrorismo, radicalização e extremismo, bem como descritas as diferentes abordagens ao processo de radicalização e apresentados os modelos propostos pela literatura para analisar a progressão dos indivíduos ao longo deste processo.

Numa segunda etapa, compreendidas as questões subjacentes ao processo de radicalização, a tónica será colocada nas medidas existentes para reverter este fenómeno. É neste segundo ponto que será posta em evidência a possibilidade de desradicalização e de reversão do processo, elencando as diferentes teorias e modelos existentes. Aqui explorar-se-ão as diferentes teorias propostas pela doutrina, que atuam tendo em conta um diverso número de fatores, apresentando as estratégias de prevenção e de combate à radicalização. Admitindo que a luta contra o terrorismo deve compreender várias estratégias de atuação, serão aqui apresentados aqueles modelos que mais se aproximam ao cerne deste trabalho, não olvidando a importância devida a outros contributos não desenvolvidos. O objetivo passará por identificar aquelas respostas que se revelem como mais promissoras de gerar uma alteração na tendência de radicalização dos indivíduos, seja por métodos de persuasão punitiva, de prevenção ou de reintegração.

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se houve espaço para a introdução de novas medidas, enfatizando aquelas que promovem o recurso a respostas não coercivas de combate ao terrorismo. Tentaremos aqui provar que este último tipo de abordagem foi priorizado e que a atenção dos Estados já não se foca somente na reação militar e combate repressivo, mas que abraça agora medidas que visam a prevenção da radicalização através do envolvimento da comunidade na resolução do problema.

De modo a contribuir para o estudo do processo de desradicalização na Europa, pretendemos demonstrar que as medidas não violentas devem ser aplicadas pelos Estados a par com outras medidas de combate. Acreditando que se pode travar a ascensão da ideologia islamita através da prevenção e da participação da sociedade civil, ressalva-se que a proximidade aos acontecimentos não nos permite ainda retirar conclusões sobre a eficácia das medidas aplicadas nas jurisdições em análise. Pretendemos assim ponderar o recurso dos Estados a este tipo de medidas de desradicalização, procurando através de uma análise crítica das políticas por estes aplicadas contribuir para uma visão mais completa do problema da erradicação do jihadismo na Europa.

II. UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DE TERRORISMO

“O terrorismo tornou-se parte de nossa dieta diária de notícias. Dificilmente um dia se passa sem notícias de um assassinato político, rapto, sequestro ou bombardeamento em algum lugar do mundo. Como tal, os incidentes de terrorismo têm aumentado na última década, o fenómeno do terrorismo tornou-se uma preocupação crescente para os governos e de crescente interesse para os estudiosos” (Jenkins, 1980).

Assim inicia Jenkins no início da década de 80 o seu trabalho sobre as dificuldades na definição de terrorismo. Ainda que escritas há quase quarenta anos, estas afirmações mantêm-se atuais e a procura por uma definição concreta de terrorismo mostra-se tão ou mais complexa do que outrora. O conceito de terrorismo não é novo na literatura, sendo possível encontrar referências ao mesmo já no século XVIII, conforme nos diz o autor num trabalho mais recente (Jenkins, 2006). Porém, aquilo que é considerado terrorismo tem vindo a mudar. Fruto das alterações culturais e sociais de que o mundo é alvo, Jenkins (2006) argumenta que o terrorismo é um construto social generalizado, que deriva dos nossos conceitos de moralidade, justiça e regras de combate, onde, em última análise, os terroristas são assim considerados de acordo com os valores culturais, ideológicos e políticos referentes à sua época e contexto social.

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sangrentos. A forma como estas organizações obtêm recursos económicos também mudou. Atualmente, as organizações terroristas mostram-se cada vez menos dependentes do financiamento estatal, suportando-se através de outros métodos de financiamento como a criminalidade organizada. As outras distinções que o autor aponta consistem na utilização de um novo modelo de organização e na sua capacidade propagandística e de campanha que se estende a nível mundial socorrendo-se dos novos meios de comunicação e informação para fazer valer as características anteriores, alterando consequentemente a sua estratégia de atuação.

O Terrorismo e a Instrumentalização da Violência

Como vimos, o aumento do uso da violência é um dos fatores que caracteriza o terrorismo deste novo século. Contudo, se o terrorismo implica o uso da violência, o uso da violência nem sempre se traduz num ato de terrorismo. Distinguir estas formas de violência é um dos pontos fulcrais para uma aproximação da compreensão do terrorismo. Ruby (2002) argumenta que existem três critérios chave que permitem distinguir o terrorismo de outras formas de violência, de acordo com a análise que faz da definição proposta pelo Departamento de Estados dos EUA. O autor explica que o terrorismo é definido como uma violência cujas motivações são de cariz político, perpetrada contra alvos civis ou não-combatentes, normalmente com o intuito de influenciar uma determinada audiência. A acrescentar a estes três critérios, o autor defende que se pode acrescentar mais dois que caracterizam este tipo de terrorismo típico do século XXI e que podem ser encontrados na literatura por eles revista, socorrendo-se do trabalho de Kaplan (1981, cit in Ruby, 2002) e Oots (1990, cit in Ruby, 2002) respetivamente.

Ruby (2002) explica que o primeiro critério se traduz na pretensão que os atos terroristas têm de provocar um estado constante de medo e insegurança no espírito da população. Isto é, tais atos, mais do que gerarem o medo imediato sobre a população, por serem imprevisíveis, também procuram deixar uma sensação de medo e ameaça latente, que se prolonga pelo tempo, muito após o ato ter sido cometido. Consequência disto, o autor acrescenta o último critério, defendendo que o ato terrorista procura afetar não só o público alvo atingido durante o atentado como se estende à generalidade da população, afetando as vítimas diretas e originando vítimas indiretas, instaurando uma sensação de medo generalizada.

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ou levado a cabo com o intuito de alterar, ou pelo menos manter, uma eventual norma numa unidade territorial ou populacional. Em segundo, as caraterísticas de tal ato devem ser sigilosas, furtivas ou clandestinas, de modo a que permitam aos seus participantes manter a sua identidade pessoal ou a sua localização em segredo. O terceiro critério elencado pelo autor exige que o ato não tenha sido levado a cabo ou ordenado para promover a defesa permanente de determinada área. O quarto elemento, diz-nos que tal ato é considerado terrorista quando se afasta do tipo de guerra convencional. Pelas caraterísticas deste tipo de ataques, pela dissimulação da identidade e da localização dos participantes, assim como do tipo de ameaças que representam e da sua facilidade de locomoção, os indivíduos percecionam-se como menos vulneráveis à ação militar convencional. Finalmente, tal ato é percebido pelos indivíduos que nele participam como um contributo para o objetivo normativo que pretendem implementar, incutindo o medo da violência na população, que não é necessariamente o alvo imediato da violência ou da ameaça do seu uso.

Aproximando-se destas definições, Moghaddam (2015) propõe-nos que o terrorismo pode ser percebido como uma forma de violência politicamente motivada, perpetrada por indivíduos, grupos ou outro tipo de agentes, que poderão estar ligados a algum governo ou Estado, com o intuito de incutir o sentimento de insegurança e terror na população, de modo a influenciar o processo de decisão e alterar o comportamento da mesma.

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O Terrorismo e a Questão Jurídico-Penal

Se a definição de terrorismo é uma tarefa árdua para os académicos que estudam esta realidade, do ponto de vista jurídico a dificuldade não é menor para os legisladores. A punição de atos considerados terroristas é uma das estratégias que, como veremos mais adiante nesta dissertação, os governos têm vindo a reforçar após os acontecimentos dos últimos anos. Perante isto, surge a necessidade de se considerar o ataque terrorista como um crime por si só, ou como um conjunto de atos criminosos. Isto é, deverá um ato, no seu todo, ser considerado uma infração penal, ou dever-se-á ter em conta todo o conjunto de atos que, quando analisados separadamente, constituem eles mesmos não um, mas vários tipos de crime? Para ajudar na compreensão desta questão, Walter (2003) expõe os problemas da definição de terrorismo na legislação nacional e internacional.

Walter (2003) explica-nos que para compreender o terrorismo devemos ter em conta os elementos objetivo e subjetivo que fazem parte da sua definição. Explica-nos que, se o primeiro elemento implica que se tenha cometido um crime a uma determinada escala, o segundo já se refere às motivações e intenções do indivíduo aquando do cometimento de tal crime. Este primeiro elemento relaciona-se normalmente com a utilização da violência contra as pessoas. Contudo, ressalva o autor, não é necessariamente obrigatório que esta violência se direcione especificamente a um grupo de pessoas, podendo, como alguns países assim entenderam, ser considerada toda a violência que coloque o público em risco. Isto não implica necessariamente uma utilização da violência diretamente sobre a população, incluindo-se aqui todas as ações e ameaças que coloquem em causa a validade e funcionamento de infraestruturas críticas, como as redes de distribuição de serviços (água, luz, gás) assim como as redes de transportes ou de comunicações. Fazendo uma análise dos diversos países que possuem uma definição legal para tais atos, Walter (2003) explica que existem países cujas definições englobam mais que a violência sobre as pessoas, incluindo outros atos de violência como a ameaça a infraestruturas críticas ou a perturbação do bom funcionamento da democracia.

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como terrorista não devemos ter só em conta as consequências que teve na população, mas sim entender também quais as verdadeiras intenções desse ato, para podermos assim considerar se estamos perante uma tentativa de subversão do sistema ou não.

Após a análise de várias definições propostas por diversos países nos diversos continentes, Walter (2003) conclui que um dos aspetos mais consensuais no elemento subjetivo do terrorismo consiste na pretensão de instalar o medo e a insegurança entre a população. Do mesmo modo, considera que este intuito, ainda que não seja óbvio, deve estar implícito na definição de terrorismo, correndo o risco de se confundir outros atos criminosos de índole não terrorista. Continuando com a mesma linha de pensamento, argumenta o autor que, este tipo de atos, terão também como intenção exercer algum tipo de coerção sobre os governos, distinguindo-se da mera influência sobre os mesmos para que alterem a sua atuação. Se assim não fosse, facilmente se confundiria um protesto que visa influenciar o governo a tomar certas medidas com um ato de terrorismo. Assim sendo, o autor compreende que estes dois elementos (o sentimento geral de insegurança e a coerção do governo) ainda que não tenham que existir em simultâneo, são preponderantes para a definição de um ato como sendo de cariz terrorista. Correndo o risco de considerar como terrorismo outros atos que não preenchem os motivos e intenções de um ato terrorista, ainda que se possam assemelhar à primeira vista a um ato terrorista, o autor alerta para a necessidade de termos em conta os objetivos específicos que determinado ataque pretende atingir.

Para além destes dois aspetos, presentes na maioria das definições por ele analisadas, um outro elemento que Walter (2003) também identifica consiste no número de elementos que deverão estar implicados no ato para este ser considerado como terrorismo. Os números variam, tendo o autor observado que em algumas definições é necessário ser um ato perpetrado coletivamente para ser considerado de terrorismo, ao passo que outras dão espaço para a análise singular de cada caso, o que implica que um ato terrorista pode ser cometido por uma só pessoa desde que o mesmo preencha os outros requisitos anteriores.

Finalmente, um outro problema apontado pelo autor consiste no número de definições utilizadas pelos diversos Estados para considerar um ato como terrorista. Explica o autor que, se em alguns casos existe apenas uma definição presente na legislação para considerar tal ato como terrorista, noutros países é possível encontrar diversas definições entre os vários documentos legais que vigoram no seu território.

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Já na sua alínea b) surge a primeira tentativa, ainda que abstrata, de definição de um ato como terrorista, onde são contempladas outras ações que não estão incluídas nas convenções anexadas a tal documento. Se lermos a referida Convenção, a alínea b) do referido artigo propõe que, para além dos já considerados nas outras convenções, o terrorismo consiste em “atos cuja intenção é causar a morte ou graves danos físicos a um civil ou qualquer outra pessoa que não tenha uma papel ativo nas hostilidades numa situação de conflito armado, quando o propósito de tal ato, pela sua natureza ou contexto, é intimidar a população ou influenciar o governo ou uma organização internacional a fazer ou a abster-se de fazer determinada ação (International Convention for the Suppression of the Financing of Terrorism, 1999).

Esta análise levada a cabo por Walter acerca das dificuldades na definição do terrorismo a nível nacional e internacional ocorreu ainda antes de a Europa se ver a braços com a ameaça do jihadismo e do terrorismo de natureza autóctone pelo que o seu trabalho consiste na análise de legislação que hoje já se encontra mais específica e atualizada. Não pretendendo esta tese discorrer sobre a evolução histórica do conceito de terrorismo e como ele se foi adaptando à realidade em que vivemos hoje, importa só ressalvar porque aqui foi considerada a obra deste autor. Apesar de, como temos vindo a verificar, a definição de terrorismo ter sofrido alterações ao longo dos anos, onde se acrescentaram mais variáveis para a completa definição de tal ato, entendemos que ainda permanece como real a grande dificuldade na definição do mesmo. O número de elementos objetivos e subjetivos a ter em conta, bem como a volatilidade dos mesmos, numa concreta definição de terrorismo, não desapareceram com o decorrer dos anos e as diferentes atualizações à legislação são a prova disso mesmo. Pelo contrário, estas dificuldades permanecem atuais e mostram-se como obstáculos na definição e consequente combate ao terrorismo. Assim sendo, consideraremos a realidade europeia e o que os recentes acontecimentos têm implicado na alteração da legislação dos diferentes países em análise nesta dissertação que, por consequência dos vários atentados que têm sofrido, se viram obrigados a atualizar a sua legislação e a criar novas leis específicas de combate à ameaça de que são alvo.

O Terrorismo segundo o Conselho Europeu

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Ora, seguindo a linha de pensamento de Walter (2003), em que consideramos que para haver uma completa definição de terrorismo devemos atentar aos seus elementos objetivos e subjetivos, o presente diploma oferece uma consideração geral daquilo que deverá ser entendido como um ato terrorista. Assim sendo, a Decisão-Quadro 2002/475/JAI considera estarmos perante uma infração terrorista quando a mesma é cometida com o intuito de, pela sua natureza ou contexto, afetar gravemente um país ou uma organização terrorista, através da intimidação grave da população, do constrangimento indevido dos poderes públicos ou de organizações internacionais e da destabilização ou destruição das estruturas fundamentais políticas, constitucionais, económicas ou sociais de um país ou organização internacional. Deste modo, são considerados como elementos objetivos das infrações terroristas os atos praticados pelo seu autor que resultem em ofensas contra a vida, cujo resultado seja a morte de uma pessoa; as ofensas à sua integridade física; “o rapto ou a tomada de reféns; a provocação de destruições maciças em instalações governamentais ou públicas, nos sistemas de transporte, nas infraestruturas, incluindo os sistemas informáticos, em plataformas fixas situadas na plataforma continental, nos locais públicos ou em propriedades privadas, suscetíveis de pôr em perigo vidas humanas, ou de provocar prejuízos económicos consideráveis; a captura de aeronaves e de navios ou de outros meios de transporte coletivos de passageiros ou de mercadorias; o fabrico, a posse, a aquisição, o transporte, o fornecimento ou a utilização de armas de fogo, de explosivos, de armas nucleares, biológicas e químicas, assim como a investigação e o desenvolvimento de armas biológicas e químicas; a libertação de substâncias perigosas, ou a provocação de incêndios, inundações ou explosões, que tenham por efeito pôr em perigo vidas humanas; a perturbação ou a interrupção do abastecimento de água, eletricidade ou de qualquer outro recurso natural fundamental, que tenham por efeito pôr em perigo vidas humanas;” bem como a ameaça de praticar tais comportamentos (art. 1º, nº 1, decisão-quadro 2002/475/JAI).

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assim, nos referidos diplomas, que uma organização, ou grupo, terrorista, para ser considerada como tal, deverá consistir na “associação estruturada de duas ou mais pessoas, que se mantém ao longo do tempo e atua de forma concertada, com o objetivo de cometer infrações terroristas.” Continua o diploma, explicando que uma "associação estruturada designa uma associação que não foi constituída de forma fortuita para cometer imediatamente uma infração e que não tem necessariamente funções formalmente definidas para os seus membros, nem continuidade na sua composição ou uma estrutura elaborada” (art. 2º, nº 1, decisão-quadro 2002/475/JAI).

Por sua vez, a decisão de alteração 2008/919/JAI vem alterar o artigo 3º da decisão-quadro de 2002/475/JAI, que se refere às infrações relacionadas com grupos terroristas, acrescentado os atos praticados nas novas tecnologias da informação e comunicação. Com o advento da internet e a facilidade da comunicação, os Estados viram-se obrigados a reagir a esta nova realidade, pelo que se tornou necessário, entre outras, acrescentar outros elementos que, por via direta ou indireta, pudessem aumentar a ameaça ou a probabilidade da prática de atos terroristas.

Chegados a este ponto, consideramos que as propostas de definição do terrorismo acima apresentadas são suficientes para o entendimento pretendido neste trabalho. Admitimos que ainda existe muito trabalho a desenvolver para uma compreensão efetiva do tema e que qualquer contributo é importante para a concretização do mesmo. Contudo, e humildemente nos escusando, o propósito deste trabalho não passará por aferir a semântica do problema, ainda que não esqueçamos a sua importância, mas sim explorar as reações de determinados países perante os atos de terrorismo e os seus envolvidos. Como tal, no próximo capítulo iniciaremos a nossa exposição sobre a realidade europeia onde concretamente analisaremos o tipo de ameaça terrorista que motiva a escrita deste projeto.

III. A RADICALIZAÇÃO PARA O TERRORISMO

Na sua Estratégia de Segurança Interna (COM, 2015: 185 final), a UE afirma a sua intenção de erradicar por completo o terrorismo. A prioridade da sua atuação passa pela prevenção de ataques terroristas e isto só é possível se se abordar e impedir a radicalização e o recrutamento com fins terroristas. Definir radicalização torna-se, portanto, necessário se queremos entender a ameaça e combatê-la.

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Apesar de ser um fenómeno relativamente recente nas suas configurações atuais, Della Porta e LaFree (2012) referem que o termo radicalização já era utilizado na década de 70 no contexto da violência política que surgia nas democracias mais avançadas da época, servindo para evidenciar as dinâmicas processuais (o aumento gradual da violência) e de interação social que levavam à formação de grupos maioritariamente violentos e clandestinos.

Alguns autores definem assim radicalização de um ponto de vista comportamental, pelo uso da violência política enquanto instrumento para atingir objetivos políticos. Outros incluem as crenças e atitudes na sua definição, englobando tanto aqueles que praticam atos de violência como aqueles que suportam tais atos (Kuhle e Lindekilde, 2009).

Contudo, o termo adquiriu maior relevância após os atentados de Madrid e Londres, quando a Europa se viu a braços com uma nova realidade cuja ameaça provinha do seu próprio território. Diferente dos atentados às Torres Gémeas, onde a ameaça procedia de um país estrangeiro, este novo tipo de terrorismo, conhecido como terrorismo de natureza autóctone, caracteriza-se pelo facto de ser praticado por indivíduos que nasceram e cresceram no país que pretendem atacar (Sedgwick, 2010).

O relatório divulgado pelo TSG Foreign Fighter, diz-nos que em junho de 2014 cerca de 2500 indivíduos de países da Europa Ocidental viajaram para a Síria para combaterem. 18 meses depois, em dezembro de 2015, este número aumentou para o dobro. As estimativas indicam que mais de 5000 pessoas de EM da UE viajaram para a Síria em 2015 (Soufan Group, 2015). Torna-se percetível a efetividade da retórica extremista para a prossecução deste movimento jihadista global. Citando Jenkins (2007), “mais do que um concurso militar, a campanha da jihad é, acima de tudo, um empreendimento missionário”. Além dos seus propósitos imediatos de instalar o medo através da demonstração da sua força e violência, o autor salienta a importância que o incitamento e a atração de novos membros têm nas operações terroristas. Segundo o autor, para lá de preencher as necessidades operacionais, o recrutamento consiste num fim em si mesmo, na capacidade de criar uma nova mentalidade.

Compreender esta nova ameaça torna-se pois importante para definir a estratégia de defesa e segurança da UE face a uma ameaça que já não é externa, mas que prolifera no seu interior. Deste modo, o processo que ocorre até tomarem a decisão de perpetrar um atentado contra o seu próprio país é de suma importância se queremos reverter tal tendência que se afigura como cada vez mais comum na Europa. Assim, importará clarificar o conceito de radicalização enquanto processo que leva ao extremismo violento e a atos de terrorismo.

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processo de interação entre grupos violentos e o seu ambiente, como um efeito da interação entre atores mutuamente hostis (Della Porta e LaFree, 2012).

Importará, do mesmo modo, distinguir radicalização de radicalização violenta. Pressman (2016), numa apresentação sobre um instrumento de avaliação do risco de radicalização violenta, define a radicalização como um processo de adoção ou promoção de ideologias ou crenças extremistas com o intuito de desenvolver uma mudança ao nível político, social ou religioso. Por sua vez, a radicalização violenta consiste no processo de adoção de um sistema de crenças extremista, com a legitimação e a justificação do uso da violência como meio para alcançar objetivos políticos, sociais ou religiosos. Aqui o autor diz-nos que o uso da violência se justifica enquanto meio para atingir um fim, conduzindo ao extremismo violento. Ora, se o primeiro conceito está ao nível das crenças e atitudes, o segundo já supõe um comportamento violento e o uso da força para expressar essas crenças e atitudes.

De acordo com McCauley e Moskalenko (2008), podemos ter duas perspetivas sobre o processo de radicalização. Por um lado, podemos ter uma visão mais funcional, onde a radicalização política consiste no aumento da preparação e do compromisso para a participação em conflitos intergrupais, e por outro uma mais descritiva, onde radicalização significa uma mudança nas crenças, sentimentos e comportamentos em direções que vão justificando a violência intergrupal e demandam sacrifício na defesa do grupo.

Na mesma linha de pensamento, Della Porta e Lafree (2012) consideram a radicalização como um processo que se caracteriza pelo aumento do envolvimento e do uso de meios e estratégias de violência em conflitos políticos. Os mesmos autores atentam em duas dimensões deste termo, defendendo que a radicalização consiste num padrão de comportamentos e de atitudes levados a cabo por determinado indivíduo. Estes defendem que estas duas dimensões da radicalização (comportamentos e atitudes) estão intimamente ligadas, mas não dependem necessariamente uma da outra. As atitudes radicais nem sempre precedem ou implicam atos de violência e, do mesmo modo, os atos de violência não implicam a concordância com objetivos radicais, podendo ser motivados por relações pessoais ou pela lealdade a um grupo.

Apesar da inexistência de uma unanimidade na definição do conceito de radicalização, todos os autores estão de acordo que a radicalização se trata de um processo evolutivo (Sageman, 2008; Borum, 2011; Della Porta, 2009; Jenkins, 2007; McCauley e Moskalenko, 2008; Pisoiu, 2013; Schmid, 2013; Della Porta e LaFree, 2012; Sedgwick, 2010). Um processo gradual, cuja característica principal consiste na linearidade (Schmid, 2013) e que se desenvolve ao longo de várias fases, que não são claramente distintas (Kuhle e Lindekilde, 2009).

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seja radical e extremista mas o oposto nem sempre se verifica (Sedgwick, 2010). A radicalização nem sempre implica extremismo e, consequentemente, nem sempre implicará que um radical seja terrorista. Depende de onde o indivíduo se coloca face ao problema, sendo considerado radical comparativamente à opinião da maioria, o que o torna um conceito relativo e que nem sempre conduz à violência política (Schmid, 2013). Um radical será assim entendido como uma pessoa que abriga um desejo profundo de provocar mudanças sociopolíticas fundamentais, sendo a radicalização entendida como uma crescente disponibilidade para prosseguir e apoiar mudanças de longo alcance na sociedade, que entrem em conflito ou sejam uma ameaça direta à ordem existente (Dalgaard-Nielsen, 2010).

Já um extremista, conforme Schmid (2013), poderá ser caracterizado como um ator político que repudia o Estado de direito e rejeita o pluralismo na sociedade. Os extremistas esforçam-se para criar uma sociedade homogénea, baseada em princípios ideológicos rígidos e dogmáticos. Segundo o autor, estes procuram tornar a sociedade conformista através da supressão da oposição e subjugação das minorias. Por sua vez, os radicais aceitam a diversidade, acreditando no poder da razão e não em dogmas. A radicalização violenta consistirá, deste modo, num processo de socialização para o extremismo que se manifesta em terrorismo (Sedgwivk, 2010). Schmid (2013) defende ainda que o radicalismo, por contraposição ao extremismo, é reversível, na medida em que os militantes radicais podem se inserir novamente na opinião da maioria, o que se torna mais difícil de verificar em relação aos extremistas.

Vemos portanto que quando se fala em radicalização existem logo alguma conceitos que surgem associadas à mesma, como o uso da violência, as ideias extremistas, o islamismo ou o terrorismo (Pisoiu, 2013). Ainda que relacionados, como temos vindo a verificar, estes conceitos são independentes, na medida em que cada um pressupõe características e dimensões diferentes, apesar de encontrarem alguns pontos de convergência.

O Jihadismo

O termo jihadismo é relativamente recente quer na literatura ocidental, quer na literatura islâmica (Duarte, 2011) e a sua conceptualização é algo controversa (Duarte, 2011; Cannata, 2014). A expressão, que resulta do preceito islâmico de jihad, pode-se definir sucintamente como sendo a luta ou guerra pelo Islão (Duarte, 2011). Apesar de estar cheio de simbolismo religioso, em muitos aspetos o significado de jihad tem sido maculado por organizações terroristas que fazem uso do termo para justificar a violência utilizada em prol da sua missão ideológica e política (Cannata, 2014).

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2015; Duarte, 2015). Enquanto luta interna, a jihad maior centra-se no indivíduo, que se deve esforçar para superar desejos e tentações (Cannata, 2014). Sendo uma luta interior, de melhoria espiritual e religiosa (Anes, 2015), procura ir contra os inimigos da vida imaterial, numa luta contra o mal e o egoísmo (Duarte, 2015). Por seu turno a jihad menor, ou externa, consiste na luta armada contra o inimigo do Islão (Duarte, 2015), salientando a obrigação coletiva para travar a guerra santa contra os infiéis, a fim de garantir a possibilidade de existência da Ummah1 (Gould, 2005; Janbek, 2011 cit in Cannata, 2014; Duarte, 2015).

Também referido como terrorismo islamita2, Duarte (2015) afirma que o jihadismo afastou-se do islamismo enquanto combate político e radicalizou-se. Defende agora uma utopia, visando a aniquilação total do inimigo, sendo este o fundamento para uma ação violenta. Esta forma de jihad externa é vista como uma obrigação para todos os muçulmanos, que devem combater o inimigo e defender a ummah (Cannata, 2014; Anes, 2015; Duarte, 2015). Esta versão de combate defende que o Islão só vingará pela espada, (Duarte, 2015), sendo a base ideológica de organizações terroristas como a al-Qaeda ou o EI, que pretendem uma jihad global, priorizando a luta contra o inimigo longínquo, em vez do próximo (Cannata, 2014).

Procurando instaurar um verdadeiro Estado Islâmico (califado), este movimento tem como objetivo a alteração do status quo vigente, construindo esta narrativa em torno de dois pilares fundamentais: a rejeição da modernidade ocidental e a restauração da função política da religião. Justificam o uso da violência como única maneira de repor os valores islâmicos e instaurar um califado - o primeiro passo para uma verdadeira islamização do mundo (Duarte, 2015).

A tendência em direção a uma missão global, ao invés de uma luta que se concentra no ambiente imediato dos grupos, está enraizada nesta conceção da jihad externa (Cannata, 2014), que procura contrariar o ocidente e a modernização da sociedade. É neste discurso que encontramos fundamentos para a expansão do jihadismo a nível mundial, à qual se associa uma ideologia de grande fervor religioso, assente num plano de dominação política global (Anes, 2015).

Encontra-se assim uma justificação para o uso da violência, que gira em torno de uma retórica com fundamentos religiosos e pretensões políticas. De acordo com Duarte (2015), este discurso do jihadismo global pode ser articulado em torno de quatro premissas essenciais. Em primeiro lugar, esta retórica parte do pressuposto que os muçulmanos estão sob ataque pelos não muçulmanos e que só organizações como a al-Qaeda ou o EI é que combatem estes inimigos. Isto leva-nos à segunda

1 O conceito de ummah refere-se à comunidade, representando a comunidade islâmica mundial (Duarte, 2015)

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premissa, que indica estas organizações como a “vanguarda da suposta sublevação dos muçulmanos oprimidos”, procurando a adesão maciça à causa como um dos meios de efetivar a revolução. Por sua vez, a terceira premissa evidencia o conteúdo político dos discursos em temas como a opressão ou a pobreza que, disfarçados pela religiosidade, facilitam a adesão e justificam ações violentas. Esta religiosidade leva-nos à última premissa que consiste na utilização de conceitos religiosos, deformando o seu conteúdo, para justificar ações e mascarar as razões políticas do movimento.

Na mesma linha de pensamento, Sageman (2008) diz-nos que a radicalização (violenta) consiste num “processo de transformação dos indivíduos de origens bastante triviais e comuns em terroristas com a vontade de usar a violência para fins políticos.” Existe um certo sentimento de indignação moral nos aparentes crimes contra os muçulmanos, que são tema comum entre os terroristas tanto a nível global como localmente. Este ultraje é interpretado de forma específica, ou seja, essa violação moral é entendida como fazendo parte de uma guerra global contra o Islão. Para o autor esta ideologia torna-se assim apelativa para certas pessoas porque tem ressonância com a sua própria experiência pessoal de discriminação, fazendo-os sentir que também eles são vítimas desses ataques.

Por fim, distinguindo radicalização de recrutamento, Jenkins (2007) define o primeiro termo como sendo a interiorização de um conjunto de crenças e a aquisição de uma mentalidade militante que abraça a jihad violenta como teste primordial da sua convicção. Para o autor, é este o pré-requisito mental para o recrutamento. Por seu turno, este último consiste em transformar os outros, ou transformar-se, numa arma da jihad. Implica juntar-se a uma organização terrorista ou estabelecer ligações com outros indivíduos que têm a mesma intenção de formar uma célula terrorista autónoma. É o elemento operacional, que diligencia os meios e se organiza para uma operação terrorista real — o passo final na jihad.

Nesta dissertação considerar-se-á a radicalização de carácter violento, enquanto processo, que leva a atitudes extremistas e, consequentemente, a ataques terroristas perpetrados pelo movimento jihadista global. O processo de radicalização será assim entendido, em concordância com a literatura revista e conforme a explicação dada pela UE3, enquanto fenómeno complexo em que os indivíduos abraçam uma ideologia radical que os poderá levar a cometer atos terroristas.

Compreender este processo afigura-se, portanto, como condição essencial se queremos entender como se pode reverter a tendência de um cada vez mais crescente número de jovens que se radicaliza e usa a violência para atingir os seus objetivos políticos ou ideológicos. Deste modo, nos próximos parágrafos iremos abordar as três perspetivas que devemos ter em conta quando queremos estudar o terrorismo.

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IV. O TERRORISMO: NÍVEIS DE ANÁLISE

Sageman (2008) fala-nos em três níveis de análise que nos permitem estudar o terrorismo e compreender como os sujeitos se iniciam no processo de radicalização. A primeira abordagem, centra-se numa visão mais biográfica, focando-centra-se no indivíduo e no centra-seu passado para explicar como centra-se tornou terrorista. A segunda, noutro extremo, procura as causas nas condições sociais a que o sujeito foi exposto e devido às quais se tornou terrorista. Por último, o autor expõe uma perspetiva que se centra num nível intermédio, concentrando-se na forma como os indivíduos se influenciam mutuamente em grupo. É esta última abordagem que o autor defende como a mais promissora para ajudar na compreensão do processo de radicalização. Vejamos mais atentamente cada um dos níveis de análise propostos.

Nível Micro

O primeiro nível foca-se nas características individuais dos terroristas, justificando a um nível micro que estes são diferentes daqueles que não praticam atos de terror. Focando-se nas experiências de vida de cada um (Della Porta, 2009), considera que a radicalização se deve a problemas de identidade, falhas na integração ou privação familiar; a sentimentos de alienação, marginalização e discriminação, bem como de humilhação, estigmatização e rejeição, que se aliam a uma sensação de ultraje moral e sentimento de vingança (Schmid, 2013).

De acordo com Schmid (2013) este primeiro nível continua a ser a perspetiva mais dominante na literatura atual e explora essencialmente como é que os jovens ocidentais (geralmente muçulmanos de segunda e terceira geração ou estudantes do médio-oriente) são ideológica e psicologicamente socializados pela propaganda e pelo recrutamento das organizações terroristas.

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vemos estes indivíduos como excecionalmente maus, loucos, sexualmente frustrados, fanáticos religiosos, que sofreram uma lavagem cerebral ou que obedecem cegamente a ordens. Contudo, ainda que se admita que alguns dos indivíduos que tenham cometido tais atos ao longo da história possam sofrer de alguma demência, na sua maioria são cidadãos comuns como todos os outros (Sageman, 2008).

Devemos considerar que existe uma certa heterogeneidade individual, na medida em que cada sujeito tem uma história e um trajeto de vida próprios (Schmid, 2013), não se podendo generalizar ou cair em teses deterministas. Esta individualidade é também identificada por Kuhle e Lindekilde (2010) na sua revisão a sete definições diferentes do termo radicalização. Da análise, os autores consideram que a radicalização acontece quando os indivíduos, por diferentes razões, começam a procurar alternativas ideológicas, políticas ou religiosas, entrando em contacto com crenças radicais. Os motivos que os levam a procurar essas alternativas são diversos, salientando os autores que olhar para a radicalização enquanto processo individual indica que a mesma ocorre sem causas predeterminadas, colocando a responsabilidade apenas do lado do indivíduo e nas alterações psicossociais de que cada um é alvo.

A terceira crítica que Sageman (2008) aponta reside no facto de esta perspetiva se focar demasiado nas características individuais pondo de parte outros fatores situacionais, o que implica um certo determinismo no comportamento. Esta perspetiva considera o passado e as características individuais como um propulsor para cometer atos terroristas, deixando de parte outros fatores contextuais que poderão exercer tanta ou mais influência sobre os indivíduos.

Baseando-se essencialmente em entrevistas a terroristas e ao estudo do seu trajeto de vida, como último problema apontado a esta abordagem, o autor refere a questão do enviesamento dos resultados. As pessoas acham que sabem sempre o que estão a fazer e procuram justificações para os seus atos, o que nem sempre implica que sejam essas as verdadeiras razões para os ter praticado. Apesar de ser uma ferramenta importante, as entrevistas consideram apenas parte dos dados que contribuem para a compreensão geral dos terroristas, e pode, em algumas circunstâncias, nos desviar do rumo certo. Isto é, mesmo que os terroristas sejam completamente honestos com o entrevistador, eles podem efetivamente não saber o que os levou a cometer tais atos (Sageman, 2008).

Nível Macro

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alguns dos fatores que, de acordo com esta perspetiva, contribuem para o terrorismo (Sageman, 2008). São fatores externos que levam os indivíduos a tornarem-se terroristas, incluindo-se o papel do governo e da sociedade no país e no estrangeiro, a radicalização da opinião pública e da política partidária, as relações tensas entre a maioria e as minorias (especialmente quando se tratam de diásporas estrangeiras) ou a falta de oportunidades socioeconómicas para setores inteiros da sociedade. Esta perceção das desigualdades e injustiças permite a mobilização e radicalização dos que estão descontentes, acabando por conduzir alguns a praticar atos de terrorismo (Schmid, 2013).

Um dos grandes problemas desta abordagem, como nos revela Sageman (2008), consiste na generalização. O autor questiona o facto de que, se estes fatores externos são responsáveis pela prática de atos terroristas, então porque é que não são terroristas todos aqueles que foram expostos a tais fatores. Isto é, ainda que as mesmas forças atuem sobre uma grande parte da população, somente alguns indivíduos se tornam terroristas. Todavia, esta perspetiva continua a ter muita influência, principalmente entre as forças de segurança e os decisores políticos. Estes suportam-se nesta perspetiva pois entendem que não podendo alterar o indivíduo, aqueles fatores a que o nível micro se refere, a resposta passará por alterar a sociedade e as condições sociais, económicas e situacionais dos indivíduos (Sageman, 2008; Schmid, 2013).

Nível Meso

Finalmente, a última perspetiva considerada por Sageman (2008) para compreender as causas do terrorismo situa-se a um nível meso. Vimos que quer a abordagem micro quer a macro são bastante limitadoras quando tentam explicar o processo de radicalização e as causas que levam ao terrorismo, focando-se apenas num lado do problema. Mas para o autor combiná-las seria também um erro, pois isso seria presumir que as organizações terroristas resultariam de uma aglutinação de vários indivíduos condicionados pelos fatores dos níveis anteriores. Deste modo, uma terceira abordagem passará não por uma junção das outras duas, mas sim por uma perspetiva que estabeleça uma relação entre o indivíduo e o meio. Torna-se por isso essencial, como atenta o autor, olhar para os processos e para as relações estabelecidas entre os indivíduos e o meio envolvente. Esta nova perspetiva deve focar-se precisamente em como os terroristas agem no terreno. Isto é, como eles evoluem para terroristas, como interagem com os outros (terroristas e não-terroristas), como se aliam a grupos terroristas, procurando entender o que os motiva e como são influenciados a seguirem as ordens de líderes distantes.

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aumentando a confiança e o nível de influência entre os mesmos. Do mesmo modo Schmid (2013) considera as redes sociais/ambientais como cruciais no recrutamento de jovens vulneráveis, redes estas que exercem a sua influência e se servem da ideologia extremista para legitimar a utilização da violência enquanto único meio para atingir os seus propósitos.

Nos estudos que desenvolveu sobre os movimentos sociais, Della Porta (2009) chama a atenção para alguns problemas relacionados com a utilização destas três abordagens. Para a autora, as explicações tendem a encarar separadamente os três níveis distintos de um fenómeno por si complexo, considerando apenas ou os fatores macro (as condições ambientais para o desenvolvimento da violência política), ou os fatores micro (as características individuais), ou os fatores meso (as características e dinâmicas das organizações). A autora defende que deste modo se presta pouca atenção à interação entre os diferentes níveis, referindo James Coleman (cit in Della Porta, 2009) que chamou a estas interações de "mecanismos causais". Ou seja, para a autora, os fenómenos meso, macro e micro, assim como a violência política e a radicalização, poderão ser melhor compreendidos se os considerarmos como relacionais, construídos e dinâmicos. Fundamentando que, geralmente, quando se olha para os processos de radicalização eles não consistem somente no desempenho de um ator individual ou mesmo de uma organização, defende que estes se desenvolvem geralmente através de relações constituídas por diferentes atores.

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Percebemos então que, quando falamos do processo de radicalização, tal como nos alerta Precht (2007), nenhum fator pode ser, por si só, considerado como causal, devendo-se considerar uma combinação de vários fatores. O autor assume que o processo de radicalização muitas vezes inicia-se com indivíduos que estão frustrados com as suas vidas, a sociedade ou a política externa dos seus governos. Estes acabam por conhecer outros indivíduos com o mesmo tipo de frustrações ou ideologias e juntos atravessam uma série de eventos e fases que poderão levar à prática de atos terroristas, porém o autor ressalva que apenas alguns se tornam terroristas, acabando os outros por desistir ou recuar no processo de radicalização em fases diferentes do mesmo.

Na perspetiva de Schmid (2013), este ressentimento e indignação face às injustiças sociais funcionarão mais como um mecanismo mobilizador do que as experiências pessoais dos indivíduos. Para o autor, isto implica que a pobreza ou a falta de recursos económicos não pressupõem um caminho para a radicalização, porém o desemprego ou as parcas oportunidades desempenham um papel importante no mesmo. No mesmo sentido, a Comissão Europeia (COM, 2016: 379 final) defende que a radicalização se deve a uma multitude de causas, considerando a radicalização violenta como uma “questão complexa, que depende de uma complexa teia de fatores de incitação e de dissuasão.” É assumido que não existe um fator determinista, único ou inevitável, sendo, pois, o resultado da combinação de diversos fatores que favorecem o processo de radicalização do indivíduo. Entre outros fatores que poderão preexistir aquando do início do processo de radicalização, a Comissão Europeia considera algumas vulnerabilidades e frustrações que poderão ser exploradas pelos recrutadores como meio de manipulação. Entre estes, consideram-se fatores como “um forte sentimento de alienação pessoal ou cultural, um sentimento de injustiça ou de humilhação reforçado pela marginalização social, a xenofobia e a discriminação, frequência escolar limitada ou reduzidas possibilidades de emprego, a criminalidade, fatores políticos, bem como uma dimensão ideológica e religiosa, laços familiares não estruturados, traumas pessoais e outros problemas psicológicos” (COM, 2016: 379 final).

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V. OS MODELOS DE RADICALIZAÇÃO

Considerando a radicalização um processo, ou conjunto de processos, que dependem de vários fatores, os próximos parágrafos ocupar-se-ão com a descrição dos principais modelos que a literatura oferece para se compreender a sua evolução. Entendendo que existem várias combinações de fatores que influenciam o indivíduo, diversos foram os autores que se dedicaram a explorar este processo, compreendendo como a radicalização e o recrutamento interagem, propondo explicações e soluções para o problema. Existindo uma diversidade de modelos explicativos do processo de radicalização, aqueles que aqui serão apresentados encontram grande consenso na literatura, estando bem documentados com o contributo de vários autores e agentes institucionais. Assumindo-se a complexidade do fenómeno e a necessidade de abordá-lo de diferentes perspetivas, apresentar-se-ão oito modelos que têm em conta vários fatores e pretendem explicar não só as causas como a evolução do indivíduo ao longo do processo de radicalização. São modelos psicossociológicos, na medida em que englobam tanto a questão individual do sujeito, as suas características psicológicas e emocionais, como também abarcam o contexto em que este se insere, procurando descrever o caminho que estes percorrem ao longo do processo de radicalização.

The Prevention Pyramid

Uma das formas de olhar para este processo é através do modelo piramidal, que entende o processo de radicalização como uma escalada, que se divide em quatro fases (Young, et al, 2013). Desenvolvido pela Association of Chief Police Officers, surgiu como uma estratégia do Governo britânico para o combate e prevenção da radicalização, procurando reduzir o apoio ao terrorismo e desencorajar as pessoas a se tornarem terroristas. Aqui o processo é visto como um movimento progressivo numa escalada piramidal, onde os níveis mais altos da pirâmide pressupõem uma maior radicalização, mas num menor número de pessoas (Christmann, 2012).

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O segundo nível inclui aqueles que são mais vulneráveis e, consequentemente, mais influenciáveis pelo discurso extremista. Apesar de não cometerem atos violentos fornecem um apoio tácito àqueles que fazem parte dos níveis superiores da pirâmide e inspiram aqueles que estão no nível inferior (Christmann, 2012). Aqui pressupõe-se que a resposta da comunidade seja mais específica (Young et al., 2013).

Num nível superior encontram-se, em menor número que nos anteriores, todos os indivíduos que simpatizam e se identificam com as crenças e sentimentos daqueles que praticam atos terroristas (Christmann, 2012). Neste ponto, o modelo considera todos os membros mais vulneráveis que rumam em direção ao extremismo, o que implica, por sua vez, uma abordagem mais interventiva (Young et al., 2013).

Finalmente, o quarto e último nível contém um número ainda mais reduzido de indivíduos. Ao topo da pirâmide pertencem aqueles que Christman (2012) considera como os terroristas ativos, isto é, os que violam a lei e praticam atos terroristas. Neste nível o modelo considera que a abordagem deve ser mais coerciva (Young et al., 2013).

Ainda que nos possa dar uma boa visão sobre as respostas mais adequadas à radicalização, enfatizando o papel do contexto e da reação do mesmo, o modelo não é específico quanto às questões psicológicas que levam o indivíduo a mover-se de um nível para o outro (Young et al., 2013) e assume uma relação implícita e linear entre o processo de radicalização e a participação em atos terroristas (Christmann, 2012).

The New York Police Department Four Stage Process

Desenvolvido por Silber e Bhatt (2007), este modelo considera quatro etapas diferentes pelas quais um indivíduo passa ao longo do processo de radicalização. São estas a pré-radicalização, a autoidentificação, a doutrinação e a “jihadização”.

A primeira fase, a pré-radicalização, descreve o mundo em que o indivíduo se inseria antes de iniciar o seu caminho para a radicalização. Neste ponto, os autores entendem que, apesar de não existir um perfil psicológico para um provável candidato a terrorista, existem alguns fatores em comum naqueles que seguem tal caminho. Nesta primeira etapa releva o modo de vida do sujeito antes de cometer um ato terrorista, enunciando o contexto e as características e acontecimentos pessoais como facilitadores da entrada neste processo (Silber e Bhatt, 2007).

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crenças anteriores, “abrindo a mente do indivíduo para uma nova perceção ou visão do mundo” (Silber e Bhatt, 2007). Para os criadores deste modelo, estas crises podem ser provocadas quer por fatores económicos (como a perda ou a dificuldade em obter emprego), sociais (sentimento de discriminação ou alienação), políticos (conflitos internacionais que envolvam muçulmanos) ou pessoais (a perda de familiares próximos). Os mesmos afirmam ainda que os indivíduos mais vulneráveis a passar esta fase são normalmente aqueles que estão ainda a tentar estabelecer uma identidade própria ou a tentar encontrar um rumo na vida, procurando aprovação e apoio pelo caminho escolhido (Silber e Bhatt, 2007).

O passo seguinte no processo de radicalização passa por uma progressiva intensificação das crenças, acabando os indivíduos por abraçar totalmente a ideologia jihadista-salafista (Christmann, 2012). É a fase da doutrinação, cujo aspeto principal é a adoção de uma visão político-religiosa do mundo, que justifica, legitima, encoraja ou suporta a violência contra tudo o que seja kufr4, ou não

islâmico. Isto inclui o Ocidente, os seus cidadãos, os seus aliados, ou os muçulmanos cuja opinião seja diferente daquela que é propagandeada pela ideologia extremista (Silber e Bhatt, 2007).

Por fim, o último passo para este modelo no processo de radicalização é a jihadização. Aqui, os membros aceitam como dever individual a participação na jihad, auto designando-se como guerreiros sagrados, ou mujahedeen5. É nesta fase que os indivíduos começam a planear os ataques, preparando-se para a jihad ou para um ataque terrorista (Silber e Bhatt, 2007).

Os autores ressalvam que não existe determinismo no processo de radicalização e que, por entrar no processo não significa que o indivíduo passe pelas quatro fases e se torne um terrorista. No entanto, os indivíduos radicalizados, mesmo que não cometam atos terroristas, exercem influência e servem de suporte a outros que poderão vir a tornar-se terroristas (Silber e Bhatt, 2007),

Marc Sageman’s Four Stage Process

Sageman (2007) defende que o processo de radicalização é conduzido por jovens muçulmanos entusiastas, que procuram a glória e tentam impressionar os amigos, agindo como heróis e sacrificando-se. Neste processo o autor identifica quatro pontos que, não constituindo fases sequenciais, ocorrem frequentemente nos indivíduos. Estes são: um sentimento de indignação moral; uma interpretação específica do mundo; a identificação com experiências pessoais; e a mobilização através das redes.

A indignação moral sentida resulta da perceção das injustiças e violações cometidas contra os muçulmanos, como a guerra na Bósnia ou os acontecimentos na Palestina, diz-nos o autor. Todos

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estes acontecimentos deixam de ser vistos como isolados e são entendidos como uma guerra contra o Islão. Dá-se então lugar à interpretação, onde Sageman (2007) chama a atenção para o facto de estas violações e ataques serem entendidos pelos indivíduos como sendo produzidos propositada e especificamente contra muçulmanos, perpetrados por uma “guerra do Ocidente contra o Islão”.

Para o autor, estes indivíduos não são intelectuais ponderados, mas sim jovens que se querem tornar os heróis muçulmanos nesta guerra, dependendo esta interpretação muito mais da forma como os indivíduos se sentem do que como pensam. Esta assunção de que existe uma guerra contra o Islão leva-os a estabelecer uma relação com as suas experiências pessoais, pesando fatores como a discriminação, a falta de oportunidades sociais e económicas, a religião ou a política (Sageman, 2007).

A última fase, diz-nos Sageman (2007), dá-se através da mobilização pelas redes, onde estes jovens, revoltados e frustrados com as suas vidas e com os acontecimentos relacionados com os muçulmanos, procuram apoio e encorajamento para passarem à ação. Para o autor, a internet ganha um papel extremamente importante na medida em que permite que os indivíduos comuniquem e partilhem as suas frustrações, reforçando as suas crenças e indignações e dando-lhes meios e apoio para organizarem e planearem ataques terroristas.

Taarnby’s Eight Stage Recruitment Process

Taarnby (2005) acompanha de muito perto o trabalho desenvolvido por Sageman, inspirando-se no mesmo para estudar o recrutamento da célula de Hamburgo. Usando-a como exemplo, este autor identifica oito elementos presentes no seu processo de recrutamento. Primeiro surge um sentimento de alienação e marginalização, que precede uma busca espiritual que conduzirá ao processo de radicalização, o terceiro elemento. Por sua vez, isto fará com que o indivíduo procure conhecer e associar-se a outros com os mesmos pensamentos e crenças, levando a um isolamento gradual e à formação de células. Estas associações legitimam a aceitação da violência como um meio político legítimo, permitindo aos indivíduos estabelecer contacto com um elemento de ligação, acabando, em última análise, por cometer um ato terrorista (Taarnby, 2005).

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Gill’s Pathway Model

Gill (2007, cit in Christmann, 2012) propõe um modelo baseado na trajetória dos bombistas suicidas. Este modelo explora a progressão de um indivíduo, enquanto membro da comunidade, para um terrorista, defendendo que existem vários fatores que influenciam este processo (Young et al., 2013).

Não ocorrendo segundo uma ordem cronológica, este processo é composto por quatro elementos principais: um processo de socialização onde o indivíduo é exposto à propaganda extremista, que predispõe a audiência para o uso da violência como legítimo; um evento catalisador nas circunstâncias pessoais do indivíduo, que o poderão motivar a juntar-se a uma organização terrorista; a existência de relações de amizade ou de familiaridade com membros de grupos radicais, o que facilita o processo de recrutamento; e uma radicalização em grupo, onde as visões sobre as normas e valores do grupo se vão polarizando (Christmann, 2012; Young et al., 2013).

Estes são elementos chave do processo, considerados como pré-requisitos experienciados por todos os bombistas suicidas (Christmann, 2012), porém não seguem obrigatoriamente um trajeto fixo e predeterminado (Young et al., 2013).

Wiktorowicz’s al-Muhajiroun Model

O modelo de Wiktorowicz (2004) considera que a decisão de um indivíduo se aliar a uma organização terrorista não é impulsiva, mas resulta sim de um processo de socialização persuasivo. Para o autor os indivíduos são expostos a um processo de socialização extensivo onde lhes são apresentadas ideias do movimento, onde são abertos ao debate e à deliberação sobre essas ideias e lhes é dada a possibilidade de conhecer outros grupos e indivíduos com novas crenças e pensamentos. E é apenas quando o indivíduo está convencido de que este grupo representa aquilo em que o mesmo acredita e procura é que se dá a decisão de se unir ao mesmo (Wiktorowicz, 2004).

Partindo deste pressuposto, o autor identifica quatro processos chave que revelam a probabilidade de um indivíduo se juntar a um grupo radical islâmico e participar nas suas atividades. Em primeiro lugar, Wiktorowicz (2004) enuncia a abertura cognitiva como a fase inicial de um processo onde o indivíduo se torna recetivo a novas ideias e visões do mundo, neste caso, mais extremistas. Esta abertura cognitiva pode dar-se após uma crise individual, relacionada com fatores políticos, sociais, económicos ou individuais. O autor refere ainda a importância dos movimentos ativistas para esta abertura cognitiva, na medida em que influenciam e predispõem o indivíduo para a compreensão de novas ideias e crenças.

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através da retórica religiosa, podendo esta fase ocorrer de duas formas distintas. Por um lado, os indivíduos exploram a religião procurando aquilo que mais serve os seus interesses pessoais, identificando a retórica com a sua experiência. Por outro, os próprios elementos dos movimentos extremistas servirão como guias espirituais e religiosos, que conduzirão aqueles que têm uma maior abertura cognitiva a abraçar a ideologia extremista através da narrativa religiosa (Wiktorowicz, 2004). O passo seguinte corresponde àquilo a que o autor chama de frame alignment, isto é, um alinhamento cognitivo com as ideias expostas. As ideias e representações que o grupo radical apresenta fazem sentido para o indivíduo, que se identifica com as mesmas, sentindo-se atraído a participar e fazer parte deste grupo.

Finalmente, na última fase deste processo, a socialização, o autor revela que o indivíduo apreende uma série de ensinamentos religiosos e atividades que facilitam a sua doutrinação, permitindo-lhe construir uma identidade em torno da mesma, levando a uma alteração dos seus valores e crenças. É aqui que, após uma identificação com a retórica religiosa, o indivíduo começa a procurar novas formas de atuação e a interessar-se mais pela narrativa extremista e consequente legitimação do uso da violência (Wiktorowicz, 2004).

Para o autor as primeiras três fases deste processo precedem obrigatoriamente a fase da socialização, sendo condições obrigatórias para a mesma ocorrer. Isto é, um indivíduo terá de estar aberto a novas ideias e consequentemente identificar-se com a retórica do movimento, compreendendo-a e legitimando-a, de forma a unir-se e a participar num movimento extremista (Wiktorowicz, 2004). Defende ainda o autor que a duração em cada fase dependerá da abertura cognitiva de cada indivíduo, dos seus anteriores conhecimentos da religião e da ideologia, das relações de afinidade que terá com outros membros de grupos extremistas, a existência de narrativas alternativas, entre outros fatores exógenos. Será esta existência e combinação de fatores que, segundo ele, justifica porque uns indivíduos decidem juntar-se a estas organizações e outros não, abandonando a meio do processo.

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