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A dimensão pedagógica da agricultura familiar : A alimentação escolar aproximando o consumo e a produção

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Academic year: 2017

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Pró-reitoria Acadêmica

Escola de Educação e Humanidades

Programa de Pós-graduação

Stricto Sensu

em Educação

A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA AGRICULTURA FAMILIAR: A ALIMENTAÇÃO

ESCOLAR APROXIMANDO O CONSUMO E A PRODUÇÃO

Autora: Sara Regina Souto Lopes

Orientador: Prof. Dr. Célio da Cunha

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A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA AGRICULTURA FAMILIAR: A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR APROXIMANDO O CONSUMO E A PRODUÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Política e Administração Educacional. Linha de pesquisa: Política, Gestão e Economia da Educação.

Orientador: Prof. Dr. Célio da Cunha

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Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

L864d Lopes, Sara Regina Souto.

A dimensão pedagógica da agricultura familiar: a alimentação escolar aproximando o consumo e a produção. / Sara Regina Souto Lopes – 2015.

218 f.; il.: 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2015.

Orientação: Prof. Dr. Célio da Cunha

1. Educação. 2. Alimentação escolar. 3. Agricultura familiar. 4. Políticas públicas. 5. Segurança alimentar. 6. Segurança nutricional. I. Cunha, Célio da, orient. II. Título.

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Agradeço a Deus por me tornar capaz de realizar tal trabalho e por ter me dado forças para chegar ao fim!

Agradeço aos meus pais, Antonio e Edna e minhas irmãs Simone e Suzara, que sempre me incentivaram e acreditaram no meu potencial durante toda a minha jornada acadêmica.

Ao maior anjo dessa jornada: meu marido, Luiz Eduardo. Por todo amor, carinho, compreensão e dedicação ao se dispor a desbravar comigo Brasil afora para a realização das entrevistas e paciência nos momentos mais difíceis.

Agradeço aos meus colegas de trabalho, que me incentivaram e assumiram a minha carga nos períodos em que estive ausente, em especial a Renata Mainenti, companheira, com quem dividi todas as minhas ideias, angústias, e que conseguiu, pela sua competência, me deixar tranquila enquanto me dedicava a este trabalho.

Ao Profº Célio da Cunha, pela competência que demonstrou ao orientar esse trabalho.

Em especial, o meu muito obrigado aos agricultores familiares participantes das entrevistas e os parceiros nos municípios que me auxiliaram nas visitas, sem a generosa contribuição de vocês, não poderia ter produzido os conhecimentos descritos neste trabalho.

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LOPES, Sara Regina Souto. A dimensão pedagógica da agricultura familiar: a alimentação escolar aproximando o consumo e a produção. 2015. 218 p. Dissertação (Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação). Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

Esta pesquisa objetivou identificar o potencial do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no sentido de promover a reconexão entre a produção e o consumo por meio da estratégia de aquisição de produtos da agricultura familiar local. Foi verificado se o processo possibilita a aproximação entre a agricultura familiar e a escola com vistas a promover a discussão de novas formas de produção e consumo. e investigada a percepção dos agricultores familiares quanto à sua participação na comercialização da sua produção para a alimentação escolar. Para o estudo foi utilizada a abordagem qualitativa subsidiada pela pesquisa documental. A pesquisa documental procurou compreender o Programa, como ele se insere no conjunto de políticas para a promoção da segurança alimentar e como a agricultura familiar se insere no conjunto da execução do PNAE. A pesquisa em campo, por meio de entrevistas, investigou o que mudou para o agricultor familiar a partir da sua inserção enquanto fornecedor para a alimentação escolar, se o Programa tem contribuído para o aprendizado dos agricultores familiares, se a estratégia aproximou o agricultor do consumidor e se esta estratégia tem potencial para ser utilizada como prática pedagógica. Como resultado, a pesquisa apontou que a política contribuiu para aproximar a produção e o consumo, o agricultor familiar e a alimentação escolar, promovendo benefícios para o desenvolvimento local. O estudo mostrou que o PNAE está contribuindo para promover a reconexão entre o consumo e a produção e que o desafio está em tornar o contexto da produção e da oferta da alimentação escolar uma prática educativa para a formação de hábitos alimentares saudáveis. O estudo apresenta, ainda, como contribuição, elementos que sugerem o uso do contexto da participação da agricultura familiar no PNAE em ações pedagógicas que possam aproximar os estudantes e a comunidade escolar da discussão da produção local de alimentos e dos impactos das escolhas alimentares na vida da comunidade.

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This research aimed to identify the potential of the National School Feeding Programme (PNAE) to promote the reconnection between production and consumption through the acquisition of products from the local family farming strategy. It was found that the process enables the rapprochement between the family farm and school in order to promote the discussion of new forms of production and consumption. and investigated the perception of family farmers for their participation in the marketing of their produce for school meals. For the study we used the qualitative approach subsidized by documentary research. The documental research sought to understand the program, as it is within the set of policies for the promotion of food security and how family farms is part throughout the execution of PNAE. The field research through interviews, investigated what has changed for the family farmer from its insertion as a supplier for school meals, the program has contributed to the learning of family farmers, the strategy toward consumer farmer and this strategy has the potential to be used as a pedagogical practice. As a result, the survey indicated that the policy helped to bring production and consumption, the family farmer and school feeding, providing benefits for local development. The study showed that the PNAE is helping to promote the reconnection between consumption and production and the challenge is to make the context of production and school meals offer an educational practice for the formation of healthy eating habits. The study also presents a contribution, elements that suggest the use of the context of the participation of family farming in PNAE in pedagogical actions that may bring students and school community discussion of local food production and the impact of food choices in life the community.

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Figura 1 - Esquema das propostas do Projeto Fome Zero 56

Figura 2 – Mapa da distribuição geográfica dos municípios visitados para a

realização das entrevistas 110

Figura 3 – Produção de morango orgânico de S1 138

Figura 4 – Residência e ponto de comercialização de S1 138

Figura 5 – Horta comunitária municipal (B2) 163

Figura 6 – Técnico agrícola responsável pela horta comunitária municipal (B2) 163

Figura 7 – Estufas instaladas na produção de S4 170

Figura 8 – Produção de hortaliças de S4 170

Figura 9 – Produção diversificada de hortaliças de S2 174

Figura 10 – Mudas preparadas por S2 174

Figura 11 – Produção de mexerica de G1 177

Figura 12 – Produção de banana de T1 177

Figura 13 – Despolpadeira de G1 178

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Quadro 1 - Processo de compra e venda de gêneros da agricultura familiar para a

alimentação escolar utilizando a chamada pública 97

Quadro 2 - Critérios de seleção dos projetos de venda dos agricultores familiares na

chamada pública para a alimentação escolar 99

Quadro 3 - Entrevistas realizadas 109

Quadro 4 – Características dos participantes das entrevistas 113

Quadro 5 – Categorias e elementos de agrupamentos do discurso 120

Quadro 6 – Apoio na elaboração do projeto de venda 125

Quadro 7 – Acesso à ATER 134

Quadro 8 – Participação em organizações formais 142

Quadro 9 – Acesso ao PAA e ao PRONAF 146

Quadro 10 – Relação com o RT do município 152

Quadro 11 – Relação com o CAE do município 155

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Gráfico 1 - Evolução do número de alunos atendidos e recursos financeiros

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ABRANDH – Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

CAE – Conselho de Alimentação Escolar

CAISAN – Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional CCC - Commodit Credit Corporation

CD – Colegiado Diretor

CEASA – Central de Abastecimento CF – Constituição Federal

CFN – Conselho Federal de Nutricionistas CNA – Comissão Nacional de Alimentação

CNAE – Campanha Nacional de Alimentação Escolar CNME – Campanha Nacional da Merenda Escolar CNSA – Conferência Nacional de Segurança Alimentar

COMEB – Caracterização Operacional da Merenda Escolar Brasileira CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar DAP – Declaração de Aptidão ao PRONAF

DHAA – Direito Humano a Alimentação Adequada DOU – Diário Oficial da União

EEx – Entidade Executora

EJA – Educação de Jovens e Adultos ENA – Encontro Nacional de Agroecologia FAE – Fundação de Assistência ao Estudante

FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FISI - Fundo Internacional de Socorro à Infância das Nações Unidas FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

GT – Grupo de Trabalho

IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAE – Instituto Nacional de Alimentação Escolar INAN – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOSAN – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social MEC – Ministério da Educação

MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores OCS - Organismo de Controle Social

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PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural PNSAN – Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional PPA – Plano Plurianual

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAN – Programa Nacional de Alimentação e Nutrição

RT – Responsável Técnico

SAN – Segurança Alimentar e Nutricional

SAPS – Serviço de Alimentação e Previdência Social

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SIF – Sistema de Inspeção Federal

SIM – Sistema de Inspeção Municipal

SISAN – Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional

UNICEF – Fundo Internacional de Socorro à Infância das Nações Unidas

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 - ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: PRESSUPOSTOS DE UMA POLÍTICA

PÚBLICA ... 11

1.1 INTRODUÇÃO ... 11

1.2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 16

1.3 O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO POLÍTICA PÚBLICA ... 29

CAPÍTULO 2 - PNAE: ORIGEM E TRAJETÓRIA ... 37

2.1 PRIMEIRA FASE: AS DOAÇÕES INTERNACIONAIS ... 37

2.2 SEGUNDA FASE: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA ... 40

2.3 TERCEIRA FASE: A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO DIREITO CONSTITUCIONAL ... 45

2.4 QUARTA FASE: A INTERSETORIALIDADE... 47

CAPÍTULO 3 - ASPECTOS DA POLÍTICA DE SAN E A INTERAÇÃO COM O PNAE ... 52

3.1 SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (SAN) ... 52

3.2 COMPRAS PÚBLICAS DE ALIMENTOS PARA A SAN ... 62

3.3 AGROECOLOGIA NAS COMPRAS PÚBLICAS ... 67

3.4 FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL ... 72

3.5 A LEI N. 11.947 DE 2009: UM MARCO NA HISTÓRIA ... 81

3.6 A AGRICULTURA FAMILIAR NO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR ... 91

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4.1.2 Local da pesquisa ... 107

4.1.3 Participantes da pesquisa ... 111

4.1.4 Técnica e instrumentos utilizados ... 115

4.1.5 Construção do modelo de análise ... 116

4.1.6 Tratamento e análise dos dados ... 116

4.2 ANÁLISE E RESULTADOS ... 121

4.2.1 Categoria 1 - A participação do agricultor familiar na comercialização para o PNAE ... 121

4.2.1.1 Participação dos agricultores familiares no PNAE antes de 2009 ... 121

4.2.1.2 O início da comercialização da produção para o PNAE ... 121

4.2.1.3 Elaboração do projeto de venda, participação na chamada pública e a relação dos agricultores familiares com a Secretaria de Educação ... 124

4.2.1.4 Definição dos preços dos produtos adquiridos diretamente dos agricultores familiares ... 128

4.2.2 Categoria 2 – O agricultor e o mercado ... 132

4.2.2.1 Assistência Técnica ... 132

4.2.2.2 A agricultura familiar e a agroecologia ... 136

4.2.2.3 Cooperativismo ... 139

4.2.2.4 Participação nas compras públicas ... 143

4.2.3 Categoria 3 – O agricultor e a escola ... 149

4.2.3.1 Relação do agricultor familiar com o nutricionista responsável técnico (RT) pela Alimentação Escolar... 149

4.2.3.2 Relação com o Conselho de Alimentação Escolar local ... 154

4.2.3.3 Qualidade da alimentação oferecida nas escolas ... 156

4.2.3.4 Relações com a escola e a participação em atividades pedagógicas ... 161

4.2.4 Categoria 4 - Percepção e avaliação do agricultor familiar sobre a participação da agricultura familiar no PNAE ... 167

4.2.4.1 Avaliação do programa ... 167

4.2.4.2 Aprendizado com o programa ... 173

4.2.4.3 Significado e sentido para a família ... 176

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4.3.1 A promoção da sustentabilidade ... 195

4.3.2 Agricultor familiar e a alimentação escolar ... 196

4.3.3 O agricultor familiar, a escola e os frutos que ainda poderão ser colhidos. ... 197

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CAPÍTULO 1 - ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: PRESSUPOSTOS DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

1.1 INTRODUÇÃO

Resumo em duas palavras o percurso no mestrado: desafio e satisfação. Procurei o mestrado por entender que este seria o melhor caminho para o atendimento de duas necessidades quando passei a trabalhar na Divisão de Desenvolvimento da Agricultura Familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE): aproximar-me da educação e entender o papel da agricultura familiar no contexto da segurança alimentar. A tentativa de reunir as duas dimensões em uma pesquisa me custou muita reflexão, mas tinha em mente que o objeto de estudo precisava estar próximo e a pesquisa precisava trazer sentido, alegria e prazer no trabalho. E foi o que aconteceu. Explorar o campo da educação foi um mergulho em um mundo novo de reflexões. E o percurso da pesquisa foi um aprendizado que jamais teria tido se buscasse conhecimento de outra forma. Considero que a etapa das entrevistas e reflexões sobre os achados foi uma espécie de autoavaliação, já que nesses anos de trabalho no Programa incorporei a essência do PNAE na forma de pensar e de fazer política. Passei a fazer parte do quadro de servidores do FNDE para trabalhar no PNAE às vésperas da aprovação da Lei nº 11.947/2009, em maio de 2009. Não conhecia o teor das discussões, mas percebia que havia uma efervescência no ar à espera de alguma novidade que mudaria os rumos de tudo o que se fazia até então.

E como esperado, a revolução foi incorporada ao PNAE a partir da aprovação da Lei nº 11.947, em 16 de junho de 2009, mas não foi de repente. A história mostra que Josué de Castro1, na década de 1940, já apontava que o caminho para a superação das condições de má alimentação da população brasileira estava na reconexão entre a produção e o consumo. A partir do momento em que as condições climáticas e as adversidades, ou especificidades,

1 Josué de Castro: (5/9/1908 24/9/1973) Geógrafo, cientista social, nutrólogo, professor e escritor.

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locais não fossem mais consideradas as culpadas pela fome no país, mas fossem os determinantes para a construção de estratégias políticas que fomentassem a reorientação da produção agrícola local, se teria condições de resolver o problema. Sinalizou que o que varreria a fome do país seria o momento em que a opção do Estado Brasileiro fosse, primordialmente, pelo caminho do desenvolvimento social.

Josué de Castro acreditava que a estrutura de produção latifundiária e de monocultivo não condizia com a busca pela segurança e soberania alimentar, muito menos com o conceito de desenvolvimento humano sustentável. Acreditava na qualidade que a agricultura familiar e a reforma agrária poderiam trazer para a vida das pessoas. Defendia que a agricultura familiar seria a melhor forma de manter o homem no campo e de possibilitar a sua alimentação. Incentivar o desenvolvimento da agricultura familiar fez parte das defesas de Josué de Castro.

Para reverter o cenário de fome, nos últimos anos o Estado brasileiro vem discutindo modelos estruturantes baseados nos conceitos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN2), propondo um modelo de produção e consumo de alimentos a partir de dois componentes básicos: o alimentar, relacionado à produção, disponibilidade, comercialização e acesso ao alimento, e o nutricional, relacionado às práticas alimentares e ao estado de nutrição, no sentido biológico, com impacto no estado de saúde da população.

O PNAE, no conjunto de estratégias da Política de Segurança Alimentar e Nutricional (Pnsan), incorporou no seu normativo em 2009 (Lei nº 11.947), a integração do componente da oferta qualificada de refeições nutricional e culturalmente adequadas, com ações para a promoção do fortalecimento da produção local de alimentos, por meio da obrigação de aquisição de gêneros alimentícios diretamente de agricultores familiares e/ou suas organizações3, dando preferência à produção local.

O artigo 14 da Lei 11.947, de 16 de junho de 2009, determina ao gestor que, pelo menos, 30% dos recursos transferidos pelo FNDE para serem investidos na alimentação escolar, sejam gastos na aquisição de gêneros alimentícios diretamente de agricultores

2Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a

alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam

ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006)

3 Lei Federal nº 11.947, de 16 de junho de 2009 Art. 14. Do total dos recursos financeiros repassados pelo

FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades

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familiares e/ou suas organizações. Este normativo inova, ainda, ao autorizar, para esta aquisição, a dispensa do procedimento licitatório. O PNAE incorpora assim, a partir de 2009, a participação do agricultor familiar como agente e como sujeito necessário para a execução do Programa.

Acredita-se que essa política tenha transformado a vida dos agricultores familiares. A exigência legal de um mínimo de aquisição de produtos da agricultura familiar para o PNAE, considerando o volume de recursos que o Programa movimenta por ano, é um divisor de águas na valorização do modelo familiar e local de produção de alimentos. Supõe-se que o processo produtivo possa ter novo significado para o produtor a partir da sua participação nas compras públicas, sobretudo, participação direta na política pública de SAN local. Havia a expectativa de que a participação do agricultor familiar diretamente nas políticas públicas poderia inaugurar um novo sentido para o seu trabalho, tornando-o importante membro da cadeia para a garantia da SAN no município.

Estima-se que este encontro da alimentação escolar com a agricultura familiar esteja promovendo uma importante transformação na alimentação ofertada nas escolas, ao permitir que alimentos com vínculo regional, produzidos diretamente pela agricultura familiar, possam ser consumidos diariamente pelos alunos da rede pública de todo o Brasil. A inclusão dos gêneros da agricultura familiar na alimentação escolar pode aumentar o acesso ao alimento seguro, pois traz a possibilidade de conhecer a origem da cadeia de produção do alimento produzido em âmbito local. Ao percorrer menores distâncias, especialmente quando se trata de frutas e hortaliças, os alimentos chegam ainda frescos às escolas.

O Programa pode trazer, ainda, a possibilidade de acesso ao alimento variado, pois, com mercado certo, o pequeno produtor rural pode variar sua produção e se adequar às necessidades da demanda da alimentação escolar. A inclusão de produtos da agricultura familiar na alimentação escolar favorece também o consumo de alimentos regionais que respeitem os hábitos e a cultura local, pois, há inclusão, no cardápio, de gêneros alimentícios tradicionalmente produzidos e consumidos pela comunidade.

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principal desafio para a implementação da compra local da agricultura familiar para a alimentação escolar.

O objetivo do estudo foi verificar se a compra local de gêneros da agricultura familiar está contribuindo para aproximar a produção e o consumo e fomentar processos educativos, com a avaliação dessa relação sob a ótica do agricultor familiar.

Neste contexto, o presente estudo discute se o Programa tem o potencial para promover a aproximação da produção e do consumo e se essa nova relação tem potencial para promover a participação do agricultor familiar nos processos pedagógicos da escola, a fim de contribuir para a promoção da formação de hábitos alimentares saudáveis nos estudantes. Ao investigar a aproximação, foi verificada a avaliação do agricultor familiar sobre o Programa, benefícios, significados e aprendizagens trazidas a partir da comercialização de sua produção para a alimentação escolar.

O problema da pesquisa foi definido a partir das seguintes questões: a estratégia de aquisição de gêneros alimentícios diretamente dos agricultores familiares locais para a alimentação escolar pode contribuir para aproximar o consumo da produção? Em que medida essa aproximação pode dar novo significado para o trabalho do agricultor familiar e contribuir para que os agricultores se integrem ao espaço escolar?

Os objetivos específicos da pesquisa buscaram verificar se o PNAE tem potencial para promover transformações na relação entre a produção e consumo local de alimentos; identificar se houve aproximação entre o agricultor familiar e o processo educativo na escola e investigar o significado e sentido, para o agricultor familiar, em relação à sua participação enquanto produtor de gêneros alimentícios para a alimentação escolar.

A motivação para o estudo foi contribuir para a discussão da relevância do PNAE como ação estratégica dentre o conjunto de políticas públicas na consecução dos objetivos do governo de promoção de SAN.

A pesquisa foi baseada em um estudo com abordagem qualitativa, do tipo exploratória, por meio de entrevista semi-estruturada, seguindo um roteiro, subsidiada por uma pesquisa documental prévia. Buscou-se verificar a implementação de uma política, pretendendo-se colher informações que dessem suporte à investigação do problema levantado e, na verificação nos estudos de caso, compreender seus impactos.

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decorrente da aplicação do artigo 14 da Lei nº 11.947/09 está contribuindo para aproximar o agricultor e a escola e qual é o potencial educativo dessa aproximação.

Foram realizadas 13 entrevistas em 11 municípios brasileiros distribuídos da seguinte forma: 1 (um) agricultor familiar por município, abrangendo 2 (dois) municípios localizados em 1 (um) estado de cada uma das 5 (cinco) regiões brasileiras. A escolha dos municípios baseou-se na identificação de localidades em que houve, nos últimos 3 (três) anos, atendimento ao percentual mínimo de aquisição (30% dos recursos transferidos pelo FNDE, no âmbito do PNAE) de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar para a alimentação escolar, conforme definido na Lei 11.947/09. Esta etapa pretendeu verificar o que significava para o agricultor vender para o PNAE e a interação entre a produção e o consumo e com os processos pedagógicos na escola. Os procedimentos de análise caminharam para interpretação e na síntese da investigação do significado, para o agricultor familiar, da inclusão da agricultura familiar no PNAE.

O estudo é apresentado no formato em que a autora se aproximou da temática - inicialmente, será abordado o levantamento do histórico da alimentação escolar no Brasil, que constituiu um dos pressupostos para o entendimento do desenho atual, e da política de SAN, onde o PNAE se insere, dentre um conjunto de estratégias intersetoriais. Em sequência, evidencia-se uma aproximação das estratégias públicas, às quais o PNAE se inclui, para entender as conexões deste Programa dentro de um conjunto de políticas públicas sociais. Em seguida, discute-se o estudo do marco legal atual e do desenho da execução da política de alimentação escolar, a partir das diretrizes e regras estabelecidas em nível federal. Por último, revelam-se as reflexões a partir das entrevistas realizadas com os agricultores familiares sobre o sentido destes sujeitos como participantes do Programa.

O primeiro capítulo apresenta a introdução do tema e o referencial teórico da discussão que se pretende fazer no estudo - os caminhos do PNAE, a inclusão da participação da agricultura familiar nas compras públicas governamentais, passando pela construção da estratégia de SAN na orientação das políticas públicas brasileiras que tratam da produção à oferta de alimentação, chegando à gestão do Programa.

O segundo capítulo trata da análise do PNAE como política pública, sob o aspecto da contribuição da descentralização e da participação social, para o delineamento da conformação atual do Programa. Nesse capítulo é apresentada a trajetória do Programa até a publicação da Lei que regulamenta a alimentação escolar atualmente.

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fortalecimento da agricultura familiar para o desenvolvimento local sustentável, apresentando a interação do PNAE com essas estratégias. Em seguida discute-se o atual regulamento do Programa e como se dá a participação da agricultura familiar no PNAE. A discussão apresentada neste capítulo, elaborada a partir da pesquisa documental, procurou investigar o nível de interação do PNAE no conjunto de estratégias públicas que discutem a importância da agricultura familiar e no conjunto de ações que promovem a SAN. As referências subsidiaram os achados do capítulo seguinte.

No quarto capítulo são apresentados o percurso metodológico da pesquisa qualitativa, os resultados das entrevistas com os agricultores familiares, discutidos por categoria, e as considerações finais do estudo.

1.2 REFERENCIAL TEÓRICO

O desenvolvimento da política de gestão da alimentação escolar no Brasil ao longo dos 60 anos de implementação institucional do PNAE possibilitou seu fortalecimento. Os avanços relativos ao planejamento, à forma de aquisição dos alimentos, ao processo de descentralização dos recursos financeiros e da sua execução, assim como a incorporação do Programa como estratégia de SAN, foram determinantes para a inserção de inovações em sua gestão. O PNAE, criado em 1955, sofreu profundas modificações na sua base legal e operacional ao longo dos anos, com mudanças significativas, principalmente a partir de 2009.

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até a edição da Medida Provisória nº 455/2009, convertida na Lei nº 11.947/09. (SARAIVA

et al., 2013).

Da criação do Programa até os dias de hoje as inovações foram inúmeras: execução descentralizada, responsabilidade técnica, universalidade, equidade, controle social, promoção do desenvolvimento sustentável. Ademais, hoje o Programa está alinhado a um conjunto de ações estruturantes para promover a SAN e o Direito Humano à Alimentação Adequada4 (DHAA). Estes conceitos estarão permeando as discussões deste trabalho porque dão significado ao desenho atual do Programa. O PNAE, além de ser uma das ações estruturantes de SAN e de promoção da garantia de DHAA, é um programa da educação em sentido amplo, nisso residindo o seu potencial de transformação.

O PNAE ocupa um espaço privilegiado para o desenvolvimento de ações no sentido de contribuir para a transformação de uma complexa equação: na esfera da produção, ao mesmo tempo em que o Censo Agropecuário Brasileiro de 2006 (IBGE, 2009) aponta que a agricultura familiar responde por parte considerável do abastecimento interno de alimentos, assiste-se, no entanto, o fortalecimento de um modelo produtivo agroalimentar assentado na agricultura intensiva e com elevada utilização de produtos agroquímicos. Em relação ao consumo, a população está passando por um fenômeno chamado transição nutricional, caracterizado pelo aumento dos índices de sobrepeso e doenças crônicas não transmissíveis, associadas às escolhas não saudáveis nas refeições (TRICHES; SCHNEIDER, 2010).

Castro (2012), em sua obra Geografia da Fome – que trata das condições de alimentação da população brasileira, dos recursos naturais que o meio fornece e dos processos pelos quais as populações locais se organizam para satisfazer suas necessidades de alimentação - já apontava, na primeira metade do século XX, os pontos fundamentais do problema da má alimentação no país:

O problema está preso a alguns pontos fundamentais, dentre os quais se destacam: produção insuficiente, dificuldades na conservação dos alimentos em condições climáticas desfavoráveis, absoluta falta de transportes regulares e baixa capacidade aquisitiva das populações. Todos esses aspectos se ligam uns aos outros de forma indissolúvel, não sendo possível resolver o problema sem atacá-lo em todos esses pontos. O aumento da produção local é um objetivo inteiramente ao alcance da realidade. Com a organização de núcleos coloniais estabelecidos, consoante planos econômicos e técnicos bem elaborados (CASTRO, 2012, p. 87).

4 Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) - está previsto entre os direitos sociais da Constituição de

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Castro (2012) identificava que as condições de má alimentação estão ligadas, principalmente, a causas sociais que condicionam o tipo de alimentação, que, por sua vez, são influenciadas pela estrutura econômico-social das populações. Apontava que seria necessário, por parte dos poderes públicos, condicionar o desenvolvimento e orientá-lo para fins bem definidos e que não se sobrepusessem ao da emancipação alimentar do povo. Castro (2012) sugeria dirigir a economia tendo como meta o bem-estar social da coletividade, pois acreditava que só assim se teria um verdadeiro desenvolvimento econômico que emancipasse o país de todas as formas de servidão.

Para atacar o problema da má alimentação da população era necessária a estruturação de um conjunto de políticas públicas permanentes, de grande alcance, e que pudessem contar com a participação de vários setores da sociedade. No entanto, enquanto o governo não assumisse o problema como prioridade e sua responsabilidade, bem como a construção de um contexto de integração e de comunicação entre as políticas públicas, as ações de combate à fome ficariam isoladas e sem o suporte necessário para enfrentar as más condições de alimentação.

Para fazer frente a esse contexto, o Estado brasileiro passou a dar destaque e a esboçar uma política de segurança alimentar a partir da década de 1990, quando seus objetivos centrais voltaram-se não apenas à questão do suprimento das necessidades alimentares da população e autossuficiência nacional na produção agroalimentar, mas também à incorporação de outros aspectos relativos ao acesso, carências nutricionais e qualidade dos alimentos (ALTEMBURG et al., 2012).

A partir do início dos anos 2000 o esboço foi concretizado com o início da formulação de políticas e programas públicos assentados na concepção da SAN. A partir de 2003, a temática da SAN se institucionaliza na agenda governamental brasileira, ganhando uma abordagem operacional, tendo como principal elemento a estratégia do Programa Fome Zero e o conceito de SAN como um princípio orientador de políticas públicas.

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Os frutos da escolha do Estado brasileiro estão sendo colhidos. Em 2014, o relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) apontou que, pela primeira vez, o Brasil saiu do mapa da fome no mundo. O relatório descreve que o Brasil já é hoje uma referência internacional de combate à fome. As experiências exitosas como transferência de renda, compras diretas para aquisição de alimentos da agricultura familiar, a capacitação técnica de pequenos produtores e programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o PNAE estão sendo transferidas para outros países.

O relatório publicado pela FAO revela que o Brasil reduziu de forma muito expressiva a fome, a desnutrição e a subalimentação nos últimos anos. O indicador de prevalência de subalimentação, que é uma medida empregada pela FAO há cinquenta anos para dimensionar e acompanhar a fome em nível internacional, atingiu o nível abaixo de 5%, limite estatístico da medida abaixo do qual se considera que um país superou o problema da fome (FAO, 2014). O conjunto de ações contidas na política pública de SAN promovidas pelo Brasil tem mostrado ser uma estratégia efetiva de combate à fome e as condições de má alimentação, segundo o documento.

O PNAE constitui uma das estratégias da vigente política de SAN do país para combater problemas relacionados às mudanças no padrão de consumo alimentar da população nas últimas décadas. E a partir de 2009, a Lei nº 11.947/09 trouxe um novo formato para o PNAE. Uma importante relação foi estabelecida ao criar um elo institucional entre a alimentação oferecida nas escolas e a agricultura familiar da região em que as escolas se localizam.

Altemburg et al. (2012) consideram que o PNAE, regulamentado como política pública, sofreu inúmeras transformações ao longo dos anos. Foram incorporadas significativas mudanças, por meio da regulamentação da Lei nº 11.947/2009, na forma de como deve proceder a alimentação dos estudantes, repercutindo no destino da produção agrícola familiar. Os autores apontam que o Programa, além de proporcionar que a alimentação dos alunos nas escolas aconteça de forma mais saudável, também garante espaço para comercialização de alimentos, produzidos pela agricultura familiar, constituindo assim, uma ferramenta de auxílio ao desenvolvimento e valorização do espaço rural.

ABRANDH e IBASE (2012) indicam no relatório da pesquisa do Projeto

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iniciativa revolucionou o Programa e o alinhou ao conjunto de objetivos para a promoção e garantia do DHAA fazendo chegar às escolas alimentos mais nutritivos, produzidos localmente, portanto mais frescos e saudáveis e garantindo um mercado local, assegurado pelo poder público municipal, com a possibilidade de gerar renda continuada aos agricultores e ainda fortalecer os circuitos locais da produção de alimentos.

Conforme Villa Real e Schneider (2011) a Lei nº 11.947/09 torna-se um marco entre as políticas públicas relativas à SAN, uma vez que ampara a agricultura familiar ao tornar obrigatória a utilização de, no mínimo, 30% do valor transferido pelo FNDE às prefeituras e secretarias estaduais de educação, para a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para o PNAE. Também é uma inovação à legislação das aquisições públicas, com um processo de gestão que respeita e facilita as especificidades dos agricultores familiares. Os autores destacam, ainda, que este fato contribui para a manutenção de empregos e trabalho no meio rural, diminuindo o êxodo e a pobreza rural e urbana e incentiva o consumo sustentável, porque incentiva a produção de alimentos locais.

O PNAE passou a se apresentar como uma política estruturante para o desenvolvimento local, no momento em que passa a adquirir os gêneros alimentícios de agricultores locais e possibilita a construção um novo nicho de mercado para os pequenos agricultores.

Turpin (2009) aponta que o Artigo 14 da Lei nº 11.947/09 da alimentação escolar, ao mesmo tempo em que se constitui como instrumento de política de desenvolvimento local para a inserção produtiva e recapitalização dos produtores da região, sem acesso aos grandes mercados, contribui para assegurar uma alimentação escolar de melhor qualidade pelo uso de produtos in natura que, por serem adquiridos localmente, apresentam melhores características nutricionais..

Triches, Froehlich e Schneider (2011) chamam a atenção para as contribuições da prática da aquisição da agricultura familiar, para a alimentação escolar, na construção de mercados para agricultores familiares locais e suas consequências em estudo realizado em município do Rio Grande do Sul, em relação à confiança dos produtos da agricultura familiar nas escolas. As principais são a escolha por formas de plantio e produção diferenciados, como alimentos orgânicos e tradicionais, levando à promoção destas estratégias; incentivo à organização, cooperação e formalização e garantia da venda dos gêneros produzidos, com o aumento da renda e, provavelmente, diminuição do êxodo rural.

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exercem um papel importante no sentido de financiar a produção e garantir mercado. A obrigatoriedade de aquisição de gêneros da agricultura familiar local na alimentação escolar alinhou o Programa ao conjunto de estratégias das compras públicas governamentais que promovem a segurança alimentar e nutricional e tem sido apontada como a grande inovação do PNAE, sentida na prática da execução do Programa.

Niederle, Almeida e Vezzani (2013) ressaltam que os mecanismos de intervenção pública, como as políticas das compras públicas de alimentos, trazem em si um reconhecimento da agricultura familiar não apenas com base na sua capacidade de produzir alimentos, alcançando determinados níveis de produtividade, mas também pelo cumprimento de outras funções econômicas, sociais e ambientais, entre elas, a garantia da SAN e da qualidade dos alimentos, o uso e conservação da biodiversidade e a dinamização social e econômica dos espaços rurais. Os autores concluem que os mercados públicos, entre eles o PNAE, tornam-se relevantes, portanto, como opção de política pública, não apenas à produção de bens privados para o mercado, mas à capacidade da agricultura familiar de prover bens e serviços de interesse público. Os autores destacam que a institucionalização dessas ideias em instrumentos de política foi resultado de processos políticos complexos, envolvendo diferentes atores e cadeias de mediação e que representou uma ruptura aos princípios que haviam orientado, até então, as compras públicas de alimentos e as intervenções governamentais de apoio à comercialização.

Anjos e Becker (2014) avaliam que os desdobramentos decorrentes das compras públicas ultrapassam as fronteiras da ampliação da oferta de alimentos nos circuitos de abastecimento em nível local e/ou regional. Os autores chamam a atenção para o incentivo aos processos de cooperação, a criação de associações de produtores e de redes locais de comercialização. Além disso, a participação no PAA e no PNAE mobilizam os agricultores para superar o isolamento e romper o véu de invisibilidade em que boa parte dos indivíduos acha-se imersa e deve ser visto como um dos impactos altamente positivos desses programas.

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Villa Real (2011) afirma que os esforços para realocar a cadeia alimentar têm como um de seus principais problemas o fato de que o arcabouço normativo dos programas públicos ditam, em sua maioria, como ilegais as compras que especifiquem o adjetivo local, por ferir os princípios da livre concorrência. E aponta que, no que se refere aos gastos públicos, um dos princípios do desenvolvimento sustentável é a necessidade de demonstrar os custos negligenciados pelas convencionais análises de custo/benefício. O maior empecilho às compras sustentáveis tem sido uma tendência sistêmica em que o baixo custo vem disfarçado como melhor benefício. As normas das compras públicas são vistas como uma dificuldade.

Neste sentido, Teixeira (2013) procedeu à análise de instrumentos que tratam de compras públicas sustentáveis e concluiu que o PNAE está, dentro de um conjunto de outras políticas (como a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, decretos de margem de preferência para produtos nacionais, o PAA), entre os normativos federais que induzem a inclusão de critérios socioeconômicos nas compras públicas, ampliando o ordenamento jurídico que insere o tripé da sustentabilidade nas contratações públicas5. A autora observa que o PNAE está estritamente relacionado com o desenvolvimento regional sustentável, pois prioriza a produção local e contribui para a inserção de comunidades tradicionais menos assistidas.

Anjos e Becker (2014) relatam que há experiências muito interessantes de organizações de agricultores familiares do extremo sul gaúcho que começaram participando das compras públicas (escolas, creches, asilos, etc.) e que hoje firmam contratos de fornecimento de alimentos ecológicos para empresas privadas. Os autores destacam o fato dos mercados institucionais serem uma porta inicial de acesso à comercialização, mas não exclusiva, para a venda dos produtos. O amadurecimento desses processos pode contribuir para que as pequenas cooperativas estabeleçam laços com os mais diversos setores a partir da experiência acumulada ao longo do tempo. Os autores identificaram, ainda, que em muitos casos significou retomar o otimismo de alguns produtores via valorização do que se entende como a vocação da agricultura familiar, qual seja, a produção de alimentos frescos e da pequena indústria artesanal.

A Lei nº 11.947/09 é uma inovação dentro de um programa antigo, com regras de execução estabelecidas e incorporadas há tempos pelas áreas de compras locais. Por isso, a

5 Tripé da sustentabilidade nas contratações públicas são aquelas que consideram a sustentabilidade ambiental,

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gestão federal, com apoio dos movimentos sociais da SAN, tem o mérito da ousadia de incorporar a saúde, a segurança alimentar e o setor produtivo agroalimentar às ações de educação, para introduzir a temática sobre o processo de produção e consumo dentro das escolas. A incorporação se deu na elaboração de regulamento que cria a necessidade de se pensar a sustentabilidade dos processos de produção e consumo de alimentos com regras coerentes para aquisição de alimentos de acordo com a oferta local, agregando ao aspecto econômico das compras públicas, valores sociais e ambientais.

Jara (1998) mostra que o desenvolvimento sustentável tem que envolver o ser humano na satisfação de suas próprias necessidades. Quando esse desenvolvimento é fomentado por atores locais, aproveitando as potencialidades existentes no local, desenvolvendo a solidariedade e a cooperação na busca de maior bem estar próprio e para o entorno, partindo daí para o global, o desenvolvimento é definido como local. Para ter desenvolvimento é essencial a participação efetiva da comunidade, pela valoração humana, individual e do lugar. O autor aponta que é essencial a promoção do empoderamento local, pois a sua ausência impede que haja o protagonismo dos atores envolvidos em seu próprio desenvolvimento. Acrescente-se que o fortalecimento dos atores locais contribui também para a inserção proativa das comunidades regionais nos processos de desenvolvimento social e econômico.

Gadotti (2008) define a sustentabilidade como o sonho do bem viver para todos, o equilíbrio dinâmico com o outro e o meio ambiente. É um modo de vida justo, produtivo e sustentável. O autor fala sobre educação para a sustentabilidade ao invés de educação para o desenvolvimento sustentável. Para Gadotti (2008), o último é um conceito limitado para a educação. Não tem a abrangência necessária para se constituir numa concepção organizadora da educação. O autor salienta que a sustentabilidade é maior que o desenvolvimento sustentável e que pode se desdobrar em dois eixos: sustentabilidade ecológica, ambiental e demográfica (recursos naturais e ecossistemas – que se refere à base física do processo de desenvolvimento) e a sustentabilidade cultural, social e política (manutenção da diversidade e das identidades diretamente relacionada com a qualidade de vida das pessoas, da justiça distributiva e ao processo de construção da cidadania e da participação das pessoas no processo de desenvolvimento).

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Para Sachs (2004) o desenvolvimento deve compatibilizar a vertente econômica – diversificando e complexificando as estruturas produtivas, e a vertente social, reduzindo as distâncias de oportunidades de acesso entre as camadas sociais. O autor defende estratégias ambientalmente sustentáveis, economicamente sustentadas e socialmente includentes.

Vislumbra-se que o PNAE possa contribuir para a promoção de um modelo de desenvolvimento local, com justiça social, saúde e conservação ambiental, além de promover a reunião de debates realizados, até então, separadamente, entre os problemas associados à produção e ao desenvolvimento rural e aqueles associados ao consumo e à saúde pública, que vão ao encontro das políticas de SAN (TRICHES; SCHNEIDER, 2010). Carvalho (2009; 2009b) observa que a inovação da Lei nº 11.947/09 em relação à aquisição, diretamente do agricultor familiar, para a alimentação escolar, tem potencial de criar redes sociais, incentivar a economia solidária e o desenvolvimento local na medida em que os produtores forem se capacitando, se enquadrando aos ditames legais e vislumbrando a alimentação escolar como um valoroso nicho comercial. A autora destaca que, a partir do momento em que os gestores da alimentação escolar privilegiam o agricultor familiar ou o empreendedor familiar rural, estão fomentando um mercado justo, tendo em conta a exclusão do atravessador no processo de compra e venda. A autora frisa, ainda, que o débito vira crédito na conta do governo local e a despesa vira receita no orçamento municipal ou estadual, pois o dinheiro circula no próprio eixo econômico, criando empregos e gerando renda e um círculo virtuoso para a arrecadação fiscal com a retenção dos impostos na própria localidade.

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Altemburg et al. (2012) chama a atenção para a importância de saber o que pensam os agricultores sobre o consumo de seus produtos na escola, mostrando que é uma possibilidade de perceber o que de fato eles pensam sobre seus produtos. Para os agricultores, garantir a venda e valorização de seus produtos é assegurar a sua própria valorização. A interação com a comunidade escolar fortalece o apoio à reprodução da categoria social “agricultura familiar”. Para os autores, os próprios agricultores expressam que a sua atuação é de extrema importância para garantir a segurança alimentar nas escolas. Isto porque os alimentos fornecidos aos escolares percorrem cadeias curtas o que garante a qualidade e procedência dos alimentos produzidos.

Belik e Sousa (2009) salientam que os programas de alimentação escolar enquanto ações privilegiadas de política social no âmbito da SAN, considerando sua relação com a educação e com o desenvolvimento das localidades, podem gerar enormes ganhos, não apenas em termos de eficiência na gestão dos recursos públicos, mas também para a educação, a saúde e o desenvolvimento local, além dos seus impactos diretos sobre a segurança alimentar. Por reforçar os aspectos da produção e do consumo local, preservando hábitos alimentares, os programas de alimentação escolar nos municípios têm capacidade de promover a soberania alimentar das comunidades.

A defesa da soberania alimentar desponta como uma estratégia para a transformação do modelo de produção e abastecimento alimentar, ao defender o direito à autonomia local na produção, distribuição e consumo de alimentos. Um dos princípios fundamentais é o fortalecimento da produção e consumo local de alimentos, mas também envolve uma discussão mais ampla que inclui a defesa da reforma agrária e da biodiversidade.

A tendência atual ainda é o abastecimento alimentar dependente de transporte de alimentos por longas distâncias com alimentos que poderiam ser produzidos mais próximos de quem consome. Acompanhando a determinação da obrigação da aquisição de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, com a consequente melhoria das condições de renda para os agricultores e o incentivo à economia local, espera-se que o PNAE também incentive a produção diversificada, estimulando a soberania local na produção dos alimentos.

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Isto porque, quando torna obrigatório, por lei, que 30% dos recursos repassados pelo governo federal para estados e municípios adquirirem os gêneros alimentícios sejam investidos, exclusivamente, na compra feita diretamente da agricultura familiar, incentiva a inclusão produtiva local e a mudança dos hábitos alimentares nos estudantes. Como resultados, os autores relataram a modificação nas práticas alimentares dos alunos, com aumento do consumo de alimentos saudáveis, novas perspectivas de mercado para a agricultura familiar local, incentivo à produção com menor impacto ambiental, à organização, à cooperação, à formalização dos agricultores e a garantia de venda da produção e aumento de renda. Os autores concluíram que uma das principais potencialidades do Programa é a aproximação de consumidores e produtores, em nível local, e a possibilidade de reunirem debates entre os problemas associados ao desenvolvimento rural, ao consumo e à saúde.

Silva, Villasboas e Silva (2014) analisaram cardápios de um município da Bahia no período de 2005 a 2014 e concluíram que a inclusão dos produtos oriundos da agricultura familiar na alimentação escolar trouxe inegáveis avanços na promoção da alimentação saudável, equilibrada, nutritiva e no consumo de produtos regionais pelos escolares. Entretanto, apesar de todo avanço, ainda é necessário o fortalecimento da promoção da inserção dos produtos regionais no cardápio escolar. Ainda assim, as autoras apontaram como resultados dos estudos que a inclusão de produtos da agricultura familiar tem incentivado os escolares à ingestão de alimentos naturais e de características regionais, revitalizando a cultura alimentar regional e os hábitos alimentares saudáveis.

Para além de facilitar a comercialização dos produtos das organizações familiares rurais locais, acredita-se que o PNAE possa promover uma aproximação entre o agricultor familiar e a escola, trazendo benefícios nesta nova relação. Benefícios para a escola, para o agricultor e para a comunidade.

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Diniz (2014) mostrou, em estudo sobre a influência do PNAE na organização da rede de agricultores agroecológicos, de um município do Paraná, o impacto da obrigatoriedade da aquisição da agricultura familiar na viabilidade de fortalecer mercados agroecológicos de cadeias curtas de produção e consumo. Como principal resultado, a autora aponta que a lei, ao assegurar um mercado mais estável, serviu de atrativo para incorporação e fortalecimento da participação de novos agricultores agroecológicos. A lei demonstrou ser um catalisador de relações sociais que culminou na expansão da rede relacional de agricultores agroecológicos, extrapolando a localidade do município estudado.

O novo desenho do Programa traz uma configuração inovadora na execução que estimula parcerias locais e incentiva o fortalecimento das já existentes. Cria uma rede de saberes que pode qualificar as ações coletivas locais.

Turpin (2008), em estudo realizado com informações de municípios que participaram do Prêmio Gestor da Alimentação Escolar Eficiente - edição 2006, portanto, anterior à obrigação imposta pela Lei 11.947/09, indicou que o Programa, àquela época, já se apresentava como ação promotora da inserção competitiva da agricultura familiar no mercado institucional, com aumento na apropriação e circulação de riqueza e gerador de efeito multiplicador na economia local. A autora frisou que 3 (três) aspectos já estavam presentes na legislação do PNAE e que já se mostravam importantes mecanismos de estímulo à agricultura familiar: exigência de respeito à vocação agrícola e hábitos alimentares regionais; compras dentro dos limites geográficos regionais; e uso de produtos

in natura. Esses estímulos, por si só, já promoveriam a integração de políticas públicas com o foco na agricultura familiar, podendo ser um modelo efetivo de redução da desigualdade social em uma região.

As potencialidades da aquisição da agricultura familiar para o PNAE, conforme apontado nos estudos acima citados, enfrentam, todavia, inúmeros desafios para a sua consolidação. Dentre estes, ressalte-se a própria conformação do Programa, que introduz significativas inovações para o próprio campo da gestão pública.

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compreende desde o apoio da assistência técnica rural junto aos agricultores familiares, para a produção agropecuária, o assessoramento à comercialização e à organização social e a qualificação dos gestores escolares para lidar com este novo trâmite administrativo.

Assis, Dias e Cunha (2014) consideram, como alguns desafios para a execução do Programa, aspectos como a regularização da vigilância municipal e seu efetivo exercício na regularização dos produtos da agricultura familiar, e a melhoria no acesso ao crédito pela agricultura familiar para impulsionar sua atividade produtiva. Os autores concluíram que o entrosamento entre os diretores de escolas e os técnicos da assistência técnica rural nos municípios é uma ação fundamental para o bom desempenho e o cumprimento da meta estabelecida pela legislação vigente, além da necessidade de investimentos para a agregação de valor à produção agrícola familiar, em especial no que diz respeito à infraestrutura devidamente legalizada, com sistema de inspeção.

Por ser uma ação que inclui diferentes instâncias, como a saúde (regulamentação sanitária dos empreendimentos agroindustriais), a agricultura (assistência técnica e controle sanitário) e a gestão da educação (levantamento adequado da demanda, operacionalização da compra), a aquisição de produtos da agricultura familiar, para alimentação escolar, torna-se um processo dispendioso de mais energia cooperativa, na gestão municipal e/ou estadual, comparado às compras públicas convencionais, regidas, de modo geral, apenas pelo critério menor preço. Muito embora tenha emergido ultimamente novos desenhos de implementação de políticas públicas, o discurso ainda encontra barreiras em processos locais arraigados em ações departamentalizadas. Muito se evoluiu, mas a intersetorialidade ainda é um grande desafio.

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aproximar a produção do consumo, de forma a conciliar as necessidades do PNAE com o fortalecimento das organizações produtivas de agricultores familiares no conjunto das estratégias de SAN.

1.3 O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO POLÍTICA PÚBLICA

As políticas públicas da área de educação são de responsabilidade dos três entes federativos, e o direito à educação deve ser garantido por meio do “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (BRASIL, 2009d).

Senna (2011), ao analisar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), demonstra que a coordenação, na repartição dos poderes na República Federativa do Brasil, acontece por meio das competências concorrentes, o que requer a cooperação, na medida em que as três esferas (federal, estadual/distrital e municipal) estão envolvidas na realização das políticas públicas. A União, os estados e os municípios concorrem para uma mesma função, mas em âmbito e intensidade distintos. Todos têm um certo grau de cooperação, como ocorre com a política de educação, com funções próprias ou supletivas que vão compor o regime de colaboração. O federalismo atua para reduzir as desigualdades entre os entes autônomos que, embora tenham igualdade formal, possuem desigualdades materiais. Esse é um dos objetivos da República Federativa do Brasil e os conflitos devem ser solucionados democraticamente, objetivando a equalização.

Em acordo com Fornazier (2014), a Constituição Brasileira de 1988 alterou a conformação de políticas públicas e a atuação do Estado com a descentralização de muitos serviços, principalmente para os municípios. O governo federal assumiu a função de coordenação em setores em setores prioritários, como a saúde e educação. No conjunto de políticas públicas no Brasil, a partir desse desenho pós Constituição Federal de 1988, os entes federativos incorporaram uma série de deveres definidos sobre quem executa, qual o público, fonte de recursos, entre outros. Foi estabelecido o poder de implementação de muitas ações aos estados e municípios, por serem, teoricamente, os agentes mais próximos da população no desempenho das políticas públicas.

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políticas locais, voltadas para uma demanda local; viabilidade do estabelecimento de vínculos de parceria com outras esferas e níveis de governo e com governos de outros municípios, possibilitando a formação de políticas articuladas com base territorial, e também possibilitando novas formas de articulação entre estado, sociedade civil e mercado, que viabiliza a inclusão de novos atores na formulação e implementação das políticas no nível local, tornando a gestão mais inclusiva e dinâmica.

A interação de uma política pública com outras políticas, com objetivos macrossociais convergentes, pode ser um indicador do nível de efetividade das ações governamentais e das políticas públicas do Estado. Para análise de política pública considera-se que descentralização significa a transferência, no todo ou em parte, das ações de planejamento, execução e controle para as instâncias de governo mais próximas do usuário. Essa aproximação do lócus decisório à realidade deve, de um lado, favorecer a oferta e o desenvolvimento mais adequados das ações objeto da política, contribuindo para a eficiência no uso de recursos, em face dos resultados visados, com redução do nível de desperdício; de outro lado, deve possibilitar maior impacto sobre os beneficiários da ação, contribuindo para a efetividade social das ações (BELLONI, 2007). A descentralização não significa apenas transferir atribuições, de forma a garantir eficiência, mas, sobretudo, como redistribuição de poder, favorece a democratização das relações entre Estado e sociedade e a democratização do acesso aos serviços (GONÇALVES, 2013).

Uma das ações implementadas no processo de descentralização foi a criação de espaços para atuação do controle social das políticas públicas, como os conselhos representativos, onde se busca oportunizar a participação dos atores da sociedade civil e o governo, nos seus três níveis de atuação. A descentralização ocorrida em 1988 reforçou a ideia de democratização direcionada para ampliar a participação das comunidades e a aproximação do governo, propiciando assim um maior controle das ações e decisões governamentais, ou seja, uma gestão pública mais justa e menos autoritária (FORNAZIER, 2014). Este formato consagrou o desenho da construção de planos pactuados entre os níveis de governo com a participação do controle social.

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Uma política pública trata de uma ação estratégica planejada em que o Estado e a sociedade desempenham papéis ativos. O estudo da política pública constitui o estudo do Estado em ação, nas suas relações de reciprocidade e de antagonismo com a sociedade. É uma oportunidade para o Estado direcionar suas ações para determinados setores, regiões ou grupos sociais. No entanto, nesse processo há tensões e contradições. Trata-se de um processo de mediação, como estratégia estatal, entre interesses conflitivos (GOMES, 2012).

Considera-se “pública” a política que propõe enfrentar um problema público. Apesar da elaboração de políticas públicas ser uma das razões da existência do Estado moderno, o que define se é ou não uma política pública é a sua intenção de responder a um problema público e não a personalidade jurídica de quem toma a decisão. Embora o Estado tenha seu papel mais reforçado, principalmente no enfrentamento de problemas distributivos, assimetrias informativas e outras falhas de mercado, as organizações privadas, as organizações não governamentais, os organismos multilaterais, as redes de políticas públicas, juntamente com os atores estatais, são participantes da elaboração das políticas públicas (SECCHI, 2013).

Uma política pública é elaborada para enfrentar um determinado problema público. É uma orientação de atividade. E para Secchi (2013), as ações e as omissões decorrentes dessa orientação fazem parte da política pública. A intencionalidade pública e a resposta a um problema público são os dois elementos fundamentais. O problema público é a diferença entre a situação atual e uma situação ideal possível para a realidade pública.

Ball e Mainardes (2011) afirmam que os defensores das policy sciences, criadas no final da década de 1950, distinguiam-nas das demais ciências tradicionais, caracterizando-as como dotadas de 3 elementos principais: orientação para a solução de problemas, a multidisciplinaridade e o caráter normativo ou orientado por valores. Harold Lasswell6, um dos precursores das policy sciences, acreditava que o campo da pesquisa e o campo da política deveriam cooperar entre si, considerando que todo problema social, assim como toda abordagem metodológica das ciências, são dotados de componentes valorativos. Para Ball e Mainardes (2011), as contribuições de Lasswell e os eventos políticos do século XX transformaram as análises políticas, passando a considerar a complexidade de variáveis envolvidas na definição de estratégias para o combate à pobreza, ao desemprego, aos problemas de saúde, entre outros. As lições dos eventos do século XX mostraram que o

6 The Policy Orientation in LERNER, D; LASSWELL, H. The Policy Sciences: recent developments in scope

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emprego de abordagens multidisciplinares e que a comunicação entre quem elabora a política e entre o destinatário precisavam ser aprimoradas.

Políticas públicas, como o PNAE, contam com ações em nível regional e local que a operacionaliza, pois em cada nível há um entendimento diferente dos problemas e das soluções, com configuração institucional diferente, atores e interesses diferentes para cada local. As políticas públicas envolvem diretrizes estruturantes, de nível estratégico e as diretrizes de nível intermediário e operacional (SECCHI, 2013).

O instrumento de política pública do governo federal no PNAE é a normatização de regulamentação integrada com outras políticas públicas de Educação e de SAN, que cria as diretrizes de ação, as regras de execução, a disseminação de informação e a transferência de recursos federais complementares. As ações, nos planos locais, são realizadas por meio da prestação direta do serviço público, onde instrumentos regulatórios complementares, coordenados com demais ações de educação, saúde e desenvolvimento deverão ser elaborados para subsidiar as soluções específicas escolhidas para o desenvolvimento da política em nível local.

A fase da implementação da política, momento de transformar as intenções em ações políticas, por meio das soluções escolhidas, põe à prova as funções administrativas como liderança e coordenação das ações. Os sujeitos que implementam as ações devem ser capazes de entender os elementos motivacionais dos atores envolvidos, os obstáculos técnicos e legais presentes, as deficiências, os conflitos, além de negociar e promover a coordenação entre os executores e a cooperação intersetorial (SECCHI, 2013).

Apesar de ser a etapa em que a política sai do campo da concepção para a execução, na fase da implementação da política podem surgir muitos conflitos entre os diferentes atores sociais e certas dificuldades de institucionalização. A própria configuração do Estado brasileiro, com algumas ações sendo coordenadas no nível federal, outras no nível estadual e outras pelos municípios, pode promover conflitos ou baixa interação entre os diversos entes federativos (FORNAZIER, 2014).

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A participação reivindicada pelos movimentos sociais e novos atores que surgiam na arena política envolveu três dimensões básicas: a instituição de práticas participativas na formulação, implementação e controle de políticas públicas; a criação de mecanismos de accountability no sistema político brasileiro; e a definição de uma dimensão de co-responsabilidade pública pelas políticas realizadas. Para tanto, foi necessário criar canais de participação para o cidadão tomar parte das políticas. Esses canais são basicamente de dois tipos: formais (conselhos co-gestores, setoriais, orçamento participativo e parcerias ligadas ao terceiro setor) e informais (movimentos sociais, fóruns não-institucionalizados e associações diversas) (GONÇALVES, 2013).

O PNAE é influenciado pelas comunidades de políticas públicas instituídas nos níveis federal, estaduais, municipais e distrital, como os conselhos de segurança alimentar e nutricional, de saúde, de desenvolvimento rural, além dos conselhos de alimentação escolar, instituídos pelo próprio Programa, para o controle social da política. Acredita-se que a participação dessas comunidades na execução da política pública afeta diretamente a legitimidade, a justiça e a eficácia das políticas públicas e consolida o senso de pertencimento e a responsabilidade coletiva.

Sechhi (2013) mostra a distinção entre correntes de participação na tomada de decisão. As correntes contingenciais acreditam que o nível ideal de participação depende de variáveis como a maturidade dos participantes, tipo de decisões e nível de urgência. As não contingenciais afirmam que a participação tem valor em si, e não nos potenciais resultados que um processo participativo pode trazer. As correntes normativas centralizadoras defendem que a participação é prejudicial, pois poucos estão preparados para agir sobre os fatos e possuem senso de responsabilidade, além de vieses políticos que podem interferir e desvirtuar decisões que deveriam ser técnicas.

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Figura 1- Esquema das propostas do Projeto Fome Zero.
Gráfico 1 - Evolução do número de alunos e recursos financeiros investidos pelo  governo federal no PNAE entre 1995 e 2014
Tabela 1 - Evolução dos valores percapitas do PNAE entre 2000 e 2013 em R$.
Figura 2 - Mapa da distribuição geográfica dos municípios visitados para a realização das  entrevistas
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