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A Leishmaniose visceral na Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo ( )

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A Leishmaniose visceral na Região de

Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (1999

-2009)

Elisabete Serrada MD, MPH1 & António Barata Tavares MD, PHD2

1 Introdução

A leishmaniose é uma doença infecciosa transmitida pela picada da fêmea de um vector infectado (Phlebotomus pernicious e Phlebotomus ariasi) com um protozoário da ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidea, género Leishmania (Leishmania L. donovani e Leishmania L. infantum).

O principal reservatório da zoonose é o canídeo e os casos de antroponose devem-se à partilha de devem-seringa na toxifília endovenosa.

A Leishmaniose visceral (Kala-Azar) é uma das quatro manifestações clínicas possíveis.

Segundo a OMS (2010) ocorrem cerca de 600.000 infecções por leishmania/ano mas, o seu impacto real é subestimado. A prevalência é de ±12 milhões de pessoas infectadas. A incidência registada é de dois milhões de casos/ano dos quais, 500.000 são Kala-Azar. A Mortalidade é de 70.000 óbitos/ano. A Letalidade é de 5,83% e o peso da doença corresponde a 2,4 milhões de DALY’s. Apesar da sua gravidade (fatal se não tratado), o Kala-Azar foi negligenciado no último vinténio.

A doença é endémica na bacia mediterrânica. O primeiro caso português foi diagnosticado em Lisboa em 1910. Nos anos oitenta do século passado, no território continental, eram descritas três

1

Assistente da Carreira Especial Médica de Saúde Pública e Discente do Doutoramento em Saúde Pública da ENSP, Lisboa

2

Chefe de Serviço da Carreira Especial Médica de Saúde Pública, Delegado de Saúde Regional de LVT e Professor Auxiliar Convidado de Saúde Ambiental e Ocupacional da ENSP, Lisboa

regiões endémicas com alta incidência (o Alto Douro, Lisboa e Vale do Tejo e o Algarve) (Abranches et al, 1984). Em Portugal a doença é de notificação obrigatória desde 1948 (Portaria nº 1071/48, de 31 de Dezembro).

O alastramento de doenças infecciosas transmitidas por vectores na Europa é um problema de Saúde Pública emergente. Pela informação epidemiológica ser escassa, tornou-se pertinente o desenvolvimento de uma investigação que caracterizasse o perfil epidemiológico da Leishmaniose visceral diagnosticada em Portugal continental, por regiões de saúde, entre 1999-2009.

Este artigo pretende descrever a situação encontrada na Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS LVT) no período estudado.

2 Material e métodos

Desenvolveu-se um estudo observacional descritivo na população residente em Portugal continental entre os anos 1999 e 2009, com o diagnóstico confirmado de Leishmaniose visceral.

Adoptou-se a definição de caso de Leishmaniose visceral da OMS: o indivíduo internado em Portugal continental com o diagnóstico de leishmaniose visceral confirmado (OMS, 2010). Foram incluídos os indivíduos com diagnóstico confirmado de Leishmaniose visceral clínico e/ou laboratorial e excluídos os indivíduos que possam ter tido a doença e que, apesar de apresentarem sintomatologia, não procuraram um serviço de saúde para obtenção de um diagnóstico; os casos de doença provável, cujo diagnóstico não foi confirmado e finalmente os internamentos em instituição de saúde privada.

Após a autorização de acesso aos dados e consulta das bases de dados do sistema de Doenças de Declaração Obrigatória (DDO) e dos Grupos de Diagnóstico Homogéneo (GDH) do período em estudo, foram

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2 identificados os hospitais com

internamentos. Foram recolhidos os dados pertinentes em todos os processos clínicos dos doentes internados com Kala-Azar nos hospitais do SNS de Portugal continental e do hospital prisional S. João de Deus entre 1999-2009.

A validade foi garantida por todos os casos internados terem sido incluídos no estudo e por um cross-check minucioso de todos os internamentos e dos casos notificados ter evitado a duplicação da contabilização dos casos.

Procedeu-se a análise estatística para um nível de significância de 0,05. Foram calculadas as medidas de frequência de todas as variáveis e as taxas de incidência e de prevalência da leishmaniose visceral (LV) por ano e região de saúde.

3 Resultados

3.1 Resultados de Portugal continental No período em estudo, foram notificados com LV no sistema DDO 145 casos. Foram registados 855 episódios com o código 085.0 da CID-9-CM, correspondendo a um total de 730 internamentos para 375 indivíduos. Quantificou-se a subnotificação em cerca de 2/3 casos (notificados apenas 38,6% dos doentes). A maioria dos doentes era residente na Região de Saúde de LVT (54,4%).

Quadro 1. Doentes internados com Leishmaniose visceral por região de saúde, em Portugal continental entre 1999-2009 Região Frequência (n) % ARS Norte 74 19,7 ARS Centro 73 19,5 ARS LVT 204 54,4 ARS Alentejo 18 4,8 ARS Algarve 5 1,3 Outro 1 0,3 Total 375 100,0

Foram representados graficamente o corredor endémico construído pelo método de Bortman (fig.1), o mapeamento dos casos em Portugal continental com a ferramenta Mapoint®2010 da Microsoft® (fig.2).

Figura 1. Corredor epidémico da LV em Portugal continental entre 1999-2009.

Figura 2. Distribuição dos casos de LV em Portugal continental entre 1999-2009 0 0,5 1 1,5 2 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 tax a d e i n c id ê n c ia (/ 100000) Ano

normal segurança alerta

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3 3.2 Resultados da Região de Saúde de

Lisboa e Vale do Tejo

Quadro 2. Doentes internados com LV na ARS LVT por ano entre 1999-2009

Ano Casos (n) % 1999 10 4,9 2000 26 12,7 2001 19 9,3 2002 22 10,8 2003 16 7,8 2004 18 8,8 2005 18 8,8 2006 17 8,3 2007 24 11,8 2008 20 9,8 2009 14 6,9 Total 204 100

Quadro 3. Distribuição dos casos de LV da ARS LVT por hospital Hospital Casos % Capuchos 16 7,8 Cascais 3 1,5 CHB Montijo 1 0,5 Curry Cabral 36 17,6 Egas Moniz 19 9,3 D. Estefânia 13 6,4 F. Fonseca 13 6,4 Garcia da Orta 21 10,3 H Prisional 10 4,9 HUC 1 0,5 IPO Lisboa 2 1 Pulido Valente 1 0,5 R. Santos 4 2 Santa cruz 1 0,5 SF Xavier 18 8,8 S José 4 2 Sta Maria 41 20,1 Total 204 100 3.2.1 Caracterização sociodemográfica Os doentes residentes na ARS LVT eram na maioria Homem (74,5%), Euro caucasianos (56,9%) e de raça negra 24,5%, com idade em média de 31,75 anos, solteiros (62,7%) e desempregados (35,8%).

3.2.2 Contexto epidemiológico Residência

Todos os doentes residiam numa área endémica da doença aquando do internamento e mudaram de local residência nos seis meses anteriores ao mesmo (78,4%). 89,7% dos casos residiam numa área onde foi identificada a presença do vector da doença.

Contacto com canídeos

Cerca de metade de todos os processos clínicos não apresentavam registo escrito de um possível contacto com canídeos (50,4%) e quando registado, a maioria refere não ter havido contacto com cães (70,2%). Nos doentes em que esse contacto existiu, 58 % dos casos também foi identificado o parasita no cão.

Comorbilidade imunosupressora

A maioria dos doentes internados com LV era portador do vírus da imunodeficiência humana/SIDA (62,7%). Dos doentes que recidivaram, 97,5% eram VIH/SIDA.

Existia outra comorbilidade associada em 9,3 % dos doentes com LV.

Hábitos de risco

35,8% dos doentes com LV da ARS LVT apresentaram hábitos de toxicofilia endovenosa.

3.2.3 Apresentação clínica

2,5% dos doentes não apresentaram qualquer sintomatologia. A sintomatologia mais frequente corresponde à encontrada mundialmente

Quadro 4. Distribuição dos sintomas mais frequentes nos doentes com LV na ARS LVT entre 1999 – 2009 Sintoma % de doentes Anemia 80,4 Leucopenia 77,5 Trombocitopenia 76,0 Pancitopenia 70,1 Febre 66,2 Hepatomegália 63,2 Esplenomegália 63,2

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4 3.2.4 Diagnóstico

Em 92,6% dos doentes o diagnóstico foi clínico e confirmado laboratorialmente. A punção aspirativa de tecido medular foi o acto médico realizado mais frequente (96,6%). A confirmação laboratorial do diagnóstico foi através da visualização do parasita e/ou os amastigosta da Leishmania (98%). A serologia para pesquisa de anticorpos específicos não foi efectuada em 55,9% dos doentes.

3.2.5 Mortalidade

A Letalidade da leishmaniose (todas as formas) em Portugal continental na década em estudo foi de 5,02% e a letalidade da LV foi de 5,06%.

Na ARS LVT, faleceram de todas as causas 28,9% dos doentes e nestes, 21,1% das mortes foram por LV.

3.2.6 Intervenção dos Serviços de Saúde 3.2.6.1 Tratamento

Quadro 5. Fármaco administrado no 1º tratamento efectuado nos doentes da ARS LVT com LV internados entre 1999-2009

Fármaco administrado Frequência

(n) %

Anfotericina B lipossomica AMBISOME®

110 53,9

Anfotericina B complexo lipídico AMPHOTEC®

2 1,0

Anfotericina B dispersão coloidal ABELCET® 4 2,0 Antimoniato de Meglumina GLUCANTIME® 52 25,5 Pentamidina 3 1,5 Anfotericina clássica 1 0,5 Ignorado 31 15,2

Não fez tratamento 1 0,5

Total 204 100,0

3.2.6.2 Intervenção dos Serviços de Saúde Pública

Quadro 6. Notificação dos Casos de LVT para o sistema DDO entre 1999-2009

Casos notificados %

Sim 65 31,9

Não 139 68,1

Total 204 100

Na ARS LVT foram notificados 31,9% dos casos de LV. Demorou em média 29 dias até a Autoridade de Saúde concelhia ter conhecimento dos casos.

Quadro 7. Intervenção dos Serviços de Saúde Pública nos casos de LV da ARS LVT entre 1999-2009

Medidas adoptadas Casos (n) %

Inquérito epidemiológico 11 5,4

Inquérito e medidas 5 2,5

Sem medidas 188 92,2

Total 204 100

Nos 65 casos notificados, não foi tomada qualquer medida em 75,4 % dos casos.

Quadro 8. Taxas de prevalência da LV em Portugal continental e ARS LVT entre 1999-2009

Ano Taxa de prevalência (/100 000 habitantes)

ARS LVT Continente 1999 0,3783 0,2470 2000 0,9768 0,3681 2001 0,7071 0,2842 2002 0,6999 0,3425 2003 0,5839 0,3003 2004 0,6520 0,4779 2005 0,6477 0,2976 2006 0,6084 0,3759 2007 0,8546 0,4246 2008 0,7094 0,3157 2009 0,4945 0,3056

A taxa de prevalência média do continente no período em estudo foi de 0,339945/100000 habitantes e na ARS LVT foi de 0,664782/100000 habitantes.

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5 A percentagem de casos com recidiva na

ARS LVT no período em estudo foi de 19,6%.

Quadro 9. Número de recidivas de LV em Portugal continental e ARS LVT por ano entre 1999-2009

ARS LVT Continente Ano 1999 0 2 2000 6 7 2001 5 5 2002 3 5 2003 4 5 2004 2 4 2005 2 5 2006 4 7 2007 5 7 2008 3 5 2009 2 2 Total 36 54

Quadro 10. Taxas de incidência (por 100.000 habitantes) de LV em Portugal continental e na ARS LVT entre 1999-2009

Ano Taxa de incidência (/100 000 habitantes)

ARS LVT Continente 1999 0,3783 0,2264 2000 0,7514 0,2965 2001 0,5211 0,2335 2002 0,6999 0,2921 2003 0,4379 0,2902 2004 0,5796 0,4381 2005 0,5757 0,2480 2006 0,4652 0,3066 2007 0,6765 0,3555 2008 0,6030 0,2664 2009 0,4239 0,2859

A taxa de incidência média do continente no período em estudo foi de 0,294473/100000 habitantes e na ARS LVT foi de 0,555682/100000 habitantes.

4 Discussão

Existe uma percentagem elevada de subnotificação das DDO em Portugal, considerou-se ser homogénea no continente. Na ARS LVT a subnotificação foi quantificada em 68,1% valor superior ao encontrado no continente (61,4%).

Comparação da ARS LVT com o continente No período em estudo, o Kala-Azar na ARS LVT apresentou as taxas médias de

incidência (0,55/106 hab.) e de prevalência (0,66/106 hab.) superiores ao registado a nível nacional indo de encontro com a endemia da região. Por outro lado, verificou-se uma alta taxa de recidiva da doença (19,6%). Esta poderá dever-se quer ao contexto epidemiológico favorável dos doentes da ARS LVT (residência em local endémico, sem abrigo ou com condições de insalubridade habitacional, hábitos toxicodependentes, comorbilidade imunosupressora) como também, à presença efectiva do vector no meio ambiente que é propício à nova picada dos doentes já tratados.

35,8% dos doentes apresentavam hábitos de toxicofília endovenosa, que é um comportamento de risco mais frequente no homem, assim poderá explicar a maior frequência da doença no sexo masculino em Portugal e na ARS LVT.

A média de idade dos doentes (31,7 anos) foi arrastada para a esquerda, pois esta emerge no adulto jovem como doença oportunista, à custa do aumento da incidência dos indivíduos portadores do VIH (62,7% dos doentes da ARS LVT).

Comparando todas a regiões de saúde, a ARS LVT apresentou a prevalência mais alta ao longo dos 11 anos e o pico máximo de incidência ocorreu em 2004, à semelhança de todas as regiões. É provável que esse facto seja consequência da onda de calor verificada em 2003.

O corredor construído aponta para a evolução da incidência com surtos com intervalos de 2-3 anos, deveria essa tendência ser verificada através de instrumentos de modelação matemática.

5 Conclusões e recomendações 5.1 Conclusões

O mapeamento efectuado distribuiu os casos ao longo dos principais rios portugueses (Douro, Mondego e Tejo),

(6)

6 com um maior aglomerado de casos na

ARS LVT. Parece existir um alastramento dos casos no território para norte da região para áreas que não eram anteriormente endémicas (Santarém).

Para concluir, uma vez que os estudos encontrados na literatura internacional revelaram a existência de um aumento da incidência de leishmaniose na bacia mediterrânica, é espectável que o perfil epidemiológico português venha a acompanhar essa tendência.

5.2 Recomendações

Na sequência desta investigação poderão os serviços de saúde ficar mais despertos para a importância da monitorização da doença.

Seria pertinente o desenvolvimento de parcerias interdisciplinares nesta matéria entre a Direcção-Geral da Saúde, a Direcção-Geral da Medicina Veterinária e os Municípios assim como a adopção de medidas preventivas da infestação dos cães domésticos, nomeadamente a educação para a saúde dos proprietários dos canídeos.

Recomenda-se a elaboração de estratégias de prevenção da doença nomeadamente com a monitorização dos flebótomos no território, desenvolvimento de medidas de planeamento que potenciem a antecipação na preparação da resposta dos Serviços de Saúde.

Estudos posteriores seriam úteis para uma melhor caracterização da co-infecção leishmaniose - VIH/SIDA.

Finalmente, recomenda-se o desenvolvimento de outra investigação no sentido de averiguar quais as condições climáticas que propiciam a sobrevida do vector e proporcionam a infestação de homens e animais.

6 Bibliografia

ABRANCHES, P.; CONCEIÇÃO-SILVA, F. M.; SILVA PEREIRA, M. C. - The sylvatic cycle in the enzootic endemic focus of Arrabida. Journal of Tropical Medicine and Hygiene. 8 (1984) 197-200.

PORTUGAL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. DGS, Divisão de Epidemiologia. - Doenças de Declaração Obrigatória 2003-2007. Lisboa: Direcção Geral da Saúde, 2008.

SERRADA. E. A leishmaniose visceral em Portugal continental entre 1999-2009 [Tese de dissertação para obtenção de grau de Mestre em Saúde Pública]. Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa; Dezembro 2010.

Referências

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