Elementos de An´ alise Complexa na Modelagem de Problemas F´ısicos
Anna Regina Corbo Costa
31 de janeiro de 2006
Sum´ ario
1 Introdu¸c˜ao 2
2 Referencial Te´orico 4
2.1 Dom´ınios . . . 4
2.2 O Teorema de Green . . . 7
2.3 Fun¸c˜oes Complexas . . . 8
2.4 Fun¸c˜oes Anal´ıticas . . . 9
2.5 Integra¸c˜ao Complexa . . . 12
2.6 Aplica¸c˜oes Conformes . . . 17
2.6.1 A aplica¸c˜ao w=sen(z) . . . 17
2.6.2 A aplica¸c˜ao w= z−1z+1 . . . 20
3 Fluxos de calor por condu¸c˜ao 22 3.1 Postulados F´ısicos . . . 22
3.2 Temperaturas estacion´arias numa parede . . . 24
3.3 Temperaturas numa placa com parte de uma fronteira isolada 30 4 Escoamento de um Fluido Bidimensional 34 4.1 Postulados F´ısicos . . . 34
4.2 Escoamento ao redor de um cilindro . . . 38
4.3 Escoamento de um fluido num canal atrav´es de uma fenda . . 41
4.4 Escoamento com rota¸c˜ao . . . 45
5 Considera¸c˜oes Finais 47
Referˆencias 48
1 Introdu¸ c˜ ao
V´arios problemas provenientes da F´ısica e da Engenharia, que envolvem a equa¸c˜ao de Laplace e condi¸c˜oes de contorno, podem ser resolvidos por meio de uma interpreta¸c˜ao complexa. Nos ´ultimos 100 anos, v´arias abordagens deste tipo foram estudadas e implementadas, em especial entre os anos de 1950 e 1970.
Como exemplo podemos citar as utiliza¸c˜oes, por formula¸c˜oes em vari´aveis complexas, em Dinˆamica de Fluidos. Isto ocorre pois, ao trabalharmos em regime de escoamento potencial, ou seja, ao fazermos as hip´oteses de fluido ideal bidimensional comcompressibilidadedesprez´ıvel e sistema decircula¸c˜ao com escoamentoirrotacioanal, ´e poss´ıvel obter uma boa representa¸c˜ao e pre- visibilidade do escoamento em determinado per´ıodo de tempo. Esta for- mula¸c˜ao foi muito utilizada em proje¸c˜oes de aerof´olios por conta do problema de sustenta¸c˜ao de um avi˜ao no ar; escoamento de fluidos l´ıquidos atrav´es de obst´aculos; problemas de que envolvem a condu¸c˜ao de calor ou eletricidade atrav´es corpos condutores; entre outros exemplos.
Estes problemas, s˜ao resolvidos, de maneira geral, atrav´es de aplica¸c˜oes con- formes. Na verdade, definimos estas aplica¸c˜oes como uma transforma¸c˜ao entre pontos do plano complexo. Isto ocorre pois a aplica¸c˜ao pode ser rep- resentada graficamente, ou seja, ´e poss´ıvel entender a aplica¸c˜ao como uma fun¸c˜ao leva curvas em outras curvas do plano complexo. Desta forma, ser´a mostrado aqui que o problema de encontrar uma fun¸c˜ao de x e y que seja harmˆonica numa regi˜ao e satisfa¸ca a certas condi¸c˜oes preescritas na fron- teira desta regi˜ao pode ser resolvido por meio de transforma¸c˜oes descritas por fun¸c˜oes anal´ıticas.
Historicamente, Euler foi quem introduziu, no s´eculo XVIII, o conceito de
fun¸c˜oes de uma vari´avel complexa assim como encontrou rela¸c˜oes entre elas, como a F´ormula de Euler: eiθ = cosθ+isenθ que ´e sistematicamente usada na manipula¸c˜ao de integrais atualmente. Ele foi o primeiro matem´atico que se dedicou ao estudo de fun¸c˜oes complexas, sua interpreta¸c˜ao geom´etrica e suas aplica¸c˜oes em an´alise, hidrodinˆamica e cartografia, especialmente. Por´em, Euler n˜ao tinha a total compreens˜ao de todas as implica¸c˜oes da diferen- cia¸c˜ao complexa. Por isso, o grande progresso nesta dire¸c˜ao foi dado pelos matem´aticos Cauchy e Riemann, quase 100 anos ap´os as publica¸c˜oes de Euler.
Atualmente, o uso da abordagem complexa para a interpreta¸c˜ao de situa¸c˜oes f´ısicas foi racionalizada, uma vez que dispomos de mecanismos mais efi- cientes e detalhistas na descri¸c˜ao destes tipos de fenˆomenos, como a teoria de Equa¸c˜oes Diferencias, onde o uso de algumas hip´oteses, como a irrota- cionabidade do escoamento, podem ser descartadas, dando mais veracidade a modelagem destes problemas. Por´em, quando a manipula¸c˜ao do assunto visa a eficiˆencia computacional ou mesmo para uma visualiza¸c˜ao preliminar do problema, esta abordagem ainda ´e muito utilizada.
Desta forma, o objetivo geral deste trabalho consiste em exemplificar al- guns dos problemas f´ısicos que podem ter uma abordagem complexa para sua solu¸c˜ao. Para isso, ser˜ao descritos primeiramente alguns t´opicos da teo- ria de An´alise Complexa ´uteis nesta interpreta¸c˜ao e que, muitas vezes, n˜ao s˜ao discutidos durante um curso de gradua¸c˜ao.
2 Referencial Te´ orico
Neste item, ser˜ao discutidos, enunciados e demostrados alguns t´opicos da teo- ria de An´alise Complexa essenciais para o desenvolvimento de nosso estudo.
Para uma abordagem mais completa consultar [1], [2], [4] e [5].
2.1 Dom´ınios
Discutiremos brevemente os conceitos topol´ogicos necess´arios ao estudo de fun¸c˜oes de uma vari´avel complexa.
Defini¸c˜ao 1. Seja z0 um ponto do plano complexo e a um real positivo.
Ent˜ao o conjunto
D(z0, a) ={z;|z−z0|< a}
´e chamado de disco aberto de raio a e centro z0. J´a o conjunto D(z0, a) ={z;|z−z0| ≤a}
´e chamado de disco fechado de raio a e centro z0.
Defini¸c˜ao 2. Um subconjunto U de C ´e dito aberto se ∀z ∈ U podemos encontrar a >0 tal que D(z0, a)⊂U.
Defini¸c˜ao 3. Um subconjuntoV deC´e dito fechado seC\V ´e aberto. Al´em disso, diz-se que V ´e limitado se∃R > 0tal que |z|< R para z em C. Defini¸c˜ao 4. Se U ⊂ C e z ∈ C, diz-se que z ´e ponto de fronteira de U se todo disco de centro z cont´em pontos de U e de C\U. A fronteira de U ´e o conjunto formado pelos pontos de fronteira e ser´a notada por ∂U.
Defini¸c˜ao 5. Um caminho suave em C ´e uma aplica¸c˜ao γ :J →C
com derivada cont´ınua em todos os pontos de J, onde J ⊂R´e um intervalo da formaJ = [a, b], a < b. Os pontos γ(a)e γ(b)s˜ao chamados ponto inicial
e ponto final do caminho γ, respectivamente. Al´em disso, se γ(a) = γ(b) dizemos que γ ´e um caminho fechado.
Defini¸c˜ao 6. Um caminho suave por partes em C ´e uma cole¸c˜ao finita de caminhos suaves γ1 : [a1, b1]→ C, ..., γn : [an, bn] →C, satisfazendo γi(bi) = γi+1(ai+1) para 1≤i≤n−1.
Defini¸c˜ao 7. Um subconjunto n˜ao-vazio U ⊂C ´e chamado um dom´ınio se U ´e aberto e se, dados dois pontos quaisquer p e q em U, existe um caminho suave por partes, inteiramente contido em U, cujos pontos inicial e final s˜ao, respectivamente, p e q.
Defini¸c˜ao 8. Uma cis˜ao de um subconjunto U ⊂ C ´e uma decomposi¸c˜ao U =A∪B, onde A∩B =∅ e os conjuntos A, B s˜ao ambos abertos em U.
Defini¸c˜ao 9. Um conjunto U ⊂ C ´e dito conexo quando a ´unica cis˜ao que admite ´e U =U ∩ ∅, ou seja, U s´o admite a cis˜ao trivial.
Defini¸c˜ao 10. Seja γ0, γ1 : [0,1]→C dois caminhos suaves por partes num dom´ınio U; ent˜ao γ0 ´e homot´opico a γ1 em U, ou γ0 ∼ γ1, se existe uma fun¸c˜ao cont´ınua Γ : [0,1]×[0,1] →U tal que
Γ(s,0) =γ0(s),0≤s≤1 Γ(s,1) =γ1(s),0≤s≤1
Al´em disso, se γ0 e γ1 s˜ao caminhos homot´opicos fechados tem-se que Γ(0, t) = Γ(1, t),0≤t≤1.
Geometricamente, a defini¸c˜ao acima significa que se definirmosγt : [0,1]→ U, γt(s) = Γ(s, t), ent˜ao cada γt ´e um caminho suave fechado. Al´em disso, estes caminhos formam uma fam´ılia cont´ınua de caminhos que come¸ca emγ0
e termina em γ1, como ´e poss´ıvel observar na figura 1.
Defini¸c˜ao 11. Se γ ´e um caminho fechado suave por partes em U ent˜ao γ
´e homot´opico a zero, ou γ∼ 0, se γ ´e homot´opico a um caminho constante.
Geometricamente, temos que seγ ∼0 ent˜ao o dom´ınio n˜ao possui ”bura- cos”, uma vez que existir´a no dom´ınio U uma fam´ılia cont´ınua de caminhos {γt} totalmente contida em U, tal que γt ´e homot´opico a um caminho con- stante, como esquematizado na figura 2.
Figura 1: Representa¸c˜ao de dois caminhos tais que γ0 ∼γ1
Figura 2: Representa¸c˜ao de um caminho tal que γ ∼0.
Defini¸c˜ao 12. Um aberto U ⊂C´e dito simplesmente conexo se U ´e conexo e todo caminho fechado em U ´e homot´opico a zero.
2.2 O Teorema de Green
Este teorema, a vers˜ao do Teorema de Stokes para o plano, ´e um instrumento fundamental no estudo de fun¸c˜oes de vari´aveis complexas, assim como na an´alise e desenvolvimento de certas aplica¸c˜oes desta teoria. Para o desen- volvimento deste item, ser˜ao utilizados alguns conceitos de An´alise Real no que dizem respeito a aplica¸c˜oes do tipof :A→R2, onde A ´e um subconjunto do plano.
Defini¸c˜ao 13. Se γ : [a, b] → U ´e um caminho suave em U e γ(t) = (x(t), y(t)), definimos a integral de linha f ao longo de γ por:
Z
γ
f = Z
γ
udx+vdy:=:
b
Z
a
[u(x(t), y(t))x0(t) +v(x(t), y(t))y0(t)]dt
Se γ = γ1 ∪...∪γn ´e um caminho suave em U, a integral de linha de f ao longo deste caminho ser´a definida por:
Z
γ
f = Z
γ1∪...∪γn
f = Z
γ1
f+...+ Z
γn
f
TEOREMA 1. Teorema de Green. Sejam U ⊂ R2 um dom´ınio e f : U → R2 uma aplica¸c˜ao de derivadas parciais cont´ınuas. Seja V ⊂ U um subconjunto satisfazendo:
(1) V ´e fechado e limitado;
(2) A fronteira ∂V de V consiste em um n´umero finito de caminhos suaves por partes simples (ie, sem interse¸c˜ao) com ∂V =γ1∪...∪γn;
(3) V \∂V ´e um dom´ınio.
Ent˜ao, escrevendof(x, y) = (u(x, y), v(x, y)), temos que Z
∂V
f = Z
∂V
udx+vdy= Z Z
V
∂v
∂x − ∂u
∂y
dxdy.
2.3 Fun¸ c˜ oes Complexas
A no¸c˜ao de fun¸c˜ao complexa envolve naturalmente a considera¸c˜ao de duas vari´aveis reais. De fato, uma fun¸c˜ao de vari´avel complexa z ´e uma corre- spondˆencia f que associa ao n´umero z um ´unico n´umero complexo w, ou seja, f(z) = w. Por outro lado, como z = x+iy, tamb´em podemos dizer que tal fun¸c˜ao associa ao par (x, y) ∈ R2 o par w = (u(x, y), v(x, y)) = u(x, y) +iv(x, y) =f(x, y)∈R2.
J´a a no¸c˜ao de limite e continuidade de uma fun¸c˜ao complexa ´e an´aloga a no¸c˜ao de limite e continuidade de fun¸c˜oes reais, assim como suas propriedades e consequˆencias. Desta forma, ser˜ao usados, por´em omitidos do texto, estes resultados, uma vez que podem ser encontrados em vasta literatura, como exemplo em [2] e [5].
Uma diferen¸ca bastante interessante entre estes dois tipos de aplica¸c˜oes est´a no tocante `a diferenciabilidade. A raz˜ao desta diferen¸ca est´a na estrutura multiplicativa de C, ausente em R2.
Defini¸c˜ao 14. Sejam U ⊂C aberto, z0 ∈U e f :U →C fun¸c˜ao complexa.
Se existir o limite
z→zlim0
f(z)−f(z0) z−z0
ent˜ao o chamamos de derivada de f(z) no ponto z0 e o notamos por f0(z0).
Como na derivada real, se f ´e deriv´avel em z0 ent˜ao f ´e cont´ınua em z0. Tamb´em s˜ao v´alidas as propriedades de derivada da soma, do produto e do quociente, assim como a regra da cadeia.
PROPOSIC¸ ˜AO 1. Condi¸c˜oes de Cauchy-Riemann. Se a fun¸c˜ao f(z) =u(x, y) +iv(x, y) tem derivada no ponto z0 =x0+iy0 ent˜ao
∂u
∂x(x0, y0) = ∂v
∂y(x0, y0) e ∂v
∂x(x0, y0) =−∂u
∂y (x0, y0)
2.4 Fun¸ c˜ oes Anal´ıticas
Defini¸c˜ao 15. Seja f : U → C, com U ⊂ C aberto e f fun¸c˜ao complexa.
Diz-se que f ´e anal´ıtica em U se f0(z) existe para todo z ∈U.
Defini¸c˜ao 16. Uma fun¸c˜ao complexa f definida e anal´ıtica em todo C´e dita uma fun¸c˜ao inteira. Uma fun¸c˜ao possui uma singularidade isolada no ponto z0 se existe r >0 tal que f ´e definida e anal´ıtica em D(z0, r)\ {z0} mas n˜ao em D(z0, r).
V´arios resultados interessantes e fundamentais da teoria de An´alise Com- plexa surgem a partir dos conceitos de diferenciabilidade e analiticidade de uma fun¸c˜ao de vari´avel complexa como, por exemplo, o fato de que uma fun¸c˜ao complexa diferenci´avel ´e anal´ıtica e que toda fun¸c˜ao anal´ıtica ´e in- finitamente diferenci´avel e, al´em disso, possui uma expans˜ao em s´erie de potˆencia em torno de todo ponto de seu dom´ınio. Por´em, os detalhes destes resultados ser˜ao deixados, por ora, de lado uma vez que podem ser visto em [2].
Defini¸c˜ao 17. Seja f :U →R uma fun¸c˜ao de classe C2, onde U ⊂R ´e um aberto. Dizemos que f ´e harmˆonica se, em U, tem-se
∂2f
∂x2 + ∂2f
∂y2 = 0.
Esta equa¸c˜ao ´e chamada de Equa¸c˜ao de Laplace
PROPOSIC¸ ˜AO 2. Seja uuma fun¸c˜ao harmˆonica e k uma constante com- plexa. A fun¸c˜ao k.u tamb´em ´e harmˆonica.
demo.: A fun¸c˜aou´e harmˆonica ⇒ ∂∂x2u2 + ∂∂y2u2 = 0.
∂2ku
∂x2 + ∂2ku
∂y2 = ∂
∂x ∂ku
∂x
+ ∂
∂y
∂ku
∂y
=k∂2u
∂x2 +k∂2u
∂y2 =k ∂2u
∂x2 +∂2u
∂y2
= 0 Logo, ku´e harmˆonica.
PROPOSIC¸ ˜AO 3. Se f : U → C ´e anal´ıtica de classe C2 ent˜ao f ´e harmˆonica.
demo.:
Se f(z) = u(x, y) +iv(x, y) com u = Re(f) e v = Im(f), das condi¸c˜oes de Cauchy-Riemann
∂u
∂x = ∂v
∂y e∂v
∂x =−∂u
∂y temos que
∂2u
∂x2 = ∂2v
∂x∂y = ∂
∂y ∂v
∂x
=−∂2u
∂y2
e ∂2v
∂x2 =− ∂2u
∂x∂y =− ∂
∂y ∂u
∂x
=−∂2v
∂y2 Logo,
∂2f
∂x2 + ∂2f
∂y2 = ∂2u
∂x2 +i∂2v
∂x2
+ ∂2u
∂y2 +i∂2v
∂y2
= ∂2u
∂x2 + ∂2u
∂y2 +i ∂2v
∂x2 +∂2v
∂y2
= 0 Isto ´e, f ´e harmˆonica.
Observe que no argumento acima foi provado tamb´em que as partes real e imagin´aria de f s˜ao fun¸c˜oes harmˆonicas. Neste caso, dizemos que duas fun¸c˜oes reais u, v : U → R s˜ao fun¸c˜oes harmˆonicas conjugadas se elas s˜ao harmˆonicas e a fun¸c˜ao complexa f =u+iv ´e anal´ıtica.
Ent˜ao, tendo em vista as condi¸c˜oes de Cauchy-Riemann, a diferencial de v pode ser escrita como
dv = ∂v
∂xdx+ ∂v
∂ydy=−∂u
∂ydx+∂u
∂xdy.
Suponha, ent˜ao que u ´e uma fun¸c˜ao harmˆonica definida em U dom´ınio sim- plesmente conexo. O ´ultimo membro da f´ormula acima ser´a uma diferencial exata somente se
∂
∂y
−∂u
∂y
= ∂
∂x ∂u
∂x
⇒ −∂2u
∂y2 = ∂2u
∂x2 ⇒ ∂2u
∂x2 +∂2u
∂y2 = 0
o que ´e verificado, uma vez que a fun¸c˜ao u satisfaz a Equa¸c˜ao de Laplace.
Da´ı, podemos ver que o valor da integral de linha
(x,y)
Z
(x0,y0)
−∂u(x0, y0)
∂y0 dx0+∂v(x0, y0)
∂x0 dy0
´e independente do caminho entre os limites de integra¸c˜ao contanto que o caminho se situe no interior de U, uma vez que o integrando ´e uma diferen- cial exata.
Tomemos, agora, a seguinte fun¸c˜ao:
v(x, y) =
(x,y)
Z
(x0,y0)
−∂u(x0, y0)
∂y0 dx0 +∂v(x0, y0)
∂x0 dy0
+c,
onde c ´e uma constante real qualquer. Aplicando a Regra de Leibniz para as derivadas parciais desta integral de linha tem-se:
∂v
∂x =−∂u
∂y e ∂v
∂y = ∂u
∂x
que s˜ao, justamente, as condi¸c˜oes de Cauchy-Riemann. Como as derivadas parcias at´e segunda ordem de u s˜ao cont´ınuas, por hip´otese, ent˜ao, pela rela¸c˜ao acima, tamb´em o s˜ao as de v. Segue-se que f =u+iv ´e uma fun¸c˜ao anal´ıtica de z emU. Al´em disso, se tomarmosif(z) =−v+iuesta tamb´em ser´a anal´ıtica. Logo, ambas v e −v s˜ao conjugadas harmˆonicas da fun¸c˜ao inicial u.
Desta forma, foi demostrado a seguinte proposi¸c˜ao:
PROPOSIC¸ ˜AO 4. Se u ´e uma fun¸c˜ao harmˆonica definida num dom´ınio U simplesmente conexo, ent˜ao existe sua conjugada harmˆonica v e ´e escrita da forma
v(x, y) =
(x,y)
Z
(x0,y0)
−∂u(x0, y0)
∂y0 dx0 +∂v(x0, y0)
∂x0 dy0
+c.
2.5 Integra¸ c˜ ao Complexa
A teoria das integrais curvil´ıneas constitui uma parte importante da teoria de fun¸c˜oes complexas. De fato, esta teoria ´e um dos principais diferenciais entre a An´alise Real e a Complexa uma vez que, ao c ontr´ario das fun¸c˜oes de vari´avel real, as fun¸c˜oes anal´ıticas admitem uma boa representa¸c˜ao integral, uma vez que podem ser dadas nos pontos interiores a um disco fechado por uma integral ao longo de sua fronteira. Neste item, ser˜ao enunciados alguns resultados importantes para o desenvolvimento deste estudo.
TEOREMA 2. F´ormula Integral de Cauchy. Seja U um aberto deC e f :U →C fun¸c˜ao anal´ıtica. Se γ ´e um caminho suave fechado em U, ent˜ao para a∈U \ {γ} tem-se
f(a) = 1 2πi
Z
γ
f(z) z−adz
TEOREMA 3. Teorema de Cauchy. Se uma fun¸c˜ao f ´e anal´ıtica em todos os pontos interiores e sobre um caminho fechadoγ contido num dom´ınio U, ent˜ao
Z
γ
f(z)dz = 0.
A demostra¸c˜ao deste teorema ´e feita a partir de casos particulares de caminhos como, por exemplo, um caminho circular, triangular ou retangular, por simplicidade. Depois ´e feita a generaliza¸c˜ao.
Observa¸c˜ao 1. O caminho fechado γ, do Teorema de Cauchy, pode ser na verdade um caminho fechado suave por partes, isto ´e, pode ser a cole¸c˜ao finita de caminhos fechados γ1,...,γn. Neste caso, com as mesmas hip´oteses,
teremos n
X
k=1
Z
γk
f(z)dz = 0
TEOREMA 4. Teorema de Morera. Seja f fun¸c˜ao cont´ınua em U dom´ınio simplesmente conexo e seja γ ⊂U um caminho fechado tal que
Z
γ
f(z)dz = 0
Ent˜ao f ´e fun¸c˜ao anal´ıtica.
O Teorema de Morera pode ser visto como a rec´ıproca do Teorema de Cauchy. Do mesmo modo, a demostra¸c˜ao deste teorema ´e feita a partir de casos particulares de caminhos como, por exemplo, caminhos triangulares ou retangulares, por simplicidade, tendo como consequˆencia imediata a general- iza¸c˜ao para um caminho qualquer. Algumas destas estrat´egias, para os dois teoremas, pode ser encontrada em [5].
TEOREMA 5. Seja f fun¸c˜ao cont´ınua em U ⊂ C aberto. Se f ´e anal´ıtica em U, exceto (possivelmente) sobre pontos de um segmento de linha L⊂C. Ent˜ao f ´e anal´ıtica em todo U.
demo.:
Sem perda de generalidade, consideremosL⊂R, ou seja,Lest´a no eixo real.
Como a analiticidade ´e uma propriedade local, n˜ao h´a problema em tornamos U em um disco aberto qualquer que englobe L.
Para utilizarmos o Teorema de Morera para um caminho retangular, consid- eraremos 3 casos:
(i)Ln˜ao intercepta o dom´ınio delimitado pelo caminho R retangular fechado
⇒f ´e anal´ıtica em toda a regi˜ao R⇒pelo Teorema de Cauchy,R
R
f(z)dz = 0.
(ii) Um lado do caminho coincide com L.
Seja, ent˜ao, a fam´ılia de caminhos (Rε), tal que Rε → R quando ε → 0.
Ent˜ao,
b
Z
a
f(x+iε)dz →
b
Z
a
f(x)dz
pela continuidade de f em U. Como L6⊂Rε para todoε >0⇒ f ´e anal´ıtica em todos os pontos de Rε ⇒ pelo Teorema de Cauchy
Z
Rε
f(z)dz = 0.
Mas f ´e cont´ınua em todo U. Logo Z
R
f(z)dz = lim
ε→0
Z
Rε
f(z)dz = 0.
(iii) O caminhoR engloba L.
Defina R como R = R1 ∪ R2 onde R1 ´e a parte retangular de R que se situa no semi-plano superior e delimitado por L e R2 ´e a parte retangular de R que se situa no semi-plano inferior e, tamb´em, delimitado por L.
Seja, ent˜ao, as fam´ılias de caminhos (Rε1) e (R2ε), tal queR1ε →R1 eRε2 →R2
quando ε→0.
Logo, pelo item anterior, temos que Z
R
f(z)dz = lim
ε→0
Z
Rε1
f(z)dz+ Z
Rε2
f(z)dz
= 0 + 0 = 0 Desta forma, pelo Teorema de Morera, f ´e anal´ıtica em U.
TEOREMA 6. Princ´ıpio de Reflex˜ao de Schwarz. Seja f fun¸c˜ao anal´ıtica no aberto U e cont´ınua em U∪∂U. Suponha que U est´a contido no
semi-plano superior (ou no inferior) tendo um segmento L real como parte de sua fronteira.
Suponha que f(z)∈R quando z ∈R.
Ent˜ao podemos definir uma extens˜ao anal´ıtica g(z), da fun¸c˜ao f(z), para o dom´ınio U ∈L∈U∗, onde U∗ ={z;z ∈U} e
g(z) =
(f(z), z∈U ∪L f(z),z ∈U∗ demo.:
(i) Se z ∈U:
Por defini¸c˜ao, se z ∈U ent˜ao g(z) = f(z) e g ´e anal´ıtica em U. (ii) Se z ∈U, isto ´e, z∈U∗:
Se z ∈U∗ e h ´e pequeno o suficiente ent˜ao (z+h)∈U∗, pois U∗ ´e aberto.
Assim,
g(z+h)−g(z)
h = f z+h
−f(z)
h =
"
f z+h
−f(z) h
#
Ent˜ao,
h→0lim
g(z+h)−g(z)
h = lim
h→0
"
f z+h
−f(z) h
#
=f0(z)
Isto ´e, a derivada de g existe e ´e cont´ınua, uma vez que f ´e anal´ıtica em U, o que implica que g ´e anal´ıtica em U∗.
Por constru¸c˜ao, g ´e anal´ıtica em U e foi provado que g ´e anal´ıtica em U∗. Al´em disso, f ´e anal´ıtica no eixo real e g tamb´em o ser´a, poisf(z)≡ f(z), sez ∈R. Logo, pelo teorema anterior, a fun¸c˜aog´e anal´ıtica emU∪L∪U∗.
TEOREMA 7. Teorema do Valor M´edio. Seja f fun¸c˜ao anal´ıtica em U ea∈U. Ent˜ao f(a) ´e igual `a m´edia dos valores de f avaliados na fronteira de qualquer disco centrado em a.
demo.:
Considerer >0 e o disco fechado centrado em a,D(a;r). Esta demonstra¸c˜ao ser´a dividida em duas partes:
(i) Mostrar que
f(a) = 1 2π
Z
∂D
f(a+reiθ)dθ.
De fato, pela F´ormula Integral de Cauchy, f(a) = 1
2πi Z
∂D
f(z)
z−adz, z ∈∂D
Se considerarmos que z =a+reiθ ⇒dz =ireiθdθ. Logo, f(a) = 1
2πi Z
∂D
f a+reiθ ireiθ
a+reiθ−a dθ = 1 2π
Z
∂D
f a+reiθ dθ.
(ii) Mostrar que f(a) ´e a m´edia dos valores de f avaliados na fronteira ∂D.
Dividindo o c´ırculo ∂D em n partes iguais obtemos a parti¸c˜ao Pn=
a+r, a+reiθ1, a+reiθ2, ..., a+reiθn−1 onde θi−1 < θi e o arco θi−θi−1 = 2πn,∀i= 1, ..., n−1.
A m´edia aritm´etica dos n n´umeros f(a+r), f(a+reiθ1), ..., f(a+reiθn−1) ser´a indicada por
M(f;n) = 1 n
n−1
X
k=0
f(a+reiθk).
Podemos, ent˜ao, definir o Valor M´edio de f em ∂D como lim
n→∞M(f;n).
Escolhendo em cada arco
a+reiθk−1, a+reiθk
o ponto a+reiθk encon- tramos uma parti¸c˜ao pontilhada Pn∗ tal que
X(f;P∗) =
n−1
X
k=0
f(a+reiθk)·(θi−θi−1) =
n−1
X
k=0
f(a+reiθk)· 2π n
Da´ı, temos
M(f;n) = 1 n
n−1
X
k=0
f(a+reiθk) = 1 2π
X(f;P∗)
Utilizando a defini¸c˜ao de integral, segue que o valor m´edio de f em ∂D tem a seguinte express˜ao:
M(f;n) = lim
n→∞
1 2π
X(f;P∗) = 1 2π
Z
∂D
f a+reiθ dθ
Ou seja, M(f;n) =f(a) pelo item anterior.
2.6 Aplica¸ c˜ oes Conformes
Uma aplica¸c˜ao que preserva ˆangulos, em valor absoluto, entre pares de cur- vas, em cada ponto do dom´ınio, se diz conforme nesse dom´ınio. As fun¸c˜oes anal´ıticas possuem esta interessante propriedade de preservar ˆangulos justa- mente nos pontos nos quais a derivada n˜ao se anula. Desta forma, o termo aplica¸c˜ao conforme ser´a usado para significar a transforma¸c˜ao de dom´ınios por uma fun¸c˜ao anal´ıtica com derivada n˜ao nula.
2.6.1 A aplica¸c˜ao w=sen(z)
Como sen(z) = sen(x) cosh(y) + icos(x)senh(y) , a transforma¸c˜ao w = sen(z) pode ser escrita como
u=sen(x) cosh(y) e v = cos(x)senh(y).
Se x= π2, ent˜aou= cosh(y) ev = 0. Assim, a reta x= π2 ´e transformada na parte u≥1 do eixo real no plano-w, com uvariando de 1 ao infinito quando y varia de zero ao infinito por valores positivos.
Se y = 0, ent˜ao u = sen(x) e v = 0. Logo todo o eixo-x ´e transfor- mado no segmento −1 ≤ u ≤ 1 do eixo-u da mesma forma que o segmento
−π/26x6π/2 ´e transformado neste mesmo segmento. A imagem da semi- reta superior do eixo-y ´e a semi-reta superior do eixo-v. J´a a inferior ser´a a semi-reta inferior do eixo-v, uma vez que quandox= 0, u= 0 ev =senh(y).
Estas transforma¸c˜oes s˜ao ilustradas na figura 3.
Figura 3: Transforma¸c˜oes pela aplica¸c˜ao w=sen(z).
A imagem do segmento y = c, −π/2 6 x 6 π/2, ´e a semi-elipse, cujas equa¸c˜oes param´etricas s˜ao
u=sen(x) cosh(c) e v = cos(x)senh(c).
Se c > 0, ent˜ao v ≥0 e as equa¸c˜oes acima representam a parte superior da elipse
u2
cosh2(c)+ v2
senh2(c) = 1;
se c <0, elas representam a parte inferior. Os focos da elipse s˜ao os pontos w=±1, que independem de c.
A imagem da reta x=c, onde −π/26y6π/2, ´e a curva u=sen(c) cosh(y) e v = cos(c)senh(y), que ´e a parte direita da hip´erbole
u2
sen2(c) − v2
cos2(u) = 1;
se c > 0, e ´e a parte esquerda se c < 0. Da mesma forma, w = ±1 s˜ao os focos desta hip´erbole, como ´e poss´ıvel ver na figura 4.
Figura 4: Outras transforma¸c˜oes pela aplica¸c˜ao w=sen(z).
Cada ponto dado no semi-plano superior-w ´e um ponto de uma das semi- elipses bem definidas; portanto ele corresponde a um ´unico ponto de um segmento horizontal bem definido, isto ´e, um ´unico ponto da faixa semi- infinita
−π
2 6x6 π
2, y >0
no plano-z. Tamb´em, a cada ponto da faixa acima existe um ´unico ponto w.
Logo, a transforma¸c˜ao dessa faixa no semi-plano superior-w ´e bijetiva.
2.6.2 A aplica¸c˜ao w= z−1z+1 Uma aplica¸c˜ao da forma
S(z) =w= az +b cz+d
´e chamada deaplica¸c˜ao linear fracion´aria. Se a, b, c e d satisfazemad−bc6= 0 ent˜ao S(z) ´e dita umatransforma¸c˜ao de M¨obius.
A inversa S−1 desta aplica¸c˜ao
S−1(z) =z = −dw+b cw+a
´e tamb´em uma aplica¸c˜ao linear fracion´aria. Al´em disso, a composta de duas aplica¸c˜oes lineares fracion´arias ´e ainda linear fracion´aria.
A aplica¸c˜ao S faz corresponder a cada ponto do plano-z, exceto ao ponto z = −d/c quando c 6= 0, um ´unico ponto do plano-w. De acordo com a segunda equa¸c˜ao, cada ponto do plano-w, exceto o ponto z = a/c quando c 6= 0, tem uma ´unica imagem no plano-z. Esses pontos excepcionais para S e S−1 s˜ao transformados nos pontos w = ∞ e z = ∞, respectivamente.
Como o plano complexo estendido, ou C∞, consiste de todos os n´umeros complexos mais um ponto no infinito, ent˜ao a aplica¸c˜ao S estabelece uma correspondˆencia bijetiva entre os pontos do plano-z estendido e do plano-w estendido.
Considere, ent˜ao, a aplica¸c˜ao linear fracion´aria w= z−1
z+ 1.
Ela leva o semi-plano x ≥ 0 no c´ırculo unit´ario |w| ≤ 1 e al´em disso, leva o semi-plano y ≥ 0 no semi-plano v ≥ 0. Como a transforma¸c˜ao w0 = logw leva o semi-plano v ≥0 na faixa 0≤v0 ≤π, tem-se que a aplica¸c˜ao
w0 = logz−1 z+ 1
leva o semi-plano superior na faixa 0 ≤v0 ≤ π, conforme podemos observar na figura 5.
Figura 5: Transforma¸c˜oes pelas aplica¸c˜oes w= z−1z+1 e w0 = logz−1z+1.
3 Fluxos de calor por condu¸ c˜ ao
3.1 Postulados F´ısicos
Seja k a condutividade t´ermica de um material num corpo s´olido qualquer.
Ent˜ao o fluxo de calor atrav´es de qualquer superf´ıcie no interior deste s´olido
´e dado por:
Φ =−kdT dn
ondeT ´e a fun¸c˜ao temperatura enrepresenta a distˆancia normal a superf´ıcie.
Neste estudo, consideraremos que a temperatura seja uma fun¸c˜ao de x e y, que n˜ao varia com o tempo. Desta forma, o escoamento de calor se acha num estado estacion´ario e bidimensional, paralelo ao plano-xy. Supomos, ainda, que nenhuma energia t´ermica seja criada ou destru´ıda no interior do s´olido. Assim, a fun¸c˜ao temperatura T (x, y) ´e cont´ınua assim como suas derivadas primeiras e segundas nos pontos interiores ao corpo.
Consideremos um elemento interior ao s´olido com base ∆x por ∆y, per- pendicular ao plano-xy (Figura 6).
Figura 6: Representa¸c˜ao do s´olido com o elemento de base ∆x por ∆y.
A taxa de varia¸c˜ao de escoamento de calor para a direita atrav´es da face
esquerda ´e
−k∆y∂T
∂x
Se k ´e constante, a diferen¸ca entre essa taxa e a taxa de varia¸c˜ao do escoa- mento atrav´es da face direita ´e
−k∆y∂2T
∂x2∆x
que ´e a taxa resultante de perda de calor do elemento atrav´es dessas duas faces.
Analogamente, a taxa resultante de perda atrv´es das faces superior e inferior do elemento ´e
−k∆x∂2T
∂y2∆y
O calor entra ou sai no elemento somente por uma destas faces. Al´em disso, as temperaturas no interior do elemento s˜ao estacion´arias, por hip´otese. Logo, temos:
−k∆y∂∂x2T2∆x−k∆x∂∂y2T2∆y= 0
⇒ −k∆x∆y
∂2T
∂x2 + ∂∂y2T2
= 0
⇒ ∂∂x2T2 + ∂∂y2T2 = 0
Da´ı, podemos concluir que a fun¸c˜ao temperatura deve satisfazer `a equa¸c˜ao de Laplace em cada ponto interior do s´olido, uma vez que podemos tomar
∆x e ∆y suficientemente pequenos.
Em vista da equa¸c˜ao acima e da continuidade de T e suas derivadas parciais, temos que T ´e uma fun¸c˜ao harmˆonica de x e y no dom´ınio representado pelo interior do corpo s´olido.
As superf´ıcies T(x, y) = c, com c constante, s˜ao chamadas de isotermas.
Na verdade, elas s˜ao as isolinhas ou curvas de n´ıvel da fun¸c˜ao T e podem ser consideradas como curvas no plano-xy em casos no qual o escoamento da temperatura ´e bidimensional, como o caso em quest˜ao. O gradiente de T ´e
perpendicular `a isoterma em cada ponto, e o fluxo m´aximo de calor ocorre na dire¸c˜ao do gradiente. Se S(x, y) ´e uma conjugada harmˆonica de T(x, y), ent˜ao as curvas definidas por S(x, y) = c ser˜ao definidas como as linhas de escoamento, uma vez que suas tangentes ser˜ao o gradiente de T.
Se a derivada normal dTdn ´e zero ao longo de uma parte da fronteira da chapa s´olida, o fluxo de calor atrav´es dessa parte ´e zero. Isto ´e, a parte ´e termica- mente isolada; ela ´e, portanto, uma linha de escoamento.
3.2 Temperaturas estacion´ arias numa parede
Seja uma placa semi-infinita delimitada pelos planos x = π2, x = −π2 e y=0, conforme descrito na figura 7. O objetivo ´e determinar a equa¸c˜ao para as temperaturas estacion´ariasT (x, y), uma vez que as duas primeiras fronteiras s˜ao conservadas `a temperatura zero e a ´ultima em temperatura T=1.
Figura 7: Representa¸c˜ao da placa inicial.
Como hip´otese inicial, suponha que a fun¸c˜ao T(x, y) seja limitada em todos os pontos desta regi˜ao, inclusive quandoy→ ∞. Do contr´ario, o prob- lema teria infinitas solu¸c˜oes. Desta forma, podemos escrever o problema de contorno da forma:
(i) ∂∂x2T2 +∂∂y2T2 = 0, se −π2 < x < π2 e y <0.
(ii) T −π2 , y
=T π2, y
= 0, se y <0.
(iii) T (x,0) = 0, se −π2 < x < π2. (iv) kT (x, y)k ≤1.
Podemos observar que as condi¸c˜oes de contorno s˜ao todas do tipo T = c, c constante, tipo que ´e invariante sob aplica¸c˜oes conformes. Desta forma, usaremos aplica¸c˜oes conformes para obtermos uma regi˜ao e um problema suficientemente simples para que a tal fun¸c˜ao procurada se torne evidente.
Tome a fun¸c˜ao z0 = sen(z). Conforme o item 2.6.1, f transforma a faixa do exemplo no semi-plano superior do plano-z’. A imagem da base da faixa
´e o segmento do eixo-x’ entre os pontos z0 = −1 e z0 = 1, as imagens dos lados s˜ao as partes restantes do eixo-x’. Da mesma forma, pelo item 2.6.2, este semi-plano ´e transformado na faixa infinita entre as retas v = 0 ev =π, pela transforma¸c˜ao
w= logz0 −1
z0+ 1 = logr1
r2
+i(θ1−θ2) onde 0< θ1, θ2 < π.
Como indicado na figura 8, o segmento do eixo-x’ entre z0 =−1 e z0 = 1 ´e transformando na parte superior da faixa, e o resto do eixo na parte inferior.
Uma fun¸c˜ao harmˆonica de u e v, limitada na faixa, tal que se anula no lado v = 0 da faixa e ´e igual a unidade no lado v =π ´e
T = 1
πv (1)
pois esta ´e a parte imagin´aria da fun¸c˜ao f(w) = wπ. Mudando para as coordenadas x’ e y’ por meio da transforma¸c˜ao
Figura 8: Esquema da transforma¸c˜ao da placa inicial sob as aplica¸c˜oes sen e log.
w= logz0 −1 z0+ 1 = log
z0 −1 z0 + 1
+iarg
z0−1 z0+ 1
(2) Temos que
v = arg
x0−1 +iy0 x0+ 1 +iy0
= arg
x02+y02−1 + 2iy0 (x0+ 1)2+y02
Isto ´e
v = arctg
2y0 x02+y02−1
onde a fun¸c˜ao arco tangente toma valores de 0 a π, pois arg
z0 −1 z0+ 1
=θ1−θ2 e os ˆangulos s˜ao os indicados na figura.
A fun¸c˜ao T fica da forma : T = 1
πarctg
2y0 x02+y02−1
(3)
Como a fun¸c˜ao usada na transforma¸c˜ao (2) ´e anal´ıtica no semi-plano supe- rior y0 > 0 e a fun¸c˜ao (1) ´e harmˆonica na faixa, a fun¸c˜ao (3) deve ser uma fun¸c˜ao harmˆonica no semi-plano y0 >0, com as condi¸c˜oes de contorno para as duas fun¸c˜oes sendo as mesmas sobre as partes correspondentes das fron- teiras. Al´em disso, a fun¸c˜ao (3) satisfaz a equa¸c˜ao de Laplace.
A fun¸c˜ao representa as temperaturas estacion´arias na placa semi-infinita y0 ≥ 0 com uma parte (−1< x < 1) da sua fronteira y0 = 0 mantida a uma temperatura T = 1 e o resto a temperatura zero. As isotermas T =c, com 0 < c < 1 s˜ao os c´ırculos abaixo com seus centros sobre o eixo-y’ e passando pelos pontos (±1,0):
c= π1arctg
2y0 x02+y02−1
⇒cπ = arctg
2y0 x02+y02−1
tg(cπ) = x02+y2y002−1 ⇒x02 +y02−1 = tg(cπ)2y0
⇒x02+y02−tg(cπ)2y0 −1 = 0
Figura 9: Representa¸c˜ao das isotermas no plano-z’.
Finalmente, vamos determinar a solu¸c˜ao do problema original, repre- sentado pelas condi¸c˜oes (i), (ii), (iii) e (iv). Utilizando a transforma¸c˜ao z0 = sen(z), ou x0 +iy0 = sen(x+iy), a mudan¸ca de vari´aveis pode ser escrita como
x0 =sen(x) cosh(y) y0 = cos(x)senh(y) e a fun¸c˜ao harmˆonica (3), resultar´a em
T = 1 πarctg
2 cos(x)senh(y)
sen2(x) cosh2(y) + cos2(x)senh2(y)−1
Por´em como
sen2(x) cosh2(y) + cos2(x)senh2(y)−1
=sen2(x) (1 +senh2(y)) + cos2(x)senh2(y)−1
=sen2(x) +sen2(x)senh2(y) + cos2(x)senh2(y)−1
=sen2(x)−1 +senh2(y)(sen2(x) + cos2(x))
=senh2(y)−cos2(x) Ent˜ao, a fra¸c˜ao pode ser escrita como
2 cos(x)senh(y)
senh2(y)−cos2(x) = 2cos(x)/senh(y)
1−(cos(x)/senh(y))2 =tg(2α) onde tg(α) = cos(x)/senh(y). A equa¸c˜ao para T ´e portanto
T = 1
πarctg(tg2α)⇒T = 2 πarctg
cos(x) senh(y)
(4) A fun¸c˜ao arco tangente em (4) toma valores de 0 a π2 pois 0≤T ≤1, sendo seu argumento n˜ao-negativo.
Como sen(z) ´e anal´ıtica, esta faz com que a fun¸c˜ao (4) seja harmˆonica na faixa −π2 < x < π2, y > 0, em que o semi-plano ´e transformado, e satisfa¸ca
`as condi¸c˜oes de contorno (ii) e (iii). Al´em do mais, kT (x, y)k ≤1 em toda a faixa. Logo (4) ´e a equa¸c˜ao de temperatura procurada.
As isotermas T =cs˜ao as curvas c= 2πarctg
cos(x) senh(y)
⇒ πc2 = arctg
cos(x) senh(y)
⇒tgπc2 = senh(y)cos(x)
⇒cos(x) =tgπc2 senh(y) cada uma das quais passa pelos pontos (±π/2,0).
Figura 10: Representa¸c˜ao das isotermas da equa¸c˜ao acima no plano-z.
Se k ´e a condutividade t´ermica, o fluxo de calor para a parede atrav´es da sua base ´e
−k∂T
∂yy=0 = 2k πcos(x)
onde −π2 < x < π2; e o fluxo para fora do plano x= π2 ´e
−k∂T
∂xx=π/ 2
= 2k
πsenh(y)
onde y > 0. Al´em disso, sabe-se que o produto de uma fun¸c˜ao harmˆonica por uma constante, ainda ´e uma fun¸c˜ao harmˆonica. Desta forma, a fun¸c˜ao
T = 2T0
π arctg
cos(x) senh(y)
representa as temperaturas estacion´arias na placa descrita neste exemplo, quando a base ´e mantida `a temperatura T0 e os lados `a temperatura zero.
3.3 Temperaturas numa placa com parte de uma fron- teira isolada
O objetivo, agora, ´e determinar as temperaturas estacion´arias T(x, y) numa placa tal que um segmento em uma das fronteiras ´e isolado, se o resto desta fronteira ´e mantido a uma temperatura fixa, e se a segunda fronteira ´e man- tida a outra temperatura fixa.
Suponhamos, ent˜ao, uma placa semi-infinita y ≥ 0, onde T = 0 sobre a parte x <−1 da fronteira e T = 1 sobre a parte x >1. Al´em disso, suponha que a faixa−1< x <1 da fronteira ´e isolada termicamente das demais faixas, conforme a Figura 11. Estas faces s˜ao isoladas de forma que o problema ´e bidimensional.
Figura 11: Representa¸c˜ao da placa inicial.
De maneira an´aloga, o problema de contorno ´e dado por (i) ∂∂x2T2 +∂∂y2T2 = 0, se (∀x, y >0)
(ii) ∂T∂y y=0 = 0, se (−1< x <1)
(iii) T(x,0) = 0, se x <−1 e T(x,0) = 1, se x >1.
onde T(x, y) ´e limitada para todos os x e y do dom´ınio.
A condi¸c˜ao (ii) prescreve o valor da derivada normal da fun¸c˜ao T sobre uma parte de uma linha de fronteira, e o valor da pr´opria fun¸c˜ao sobre o resto dessa linha.
Seja, ent˜ao, a transforma¸c˜ao conforme z =sen(w). Esta, leva o semi-plano superior y ≥ 0, no plano-z, na faixa delimitada por −π2 ≤ u ≤ π2, v ≥ 0, no plano-w. O segmento isolado do eixo-x ´e transformado na base da faixa e o resto da fronteira, nos lados da faixa, conforme a figura anterior. Desta forma, nos cabe encontrar uma fun¸c˜ao limitada T de u e v, harmˆonica, tal que
T =
1, u=π/2 0, u=−π/2 Como, por exemplo,
T = 1 2+ 1
πu= Re 1
2+ 1 πw
(5) Desta forma, a fun¸c˜ao temperatura procurada para o semi-plano ´e obtida escrevendo-se T em termos de xe y.
Utilizando a aplica¸c˜ao z = sen(w), ou x +iy = sen(u+iv), a mudan¸ca de vari´aveis pode ser escrita como
x=sen(u) cosh(v) y= cos(u)senh(v)
Portanto, uma vez que cosh2(v)−senh2(v) = 1, temos que x2
sen2(u) − y2
cos2(u) = 1. (6)
Ou seja, ao resolver a express˜ao em rela¸c˜ao `a u, observamos que, para cada u fixado, o ponto (x,y) est´a sobre a hip´erbole (6). Os focos (±c,0) desta hip´erbole satisfazem
c2 =sen2(u) + cos2(u) = 1⇒c=±1
Al´em disso, o eixo transverso tem comprimento 2a = 2sen(u). Logo, a diferen¸ca de distˆancias de um ponto aos focos tamb´em ´e de 2sen(u). Ou seja,
q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2= 2sen(u)
⇒sen(u) = 12 q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2
⇒u= arcsen12 q
(x+ 1)2 +y2− q
(x−1)2+y2
De acordo com a equa¸c˜ao (5), a fun¸c˜ao temperatura procurada ´e T = 1
2 + 1
πarcsen1 2
q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2
onde a fun¸c˜ao arco seno varia da mesma forma que u, ou seja, de 0 a π2.
As isotermas T =cs˜ao as curvas c= 12 + π1arcsen12
q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2
⇒π 2c−12
= arcsen12 q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2
⇒π 2c−12
= arcsen12 q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2
Isto ´e, s˜ao as partes das hip´erboles confocais de equa¸c˜ao (6), onde u = π 2c−12
, as quais se situam mo semi-plano superior, conforme se pode ver na figura 12.
Figura 12: Representa¸c˜ao das isotermas na placa do exemplo.
Al´em disso, a temperatura ao longo da parte isolada da fronteira ´e T (x,0) = 12 +π1arcsen12
q
(x+ 1)2+y2− q
(x−1)2+y2
,−1< x <1.
= 12 +π1arcsen12 q
(x+ 1)2− q
(x−1)2
= 12 +π1arcsen12[(x+ 1)−(1−x)]
= 12 +π1arcsen12[2x]
= 12 +π1arcsen(x)
4 Escoamento de um Fluido Bidimensional
4.1 Postulados F´ısicos
Neste estudo, consideraremos somente o escoamento bidimensional no estado estacion´ario, isto ´e, o movimento do fluido ´e suposto o mesmo em todos os planos paralelos ao plano-xy, sendo a velocidade paralela a este plano e in- dependente do tempo. ´E suficiente, ent˜ao, considerar o movimento do fluido no plano-xy.
Suponhamos que o vetor que representa a vari´avel complexa q = q1 +iq2 designe a velocidade de uma part´ıcula do fluido num ponto qualquer (x,y), de modo que as componentes x e y da velocidade tem valores q1(x, y) e q2(x, y). Nos pontos interiores a um dom´ınio de escoamento em que n˜ao ex- istam fontes ou sorvedouros do fluido, as fun¸c˜oes reaisq1,q2 e suas derivadas parciais de primeira ordem s˜ao supostamente cont´ınuas.
Seja C uma caminho e seja qt a componente da velocidade q tangente a C (qt ´e fun¸c˜ao real). Se s´e o comprimento de arco ao longo de C, o valor da integral de linha
Z
C
qt(x, y) (7)
´e chamadocircula¸c˜aodo fluido ao longo de C. Quando a circula¸c˜ao ´e dividida pelo comprimento da curva, o quociente representa uma velocidade m´edia do fluido ao longo da curva, pelo Teorema do Valor M´edio.
Suponhamos que C seja um caminho fechado interior a um dom´ınio sim- plesmente conexo, onde q1, q2 e suas derivadas parciais de primeira ordem s˜ao cont´ınuas. Se x+iy designa pontos de C, o n´umero complexo dx+idy representa um vetor tangente a C cujo comprimento ´e ds. Logo, qtds ´e o produto dos comprimentos dos vetores q e dx+idy pelo cosseno do ˆangulo
entre eles, isto ´e, qtds ´e o produto escalar desses dois vetores;
qtds =q1dx+iq2dy
Com o aux´ılio do Teorema de Green, a circula¸c˜ao ao longo de C pode ser escrita como
Z
C
q1dx+q2dy= Z Z
R
∂q2
∂x − ∂q1
∂y
dxdy (8)
onde R ´e a regi˜ao delimitada por C.
Para uma interpreta¸c˜ao f´ısica do integrando da ´ultima integral, seja C um c´ırculo |z−z0|=r0. A velocidade m´ediav0 ao longo de de C ´e ent˜ao deter- minada dividindo-se a circula¸c˜ao por 2πr0, e a velocidade angular m´edia ω0
do fluido em torno do eixo do c´ırculo ´e v0/r0; assim ω0 = 1
πr20 Z Z
R
1 2
∂q2
∂x − ∂q1
∂y
dxdy
O segundo membro representa o valor m´edio da fun¸c˜ao ω= 1
2 ∂q2
∂x − ∂q1
∂y
(9) sobre a regi˜ao circular R. Seu limite quando r0 tende para zero ´e o valor de ω no ponto z0. Logo, a fun¸c˜ao ω(x, y), chamada de rota¸c˜ao do fluido, representa o limite da velocidade angular de um elemento circular do fluido quando o c´ırculo se contrai para o ponto (x,y).
Se ω = 0, isto ´e, se a rota¸c˜ao ´e nula em todos os pontos de um dom´ınio, o escoamento ´e irrotacional nesse dom´ınio. Al´em disso, dizemos que um fluido ´eincompress´ıvel se a densidade em cada elemento deste fluido for con- stante, ou seja, fisicamente, ele n˜ao sofre contra¸c˜oes ou dilata¸c˜oes ao longo do processo. Um outro aspecto f´ısico interessante ´e a viscosidade: esta pode ser interpretada como a medida de resistˆencia ao cisalhamento, ou atrito, de
um fluido com outro meio qualquer que pode ser s´olido, liquido ou mesmo gasoso. De forma geral, admitiremos aqui que o fluido ´e irrotacional, incom- press´ıvel e n˜ao-viscoso.
Seja D um dom´ınio simplesmente conexo onde o escoamento ´e irrotacional.
Se C ´e um caminho fechado qualquer em D, segue-se da equa¸c˜ao (8) e do Teorema de Green, que a circula¸c˜ao ao longo de C ´e zero,
Z
C
(q1dx+q2dy) = 0
Como consequencia, se (x0, y0) ´e um ponto fixado em D, a equa¸c˜ao
φ(x, y) =
(x,y)
Z
(x0,y0)
[q1(x0, y0)dx0+q2(x0, y0)dy0] (10) define uma fun¸c˜ao do ponto (x,y) em D, que ´e independente do caminho de integra¸c˜ao entre os limites, desde que o caminho seja interior a D, pois a integral ao longo de um caminho C1 menos a integral ao longo de um outro caminho C2 ´e a integral ao longo de um caminho fechado C, que deve ser igual a zero, pelo Teorema de Cauchy.
Como a integral de linha (10) ´e independe do caminho, segue-se que o seu integrando ´e uma diferencial exata da fun¸c˜ao φ(x, y). Logo,
q1 = ∂φ
∂x e q2 = ∂φ
∂y isto ´e, o vetor q´e o gradiente de φ,
q= ∂φ
∂x +i∂φ
∂y (11)
e a derivada direcional de φ em qualquer dire¸c˜ao representa a componente da velocidade do fluido nessa dire¸c˜ao.
A fun¸c˜ao φ(x, y) ´e chamada potencial de velocidade. Segue da f´ormula (10) que φ(x, y) varia de uma constante aditiva quando se muda o ponto de re- ferˆencia z0.
As curvas φ(x, y) = 0 s˜ao chamadas de equipotencias. Elas s˜ao as curvas de n´ıvel da fun¸c˜ao φ. Os vetores velocidade em todos os pontos s˜ao normais a essas curvas visto que q ´e o gradiente de φ.
Como no caso do escoamento de calor, a condi¸c˜ao de continuidade do es- coamento estacion´ario, exige que φ satisfa¸ca `a equa¸c˜ao de Laplace
∂2φ
∂x2 +∂2φ
∂y2 = 0
num dom´ınio que seja livre de fontes ou sorvedouros do fluido. Pela equa¸c˜ao (11) e pela continuidade de q1, q2 e suas derivadas parciais, as derivadas parciais de φ at´e a segunda ordem s˜ao cont´ınuas num tal dom´ınio; assim, o potencial de velocidade φ´e uma fun¸c˜ao harmˆonica no dom´ınio.
Se ψ(x, y) ´e uma conjugada harmˆonica da fun¸c˜ao φ(x, y), ent˜ao os vetores velocidade s˜ao tangentes `as curvas
ψ(x, y) = c.
Estas curvas s˜ao chamadas linhas de corrente do escoamento; a fun¸c˜ao ψ ´e a fun¸c˜ao corrente. A fun¸c˜ao
F(z) =φ(x, y) +iψ(x, y)
´e anal´ıtica, uma vez queφ e ψ s˜ao conjugadas harmˆonicas. Diz-se que F ´e o potencial complexo do escoamento. Al´em disso,
F0(z) = ∂φ
∂x +i∂ψ
∂x = ∂φ
∂y −i∂φ
∂y
pois F ´e anal´ıtica e, consequentemente, φ e ψ satisfazem `as condi¸c˜oes de Cauchy-Riemann. Da´ı, segue que como
q= ∂φ
∂x +i∂φ
∂y = ∂φ
∂x −i∂φ
∂y =F0(z)
ent˜ao, o conjugado da derivada do potencial complexo ´e a velocidade. Al´em disso, o m´odulo da velocidade ´e dado por
|q|= F0(z)
=|F0(z)|.
De acordo com a proposi¸c˜ao 4, se φ ´e harmˆonica num dom´ınio simplesmente conexo D, ent˜ao uma conjugada harmˆonica, definida em D, de φ, pode ser escrita como
ψ(x, y) =
(x,y)
Z
(x0,y0)
−∂φ
∂y0 (x0, y0)dx0 + ∂φ
∂x0 (x0, y0)dy0
Mas como
q1 = ∂φ
∂x e q2 = ∂φ
∂y ent˜ao
ψ(x, y) =
(x,y)
Z
(x0,y0)
[−q2(x0, y0)dx0+q1(x0, y0)dy0]
sendo o caminho de integra¸c˜ao ´e qualquer contorno C1 interior a D, ligando estes dois pontos.
4.2 Escoamento ao redor de um cilindro
Suponhamos a existˆencia de um corpo cil´ındrico de raio R > 0 que se situa dentro de um fluido, como um rio, por exemplo, de escoamento em uma ve- locidade uniforme, tendo o seu eixo perpendicular a dire¸c˜ao do escoamento.
O objetivo ´e encontrar a equa¸c˜ao determina o escoamento estacion´ario do fluido ao redor deste cilindro.
Para isto, representemos o cilindro pelo c´ırculo x2 +y2 = 1. Por simetria, podemos considerar somente a parte superior da figura como regi˜ao de es- coamento. Desta forma, parte do eixo-x exterior ao c´ırculo pode ser tratado como fronteira da regi˜ao, conforme esquema da figura 13.
A fronteira desta regi˜ao de escoamento ´e transformada em todo o eixo-u, no plano-w, pela aplica¸c˜ao conforme
w=z+ 1
z (12)
isto ´e, a regi˜ao de estudo ´e transformada no plano v ≥0.
Figura 13: Representa¸c˜ao do escoamento ao redor do cilindro unit´ario.
Quando o potencial complexo ´e a fun¸c˜aoF(z) =Az, onde A´e constante real positiva, temos que
φ(x, y) = Ax e ψ(x, y) =Ay.
Ou seja, as linhas de corrente ψ = c s˜ao as retas horizontais y = c/A, e a velocidade do fluido ´e o vetor
q=F0(z) =A
Logo, o escoamento ´e um escoamento uniforme para a direita. Desta forma, o potencial complexo para um escoamento no semi-plano ´e
F =Aw,
onde A ´e uma constante real. Logo, o potencial complexo para a regi˜ao do c´ırculo ser´a
F(z) =Aw(z) =A
z+ 1 z
. Por sua vez, a velocidade ser´a
q=F0(z)
=Adzd z+1z
=A 1− z12
=A 1−z12
Pode-se, ainda, observar que a velocidade tende para A, quando | z |→ ∞, o que explica o fato de o escoamento ser quase uniforme e paralelo ao eixo-x conforme se afasta do c´ırculo.
Da equa¸c˜ao da velocidade temos que q(z) = A
1− 1
z2
=q(z),
logo a equa¸c˜ao representa tamb´em o escoamento do fluido na regi˜ao infe- rior, utilizando o semi-c´ırculo inferior como linha de corrente, conforme o Pr´ıncipio de Reflex˜ao de Schwarz.
Com o objetivo de encontrar a fun¸c˜ao corrente de F, consideremos z =reiθ.
Como F(z) =φ(x, y) +iψ(x, y), temos F(z) =φ+iψ =A z+1z
=A reiθ +re1iθ
=A
r(cosθ+isenθ) + r(cosθ+isenθ)1
=A
r(cosθ+isenθ) + r(coscos2θ−isenθθ+isen2θ)
=A
rcosθ+cosrθ +i rsenθ− senθr Logo,
ψ=Asenθ
r− 1 r
Desta forma, as linhas de corrente Asenθ
r− 1
r
=c
s˜ao sim´etricas em rela¸c˜ao ao eixo-y, conforme a figura 13.
4.3 Escoamento de um fluido num canal atrav´ es de uma fenda
Apresentaremos um outro exemplo de escoamento estacion´ario ideal que mostrar´a a influˆencia de fontes e sorvedouros em problemas de escoamento.
Considere, ent˜ao, o escoamento bidimensional de um fluido entre dois planos paralelos y= 0 e y=π, onde o fluido entra atrav´es de uma fenda estreita ao longo da reta x= 0, no semi-plano-z superior. Suponha, tamb´em, que a taxa de escoamento de entrada atrav´es da fenda seja de Q unidades de volume por tempo. Logo, a taxa de escoamento de sa´ıda da faixa ´e deQ/2 unidades de volume por tempo para cada extremidade, conforme o esquema abaixo.
Utilizando a aplica¸c˜aoz = log(w), transformamos a faixa do exemplo no semi-plano superior do plano-w. Ent˜ao:
z= log(w)⇔w=ez ⇔w=exeiy
Figura 14: Esquema do escoamento de um fluido num canal atrav´es de uma fenda pela aplica¸c˜ao expz.
Desta forma, se z =x com x∈Rent˜ao w=ex onde θ= 0, ou seja, o eixo-x tem como imagem o eixo-u positivo. Al´em disso, sex <0 ent˜aow=ex=u0
e 0 < u0 <1; sex >0 ent˜aow=ex=u0 eu0 >1; se x→ −∞ent˜aow→0;
se x → ∞ ent˜ao w → ∞. Por outro lado, se z = x+iπ ent˜ao w = exeiπ, ou seja, a reta y = π tem como imagem o eixo-u negativo. Al´em disso, se z = 0 ent˜ao w=e0 = 1. Podemos, ent˜ao, concluir que a fronteira do canal ´e transformada na fronteira do semi-plano superior v ≥0.
A taxa de escoamento de fluido atrav´es de uma curva ligando um ponto z = x a um ponto (x, y) no interior da faixa ´e uma fun¸c˜ao corrente ψ(x, y) para o escoamento. Sob uma aplica¸c˜ao conforme, a fun¸c˜aoψ´e uma fun¸c˜ao de uev que representa a fun¸c˜ao corrente para o escoamento na regi˜ao do plano- w, tendo a taxa de escoamento igual atrav´es das curvas correspondentes nos dois planos. Logo podemos concluir que, sob uma aplica¸c˜ao conforme, uma fonte ou sorvedouro num dado ponto corresponde a uma fonte ou soverdouro igual na imagem deste ponto.
Da´ı ´e poss´ıvel ver que, no plano-w, existe uma fonte no ponto u = 1, com