A BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS DAS
OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE
O objetivo do presente material é contribuir com as operadoras de planos de saúde no que tange à aplicação das alterações introduzidas pelo art. 19 da Lei nº12.873, de 24 de outubro de 2013.
Lembramos que referido dispositivo legal alterou a redação da Lei nº 9.718/98, a qual regulamenta o recolhimento das contribuições ao PIS e a COFINS, especialmente em relação às operadoras de planos de saúde.
Vejamos o teor do referido dispositivo:
Art. 19. A Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art.3º
... § 9º-A Para efeito de interpretação, o valor referente às indenizações correspondentes aos eventos ocorridos de que trata o inciso III do § 9º entende-se o total dos custos assistenciais decorrentes da utilização pelos beneficiários da cobertura oferecida pelos planos de saúde, incluindo-se neste total os custos de beneficiários da própria operadora e os beneficiários de outra operadora atendidos a título de transferência de responsabilidade assumida. (NR)”
“Art. 8º-A Fica elevada para 4% (quatro por cento) a alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS devida pelas pessoas jurídicas referidas no § 9º do art. 3º desta Lei, observada a norma de interpretação do § 9º-A, produzindo efeitos a partir do 1º (primeiro) dia do 4º (quarto) mês subsequente ao da publicação da lei decorrente da conversão da Medida Provisória nº 619, de 6 de junho de 2013, exclusivamente quanto à alíquota.”
Consoante se denota da leitura do §9º-A retro transcrito, o mesmo simplesmente
interpretou, ou seja, esclareceu, o conceito de “indenizações” utilizado pelo inciso III do art. 9º da Lei 9.718/98, que dispõe:
“III - o valor referente às indenizações
correspondentes aos eventos ocorridos,
efetivamente pago, deduzido das importâncias
recebidas a título de transferência de
responsabilidades.
Como é cediço, desde a edição da Medida Provisória nº 2.158/01 que introduziu o inciso III acima reproduzido, teve início uma batalha entre as operadoras e as autoridades fiscais.
Do ponto de vista das operadoras, para a determinação da base de cálculo do PIS e da COFINS, as mesmas estavam autorizadas a abater de seu faturamento os custos relativos aos atendimentos a seus beneficiários, já que esses custos estariam enquadrados no conceito de indenizações.
Ademais, as parcelas dos recursos recebidos dos consumidores pela operadora, que é destinada aos pagamentos de eventos (sinistros), não caracteriza receita, por tratar-se de mero repasse.
Reforça esse entendimento o disposto no inciso I do artigo 1º da Lei nº 9.656/98, segundo o qual as operadoras de planos de saúde são responsáveis pelo pagamento dos sinistros ocorridos com seus beneficiários, por ordem e em nome dos mesmos, como seu mandatário, e atuando como gestora desses recursos.
Por sua vez, a RFB não compartilhava do mesmo entendimento o que ocasionou a autuação de muitas operadoras de planos de saúde.
Diante desse cenário iniciou-se uma longa e tortuosa negociação entre os representantes do setor e o governo federal que culminou com redação do citado artigo 19 da Lei nº 12.873/13, visando definir qual a abrangência do termo “indenizações de eventos ocorridos”.
É importante salientar que a própria norma indica sua característica meramente interpretativa.
Com esta premissa em mente, consideremos o disposto no art. 106, I do Código Tributário Nacional, o qual dispõe que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito quando "expressamente interpretativa" excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.
Referido artigo, atesta a existência de leis meramente interpretativas, as quais não inovam no plano legislativo, mas apenas se limitariam a interpretar, ou seja esclarecer, determinado dispositivo legal.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, entendendo ser perfeitamente aplicável o art. 106, I, do Código Tributário Nacional, desde que não venha a prejudicar os contribuintes. Nesse sentido, cabe trazer à tona o seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO
DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES).
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
1. A lei tributária mais benéfica e aquelas meramente interpretativas retroagem, a teor do disposto nos incisos I e II, do art. 106, do CTN 2. O § 4º introduzido pela Lei n.º 9.528/97 no art. 9º, da Lei n.º 9.317/96, ao explicitar em que consiste "a atividade de construção de imóveis", veicula norma
restritiva do direito do contribuinte, cuja
retroatividade é vedada.
2. "Consoante o disposto no artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n.º 9.317/96, a opção da pessoa jurídica pelo SIMPLES, submeterá a optante à esta sistemática, a partir do primeiro dia do ano-calendário subsequente." (REsp n.º 329892/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 05.11.2001)
3. Recurso especial improvido.
Diante do exposto, é nosso entendimento que a interpretação dada pela Lei nº 12.873/12 ao termo “indenizações de eventos ocorridos” deve ser aplicada aos fatos geradores ocorridos desde a edição da Medida Provisória nº 2.158/01, visto que o dispositivo apenas interpretou o texto da norma anterior, finalizando a divergência de entendimento entre fisco e contribuintes.
Portanto, as operadoras de planos de saúde devem avaliar os procedimentos a serem adotados para a determinação da real base de cálculo do PIS e da COFINS referentes aos últimos 5 anos, a fim de apurar o valor efetivamente devido.
Na hipótese de apurar-se pagamentos indevidos ou a maior os mesmos são passíveis de recuperação, desde que respeitados os procedimento administrativos para tanto.
Por outro lado, as operadoras que sofreram autuação e possuem processos administrativos em andamento devem discutir com seus assessores jurídicos meios de levar formalmente ao conhecimento dos julgadores a interpretação dada pela Lei nº 12.873/13.
Tal como ocorre com outras discussões judiciais onde os contribuintes são vitoriosos, futuramente é provável que o próprio governo federal oriente a RFB e a PGFN a não dar seguimentos aos processos administrativos em trâmite que versem sobre a questão em comento. Na hipótese de processos judiciais em andamento igualmente poderá ser útil levar ao conhecimento do órgão julgador o disposto no art. 19 da Lei nº 12.873/13 e aguardar o desfecho positivo da medida judicial.
Outro aspecto relevante diz respeito ao impacto desse tema nas demonstrações contábeis das operadoras.
Segundo o item 59 do CPC 25: “As provisões devem ser reavaliadas em cada data de balanço e ajustadas para refletir a melhor estimativa corrente. Se já não for mais provável que seja necessária uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos futuros para liquidar a obrigação, a provisão deve ser revertida.”
Assim, as operadoras poderão reverter eventuais provisões constituídas para fazer frente ao risco dessa demanda.
Resta-nos definir qual a melhor contrapartida dessa reversão: resultado do exercício ou lucro acumulados.
Sobre o assunto considerar o previsto no CPC 23, que trata dos seguintes eventos:
a) mudanças de políticas contábeis; b) mudanças nas estimativas contábeis; e c) retificação de erros.
A ocorrência do "a" acarreta na aplicação retrospectiva, ou seja, como se a política contábil tivesse sido sempre aplicada.
No caso do item "c" teríamos a reapresentação retrospectiva, ou seja, a correção do reconhecimento, da mensuração e da divulgação de valores de elementos das demonstrações contábeis, como se o erro nunca tivesse ocorrido.
No mesmo sentido, estabelece o parágrafo primeiro do artigo 186 da Lei das S/A: "como ajustes de exercícios anteriores serão considerados apenas os decorrentes de efeitos da mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a determinado exercício anterior, e que não possam ser atribuídos a fatos subsequentes."
Em resumo, caso entendêssemos que estamos diante de mudanças de políticas contábeis ou de retificação de erros, a reverão da provisão teria como contrapartida a conta de lucros acumulados, e as demonstrações seriam ajustadas para fins de comparabilidade.
Entendemos a reversão de provisões constituídas para registrar os prováveis desembolsos referente ao PIS e COFINS sobre as “indenizações” não enquadram-se no conceito de mudanças de política ou critério contábil e tão pouco trata-enquadram-se de retificação de erros.
No entanto, é nosso entendimento que a constituição de provisões insere-se no conceito de estimativas contábeis. Uma das estimativas utilizadas é a avaliação do risco que envolve tanto o reconhecimento ou não da provisão quanto o valor a ser reconhecido.
As operadoras de planos de saúde que reconheceram provisões para fazer frente ao PIS e COFINS sobre as “indenizações” o fizeram observando a melhor estimativa e avaliação de riscos existentes a época da constituição.
O art.19 da Lei 12.873/13 modificou, na data de sua edição, a avaliação de risco até então considerada, portanto, por tratar-se de estimativa contábil a reversão da provisão anteriormente constituída deve afetar o resultado do exercício.
Por outro lado, não devemos olvidar que além de fornecer uma interpretação favorável aos contribuintes, o legislador também elevou a alíquota da COFINS de 3% para 4%, em um aparente oportunismo governamental.
Nesse tocante, lembramos que a majoração da alíquota ocorrerá a partir do 1º (primeiro) dia do 4º (quarto) mês subsequente ao da publicação da lei nº 12.873/13, ou seja, a partir de fevereiro de 2014.
Apenas para justificar o termo “oportunismo” utilizado acima, é importante salientarmos que há indícios de que se a RFB insistisse em sua tese, sairia derrotada já que o Superior Tribunal de Justiça definiu que a base de cálculo do ISS para as operadoras é apurado considerando as deduções das despesas com os sinistros, conceito que seria aplicado por analogia para o PIS/COFINS. Assim, ao “interpretar” o inciso III do parágrafo 9º do art. 3º da Lei 9.718/98 em consonância com o entendimento do STJ o governo apenas antecipou uma derrota eminente e, beneficiou-se, visto que aumentou a alíquota da COFINS de 3% para 4%.
ATHROS AUDITORES INDEPENDENTES