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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA PUC SP. Teresinha de Oliveira Ledo Kersch

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Academic year: 2021

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Teresinha de Oliveira Ledo Kersch

Os Tons do Trágico em Ariano Suassuna: uma leitura de Uma mulher vestida de sol

MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA

São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Teresinha de Oliveira Ledo Kersch

Os Tons do Trágico em Ariano Suassuna: uma leitura de Uma mulher vestida de sol

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Literatura e Crítica Literária, sob orientação da Profª Drª Maria Aparecida Junqueira.

São Paulo 2012

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Banca Examinadora

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Ao meu Pai, João de Oliveira Ledo, meu iniciador nas histórias de Taperoá, nos causos e no diálogo da Vida.

À minha Mãe, Rozemira do Nascimento Oliveira (in memoriam), grande incentivadora de minhas leituras, meus estudos e projetos.

À minha Filha, Sofia Ledo Kersch, cuja presença trouxe encantamento e olhar renovado à minha vida;

Ao meu esposo, Vilson Jair Kersch, companheiro de jornada e incentivador do trabalho.

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Agradecimentos

À Profª Drª Maria Aparecida Junqueira, orientadora desta pesquisa, pelo incentivo, pelos ensinamentos, pela extrema paciência.

À Profª Drª Edilene Dias Matos, pelas sementes lançadas neste trabalho, pelo apoio mesmo à distância, e pelas sugestões, quando do Exame de Qualificação.

Ao Prof. Dr. Fernando Segolin, pela atenção e pelos caminhos abertos no Exame de Qualificação.

A todos os professores do PEPG em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, por terem contribuído direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.

Ao escritor Ariano Suassuna, pelo carinho e atenção com que me recebeu em sua casa, e pela entrevista concedida, na qual se manifestaram a grandeza do ser humano e a do intelectual.

À Ana Albertina, secretária do PEPG em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, pelo incentivo e apoio.

À CAPES, pela bolsa concedida.

Ao Núcleo Ariano Suassuna de Estudos Brasileiros, coordenado pela Profª Drª Maria Aparecida Lopes Nogueira, da Universidade Federal de Pernambuco, pelo acesso que tive ao rico material de pesquisa sobre a vida e a obra de Ariano Suassuna.

Ao meu pai, João de Oliveira Ledo, pelo incentivo e colaboração.

À minha filha, Sofia Ledo Kersch, pela presença confortadora e pela paciência de esperar um “colinho” quando não era possível concedê-lo.

Ao meu esposo, Vilson Jair Kersch, pelo apoio, pela compreensão e colaboração.

Aos familiares e amigos, em especial: Elaine da Mota, Josefa Martelli, Marcos Célio, Marcelo do Nascimento, Elisete do Nascimento, Águida de Jesus, Mariza Fernandes, Carina Brandão, pelo apoio.

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A Ariano Suassuna: (...) Aqui, d’El-Suassuna! Oh grande Ariano meu e de todos! Irmão, sansão, gedeão, campeão dos vivíssimos textos recitáveis, mistérios claros, apogeus vivenciados (e do Gato que descome dinheiro), Suassuna dito, bendito, colhedor de aplausos, jardim do mato regado a orvalho, Rei do quinto naipe do baralho e Chefe de roteiros, capaz de guardar coisas bem raras na lembrança e no coração da gente (...) Guimarães Rosa

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RESUMO

KERSCH, Teresinha de Oliveira Ledo. Os Tons do Trágico em Ariano Suassuna: uma leitura de Uma mulher vestida de sol. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2012. 123p.

O objetivo primordial desta pesquisa é apreender, em Uma mulher vestida de sol, de Ariano Suassuna, a construção do Trágico e a intenção performática de uma “voz poética” que inscreve o corpo do leitor no texto. Acreditamos que esta peça constitua uma espécie de “tragédia dionisíaca”, que incorpora elementos cômicos e populares, de maneira a ampliar sua performance. A peça é composta de três atos e trata do amor entre dois jovens, Francisco e Rosa, cujas famílias viviam em meio à rivalidade por causa de uma briga por terras no sertão de Taperoá. A fundamentação teórica alicerça-se na Poética de Aristóteles, que conceitua e discute a tragédia; e na teoria de Paul Zumthor acerca da performance, presente em livros como Performance, recepção e leitura; e Escritura e nomadismo. A obra de Suassuna não dialoga apenas com os textos canônicos da literatura universal, mas também com a cultura popular, com textos como folhetos de cordel, almanaques, rezas, cantorias. O enfoque que propomos considera a inserção do teatro suassuniano no Movimento Armorial e propõe uma busca de fontes orais, a partir do conceito de movência de Zumthor. Os resultados da pesquisa ressaltam que a intenção de performance da peça amplia-se pela valorização dos elementos vocais, oriundos da cultura popular.

Palavras-chave: Ariano Suassuna, Uma mulher vestida de sol, tragédia, performance, vocalidade.

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ABSTRACT

KERSCH, Teresinha de Oliveira Ledo. The tones of the Tragic in Ariano Suassuna: a reading of Uma mulher vestida de sol. Master’s degree dissertation. Program of Pos-Graduate Studies on Literature and Literary Criticism. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brazil, 2012. 123p.

The main objective of this research is to apprehend the construction of The Tragic and the intentionality of a “poetic voice” that inscribes the reader’s body on the text in the play Uma mulher vestida de sol, by Ariano Suassuna. We believe that this play is a kind of a “Dionysian tragedy”, which incorporates comic and popular elements, in order to intensify its performance. The play has three acts and tells the story of the love between two young people, Francisco and Rosa, both love each other but come from families who fight because of land pieces in the wilderness of Taperoá. We use Poética by Aristóteles as the theoretical basis and Paul Zumthor’s theory on performance. The first one names and discusses the elements of Tragedy and the second one, the elements of voice in popular culture; we can read about the latter in books such as Performance, recepção e leitura and Escritura e nomadismo. Suassuna’s work does not only dialogue with the canonical texts of the universal literature, but also with popular culture, with specific kinds of texts produced in Brazil such as cordel literature, folhetos, almanaques, rezas and cantorias (stories on strings, leaflets, almanacs, prayers and songs). We focus on the insertion of Suassuna’s Theater in the Armorial Movement and we propose the search of oral sources using Zumthor’s concept of movência (mouvance). The results of this research highlight that the intention in the play performance is expanded because of the oral elements brought by the popular culture.

Keywords: Ariano Suassuna, Uma mulher vestida de sol, tragedy, performance, vocality.

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SUMÁRIO

Introdução...10

Capítulo I – Olhares diversos sobre a obra suassuniana...16

1.1. Olhares críticos em recorte...16

1.2. “Suassuna por Suassuna”...35

Capítulo II - O teatro de Ariano Suassuna: marcas dionisíacas...43

2.1. A tragédia e seus tons no teatro suassuniano...43

2.2. Uma mulher vestida de sol: uma tragédia contemporânea...53

Capítulo III - Em busca de uma performance...78

3.1. O corpo em cena: uma escritura corporal...78

3.2. A voz poética de Uma mulher vestida de sol...85

Considerações finais...94

Referências...95

Apêndices...100

Apêndice A – Entrevista...101

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INTRODUÇÃO

O olhar dirigido ao Teatro no Ocidente remonta-nos a Aristóteles, que em sua Arte poética identifica o drama como a imitação da práxis humana, do Homem em ação. No caso específico da tragédia, esta consiste na imitação dos homens superiores. Ao adotarmos a perspectiva aristotélica, entendemos o Teatro como uma linguagem artística. Além disso, referindo-nos especificamente ao texto teatral, consideramo-lo como um gênero no campo da Literatura.

Ao pensarmos na História do Teatro, lembramo-nos de nomes como Ibsen, William Shakespeare, Calderón de La Barca, entre outros, que serviram de inspiração e referência para um dos maiores autores teatrais brasileiros: Ariano Suassuna. Oitavo filho (de um total de nove) do então governador da Paraíba João Suassuna e de Rita de Cássia Dantas Villar, Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927 no Palácio da Redenção, na capital do Estado da Paraíba. Com apenas três anos perdeu seu pai, assassinado por motivos políticos. Viveu em diversas localidades do sertão paraibano, dentre elas a cidade em que passou grande parte de sua infância: Taperoá, espaço geográfico que recriou de maneira mítica e literária em sua obra. Nessa cidade, entrou em contato com o teatro de mamulengos e com o circo. Além disso, teve acesso aos livros da biblioteca de seu pai, por meio de seus tios Manuel Dantas Villar e Joaquim Duarte Dantas. Entre as leituras realizadas nesta época, estão os livros de Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, Euclydes da Cunha, Antero de Figueiredo e José Lins do Rego.

Em 1942, mudou-se para o Recife e cursou o Ginásio Pernambucano, onde fez amizade com Carlos Alberto de Buarque Borges, que lhe permitiu maior aproximação com a música erudita e a pintura. Em 1945, tornou-se amigo de Francisco Brennand, pintor e seu colega de turma no Colégio Oswaldo Cruz. No ano de 1946, iniciou a Faculdade de Direito em Recife, onde conheceu escritores, teatrólogos, atores e artistas plásticos. Nesse contexto, ao lado de nomes como Hermilo Borba Filho, criou o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP).

Em 1956, abandonou a advocacia e passou a lecionar Estética na Universidade Federal de Pernambuco. Escreveu para seus alunos o Manual de estética. No ano

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seguinte, casou-se com Dona Zélia de Andrade Lima, com quem tem seis filhos. No ano de 1959, fundou o Teatro Popular do Nordeste (TPN), juntamente com Hermilo Borba Filho. Em 1960, concluiu a Faculdade de Filosofia na Universidade Católica de Pernambuco.

Suassuna exerceu o magistério durante muitos anos: foi professor de História da Cultura Brasileira no mestrado da UFPE por trinta anos, de Filosofia da Cultura no CFCH em 1988, de Teoria do Teatro, Estética e Literatura Brasileira na Escola Belas-Artes da UFPE, por trinta e dois anos.

Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1990, da Academia Pernambucana de Letras em 1992 e da Academia Paraibana de Letras em 2000. Ocupou também diversos cargos ligados à cultura, como o de Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco.

A obra publicada de Ariano Suassuna compõe-se de: É de tororó (1950), em colaboração com Capiba e Ascenso Ferreira; Ode (1955); Uma mulher vestida de sol (1964); Auto da compadecida (1957); O casamento suspeitoso (1961); O santo e a porca (1964); A pena e a lei (1971); Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971); Iniciação à estética (1972); Farsa da boa preguiça (1973); Seleta em prosa e verso (1975); História d’o rei degolado nas caatingas do sertão – Ao sol da onça caetana (1977); História do amor de Fernando e Isaura (1994); Aula Magna (1994); A história do amor de Romeu e Julieta (1997); CD Poesia viva de Ariano Suassuna (1998); Poemas (1999).

Entre os textos não publicados, estão: Cantam as harpas de Sião (1948); Os homens de barro (1949); Auto de João da Cruz (1950); O arco desolado (1952); O desertor de Princesa (1958); A caseira e a Catarina (1962); As conchambranças de Quaderna (1987).

Integram também a obra suassuniana poemas; peças teatrais; romances; iluminogravuras; textos críticos; roteiros; ensaios e tese; colunas na imprensa; artigos em jornais, revistas e periódicos; conferências e discursos. Parte de sua obra foi traduzida para o alemão, o espanhol, o francês, o holandês, o inglês, o italiano e o polonês.

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A obra de Suassuna não dialoga apenas com os textos canônicos da literatura universal, mas também com a cultura popular, com textos como folhetos de cordel, almanaques, rezas, cantorias. O método dialético do escritor resultou na idealização por parte do próprio Suassuna do Movimento Armorial, que teve início em 1970 e visava a criação de uma arte erudita a partir do diálogo com a cultura popular, não mais vista como primitiva ou naïve. O Movimento agregou artistas, músicos, escritores, poetas, gravadores, pintores, pessoas ligadas ao teatro, ceramistas e bailarinos.

Suassuna construiu uma obra coerente com o ideário armorial. Dentre as peças que escreveu, destacamos a tragédia Uma mulher vestida de sol, a qual dialoga, com textos como o clássico Romeu e Julieta, de William Shakespeare e com o folheto História de Mariquinha e José de Souza Leão.

Uma mulher vestida de sol foi selecionada como corpus desta pesquisa, por se tratar da primeira peça planejada e escrita por Ariano Suassuna como autor teatral. Segundo Hermilo Borba Filho (2003), ela constitui a primeira grande tragédia produzida no nordeste, tendo sido escrita em 1947 para um concurso realizado pelo Teatro do Estudante de Pernambuco, no qual Suassuna obteve o primeiro lugar. Esta primeira versão teve seu primeiro ato publicado na Revista Estudantes, da Faculdade de Direito do Recife, no ano de 1948. Outro dado instigante consiste no fato de a mesma ter sido reescrita dez anos depois, por interesse do próprio autor, com a justificativa de dar mais unidade à obra e levá-la ao conhecimento do público, e publicada em 1964. Depois, em 1994, a peça ganhou uma versão televisiva. Posteriormente, recebeu novas alterações e essa versão mais recente constitui o objeto de estudo desta pesquisa1. A peça é composta de três atos e trata do amor entre dois jovens, Francisco e Rosa, cujas famílias viviam em meio à rivalidade por causa de uma briga por terras no sertão de Taperoá.

Nosso objetivo é apreender, em Uma mulher vestida de sol, a construção do Trágico e a intenção performática de uma “voz poética” que inscreve o corpo do leitor no texto. Acreditamos que esta peça constitua uma espécie de “tragédia dionisíaca”, que incorpora elementos cômicos e populares, de maneira a ampliar sua performance.

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Nossa análise da peça e todas as citações que aparecem de Uma mulher vestida de sol referem-se à quarta edição: SUASSUNA, Ariano. Uma mulher vestida de sol. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

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“Voz poética”, aqui, compreende a vocalidade do texto suassuniano, no sentido empregado por Paul Zumthor (2007) em sua obra Performance, recepção e leitura. À respeito da inscrição do corpo do leitor no texto, Zumthor (2007, p. 27) interroga-se “sobre o funcionamento, as modalidades e o efeito (em nível individual) das transmissões orais da poesia”, representando importante contribuição teórica para a análise da peça de Ariano Suassuna.

Além da tragédia aristotélica, a teoria de Paul Zumthor sobre a performance consiste num dos alicerces fundamentais desta pesquisa. Vale ressaltar que, apesar de termos conhecimento de estudos mais recentes sobre a performance, como os realizados por Renato Cohen (2004), doutor pela ECA/USP, no livro Performance como linguagem, preferimos o conceito cunhado por Zumthor (2007). Acreditamos que tanto este conceito como o arcabouço teórico do autor podem melhor iluminar a análise do corpus com que trabalhamos, já que Cohen considera a performance como uma expressão cênica específica, difundida no Brasil em 1982, com a criação do Sesc Pompéia e do Centro Cultural São Paulo.

O enfoque que propomos não desconsidera a inserção do teatro suassuniano no Movimento Armorial. Propõe uma busca de fontes orais, como o romanceiro popular, a partir, também, do conceito de movência de Zumthor (2007, p. 65), que enfatiza a conservação pela memória, por meio da reiteração, considerando inúmeras variações re-criadoras, como acontece nas peças teatrais que se originaram de folhetos de cordel, caso da peça Uma mulher vestida de sol, que dialoga com o folheto de História de Mariquinha e José de Souza Leão. Além disso, relacionamos a idéia de movência, bem como outros elementos – corpo, gesto, voz – que incorporam o teatro de Suassuna, com a intenção de vocalidade do texto, tendo em vista uma ampliação de sua performance.

Cremos que o texto teatral de Ariano Suassuna demonstra uma intenção de vocalidade e uma intenção de performance, que se dá pela teatralidade em si, por meio da construção de diálogos e de indicações cênicas. No entanto, tal intenção, observável também em peças teatrais de diferentes autores, vê-se ampliada no teatro suassuniano pela valorização de elementos vocais, oriundos da cultura popular, como os folhetos de cordel. Ademais, o próprio texto propicia o processo de performance enquanto leitura

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solitária e puramente visual, outra modalidade de performance abordada por Zumthor (2007), considerada como grau performancial mais fraco, porém não menos importante, já que foi objeto de valiosos estudos do pensador suíço.

À luz da problemática proposta, este trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro, intitulado “Olhares diversos sobre a obra suassuniana”, trata primeiramente da fortuna crítica do autor, apresentando algumas das principais contribuições que analisam a sua produção literária, partindo de diferentes perspectivas. Posteriormente, o capítulo aborda a visão do próprio Suassuna a respeito de sua obra, a partir da entrevista em apêndice; da tese de livre-docência A Onça Castanha e a Ilha Brasil: uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira; das obras Aula Magna (2007) e Almanaque Armorial (2008).

O segundo capítulo, “O teatro de Ariano Suassuna: marcas dionisíacas”, enfatiza o teatro de Suassuna de maneira geral. Trata também da estrutura da peça, ao empregar a teoria da tragédia de Aristóteles e ao analisar a presença de elementos dionisíacos no Trágico suassuniano, de modo especial em Uma mulher vestida de sol. Entre tais elementos, figuram o humor e a ironia, o que nos levou a recorrer ao pensamento de Kierkegaard, em sua obra O conceito de ironia (2005), e ao de Octavio Paz, em sua obra Os filhos do barro (1984). Procede ainda à análise de imagens míticas presentes na peça, utilizando o arcabouço teórico de Ernst Cassirer, a partir da obra Linguagem e mito (2006), e de Mircea Eliade, na obra Mito e realidade (2006).

O terceiro capítulo, “Em busca de uma performance”, realiza a análise das indicações cênicas e dos diálogos, tendo como embasamento teórico a concepção de Zumthor sobre a performance, presente em obras como Performance, recepção e leitura (2007) e Escritura e nomadismo (2005).

No apêndice, encontram-se uma entrevista que realizei com Ariano Suassuna, em sua residência, no bairro de Casa Forte, em Recife, bem como algumas fotos que registraram este encontro e outros momentos da pesquisa. Entre eles, estão a visita que realizei ao Palácio da Redenção, na capital do Estado da Paraíba, onde Ariano Suassuna nasceu, e ao “Monumento à Pedra do Reino”, também na capital paraibana; a ida à Taperoá, sertão paraibano, onde o autor viveu grande parte de sua infância e

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que se tornou espaço mítico presente na maior parte de sua literatura. As outras fotos são da Oficina Brennand, também chamada por Suassuna de Ilumiara Brennand, onde reina a atmosfera armorial, em Recife. Tais registros foram realizados entre julho e agosto de 2010.

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Capítulo I – Olhares diversos para a obra suassuniana

A Dom Quixote de La Mancha (...) Se não és par, tampouco igual hás tido: par poderias ser, entre mil pares, nem par existirá onde te achares, invicto vencedor, jamais vencido! Miguel de Cervantes

1.1. Olhares críticos em recorte

A obra de Ariano Suassuna possui ampla fortuna crítica tanto no Brasil quanto no exterior, da qual se sobressaem importantes contribuições de estudos realizados por diversos autores. Dentre tais estudos, selecionamos alguns, que consideramos significativos para a compreensão do processo criador de Ariano Suassuna. Nosso percurso contempla um panorama do Movimento Armorial, a partir das contribuições de Maria Thereza Didier e de Idelette Muzart Fonseca dos Santos, de modo a traçar o contexto histórico e a reflexão sobre a Arte Armorial em seus diversos campos. Em seguida, concentra-se na produção literária de Ariano Suassuna, a começar das contribuições de Ligia Maria Pondé Vassallo, Elinês de Albuquerque Vasconcélos e Oliveira, Maria Aparecida Lopes Nogueira e Carlos Newton Júnior.

Emblemas da sagração armorial: Ariano Suassuna e o movimento armorial (1970-76) é livro de Maria Thereza Didier, fruto de uma dissertação de Mestrado, defendida na área de História, na PUC de São Paulo. Reflete sobre a produção literária de Ariano Suassuna, bem como sobre o Movimento Armorial, a partir do viés histórico. Didier ressalta a criação do Movimento Armorial por Ariano Suassuna como uma tentativa de busca de identidade nacional, a partir das vinculações entre as culturas popular, ibérica, moura, negra e índia. Dessa mistura, origina-se o “ser castanho”, verdadeiro “ser brasileiro”, ideia defendida por Suassuna em sua tese de livre docência A Onça Castanha e a Ilha Brasil, no ano de 1976, na UFPE – Universidade Federal de Pernambuco.

A autora analisa o projeto de valorização da cultura popular brasileira pensado por Suassuna, por meio do Movimento Armorial, contextualizando-o em seu momento histórico e comparando-o aos projetos de outros intelectuais, como o de Sílvio Romero,

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o de Gilberto Freyre e o dos tropicalistas, mostrando seus pontos convergentes e divergentes.

Didier traça um panorama histórico e cultural dos anos 70, período em que as ações governamentais incentivavam a cultura da Nação, de modo a eliminar as fronteiras entre o popular e o erudito, tentando reunir as diferenças de forma harmoniosa numa unidade nacional que beirava o ufanismo. Nesse contexto, a arte que não exalava tal otimismo era considerada subversiva e sofria repressão e censura por parte do governo. Ao contrário, o futebol, o samba e o folclore eram incentivados, tendo em vista compor um cenário de beleza e otimismo.

O Nordeste era visto como uma região rica em cultura popular e identificado como fonte de originalidade e identidade da Nação, considerado por intelectuais como o celeiro da tradição brasileira. Nesse espaço, a cultura popular floresce de modo artesanal, em contraponto à produção em larga escala da indústria cultural.

O Movimento Armorial inicia-se em Pernambuco, e, segundo Didier, seus integrantes entendem que a expressão mais autêntica da cultura brasileira está na cultura popular e voltam-se para o Nordeste, berço do passado originário da cultura brasileira, no qual se misturam as raças definidoras do caráter nacional:

Nem tudo que era estrangeiro era considerado como elemento “estranho” para a concepção armorial. Compreender isso exige situar os significados das influências ibéricas para o Movimento Armorial, que desenhava nelas um dos matizes das marcas culturais brasileiras, através da mistura das raças que vieram junto com os primeiros invasores que se juntaram aos habitantes da “Ilha Brasil”. Influência ibérica significava, para os armoriais, influência moura/árabe, relacionada com o que consideravam de “fósseis” culturais encontrados na pesquisa da música armorial. A identidade nacional, entendida pelo armorial, encerrava-se no desenho da mistura racial (entre negros, brancos e índios), na qual a influência ibérica era expressão de peso para a definição do caráter nacional. Podemos observar que os discursos raciológicos, através de Sílvio Romero e Gilberto Freyre, estiveram presentes na formação intelectual do escritor Ariano Suassuna. Sílvio Romero baseando-se na questão racial, e depois Gilberto Freyre, reinterpretando e deslocando o eixo racial para o cultural, transformariam em positividade o “mestiço” brasileiro. Também Suassuna e o Movimento Armorial assumem o pluralismo sincrético racial e cultural como a marca emblemática da cultura nacional. (DIDIER, 2000, p. 45)

Suassuna, idealizador do Movimento Armorial, identifica, assim como Sílvio Romero e Gilberto Freyre, a identidade nacional como resultado da mistura das raças

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negra, branca e indígena. Além disso, enxerga essa mestiçagem como algo extremamente positivo, que enriquece nossa cultura.

Didier aborda também a criação do MCP – Movimento de Cultura Popular, fundado em 1960 no Recife, que antecedeu a criação do Movimento Armorial. Entre seus fundadores, estão os intelectuais pernambucanos: Germano Coelho, Hermilo Borba Filho, Paulo Freire, Luis Mendonça e Ariano Suassuna. Visavam à desalienação do povo brasileiro, bem como a construção de uma cultura nacional, que partisse do elemento popular, pois entendiam a cultura popular como a guardiã das tradições brasileiras.

O MCP desenvolveu um plano de educação e cultura popular, que realizou diversas atividades, dentre elas, um programa de educação para adultos, fundamentado no método Paulo Freire; a promoção institucionalizada de festas tradicionais, como o São João e o Natal; o incentivo de praças de cultura, de espetáculos teatrais e de festivais.

A produção artística no MCP tem como base a cultura popular como reação à alienação provocada pela cultura dominante, que era marcada pelo “imperialismo” dos países industrializados. Havia, no entanto, divergências entre o pensamento dos intelectuais que integravam o MCP: alguns repudiavam a arte que não se comprometesse com um projeto político de transformação social; outros, como Ariano Suassuna, discordavam da ideia de arte dirigida, como instrumento de um projeto político ou educacional. Tais discordâncias fizeram com que, posteriormente, Suassuna se desligasse do MCP. Em 1963, Suassuna publicou um artigo em que critica a postura de alguns educadores ligados ao MCP:

(...) seduzidos pelo programa de libertação do povo, começam a proferir sentenças condenatórias contra os artistas que não obedecem a seus programas. É nesse sentido que um jovem escritor marxista outro dia chamou, num artigo, Dostoievsk de ‘reacionário’. Creio que, de certa forma, estou autorizado a dizer que essas condenações são de uma estreiteza e de um sectarismo que seriam ridículos se não trouxessem tanto mal. Digo isso porque, boa ou má, minha arte se enfileira no grupo dos artistas ligados à arte do povo: nem por isso vou julgar ilegítima a daqueles que preferem outras maneiras. Quem me deu procuração para distribuir certificados de legitimidade? (SUASSUNA, apud DIDIER, 2000, p. 96)

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A arte, segundo Suassuna, ao preocupar-se excessivamente em discutir as condições políticas e sociais da realidade, perde seu poder encantatório, sua beleza.

Em 1970, acontece o lançamento oficial do Movimento Armorial, com a apresentação da Orquestra Armorial de Câmara do Conservatório Pernambucano de Música, na Igreja de São Pedro dos Clérigos. Em seu discurso, Suassuna fala sobre os diferentes campos da arte armorial, entre eles, a pintura de Francisco Brennand e a gravura de Gilvan Samico. Este movimento, de acordo com Didier, tinha como base o barroco de origem ibérica e a arte popular nordestina, considerados os suportes da “cultura nacional”.

No campo da música, o Movimento Armorial, inicialmente com uma Orquestra de Câmara e posteriormente com o Quinteto Armorial, propagou uma “música erudita brasileira baseada nas raízes populares” (DIDIER, 2000, p. 101). Os elementos populares e eruditos foram estudados pelo Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, sob a direção de Ariano Suassuna.

Em julho de 1968, foi lançado um manifesto “tropicalista”, intitulado “Inventário do feudalismo cultural nordestino”, assinado por artistas nordestinos como: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jomard Muniz de Britto e Celso Marconi. Neste manifesto, o Tropicalismo é definido como “posição de radicalidade crítica e criadora diante da realidade brasileira” (DIDIER, 2000, p. 104). Utiliza novos processos criativos, considerados “de vanguarda”, que rompem com padrões morais e sociais e entendem de outra forma o passado cultural da região nordeste, numa clara crítica ao Movimento Armorial, considerando sua arte conservadora e perpetuadora do subdesenvolvimento.

Didier observa que, apesar das grandes divergências entre armoriais e vanguardistas, ambos têm um ponto convergente: a crítica à arte engajada, pois preocupam-se com a fruição do objeto estético. Tal fruição é obtida pelo “armorial” por meio da fusão dos contrários, da recriação musical de elementos preservados do passado; diferentemente do “tropicalista”, que busca uma antropofagia cultural, incorporando elementos estrangeiros, da indústria cultural e da cultura de massa.

A estudiosa ressalta a valorização das tradições populares pelo escritor Ariano Suassuna como fonte de resistência cultural e meio de preservação da identidade nacional. Descreve o “ser castanho” (povo brasileiro, composto da fusão de culturas e

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raças) idealizado por Suassuna como um ser que congrega os opostos das dimensões dionisíaca e apolínea, sendo a primeira a predominante, como já afirmou o próprio autor do Auto da compadecida. Por ser mais dionisíaco, o brasileiro é um apreciador das festas e essencialmente criativo, diferentemente de outros povos, mais apolíneos, extremamente reflexivos e disciplinados. No entanto, segundo Suassuna, os povos “castanhos” do Mediterrâneo e de partes da África não são totalmente racionalistas nem irracionalistas, pois “exaltavam o sentido vital e estético da festa, ao mesmo tempo bela e cruel da vida, mas, para eles, o pensamento e a reflexão eram também uma festa, uma embriaguez” (SUASSUNA, apud DIDIER, 2000, p. 151).

O “caráter dionisíaco nacional” foi também enfatizado por outros artistas armoriais, como o pintor Francisco Brennand e o gravurista Gilvan Samico. Além disso, ao compor o Balé Armorial, Suassuna visava reunir as técnicas do balé clássico com a dança popular nordestina, criando uma dança dionisíaca, festiva, como os espetáculos nordestinos. Tais elementos dionisíacos, presentes nos “povos castanhos”, também nos chamou atenção na obra de Suasuna e será objeto de nossos estudos, constando no próximo capítulo.

Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o Movimento Armorial é publicação fruto da tese de doutorado apresentada na Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle, em 1981, por Idelette Muzart Fonseca dos Santos (1999), uma das maiores pesquisadoras da obra de Ariano Suassuna e tradutora para o francês do Romance da Pedra do Reino. A obra traça um histórico do Movimento Armorial, ao analisar suas diferentes nuances, as quais dizem respeito ao teatro, às artes plásticas, à música, à literatura. Situa tal movimento no espaço geográfico, histórico e mítico do Nordeste, tendo Ariano Suassuna como seu criador e impulsionador. A autora, que dialogou com Zumthor, recorre a este para distinguir “popular” e “oral”, “oralidade” e “vocalidade” e utiliza o conceito de performance para mostrar as relações entre voz e escritura.

A estudiosa possui também outras importantes contribuições a respeito da obra de Ariano Suassuna, dentre elas, o ensaio O decifrador de brasilidades (2000), a introdução à Aula magna (2007) do escritor, além de ter publicado um número especial

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da Revista Online Plural Pluriel (2008), em comemoração aos 80 anos de Ariano Suassuna.

No ensaio, Santos (2000) ressalta tanto a busca da poética popular como modelo de criação, quanto a consciência do engajamento de Suassuna em prol da cultura brasileira como as constantes que guiaram a vida e orientaram a obra do autor. Segundo a pesquisadora, o escritor cria uma estética nova, na qual deixa de considerar a arte popular como primitiva ou “naïve” e passa a enxergá-la como arte, “cujo grau de elaboração e complexidade pode ser apreciado de modo autônomo e independente de qualquer hierarquia social dos valores estéticos, agindo como um revelador cultural” (SANTOS, 2000, p. 97).

Ao deflagrar o Movimento Armorial nos anos 70, Suassuna define a arte armorial “na sua relação com as literaturas da voz e do povo, fundamento de sua criação” (SANTOS, 2000, p. 97). A cultura popular nordestina contém características medievais e a primeira delas é a força poética da voz. Nesse sentido, existe uma relação “fundadora” da arte armorial com a poesia oral e popular.

O Movimento Armorial propõe a criação de uma arte erudita, com base na cultura popular, mais precisamente no folheto de cordel, que apresenta, ao mesmo tempo, poesia narrativa, xilogravura e música. A esse respeito, ressalta Santos:

A arte armorial define-se, portanto, por uma relação “fundadora” com a literatura popular do Nordeste e particularmente com o folheto de feira, que o artista armorial ergue como bandeira por unir três formas artísticas distintas: a poesia narrativa de seus versos, a xilogravura de suas capas, a música (e o canto) de suas estrofes. Literatura do povo, literatura dita popular, apresentada como fonte, modelo de criação e bandeira cultural, que parece escapar às certezas para suscitar vários questionamentos – e em primeiro lugar o de sua denominação e definição social. (1999, p. 14)

O folheto da literatura de cordel tem papel importante no Movimento Armorial. O cordel constitui fonte de inspiração para os artistas armoriais, já que propicia a sugestão de temas e esquemas narrativos. As três dimensões artísticas presentes no folheto, a saber: texto, voz e imagem, estão presentes no espetáculo teatral, o qual constitui a arte maior do Movimento Armorial. Afirma Santos (1999, p. 19): “tradicionalmente diferenciada, definida ao contrário, a escritura (do folheto) não exclui a voz (da cantoria,

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do romance, do conto): completa-a e renova-a, desempenhando o papel de arquivo da improvisação e do fugitivo”.

Na obra Em demanda da poética popular, a autora enfatiza que a relação da arte armorial com o folheto e a cantoria é responsável pela elaboração de uma “poética da voz”, que se mostra no papel formador e criador da arte poética oriunda dos cantadores, na recriação dos gêneros orais e na figura mítica do cantador, recorrente na literatura armorial.

O espetáculo teatral, segundo Santos (1999, p. 38), concretiza a arte maior do Movimento Armorial, pois reúne as três dimensões artísticas que compõem o folheto: texto, voz e imagem. Em suas palavras:

a encenação realiza, em outro nível e numa perspectiva diferente, a mesma integração das artes: poesia, música e artes plásticas. O teatro constitui, portanto, o espaço privilegiado da “armorialidade”, tendo sido também seu laboratório, pois os anos de elaboração e maturação da arte armorial correspondem ao período mais intenso de produção e reflexão teatral de Ariano Suassuna. (1999, p. 235)

As peças de Suassuna realizam o que Santos (1999, p. 235) chama de manifestação do texto popular de “modo constitutivo”, ou seja, o “folheto é usado pelo escritor como ‘material de base’ e submetido à reescritura”. A estudiosa denomina reprise os modos de citação e reescritura do texto tradicional, seja ele oral, seja escrito. Tal reprise aparece freqüentemente na poética armorial.

Santos (2007) considera que a obra suassuniana possui duas fases distintas, cada uma delas correspondendo a um gênero predominante: a fase teatral, que se inicia em 1947, com Uma Mulher Vestida de Sol, e estende-se até 1962, com A Caseira e a Catarina; e a fase romanesca, que principia em 1962, com o livro ainda inédito O Sedutor do Sertão, e se encerra em 1976, data da publicação da última obra do escritor, Ao Sol da Onça Caetana.

Segundo Santos (2007), apesar da divisão, a obra apresenta uma unidade marcada na busca de uma poética nova, que tem como fundamento a poesia e o teatro popular. Suassuna revela uma preocupação estética com o Romanceiro nordestino, composto pelos romances e folhetos da literatura popular oral e escrita, evidenciada pela tentativa de apreensão da identidade cultural brasileira desde o encontro de

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violeiros em 1947, no tradicional Teatro Santa Isabel no Recife, até a deflagração do Movimento Armorial em 1970. Além disso, a poética de Suassuna é marcada pelo diálogo entre artes e artistas.

Segundo Santos, o movimento armorial tem seu início e desenvolvimento no Recife, nos anos 70, e, posteriormente, torna-se um dos pólos da criação artística nordestina naquele período. O movimento tem como marco um concerto e uma exposição de artes plásticas e agrupa, sob a orientação de Ariano Suassuna, diversos artistas, músicos, escritores e poetas.

Os artistas armoriais são todos nordestinos, nascidos quase todos em Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Muitos deles são originários de famílias com alto poder aquisitivo, latifundiárias, e viveram sua infância no sertão, no agreste ou na Zona da Mata, onde puderam criar uma proximidade maior com a natureza, as tradições da cultura popular e rural. Puderam ir para a cidade estudar e estabelecer-se profissionalmente, mas permaneceu neles uma forte saudade da ambientação rural. Após viagens pelo Brasil ou pelo mundo, todos eles retornaram ao nordeste e fixaram-se em Recife para constituir uma nova arte brasileira, porém não marcada pelo Regionalismo.

Suassuna defende que o Movimento Armorial não pode ser considerado regionalista, pois a definição de Regionalismo relaciona-se com o Movimento de 1926, que de certa maneira retoma o Naturalismo e prioriza uma interpretação sociológica. Já a Arte Armorial, apesar de ligada à realidade, sobretudo da região, propõe uma “recriação poética nos moldes do romanceiro” (SUASSUNA, apud SANTOS, 1999, p. 36)

A escolha do nome “armorial” por Ariano Suassuna deveu-se a alguns critérios: estético – por causa da sonoridade; perspectiva plástica – devido à ligação com os esmaltes da Heráldica; referência popular literária e musical – em virtude do nome designar cantorias e toques de viola e rabeca.

O Movimento Armorial não teve “manifestos”, já que Suassuna criticava uma teoria abstrata e intelectual que antecedesse a obra de arte. Contudo, apresentou diversos escritos teóricos que permitiram defini-lo com clareza. No “Programa da exposição de artes plásticas”, que ocorreu na Igreja de São Pedro dos Clérigos do

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Recife, em 18 de outubro de 1870, Suassuna define e teoriza a armorialidade. No “almanaque armorial do Nordeste”, crônica semanal de Suassuna no Jornal da Semana, Suassuna reflete com profundidade e explica de maneira anedótica o desenvolvimento das artes no Movimento Armorial. Já na publicação “O Movimento Armorial”, editada pela Universidade Federal de Pernambuco em 1974, Suassuna prossegue sua reflexão sobre a arte armorial de maneira mais concisa.

O folheto de cordel é destacado por Suassuna dentro do Movimento Armorial, pois congrega três possibilidades artísticas: literária, teatral e poética, inspirada nos versos e narrativas; as artes plásticas, inspiradas nas xilogravuras; e a musical, inspirada nos cantos e nas músicas que fazem o acompanhamento da leitura e recitação do texto.

Uma proposta do Movimento Armorial, de acordo com Santos, é articular as diversas artes, como a música e a literatura, a pintura-gravura e a literatura, e as relações transtextuais entre duas obras literárias. Além disso, a autora afirma que

a busca da ‘armorialidade’ apóia-se sobre três elementos fundamentais, pontos de convergência e preocupação constante dos artistas e das obras armoriais: a literatura popular do Nordeste como modelo poético e via privilegiada de criação de uma arte nacional e universal, os modos de recriação da literatura oral, as relações estreitas entre as artes. (1999, p. 37-38)

O Movimento Armorial enveredou pelas diversas artes: teatro, cinema, dança, literatura, artes plásticas e música. O teatro armorial tem suas raízes no Teatro de Estudantes de Pernambuco (TEP), que estuda e incorpora em seu trabalho o teatro de mamulengos, o pastoril, o bumba-meu-boi, o circo, enfim, as representações populares; e no Teatro Popular do Nordeste (TPN), que criticava o teatro visto como puro entretenimento ou como exclusivamente político. O repertório do TPN, como bem ressaltou Santos (1999), abrangia a tragédia grega, a comédia latina, o teatro religioso medieval, as peças renascentistas italianas, o teatro elizabetano, a tragédia francesa, as peças de Moliére e de Gil Vicente, o Século de Ouro espanhol, Antônio José da Silva, Hugo, Goethe, Schiller, Martins Pena, Ariano Suassuna, Osman Lins, Luiz Marinho. Após divergências quanto à concepção teatral “antiilusionista” assumida pelo grupo, Suassuna afasta-se do Teatro Popular do Nordeste.

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No que diz respeito ao cinema, Suassuna busca atingir o espetáculo total, de modo a fundir as culturas popular e letrada. O escritor considera o cinema uma arte “épica” e traz para o cinema suas reflexões sobre o teatro nordestino. A fim de atingir um espírito brasileiro, Suassuna inspira-se nos espetáculos populares nordestinos, como o bumba-meu-boi, o auto dos guerreiros, a nau catarineta. O mesmo deu-se em relação à dança. O Balé Armorial serviu-se da técnica tradicional para criar uma dança nacional, marcada pelo espírito dionisíaco, pela festa, assemelhando-se aos espetáculos populares.

Como bem ressaltou Santos (1999), a poesia teve importante papel no Movimento Armorial. No ano de 1967, a revista de bolso Lírica reuniu poemas de diversos poetas da chamada Geração de 65, dentre eles, Ângelo Monteiro. Houve também uma publicação de coletânea de poemas na revista Estudos Universitários, da Universidade Federal de Pernambuco, de 1966 em diante.

Entre os poetas armoriais, destacam-se Marcus Accioly, com seus livros Cancioneiro (1968) e Nordestinados (1971), marcados pelo universo da oralidade e da cantoria; Ângelo Monteiro, com seu livro A(r)morial de um caçador de nuvens (1971), de poesia “emblemática”, segunda vertente da poesia armorial de acordo com Suassuna, que soma formas populares à busca mística e à dimensão messiânica; e Janice Japiassu, com Canto amargo (1968) e Sete cadernos de amor e de guerra (1970), que dialoga com a literatura popular nordestina e com obras do romanceiro de García Lorca e de Cecília Meireles.

Santos destaca Ariano Suassuna como importante romancista do movimento armorial, com seu Romance d’A pedra do reino, cujo subtítulo é romance armorial brasileiro; bem como com o livro I do segundo tomo, O rei degolado: ao sol da onça Caetana, cujo subtítulo é romance armorial e novela romançal brasileira. Tais romances tiveram grande aceitação pela crítica, a exemplo de Wilson Martins, o qual considerou A pedra do reino o grande romance escrito após Grande sertão veredas, de Guimarães Rosa.

No campo das artes plásticas, destacou-se o pintor, escultor e ceramista Francisco Brennand, que realizou uma exposição em 1970, juntamente com o concerto que deu início ao Movimento Armorial, e realizou nova exposição no ano seguinte.

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Brennand teve ampla formação europeia e manteve a influência das raízes brasileiras, criando uma obra, segundo Santos, sólida e singular. Ariano Suassuna destaca que o universo artístico de Brennand está ligado à “vertente” emblemática da arte armorial, também presente na poesia.

Importante exposição também ocorreu em 1975, quando da primeira apresentação da Orquestra Romançal Brasileira, com as gravuras de Gilvan Samico, marcadas pela inspiração popular e pelo caráter artesanal de sua técnica. Dentre as características presentes em sua obra, Santos destaca o achatamento dos traços, a figuração estática, a utilização de cores puras, a temática do romanceiro onipresente, as xilogravuras, as serigrafias e as pinturas.

Em 1977, foi criada uma pinacoteca que reuniu as obras de artistas populares e eruditos, estando entre estes a maioria dos artistas armoriais.

Santos retoma a definição de pintura armorial feita por Suassuna em 1973, em que o escritor enfatiza os três elementos essenciais da estética armorial:

a) o parentesco com o espírito mágico e poético do romanceiro, das xilogravuras e da música sertaneja;

b) a semelhança com os brasões, bandeiras e estandartes dos espetáculos populares, ou seja, a dimensão emblemática e heráldica;

c) a complementaridade das disciplinas artísticas, que – como a poesia, a música e a gravura se encontram e se interpenetram no folheto – devem manter estreitas e contínuas inter-relações: a pintura com a cerâmica e a tapeçaria, a arquitetura com a pintura e a cerâmica, a gravura com a pintura e a escultura etc. (1999, p. 56)

A estudiosa do Movimento Armorial destaca também a importância dos artistas Miguel Santos, Aluízio Braga, Fernando Lopes da Paz, Zélia Suassuna, e Maria da Conceição Brennand Guerra, dentre outros.

Fernando Lopes cria um desenho inspirado na peça Uma mulher vestida de sol. Ariano Suassuna procura os escultores populares Arnaldo Barbosa Lima e Biu Santeiro para, a partir do desenho de Fernando Lopes, realizar uma obra em escultura Uma mulher vestida de sol.

No campo musical, em 1959 forma-se um grupo, orientado por Ariano, do qual fazem parte Jarbas Maciel, Capiba, Cussy de Almeida, Clóvis Pereira e Guerra Peixe. Em 1969, é fundado o primeiro quinteto, formado por Cussy de Almeida, Jarbas Maciel,

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José Tavares de Amorim, Rogério Pessoa e José Xavier; e em alguns momentos por Henrique Annes. Posteriormente, em 1970, o diretor do Conservatório de Música de Pernambuco Cussy de Almeida reúne os membros do Quinteto e forma a “Orquestra Armorial de Câmara”. No entanto, Suassuna vislumbrava um quinteto com instrumentos populares, e, a partir do encontro com Antônio José Madureira, compositor e músico, organiza-se um novo quinteto, tendo Jarbas Maciel e José Tavares de Amorim da formação inicial. Em 1971, sai Jarbas Maciel e o grupo realiza um concerto na Igreja do Rosário dos Pretos, em Recife.

Acontecem várias transformações no grupo, que mantém boas relações com Suassuna e ao mesmo tempo busca a autonomia. Sob orientação de Antônio José Madureira, agrega, além deste, outros dois compositores: Egildo Vieira e Antônio Carlos Nóbrega de Almeida.

No ano de 1975, Antônio José Madureira e Ariano Suassuna criam a Orquestra Romançal Brasileira.

Santos analisa a evolução do Movimento Armorial e considera a existência de três fases: a preparatória, de 1946 a 1969; a experimental, de 1970 a 1975; e a “romançal”, de 1976 em diante.

A fase preparatória envolve o trabalho de reflexão sobre a cultura popular, assim como a elaboração, a partir desta, de uma arte brasileira original e autêntica, realizados por Suassuna, pelo grupo do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), pelo Teatro Popular do Nordeste (TPN), por Hermilo Borba Filho, pela Sociedade de Arte Moderna de Recife (SAMR) e pelo Atelier Coletivo, integrado por Abelardo da Hora, Francisco Brennand e Gilvan Samico. O escritor Ariano Suassuna identificou pontos e tendências convergentes em artistas e escritores, reuniu-os e permitiu que realizassem seus projetos, realizando um “papel de promotor e provocador – no sentido positivo – da criação artística” (SANTOS, 1999, p. 28).

A fase experimental engloba o tempo em que Ariano Suassuna dirigiu o Departamento de Extensão Cultural (DEC) da Universidade Federal de Pernambuco, vertendo-o num laboratório de pesquisa de escritores, artistas plásticos e músicos.

A fase “romançal” tem início com a apresentação da Orquestra Romançal Brasileira, em 18 de dezembro de 1975, no Teatro Santa Isabel, em Pernambuco.

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Nessa época, Suassuna era o Secretário de Educação e Cultura de Recife e desenvolvia uma política de pesquisa e criação artística no município, com a Orquestra Sinfônica do Recife, o Coral Guararapes, a Orquestra Popular, o Balé Popular do Recife e a Orquestra Municipal. Além disso, foi criada a Orquestra Romançal, originária do Quinteto Armorial. A respeito do nome Romançal, cunhado por Suassuna, afirma Santos (1999, p. 31-32):

Esta nova fase apresenta uma característica importante: um novo nome, romançal, neologismo um pouco misterioso e que, como armorial, remete para um feixe semântico convergente (SUA/MOV,*1977): “romance” designa, em primeiro lugar, este amálgama de dialetos do baixo-latim, língua popular que foi a origem das línguas românicas; é também o termo utilizado, por extensão, para as poesias orais cantadas “ em romance”, em oposição à cultura letrada, escrita em latim. Pouco a pouco, a palavra torna-se mais específica e passa a designar uma forma popular privilegiada desse tipo de poesia, o poema em seus versos heptassílabos, com assonância nos versos pares e ímpares livres. O termo amplia seu campo e designa, mais tarde, toda a literatura narrativa em prosa, concorrendo com o termo “novela”. Enfim, “romance” remete para o imenso romanceiro popular brasileiro, a esses romances e folhetos, orais e escritos, cuja estrutura narrativa herdada da Europa adaptou-se tão perfeitamente aos temas e às vozes nordestinas. No plano musical, Suassuna rejeita a conotação romântica e lírica da romança, para exaltar o romance, definido como “composição polifônica”.

Mas o feixe de acepções seria incompleto e demasiadamente europeu para ser brasileiro, se não acrescentasse uma reminiscência do termo romani, designando a língua falada pelos ciganos da Europa Ocidental, que conserva, sob aspectos diversos, um fundo oriundo da Índia. Os ciganos foram, de fato, para Suassuna como para Garcia Lorca, os principais responsáveis pela recriação e renovação do romanceiro medieval, que souberam reinterpretar no século XX, reintroduzindo nele o elemento popular apagado pelo tempo, se não totalmente desaparecido (SUA/MOV, 1977, 61).

Romançal designa, portanto, muito mais do que uma fase do Movimento Armorial, pois traduz uma redução, para uma melhor definição, do campo de atuação do movimento. Esse termo permite eliminar a maioria das controvérsias e confusões criadas e mantidas em torno da palavra armorial que, em certa medida, tinham prejudicado a ação do movimento na sua fase experimental. Além da designação cronológica, romançal reafirma a ligação privilegiada com a cultura popular, modelo da criação armorial.

Segundo Santos, é difícil estabelecer uma data para o término do Movimento Armorial, ou o momento em que este passou de movimento cultural à referência histórica, ou posicionamento individual. No entanto, a autora considera o ano de 1981 como o final do movimento. Neste ano, Suassuna publicou uma carta no Diário de Pernambuco em que declarou afastar-se da vida pública para realizar um balanço pessoal. Permaneceu dez anos sem publicar nem dar entrevistas.

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O grande teatro do mundo é ensaio de Ligia Maria Pondé Vassallo, autora de tese de doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre as origens europeias do Teatro de Ariano Suassuna. O referido ensaio integra os Cadernos de Literatura Brasileira (2000). Nele, a autora contextualiza a estética armorial, mostra a ocorrência de intra e intertextualidade no teatro suassuniano, a relação deste com “O grande teatro do mundo” de Calderón de la Barca, além da ocorrência do processo de carnavalização. Somado a isso, a estudiosa analisa as matrizes textuais (folhetos de cordel ou entremezes) de algumas peças teatrais de Suassuna. Observa também os modelos formais, a tradição retomada e os temas utilizados. Ressalta-se que Vassallo considera o teatro armorial como um intermediário entre a oralidade do espetáculo e a fixação do documento escrito:

Isto se deve à circunstância de que uma peça só se realiza verdadeiramente enquanto espetáculo representado, embora dele só reste de forma duradoura o texto impresso. O texto teatral é escrito com todas as marcas da oralidade próprias do diálogo e da encenação – do mesmo modo que o folheto de cordel guarda todos os traços de oralidade e da retórica da voz. A transposição das fontes populares para o meio culto engendra uma circularidade entre o oral e o escrito. (2000, p. 149-150)

Modelização e sistemas populares de cultura no teatro é tese de doutorado de Elinês de Albuquerque Vasconcélos e Oliveira, defendida no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, em 2003. Na tese, a autora analisa a linguagem teatral de William Shakespeare e de Ariano Suassuna, a partir do conceito de modelização, originário dos semioticistas soviéticos da Escola de Tártu e do conceito de gênero, compreendido enquanto possibilidade combinatória, pensado por Mikhail Bakhtin. Oliveira chama de sistemas modelizantes os “mecanismos geradores dos signos que formam a cultura” (2003, p.17). Observa tanto no teatro de Shakespeare quanto no teatro de Suassuna, uma modelização interna, em que “a linguagem teatral é modelizada a partir de sua própria gramática como o gesto, a voz, o cenário, o vestuário, a iluminação e a música” (2003, p. 17); e uma modelização externa, na qual se percebe “o trânsito de signos, que migram da linguagem teatral para outras mídias e vice versa como é o caso da iluminogravura, do cinema e da literatura de cordel, entre outros sistemas populares de cultura” (2003, p. 17).

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O Núcleo Ariano Suassuna de Estudos Brasileiros é coordenado por Maria Aparecida Lopes Nogueira, professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco. O núcleo foi criado na comemoração dos 80 anos do escritor e objetiva reunir todo o material em torno de sua obra. (Visitei-o em agosto de 2010 e obtive rico material para aprofundamento de meu trabalho.) Nogueira possui relevante produção acadêmica sobre a obra suassuniana, da qual podemos destacar o livro O cabreiro tresmalhado: Ariano Suassuna e a universalidade da cultura (2002), fruto de sua tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo. Neste estudo, a autora analisa a vida e a obra de Suassuna, por meio de um método transdisciplinar, o qual transita por várias áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia, a Cibernética, a Teoria dos Sistemas, a Física, a Biologia e a Psicanálise.

Paralelamente à análise da obra de Suassuna, Nogueira apresenta significativos elementos biográficos do escritor, alguns dos quais valem a pena ser mencionados, como o assassinato do pai, João Pessoa, que o transforma em herói, um rei simbólico de um tempo perdido.

Segundo Nogueira (2002), o sertão aparece na obra suassuniana como algo a ser decifrado, através das imagens míticas que ele abriga. Neste espaço, o sertanejo indaga-se sobre as grandes questões existenciais de todos os homens. Uma das temáticas recorrentes consiste na temática do sangue, a qual faz com que o sertão oscile entre o riso e o choro, o belo e o horripilante, a vida e a morte, como um delírio. A autora destaca a imagem do sangue presente na peça Uma mulher vestida de sol, em que este elemento se relaciona com a pobreza, a fome, a seca, a luta pela posse da terra. Enfatiza ainda que “Uma mulher vestida de sol trata da terra banhada de sangue, anuncia a tragédia nordestina, escrita sob o signo do sangue vermelho, imagem-redundância capaz de sustentar esse enredo” (2002, p. 57). A peça aborda a intolerância da traição realizada pelo próprio sangue, perceptível na exigência de Antônio para que seu filho Francisco dê continuidade à sua luta pela terra, a qual tem um caráter sagrado e tem sido passada para várias gerações, como manutenção de uma tradição.

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Acompanhada pela imagem do sangue, vem a imagem da morte. Segundo a autora, “a consciência da morte revela-se fundamental para a existência da cultura, e torna-se necessário que as gerações morram para que o patrimônio coletivo de saberes seja transmitido às novas gerações” (2002, p. 68). Além disso, a vida revela-se uma busca incessante pela imortalidade e a arte tem importância fundamental nessa busca, a qual une todos os homens.

Nogueira ressalta que a arte criada por Ariano Suassuna recebeu uma série de importantes influências. A primeira influência marcante refere-se à figura paterna, que amava a literatura popular e por vezes recebia em casa o escritor cearense Leonardo Mota. Reunidos, João Suassuna e o escritor ouviam cantadores, liam e anotavam cantigas.

Quando criança, Suassuna leu os livros de Monteiro Lobato; o Tesouro da Juventude, uma enciclopédia para jovens; Através do Brasil, de Olavo Bilac; e Scaramouche, de Rafael Sabatini. Na biblioteca do pai, teve acesso também a Dostoievski, Tolstoi, Cervantes, Homero. Além das leituras, ampliou seu imaginário conhecendo o circo e o teatro. Este último foi alvo de seu interesse a partir do contato com as peças de Ibsen, emprestadas pelo médico de Taperoá, Abdias Campos.

De acordo com Nogueira, em sua obra, Suassuna estabelece um diálogo transtextual com Gil Vicente, Lope da Vega, Calderón de la Barca, Plauto, Goldoni, Shakespeare, com os místicos católicos Santa Tereza D’Ávila e São João da Cruz, para citar alguns autores; com o romanceiro popular nordestino; e com a commedia dell’arte, de maneira a constituir uma “rede de recriação”, na qual revivem as influências revisitadas. Afirma a estudiosa:

Entre as estradas, pardas pedras sertanejas, revive Lorca, o romanceiro, Dom Quixote, Santa Tereza de Ávila e São João da Cruz. Revive seu pai, Goya e Góngora. Revive Camões, Gil Vicente, os cantadores, o Sebastianismo, Portugal e Espanha. Revive Zumbi, os índios Tapuia, os brasileiros, os latino-americanos, africanos e asiáticos. Revive todo o povo da Rainha do Meio-Dia. (NOGUEIRA, 2002, p. 145)

Tal rede, segundo Nogueira, propicia a construção de uma “obra aberta”, a qual tem por matéria-prima obras tanto da literatura popular como da literatura erudita e que se apresenta em constante transformação. Isso porque Suassuna não toma seus

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escritos como definitivos, mas sempre passíveis de reescrita, como é o caso da peça Uma mulher vestida de sol, que possui três versões. A escrita deste texto partiu de uma sugestão do dramaturgo Hermilo Borba Filho, que lhe permitiu o contato com as peças de Garcia Lorca. Ao realizar a leitura das mesmas, Suassuna percebeu grande afinidade entre o universo espanhol de cavalos, touros e ciganos, abordado por Lorca, e o universo brasileiro do sertão, que ele, Ariano, pretendia abordar. Identificou imediatamente uma semelhança entre a Idade Média europeia e os séculos XVI, XVII e XVIII no Brasil.

Suassuna pôde aprofundar seu conhecimento da cultura ibérica por meio de sua convivência no TEP - Teatro do Estudante de Pernambuco, criado em 1946, quando ainda era estudante de Direito, e cujo líder era o dramaturgo Hermilo Borba Filho. Os integrantes do TEP refletiam sobre poesia, música, pintura, arte e cultura de maneira geral, além de idelizarem a inovação no teatro brasileiro, mantendo o propósito de lidar com as expressões relacionadas com as raízes culturais brasileiras. Ao lado da reflexão, o grupo do TEP possibilitava aos indivíduos presentes nas fábricas, presídios, orfanatos e outras instituições o acesso a espetáculos teatrais gratuitos, de grande qualidade estética.

O escritor recriou, então, em suas obras, imagens do universo medieval espanhol, bem como a religiosidade presente nos autos vicentinos. Desses, aproveitou o pensamento religioso unido a uma visão cômica e satírica. No entanto, a religiosidade marcada pelo humanismo cristão transforma-se em um catolicismo sertanejo, o qual rejeita a passividade e a resignação do moralismo cristão e realiza muitas vezes uma crítica à Igreja institucional. Além disso, o sertão carrega o simbolismo masculino do Cristo esfarrapado e o simbolismo feminino de Nossa Senhora. No universo suassuniano, desenvolve-se uma religiosidade ingênua e agradável, manifesta na simplicidade da relação entre os homens e na proximidade entre o humano e o divino. Congrega em si o masculino e feminino, pois é pai e mãe.

Suassuna, como bem observou Nogueira, utiliza também a Bíblia como fonte de criação e recriação literária. Partindo do I Livro dos Reis, presente no Velho Testamento, no qual se encontra a figura da Rainha de Sabá, o autor cria o mito da Rainha do Meio-Dia. Consta que a Rainha de Sabá era negra, assim como seus filhos.

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De sua união com o rei Salomão, de acordo com a tradição, nasceu o filho que originou a Casa Imperial da Etiópia. Do mesmo modo, no mito suassuniano, são chamados de a Rainha do Meio-dia os povos injustiçados e marginalizados.

De um dos povos da Rainha do Meio-Dia, o povo brasileiro, Suassuna retira elementos contrários, próprios do Barroco, os quais se fundem em sua literatura: o tradicional e o popular, o clássico e o barroco, o Trágico e o Cômico. Em seu teatro, utiliza como matéria-prima o romanceiro popular nordestino, o bumba-meu-boi, o mamulengo.

Nogueira (2002, p. 108) distingue nove ciclos do romanceiro popular nordestino, fonte de inspiração para Suassuna: “o heróico, trágico e épico; o fantástico e maravilhoso; o religioso e de moralidades; o cômico, satírico e picaresco; o histórico e circunstancial; o de amor e fidelidade; o erótico e obsceno; o político e social, e o de pelejas e desafios”.

A autora conceitua Suassuna como um “narrador” no sentido utilizado por Walter Benjamin (1994), como alguém que sabe narrar devidamente, já que o escritor prende a atenção de seus ouvintes e tem a capacidade de trocar experiências. Segundo Benjamim, os narradores mais competentes são os anônimos, concretizados nas figuras do camponês sedentário, que carregava o saber do passado, e do marinheiro comerciante, que trazia o saber das terras distantes. A esse respeito, identificando Suassuna presente nas figuras de ambos os narradores, afirma Nogueira:

Embora distante no tempo e no espaço dessas corporações, Suassuna traz consigo o arquétipo do narrador impregnado na sua trajetória que oscila entre o campo e a cidade, no convívio com mestres-contadores, o pai, os tios, irmãos e os poetas nordestinos. Suas narrativas possuem a tonalidade pessoal de um cotidiano marcado pelo desejo de ultrapassar o real. Em suas confissões, sempre reitera a vontade que teve de fugir com o circo, mergulhar no encantado, embora a coragem lhe tenha faltado. (2002, p. 168)

Outra importante característica do narrador benjaminiano é a distância existente entre este e seus ouvintes. No caso de Suassuna, afirma Nogueira, os diálogos de suas peças, em muitos momentos, repetem o tom de insanidade presente nos contadores de história, de modo a distanciar Suassuna, o narrador, de seus leitores ou espectadores. Nogueira ressalta que este narrador cria castelos literários, nos quais adentram reis e

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palhaços. Em suas peças, a monarquia aparece ligada aos ideais de justiça, fraternidade e beleza.

O pai, o exílio e o reino: a poesia armorial de Ariano Suassuna constitui obra de Carlos Newton Júnior, originada de sua dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O autor estudou a poesia de Ariano Suassuna a partir dos originais do autor, observando o texto datilografado e as alterações em manuscrito. Ressalta a importância da poesia suassuniana, por ser, como o próprio Suassuna já afirmou, a fonte profunda de tudo o que ele escreve, e chama a atenção para a escassa existência de estudos sobre a poesia deste autor.

Ao estudar a poesia de Suassuna, Newton Júnior destaca o caráter interdisciplinar da obra de Ariano e a necessidade de se estudar a sua poesia relacionada com outros gêneros artísticos, como a sua prosa, a sua gravura e o seu teatro. Enfatiza ainda que uma das características mais importantes da estética armorial encontra-se na ideia de integração das artes. Observou também que a predominância da visão trágica do mundo origina os três temas fundamentais na poesia de Suassuna: a morte do pai, o sentimento de exílio e a perspectiva do reino.

A visão trágica do mundo aparece também nas tragédias Uma mulher vestida de sol (1964), Os homens de barro (1949) e O arco desolado (1952), e no romance A história de amor de Fernando e Isaura (1956). Esta visão trágica relaciona-se com a consciência da finitude da vida e da impossibilidade de compreendê-la por completo. Afirma Newton Júnior:

Várias situações despertam no homem o sentimento trágico da vida, mas todas oriundas de duas tomadas de consciência graves: consciência de mortalidade e consciência da impossibilidade de obtenção do conhecimento total, da decifração do enigma da “máquina do mundo”. O homem quer ascender ao Divino, mas a todo instante é chamado à dura realidade, ao enfrentamento da condição humana. (1999: p. 157-158)

A morte do pai ocorreu em 1930, época em que o escritor tinha apenas três anos de idade. Posteriormente, Suassuna percebeu as condições específicas em que ela ocorreu e as conseqüências trazidas à família. A memória do pai e a tentativa de revisitação desse passado trágico aparece de maneira direta ou indireta em alguns de

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seus escritos, como em seu romance A pedra do reino, e em alguns de seus poemas, entre eles “A Morte do Touro Mão de Pau”, baseado no romanceiro nordestino, que apresenta um touro que prefere o suicídio, a morte, à humilhação de ser capturado.

O sentimento do exílio tem uma dimensão existencial, em que o mundo é enxergado como um lugar de sofrimentos e privações; e uma dimensão física, em que o ser humano vive uma espécie de prisão. O próprio Suassuna vivenciou o exílio, tendo de abandonar o sertão paraibano para viver no Recife em 1942.

A perspectiva do reino refere-se a uma utopia, um lugar onde o mundo adquire sentido. A fim de amenizar seu sofrimento, Suassuna constroi um reino literário. Parte desse reino literário, passaremos a tratar mais adiante, nos capítulos que abordam a análise da peça Uma mulher vestida de sol, de Ariano Suassuna.

1.2. “Suassuna por Suassuna”

Escritor com rica e extensa fortuna crítica, Suassuna é ele próprio um crítico de seu trabalho. Nos prefácios de seus livros, percebemos uma aguda consciência de seu processo de escrita, seu método e anseios. Sua verve literária e pensamento aparecem também na construção de um texto acadêmico: sua tese de livre docência na área de História da Cultura Brasileira, apresentada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, intitulada A Onça Castanha e a Ilha Brasil: uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira (1976). Outros importantes documentos por meio dos quais podemos ouvir a voz do escritor são: a obra Almanaque Armorial (2008) e o registro da Aula Magna (2007), proferida por Suassuna em 16 de novembro de 1992, na Universidade Federal da Paraíba. Não posso deixar de citar a entrevista que com o escritor realizei, em agosto de 2010, transcrita no apêndice, bem como duas aulas-espetáculo as quais assisti em 2011 e que forneceram uma compreensão maior do artista e de sua obra.

Por que traçar um perfil do autor partindo de sua própria voz? A obra não fala por si mesma? Aqui vale a pena recorrer a Jakobson, quando da morte de Maiakóvski estabeleceu profundas relações entre a vida deste autor e sua obra, como também criticou certos exageros do formalismo:

Referências

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