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RICARDO AKIO KIMURA QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA? FARMACODEPENDÊNCIA EM PROFISSIONAIS DE SAÚDE

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RICARDO AKIO KIMURA

QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA? FARMACODEPENDÊNCIA EM PROFISSIONAIS DE SAÚDE

RIBEIRÃO PRETO 2019

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RICARDO AKIO KIMURA

QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA? FARMACODEPENDÊNCIA EM PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Monografia apresentada ao Programa de Aprimoramento Profissional na Área da Saúde Mental – PAP/CRH/SES-SP, elaborada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP/ Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento.

Área: Abordagem Multidisciplinar em Prevenção e Atenção ao Uso de Álcool e Drogas na Comunidade

Orientador(a): Ms. ​Marcella Beatriz Ayer Abdalla

Supervisor(a) Titilar: Dr. ​Erikson Felipe Furtado

RIBEIRÃO PRETO 2019

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QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA? FARMACODEPENDÊNCIA EM PROFISSIONAIS DE SAÚDE

RESUMO:

O artigo teve como objetivo narrar a experiência em trabalho de um profissional psicólogo em um serviço que atende a demandas de farmacodependência em colaboradores do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, buscando referências que possam localizar a experiência dentro de um panorama maior da farmacodependência e do trabalho. A experiência aconteceu do período de março de 2018 a fevereiro de 2019 no Serviço de Atendimento Médico e Social do Pessoal e compreendeu aconselhamentos individuais breves e a coordenação do grupo de familiares de farmacodependentes. Durante esse período foram atendidos 20 colaboradores nas duas modalidades sendo em sua maioria mulheres que trabalhavam como profissionais de enfermagem ou em setores administrativos do hospital, as queixas mais comuns foram as dificuldades de se conviver com um familiar farmacodependente, uso de cocaína, uso de crack e adicção a jogos. Por fim, pode-se concluir que a farmacodependência no trabalho é multicausal, mas que características intrínsecas a ocupação podem influenciar no uso de substâncias como foi percebido no caso dos profissionais de enfermagem.

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1- Introdução:

1.1- Saúde do trabalhador no contexto Hospitalar

A relação entre o homem e o trabalho tem sofrido profundas modificações no que se refere à organização do trabalho e às condições e relações de trabalho. Tais transformações têm refletido na saúde dos indivíduos (Elias & Navarro, 2006).

Muitas vezes o trabalho é imposto ao indivíduo de maneira que não possa utilizar suas capacidades criativas. Tendo seus potenciais diminuídos e atrofiados, o indivíduo passa a realizar suas tarefas de forma repetitiva, o que associado à má remuneração e as ameaças de ser substituído acabam gerando insatisfação e descontentamento pelo trabalho, deixando o indivíduo mais vulnerável ao aparecimento de doenças (Natividade & Coutinho, 2012)

O trabalho é considerado uma forma do indivíduo se relacionar com o meio social que o envolve, contribui para a socialização e para o desenvolvimento pessoal, gera desenvolvimento em âmbito macro e micro social ao mesmo tempo que torna o trabalhador alguém reconhecido pelo que faz. Porém, torna-se importante enfatizar que existe no trabalho uma relação de sofrimento e prazer, de modo que o trabalhador vivencia afetivamente a experiência do real, podendo contribuir para o adoecimento. Na tentativa de evitar o sofrimento uma estratégia que pode ser utilizada pelos trabalhadores é a fuga da realidade. (Junior ​et al., ​2016).

O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) iniciou suas atividades no ano de 1956 com o principal objetivo de complementar a formação dos alunos do curso de medicina da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. O HCRP é uma autarquia mantida pelo governo do Estado de São Paulo com a missão tríplice de praticar assistência, ensino e pesquisa em saúde. Desde então, o hospital cresceu, e hoje, está inserido no Sistema Único de Saúde como referência terciária para pacientes de alta complexidade para uma região de quase quatro milhões de habitantes.

Atualmente, a instituição possui aproximadamente 8250 funcionários. A tabela abaixo expõe o número de funcionários, divididos conforme o vínculo de prestação de serviço.

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Tabela 1 – Distribuição dos funcionários conforme vínculo de prestação de serviço

Funcionários Número

Funcionários contratados pelo Estado 5027 Funcionários contratados pela Fundação de Apoio, Ensino,

Pesquisa e Assistência (FAEPA)

1215 Funcionários HEMOCENTRO 473 Médicos Residentes 740 Aprimorandos 84 Aposentados 930 TOTAL 8252

Fonte: Recursos Humanos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto

Em 1975, o Serviço de Atendimento Médico e Social do Pessoal (SAMSP) foi criado com objetivo de disponibilizar atenção à saúde do trabalhador, e no ano de 2000 foi iniciado o serviço de psicologia do SAMSP. Atualmente, o SAMSP se propõe a cuidar da saúde do funcionário e de sua qualidade de vida. Existem algumas ações em funcionamento coordenadas por sua equipe multidisciplinar, como o Grupo de Reeducação Alimentar e Vida Saudável, Mediação de conflitos, Educação Financeira, entre outras.

O serviço de psicologia oferecido atualmente pelo SAMSP tem como objetivo avaliar

as queixas psicológicas dos funcionários, provenientes de encaminhamentos de profissionais da saúde, definindo assim a modalidade de atendimento psicológica a ser oferecida (aconselhamento psicológico breve ou grupos). O serviço realiza o Acolhimento do funcionário que procura pelo atendimento psicológico, realizando orientações pontuais quanto às demandas referida, além de encaminhamento para outros serviços e/ou outras avaliações quando se faz necessário.

Comumente observamos no serviço de psicologia do SAMSP, que as queixas que levam os funcionários a procurarem a psicologia do SAMSP são diversas sendo que a mais preponderante está relacionada a problemas familiares (34,9% das queixas que chegam ao serviço), conforme a tabela abaixo.

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Tabela 2 - Queixas da População Atendida no Serviço de Psicologia do SAMSP

Queixa Descrição Número de queixas

Problemas de Saúde ✓ Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) ✓ Diabetes Melittus (DM) ✓ Obesidade ✓ Problemas osteomusculares ✓ Uso Álcool/Drogas 22 (11,5) Sintomas de alteração de humor ✓ Sintomas depressivos ✓ Sintomas ansiosos 48 (25) Problemas Familiares ✓ Álcool e Drogas ✓ Relacionamento Conjugal ✓ Dificuldade Financeira ✓ Problemas de saúde 67 (34,9) Luto 10 (5,2) Dificuldade no ambiente de trabalho ✓ Estresse ✓ Relacionamento Interpessoal 43 (22,4) Transtorno Psiquiátrico Grave ✓ Surto Psicótico 2 (1,0) Total de queixas 192

Fonte: Dados coletados dos atendimentos psicológicos feitos no SAMSP.

Dentre as queixas relacionadas aos problemas familiares, a demanda em relação a problemas relacionados ao consumo de álcool e drogas na família (18%) tem surgido como um causador de sofrimento entre os funcionários. Diante dessa problemática, identificada através da avaliação inicial do servidor, foi iniciado no ano de 2016, um grupo de familiares de farmacodependentes voltados aos funcionários atendidos no SAMSP e atendimento individual ao farmacodependente com objetivo de oferecer suporte psicológico.

. Nesse sentido também se deve considerar que a vivência de sofrimento ou prazer do trabalhador depende de como este percebe e interpreta o contexto em que o trabalho está

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inserido e de como ele responde a essa percepção, isto é, se busca novas formas de satisfação ou o uso de substâncias psicoativas (SPA’s). (Martins & Zeitoune, 2007)

Uma vez notada a relevância sobre o tema pelos dados expostos acima se torna importante buscar na literatura disponível informações que possam contextualizar tal demanda em um cenário mais amplo e as causas que possam estar levando os colaboradores do hospital a fazer uso de fármacos

2- Objetivo

No contexto de um trabalho de conclusão de aprimoramento profissional objetiva-se com esse estudo narrar a experiência em trabalho de um profissional psicólogo em um serviço que atende a demandas de farmacodependência em colaboradores do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, buscando referências que possam localizar a experiência dentro de um panorama maior da farmacodependência e do trabalho.

3- Método

Este trabalho de conclusão de curso visou relatar a experiência de um profissional psicólogo no contexto de um programa de aprimoramento profissional realizado no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - SP de março de 2018 a fevereiro de 2019. Foram realizados atendimentos em duas modalidades (aconselhamento individual breve e grupo de familiares multifamiliar) destinados a queixas de farmacodependência durante o período de um ano em um serviço de atendimento aos profissionais que trabalhavam no hospital. Buscou-se descrever o contexto onde as intervenções ocorreram e as percepções obtidas com o contato com o serviço e com os colaboradores atendidos para posteriormente buscar na literatura referências que ajudassem a entender a experiência.

4- Relato de experiência

No ano de 2018 até Março de 2019, foram realizados acompanhamento psicológico de 20 colaboradores em duas modalidades de atendimento: o aconselhamento psicológico

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breve individual e o grupo de família Multifamiliar de farmacodependentes. Os atendimentos individuais destinados às queixas especificamente ao consumo de substâncias psicoativas contavam com quatro vagas em seguimento semanal. O grupo destinado a familiares de farmacodependentes funciona às terças no período da manhã com frequência semanal e duração de uma hora. Todos os atendimentos eram supervisionados por profissional psicóloga contratada pelo serviço, sendo a orientação teórica da supervisão a abordagem comportamental.

O fluxograma de atendimento do SAMSP, no que diz respeito ao seguimento psicológico, se dá por procura espontânea ou encaminhamento do médico ou assistente social do serviço​. Quando esses servidores referem dificuldades no enfrentamento de problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas ou dificuldades em lidar com familiares que fazem uso abusivo de SPA, são encaminhados a uma entrevista de triagem específica tendo como protocolo a entrevista motivacional, habilidades de enfrentamento e orientações sobre farmacodependência. Após esse primeiro contato, o servidor é acompanhado pelo psicólogo em modalidade individual ou grupo quando notada a necessidade de intervenção.

Os servidores que vivenciavam problemas relacionados ao uso de substâncias em parentes próximos e, notando os prejuízos causados em seu âmbito familiar eram encaminhados em sua maioria para o grupo multifamiliar, porém podem passar por um período de aconselhamento individual quando eram percebidas demandas emergentes e necessidade de motivar a participação no grupo.

Dos 20 colaboradores 12 receberam seguimento em aconselhamento breve ao longo do ano, 5 eram do sexo masculino e 7 do sexo feminino com idades variando entre 34 e 68 anos e média 45 anos (média comum). Notamos também outras características, como uma prevalência de profissionais da equipe de enfermagem (6) e colaboradores que trabalhavam em setores administrativos (6). Quanto às queixas que os levaram a buscar o atendimento psicológico é possível destacar as dificuldades geradas por conviver com familiar próximo farmacodependente, uso de crack, de cocaína e adicção a jogos.

Os atendimentos aconteciam em formato de aconselhamento psicológico breve individual e tinham o objetivo tanto de resolutividade e responsabilização quanto de orientar o paciente no sentido de pensar em estratégias para a resolução de conflitos ligados ao uso de substâncias psicoativas, ajudando na tomada de decisões frente a questões familiares, de trabalho, de saúde, etc em que esse tema emergiu. O acompanhamento tinha duração que

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poderia variar de uma a doze sessões e o tempo médio de cada sessão era de cinquenta minutos, os atendimentos eram realizados semanalmente em horário fixo e, quando impossibilidade de atendimento semanal os atendimentos podiam ser realizados quinzenalmente.

Os atendimentos, quando iniciados, foram realizados de forma a acolher as queixas dos pacientes e escutar as suas angústias assim como colher dados a respeito do uso como antecedentes, gatilhos, modo de uso naquele momento de vida, contexto social em que o colaborador estava inserido e suas expectativas em relação ao tratamento. Quando era percebido que o paciente não estava associando o uso de substâncias com os prejuízos que o mesmo estava acarretando na sua vida diária era realizada uma tentativa de motivar ao tratamento.

Diante da demanda e observação clínica dos atendimentos selecionamos para sessões com temáticas que se mostraram relevantes como, 1- Compreendendo a farmacodependência (dados, mecanismos de ação da substância, prejuízos, redução de danos); 2- Habilidades Sociais; Passividade, Agressividade e Assertividade; Como me comporto? (autoconhecimento) (Del-Prette & Del-Prette, 1996); 3- Reconhecendo os próprios limites e qualidades (Auto-Eficácia); 4- Sentimentos Positivos x Sentimentos Negativos; 5- habilidade de enfrentamento, 6- Análise funcional do comportamento de uso.

Após colhidas essas informações e com o paciente motivado para o tratamento iniciamos o processo de pensar em quais estratégias poderiam ser instituídas no cotidiano do paciente para a manutenção da abstinência. Elas poderiam variar desde as mais simples como evitar lugares e pessoas ligadas ao uso de substâncias quanto às mais complexas que tinham como foco lidar com sentimentos abstratos e aversivos que pudessem servir de gatilho para uma recaída ou lapso.

Uma característica interessante quanto às queixas relatadas durante o ano foi a presença de casos que apresentavam jogo patológico. Segundo pesquisa realizada por Carvalho ​et al. ​(2005) o jogo patológico consiste no comportamento de realizar apostas em jogos de azar com frequência apesar dos prejuízos na vida do indivíduo. Com a maior oferta de jogos de azar na atualidade diversos países têm registrado aumento no número de indivíduos com o transtorno, ganhando assim maior importância. Os autores também apontam para a semelhança entre os indivíduos que sofrem de jogo patológico e

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farmacodependência sendo os fatores psicológicos e a dinâmica entre ambos semelhantes, havendo altas chances de comorbidade.

O grupo de familiares de farmacodependentes é um grupo aberto que, no mesmo sentido do atendimento individual, busca ajudar colaboradores que tem em seu convívio farmacodependentes a criar estratégias para resolução de conflitos. Durante o ano oito participantes passaram pelo grupo, sendo composto por sete mulheres e um homem, alguns de maneira pontual e outros com maior assiduidade, formando assim um núcleo de participantes em que essas estratégias estavam mais consolidada e com conhecimento do funcionamento do grupo, o que auxiliava o coordenador no acolhimento e orientação de novos membros.

Os assuntos trabalhados dentro do grupo tiveram como base, principalmente, as abordagens comportamental e sistêmica. De modo geral, buscou-se mostrar aos familiares o quanto eles também precisam de cuidados e como percebido no trabalho de Rowe (2012), o consumo de substâncias não afeta somente o usuário, mas a todos os familiares. O grupo, então, se mostrou uma ferramenta de enfrentamento e acolhimento importante para os familiares, de modo tentarem lidar de maneiras alternativas com seu familiar e com a situação do abuso de substâncias psicoativas. Foram selecionados 12 temas e estruturados as discussões.

Uma demanda que surgiu com frequência durante o grupo foi a dificuldade em estabelecer limites, uma vez que parte das colaboradoras referia a percepção de estar submetida às vontades do familiar. Ao longo do processo essas participantes foram entrando em contato com essa percepção e realizando intervenções no cotidiano, porém ao se depararem com os obstáculos impostos pelo real nas primeiras tentativas de concretizar as estratégias eram eliciadas respostas de angústia e frustração. Nesse ponto o grupo foi importante para acolher esses sentimentos e reestruturar as estratégias de acordo com a realidade vivida por cada participante.

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5– Discussão

5.1 - Como foi o grupo ao longo do ano: limites e potencialidades

O Programa de Aprimoramento em Álcool e drogas é um programa novo, com início no ano de 2016. O Programa, a priori deveria ser intrínseco ao PAI-PAD. O PAI-PAD (Programa de Ações Integradas para a Prevenção e Atenção ao Uso de Álcool e Drogas na Comunidade) programa localizado na cidade de Ribeirão Preto, SP, dedicado a pesquisas e desenvolvimento de estratégias que visem a prevenção e redução dos problemas causados pelo uso de álcool e drogas. O programa teve suas atividade interrompidas em meados de 2015.

Dentro deste quadro, o grupo de familiares, então, passou a ser realizado dentro do SAMSP, em função de parte das atividades do aprimoramento ser realizado nas dependências do mesmo. Assim, o grupo iniciou-se em Março de 2016, como parte dos serviços oferecidos para atender demandas relacionadas ao uso de álcool e drogas.

De início, o grupo contou com poucos pacientes e teve um período para que todos pudessem se familiarizar com o novo grupo e mesmo com o fato de poderem conversar sobre o consumo de substâncias de seus familiares. Ocorreu alteração no horário do grupo e por isso alguns pacientes não puderam mais participar, houveram muitas buscas ativas neste período, também. E assim foi até o segundo semestre de 2016, quando o grupo já possuía um corpo mais definido e seu horário e local estabelecidos, além de os próprios profissionais do SAMSP já estarem mais familiarizado com a proposta e indicarem para seus pacientes.

O grupo conta com cerca de 6 pacientes mais frequentes, uma grande maioria de mulheres, e com elas pôde ser trabalhado assuntos como: mecanismo de funcionamento das substâncias, formas de enfrentamento da situação, auto-eficácia, autoconhecimento, autoconceito, regras e monitoramento, limites pessoais, sentimentos em relação a toda a situação, autocuidado, comportamentos agressivos, passivos e assertivos.

A família, por ser socialmente, a primeira instituição do indivíduo, a responsável pelo

início de sua socialização, quando da situação de um membro usuário de substâncias psicoativas, acaba por simbolicamente assumir dois papéis impostos pela comunidade e serviços de saúde, o de culpada, pois ter um membro dependente pode ser reflexo de sua

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desorganização e ao mesmo tempo, é a responsável por cuidar, acompanhar o tratamento muitas vezes carregando um estigma que pode gerar desrespeito, vergonha a violência. (Costa, 2015). O grupo aqui relatado apresentou muitas dessas características com o agravante de todos seus participantes serem trabalhadores da saúde, cuidadores ou responsáveis pelo funcionamento do hospital. Por esta razão, sentimentos de raiva, medo, decepção, vergonha, incerteza e angústia foram comuns em muitas sessões do grupo e sempre trabalhados de forma a legitimar os sentimentos, compreender e dar mecanismos de enfrentamento.

No grupo, também foi mostrado o quanto alguns comportamentos deles podem ser reforçadores de comportamentos inadequados ou que eles não aceitam, como alguns reforços intermitentes, comportamentos passivos ou agressivos diante das situações, ambiguidades, regras muito rígidas e consequentemente inadequadas para o contexto ou o oposto, ausência de regras e limites.

Ao longo do ano, o grupo foi ficando mais coeso, os participantes mais assíduos e aqueles que não se identificaram com a proposta de grupo acabaram por sair e foram oferecidas outras abordagens de atendimento. Na observação e participação no grupo, foi possível ver os ganhos que os familiares foram tendo ao longo do tempo ou mesmo as dúvidas que o grupo gerou quanto as suas práticas. Contudo, os sentimentos são vários por conta que o tratamento do uso de substâncias psicoativas tem seus altos e baixos, numa semana o familiar se mostra esperançoso de que as coisas irão mudar, pois seu parente fez algo que foi positivo; na semana seguinte, o familiar está desapontado e sem expectativas, pois houve um retrocesso nas atitudes do usuário. Neste sentido, abordar recaídas e alguns acontecimentos (prisões do familiar, episódios de agressão física e verbal, a descoberta do uso de substância psicoativa) marcantes na vida desses familiares foi um papel importante do grupo, pois ele se tornou um lugar de apontarem suas frustrações, expressarem as emoções que advém do acontecido e traçarem novos planos para si.

Uma limitação do grupo oferecido ao longo do ano foi que ele permaneceu um grupo aberto, dificultando um pouco que pudesse ser seguido um protocolo mais estruturado ou uma continuidade nos assuntos discutidos e trabalhados. Apesar das limitações um protocolo de intervenção nasceu dessa experiência, conforme exposto aqui neste artigo. E este protocolo pode sanar alguns aspectos como a descontinuidade e repetição de assuntos em sessões muito próximas do grupo. As demandas dos familiares devem ser ouvidas e

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acolhidas, contudo a sessão nem sempre poderá ficar em torno do exposto, com as exceções que só poderão ser justificadas conforme a observação do sofrimento e o quanto isto mobilizou o grupo como um todo.

Durante a experiência de atendimento individual foi notado que a população que procurou por auxílio psicológico para problemas relacionados a farmacodependência se aproximava da que Fernandes ​et al. ​(2017) encontrou em sua pesquisa. A maioria foram mulheres que desenvolviam uma segunda jornada de trabalho no domicílio, seja na limpeza e arrumação ou no cuidado com os filhos, algumas inclusive exerciam outras atividades laborais em outros estabelecimentos de saúde como um complemento da renda, elevando assim a carga horária de trabalho e diminuindo o tempo para lazer e autocuidado. Ainda em comparação ao estudo foi percebido que muitos dos colaboradores tinham uma percepção positiva a respeito do trabalho e que os maiores conflitos aconteciam em âmbito familiar. Apesar disso ainda é importante estar atento a fatores ligados ao ambiente de trabalho como dificuldades nas relações interpessoais, excessivo número de pacientes, atividades repetitivas, inobservância da ética por colegas, alta carga horária etc, que podem elevar a carga estresse.

Outro dado relevante da experiência de atendimento no SAMSP foi que a população atendida se dividia em sua maioria em duas categorias de ocupação, os profissionais de enfermagem e os profissionais administrativos. Scholze ​et al. ​(2017) destaca que os profissionais de enfermagem estão suscetíveis a farmacodependência devido ao estresse gerado pelo processo laboral em que estão inseridos onde as atividades exercidas envolvem o convívio direto com o sofrimento e morte de pacientes e familiares e acesso facilitado a fármacos. Isso gera um problema pois traz diversos malefícios a saúde do colaborador, contribuindo para absenteísmo e colocando os pacientes atendidos por ele em risco uma vez que se torna mais suscetível a erros.

Por outro lado, nenhum dos estudos encontrados para embasar este relato leva em consideração o trabalhador administrativo dos hospitais. Isso leva a crer que esses colaboradores podem também estar sujeitos a riscos de desenvolverem problemas devido ao uso de fármacos e como interventores ativos da rotina hospitalar, realizando tarefas importantes para o funcionamento adequado do estabelecimento de saúde, também demandam atenção quanto às suas queixas.

Já sobre a classe médica Laranjeira ​(2005) obteve em sua pesquisa índices de farmacodependência e uso nocivo próximos a da população geral, porém quando se trata de

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fármacos específicos como opióides e benzodiazepínicos a frequência de uso pode chegar a ser cinco vezes maior que na população geral. Alguns fatores de risco são elencados por ele como possíveis desencadeadores do uso como fácil acesso a medicamentos, problemas emocionais, problemas no trabalho e na família, especialidades de alto risco como anestesiologia, emergência e psiquiatria, entre outros.

Apesar do exposto durante a experiência não foram atendidos profissionais médicos de qualquer especialidade em nenhum dos modelos de atendimento (aconselhamento individual ou grupo de familiares). Isso pode ser entendido por dados do próprio serviço que referem que esses profissionais e residentes médicos recebem atenção em outros serviços disponibilizados pelo hospital e pela faculdade.

6- Conclusão

A partir do que foi exposto durante este relato de experiência foi possível apreender que a farmacodependência no trabalho não está ligado somente a vicissitudes que envolvem o mesmo mas que se trata de múltiplos fatores que contribuem e interagem para que os colaboradores sejam expostos aos riscos do consumo de substâncias, sendo as características do trabalho uma delas.

Os profissionais de enfermagem tiveram presença relevante no serviço podendo indicar que além dos fatores de risco que outros trabalhadores também enfrentam existem aqueles intrínsecos à ocupação. Além dos profissionais de enfermagem chamou a atenção o número de profissionais administrativos do hospital que enfrentam algum problema de farmacodependência seja ele próprio ou na família. No caso dos profissionais administrativos poucas pesquisas foram encontradas sobre a influência do trabalho no consumo de fármacos sendo esse um assunto importante a ser aprofundado.

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7- Referências

DA NATIVIDADE, Michelle Regina; COUTINHO, Maria Chalfin. O trabalho na

sociedade contemporânea: os sentidos atribuídos pelas crianças. ​Psicologia & Sociedade​ , v.

24, n. 2, p. 430-439, 2012.

DEL PRETTE, Z. A. P., & DEL PRETTE, A. (1996). ​Habilidades sociais: Uma área em desenvolvimento​. ​Psicologia Reflexão e Crítica​,​9​(2), 233-25

CARVALHO, Simone Villas Boas de et al. Freqüência de jogo patológico entre

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COSTA, L.F.P. ​Desafios de familiares envolvidos no processo de cuidar de dependentes químicos.​ João Pessoa: Universidade federal da Paraíba, 2015.

ELIAS, Marisa Aparecida; NAVARRO, Vera Lúcia. A relação entre o trabalho, a

saúde e as condições de vida: negatividade e positividade no trabalho das profissionais de

enfermagem de um hospital escola. ​Revista Latino-Americana de Enfermagem​ , v. 14, n. 4,

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LARANJEIRA, RONALDO RAMOS. Perfil clínico e demográfico de médicos com

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MARTINS, Elizabeth Rose Costa; ZEITOUNE, Regina Célia Gollner. As condições

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de enfermagem. ​Escola Anna Nery​, v. 11, n. 4, 2007.

ROWE. Family Therapy for Drug Abuse: Review and Updates 2003–2010

SCHOLZE, Alessandro Rolim et al. Uso de substâncias psicoativas entre

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