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Sobre a morte e o morrer: concepções e paralelismos entre o catolicismo romano e o budismo tibetano

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

ANA CÂNDIDA VIEIRA HENRIQUES

Sobre a morte e o morrer:

concepções e paralelismos entre o

Catolicismo Romano e o Budismo Tibetano

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ANA CÂNDIDA VIEIRA HENRIQUES

Sobre a morte e o morrer:

concepções e paralelismos entre o

Catolicismo Romano e o Budismo Tibetano

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Ciências das Religiões do

Departamento de Ciências das Religiões, Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciências das Religiões.

Orientador (a): Profª Drª Maria Lúcia Abaurre Gnerre

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ANA CÂNDIDA VIEIRA HENRIQUES

Sobre a morte e o morrer:

concepções e paralelismos entre o

Catolicismo Romano e o Budismo Tibetano

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões do Departamento de Ciências das Religiões, Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciências das Religiões, pela Comissão Julgadora composta pelos membros:

COMISSÃO JULGADORA

__________________________________________ Profª Drª Maria Lúcia Abaurre Gnerre - Presidente

Departamento de Ciências das Religiões (UFPB)

____________________________________________ Profº Drº Fabrício Possebon

Departamento de Ciências das Religiões (UFPB)

____________________________________________ Profª Drª SandraSassetti Fernandes Erickson

Departamento de Letras (UFRN)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me proporcionado saúde e tranquilidade necessárias para a realização deste trabalho;

Agradeço ao meu esposo Gilmar Henriques e as minhas filhas Rayssa e Bárbara, cujo apoio, incentivo e paciência foram imprescindíveis;

Agradeço aos meus pais por estarem sempre presentes em minha vida;

Agradeço a Profª Drª Maria Lúcia Abaurre Gnerre, minha querida orientadora, que me acolheu num momento difícil, estendendo-me seus braços. Com muita tranquilidade e disponibilidade, soube me conduzir por caminhos suaves para que pudéssemos alcançar a vitória;

Agradeço aos que se empenham em edificar a graduação de Ciências das Religiões, em especial, ao Profº Drº Fabrício Possebon, pelo empenho dedicado ao nosso curso;

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Sobre a morte e o morrer:

concepções e paralelismos entre o

Catolicismo Romano e o Budismo Tibetano

RESUMO

A religião enquanto objeto de estudo se constitui por proporcionar um universo inesgotável de conhecimento, onde o fenômeno religioso torna-se passível ao olhar científico. Dentro deste cenário situamos a morte, que surge no seu aspecto universal. Nestes termos, nossa pesquisa se baseia em um estudo comparado, na qual pretendemos analisar as estruturas que comportam o fenômeno da morte em duas tradições, o Catolicismo Romano e o Budismo Tibetano, ambas inseridas no Cristianismo e no Budismo, duas das cinco maiores religiões do mundo. Deter-nos-emos em expor às concepções e visões de morte no devir histórico, a ritualização da morte e sua transformação, as práticas funerárias que conferem sentido à morte e as crenças no pós-morte em ambas as doutrinas. Nestes dois sistemas religiosos tão amplos e complexos, trataremos especificamente da temática da morte,visando analisá-las quanto aos elementos distintos e análogos, a partir de pressupostos científicos e teológicos, utilizando concepções religiosas e filosóficas embasadas em fontes fidedignas de ambas as tradições. Quanto ao Catolicismo Romano, faremos uso do Catecismo da Igreja Católica e do livro das exéquias, e no que se refere ao budismo tibetano, utilizaremos como fonte principal, o Livro Tibetano dos Mortos. Utilizaremos como suporte bibliográfico, o pensamento de vários estudiosos acerca do conhecimento da morte e suas implicações na sociedade.

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About death and dying:

concepts and parallels between Roman

Catholicism and Tibetan Buddhism.

ABSTRACT

Religion as an object of study is constituted by providing an endless universe of knowledge, in which the religious phenomenon becomes open to a scientific look. Within this scenario we place the death that comes in its universal aspect. This way, our research is based on a comparative study in which we intend to analyze the structures that comprise the phenomenon of death in two traditions, the Roman Catholicism and the Tibetan Buddhism, both inserted in Christianity and Buddhism, two of the five major religions of the world. We will hold on to expose conceptions and visions of death in the historical development, the ritualization of death and its transformation, the funerary practices that give meaning to death and beliefs in the afterlife in both doctrines. In these two very broad and complex religious systems, we will deal specifically with the topic of death, aiming to analyze them in relation to their distinct and similar elements, from scientific and theological presuppositions, using religious and philosophical conceptions based on reliable sources of both traditions. Concerning to the Roman Catholicism, we will use the Catechism of the Catholic Church and the book of funerals, and referring to the Tibetan Buddhism, we will use as the main source, the Tibetan Book of the Dead. We will use as bibliographic source, the thinking of various scholars about the knowledge of death and its implications for society.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Juízo final no tímpano de Autun ... 56

Esquema 1 - Situação na época de Israel ... 66

Esquema 2 - Evolução da concepção de vida para uma pós-morte ... 67

Esquema 3 - Influência do pensamento grego ... 68

Esquema 4 - Surgimento da ideia sobre a ressurreição dos mortos ... 69

Figura 2 – Iconografia da roda da vida ... 89

Figura 3 - Os cinco Dyani Budas ... 126

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I: A MORTE NA CONCEPÇÃO DO CATOLICISMO ROMANO ... 28

1 Catolicismo Romano: uma exposição teológica ... 28

1.1 Um recorte panorâmico da doutrina católico-romana ... 29

1.2 A morte segundo os fundamentos doutrinários católicos ... 36

1.3 Ritos fúnebres: uma celebração da esperança ... 41

2 As transformações histórico-antropológicas da morte ocidental: da idade média aos dias atuais ... 46

2.1 A ritualização da morte no medievo ... 51

3 Uma representação do juízo cristão ... 54

4 A visão contemporânea da morte ... 58

5Sobre a morte cristã: alguns pressupostos teológicos ... 64

CAPÍTULO II: A MORTE E O MORRER NO BUDISMO TIBETANO ... 76

1 Budismo Tibetano: uma introdução ... 76

1.1 Um recorte histórico e doutrinal do budismo tibetano ... 77

1.2 Pensamento budista acerca da vida e da morte ... 88

2 Bardo Thödol: um tratado filosófico sobre a arte de morrer ... 95

3 Estados do Bardo da morte ... 100

3.1 Chikhai Bardo: o bardo dos momentos da morte ... 103

3.2 ChönyidBardo: o bardo da vivência da realidade ... 119

3.3 Sidpa Bardo: uma elucidação do estado intermediário de renascimento . 128 4 Ensinamentos e interdições do Bardo ... 132

5 Práticas rituais fúnebres e destinação do corpo ... 136

CAPÍTULO III: CATOLICISMO ROMANO E BUDISMO TIBETANO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS ESTRUTURAS DA MORTE ... 145

1 Distinções e analogias entre conceitos: peculiaridades que fornecem identidade147 1.1 Quanto à crença no sagrado ... 147

1.2 Quanto às práticas espirituais ... 148

1.3 Quanto à causalidade ... 149

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1.5 Quanto à salvação ... 151

1.6 Quanto ao céu e inferno ... 152

1.7 Quanto aos méritos... 153

1.8 Quanto à questão do tempo ... 153

1.9 Quanto à existência de uma eternidade ... 154

1.10 Quanto à imortalidade da alma cristã e da mente budista ... 155

1.11 Quanto à crença na ressurreição cristã e reencarnação budista ... 157

1.12 Quanto à concepção e visão de morte ... 158

2 Arte de morrer: ocidente versus oriente ... 160

3 Correlação entre ritos e práticas funerárias... 164

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 174

REFERÊNCIAS ... 184

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INTRODUÇÃO

“As ciências do homem negligenciaram sempre a morte”. Esta é uma das

afirmações feitas pelo antropólogo, sociólogo e filósofo francês, Edgar Morin (1997, p.13). Com base nesta afirmação, pensamos por que esse fenômeno natural suscita tanta indiferença por parte do homem? Já que a morte é a única certeza da vida! Nestes termos, o estudo da morte pode ser profícuo para a erradicação dessa indiferença, ou quem sabe até para uma mudança de postura perante a sua realidade, visto que tantos estudiosos, a exemplo de Ariès, Becker e o próprio Morin, evidenciam tanto uma recusa desse fenômeno por parte da civilização humana.

Entendemos que a ciência da morte tem sua valiosa contribuição quando consegue promover uma aproximação com a realidade da vida. A tanatologia - recente ciência da morte nascida no século passado, após esforços da médica suíça radicada nos Estados Unidos, Elizabeth Kübler-Ross - procura amenizar os momentos finais do moribundo, oportunizando uma humanização da morte através de cuidados paliativos. Em tempos pós-modernos, um repensar da questão da morte torna-se preponderante, principalmente num sistema capitalista como o nosso, onde o valor econômico sobrepõe o valor da vida, relegando a segundo plano o sentimento humano e religioso.

A morte, enquanto fenômeno religioso se apresenta como um objeto suscetível à investigação, visto que sua manifestação ocorre no tempo e no espaço dentro da sociedade. Desta forma, o Curso de Ciências das Religiões vem promover um engajamento, do ponto de vista metodológico, com seu objeto, que é a religião. Como graduada e mestranda em Ciências das Religiões, a partir do seu observatório particular,suscitarei neste estudo o tema da morte.

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Religiões visam estudar as crenças e práticas religiosas e suas implicações na vida humana presentes em todas as religiões.

Neste sentido, as Ciências das Religiões se preocupa principalmente com a sistematização desse conhecimento e com o estudo comparado das religiões. Frente a isso, o cientista religioso, investido de um olhar próprio das Ciências das Religiões, deve analisar o fato religioso em si, ou seja, o seu aspecto real, investigando desde sua história e seu desenvolvimento até as consequências vivenciadas pela própria sociedade, analisando comparativamente todos os elementos envolvidos.

No que se refere ao fenômeno religioso, Neide Miele (2011, p. 24) ressalta que vários estudiosos atribuem ao mesmo, como sendo um dos quatro pilares da cultura humana, juntamente com a Filosofia, a Arte e a Ciência. Estes três pilares, já inseridos na educação através das instituições de ensino, são apresentados desde cedo aos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, a religiosidade, que é tida como patrimônio cultural dos povos, passível de ser estudada e pesquisada, ainda não está tão presente no âmbito escolar e acadêmico como deveria.

Ainda de acordo com Miele (2011, p.35), o fenômeno religioso, por ser plural em suas manifestações, deverá ser pesquisado de forma multidisciplinar, “utilizando

o arcabouço teórico dos estudos e das pesquisas da Antropologia, Sociologia,

Ciências das Religiões, Psicologia, História e outras”. A interlocução com outras

áreas de conhecimento favorece para uma maior e melhor compreensão do fenômeno religioso, visto que este constitui objeto de estudo do conhecimento na diversidade cultural.

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também um pouco da história da morte desenvolvida na época medieval1, se

estendendo até os nossos dias. Veremos as transformações ocorridas, os ensinamentos e as posturas adotadas, a noção do morrer, do sobreviver e do renascer em outra vida, nestas duas grandes religiões. Diante desse grande universo de crenças e práticas religiosas, faremos num segundo momento, uso da análise comparativa dos fatos religiosos apresentados, apontando as similitudes e divergências entre ambas.

Diante destes dois inesgotáveis universos religiosos, nossa pesquisa se concentrará nas concepções e na vivência da morte pelo homem na sua própria vida, na sua cotidianidade. Procuraremos entender sobre como estas duas tradições encaram esse fenômeno de proposição universal, através de suas crenças, práticas, atitudes, posturas e sentimentos adotados perante a realidade da morte. Também pretendemos desvelar as concepções de um pós-morte, suas crenças e preceitos recomendados pelas respectivas doutrinas e que constam em seus cânones sagrados.

Utilizaremos como fonte de pesquisa e referencial para a análise comparativa

entre as duas religiões, o “Catecismo da Igreja Católica” e o “Livro tibetano dos mortos” (vale salientar que somente no que se refere ao fenômeno da morte). Estas

duas referências são fontes fidedignas das respectivas religiões, pois são dirigidas aos fiéis que professam uma crença nos seus ensinamentos.

O Catecismo da Igreja Católica é uma obra oficial, possuidora de um conteúdo doutrinal completo sobre a fé e os costumes cristãos. Para nosso estudo, utilizaremos a edição típica latina vaticana, por ter nesta, segundo João Paulo II2, a

sua realização definitiva. O catecismo foi elaborado pelo Conselho de Cardeais e Bispos de todas as partes do mundo e aprovado e promulgado após cinco anos da Constituição Apostólica Fidei Depositum, de 11 de outubro de 1992. Sua tradução é

1 Optamos por abordar a história da morte neste período por dois motivos: em primeiro lugar, por ter

sido um período da história no qual o fenômeno da morte teve seu ponto alto, ou seja, as maiores mudanças no que tange à morte aconteceram neste espaço de tempo, a exemplo: da arte de morrer, a valorização dos ritos, uma maior aceitação da morte, a arte macabra, dentre outros. Em segundo lugar, pela disponibilidade de fontes bibliográficas (ainda que escassas no Brasil), referentes a este período da história.

2 Foi um dos Papas da Igreja Católica Apostólica Romana. Seu Pontificado teve uma duração de 28

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apresentada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) a todos os fiéis como um documento seguro e autêntico sobre a doutrina católica.

No tocante à morte e o morrer no Budismo Tibetano, faremos uso do Livro Tibetano dos Mortos, que traz orientações e práticas sobre a arte de morrer. Utilizaremos duas edições, a primeira possui o texto completo, na íntegra, onde foi composto por Padmasambava3, revelado por Terton Karma Lingpa4 e organizado por Grahan Coleman e Thupten Jinpa. O comentário introdutório foi feito pela Sua Santidade, o Dalai Lama.

A outra obra utilizada foi a edição organizada por Walter Yeeling Evans-Wentz, por ser mais conhecida entre os ocidentais. Esta obra foi traduzida e trazida ao ocidente, sendo publicada em Londres, no início do século XX, mas precisamente no ano de 1927. É uma versão segundo o Lama Kazi Dawa Sandup e tem o comentário introdutório de Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço.

A metodologia empregada neste trabalho foi desenvolvida através da pesquisa exploratória, pois a mesma permitiu uma melhor familiaridade com o objeto investigado, possibilitando, desta forma, evidenciarmos e esclarecermos um assunto ainda pouco explorado na academia e na sociedade. Utilizamos como procedimento técnico, a revisão bibliográfica, pois que nos possibilitou o respaldo indispensável para o desenvolvimento da pesquisa, através de livros autênticos e seguros de ambas as tradições, bem como de autores clássicos e contemporâneos. Quanto à abordagem do problema, fizemos uso da pesquisa qualitativa, visto que a mesma nos encaminhou a uma compreensão mais profunda do fenômeno tratado, através de descrições, comparações e interpretações.

Diante da relevância da pesquisa científica, observamos uma escassez de pesquisas e de bibliografias no âmbito das Ciências das Religiões referentes ao fenômeno da morte, o que de imediato justifica a nossa preocupação em desenvolvê-la. Pretendemos, enfim, trazer à tona o tema da morte sob um espectro puramente científico para que seja discutido no campo acadêmico, ramificando

3 Aquele que nasceu do Loto. Também conhecido como Guru Rin-po-ch’e (Precioso Guru), é

considerado pelos seus seguidores a encarnação do Buda Shakya Muni. Padmasambhava é o

principal introdutor do Budismo no Tibete, tendo conseguido “domar” os demônios da tradição Bon.

4 Reverenciado como emanação do grande tradutor Chokrolui Gyeltsen. Era o filho mais velho do

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também para toda a sociedade. Dialogaremos neste trabalho com várias ciências, a exemplo da história, da antropologia, da sociologia e da psicologia das religiões.

Por serem distintas quanto à raiz de suas crenças, o catolicismo romano ocidental e o budismo tibetano oriental concentram esforços em respaldar e orientar seus seguidores com ensinamentos sobre a arte de morrer provenientes de seus mestres, respectivamente, Jesus Cristo e Sidarta Gautama, o Buda histórico. Evidenciaremos os perfis históricos destas duas religiões, bem como as ideias filosóficas e seus sistemas de crenças que embasam e sustentam suas práticas religiosas funerárias. Diante deste vasto universo de crenças e práticas, pretendemos por fim, analisar e traçar paralelismos entre estas duas religiões, visando ressaltar suas coadunações e suas divergências quanto ao fenômeno da morte.

No contexto católico-romano, a morte não é o fim, mas sim o começo de uma

vida plena. Como o trecho bíblico a seguir afirma, “tudo tem o seu tempo

determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: há tempo de nascer

e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou”

(Eclesiastes 3:1,2). A Morte no catolicismo não significa a cessação, mas sim a separação da existência material. O cristão passa da temporalidade para a eternidade em busca da salvação.

Para morrer precisamos nascer. Portanto, desde o nascimento até sua morte, o cristão reconhece sua existência profana e efêmera, esta profundamente respaldada nos livros sagrados. Atribuem a colheita, considerada a morte, como sendo melhor que a semeadura, que é o nascimento, pois que todas as benesses ou recompensas serão conferidas após sua morte aos que perseveraram na fé.

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Quanto à morte e o pós-morte, sua crença se fundamenta num ciclo de renascimentos, ou seja, um viver e um morrer incessante. Possui como fator determinante na sucessão dos renascimentos, o Karma acumulado (boas e más ações) nas existências anteriores. Através das seis classes de seres sencientes ou viventes, o homem experimenta seis condições de existência. Contudo, o despertar vem para libertá-lo desse ciclo de vida e morte, constituindo o grande objetivo da prática budista.

Para entendermos o fenômeno da morte, tão amplo e complexo nas duas religiões, faz-se necessário inicialmente o conhecimento de sua natureza, que se apresenta como fato inexorável da condição humana. A morte vem para todos, sem exceção. A humanidade tem seu fim último como uma sentença decretada, por isso, é relevante entendermos os mecanismos que envolvem este misterioso fenômeno. A partir de agora, é o que veremos nesta introdução.

A morte faz parte de um processo que se fundamenta nas leis da natureza, onde urge a necessidade de um morrer para a continuidade das espécies. Assim como a vida, a morte se constitui como uma etapa natural e essencial no processo evolutivo humano. O ser humano, desde seu nascimento é predestinado a se desenvolver e morrer, embora, muitos nem cheguem a ter um desenvolvimento pleno e outros nem cheguem a nascer. De qualquer forma, o desenvolvimento acontece espontaneamente através do plano físico e mental, que na maioria das vezes caminham de maneira sincrônica.

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Vários são os conceitos de morte existente, porém, a morte se apresenta como fenômeno único na vida. Aos olhos do cristão católico, carrega o estigma de ser a ruptura total com o universo material, visto que retira o ser do meio em que vive, enquanto que, para o budista tibetano, ela vem como uma etapa a ser superada rumo ao renascimento ou quem sabe, a libertação. De qualquer forma, as várias teologias buscam atenuar esse fato inexorável, apresentando possíveis respostas de cunho espiritual.

Esse é um dos papéis importantes que as religiões tentam cumprir perante sua comunidade de adeptos, pois a morte traz sérias implicações na vida, sendo, portanto, necessário um repensar mais profundo dessa questão, no intuito de fornecer a melhor, e porque não dizer, a mais lógica explicação do que acontece com o homem após sua morte.

Podemos compreender a morte sob vários aspectos, desde o aspecto biológico, antropológico, filosófico, psicológico, cultural, histórico, até os aspectos mais transcendentais, como por exemplo, a própria “imortalidade da morte5” (grifo

nosso). Em cada aspecto apresentado, a morte é vista e estudada de uma forma bem peculiar, restrita a cada campo de conhecimento. Diante disso, precisamos entender que tais particularidades e diferenciações não interferem em sua essência, que ainda continua sendo seu aspecto real.

O ser humano se distingue dos outros animais pela sua capacidade de raciocínio, de discernimento dessa realidade, pois é dotado de uma consciência elevada que lhe fornece sensibilidade suficiente para sentir com toda intensidade os acontecimentos a sua volta. Por ser consciente, ele se angustia com a sua própria existência, principalmente no que tange à finitude da vida.

Por ser o homem possuidor de faculdades cognitivas que possibilitam o seu raciocínio, o pensar humano o leva às profundezas da psique, trazendo a tona anseios e temores escondidos no inconsciente. De acordo com Ernest Becker (2010, p. 77-78), são dois os temores que caracterizam o animal humano: o temor da vida e o temor da morte, sendo estes, pois, de fundamental importância para uma compreensão do homem em sua totalidade. A impotência e a perplexidade do

5 Com esta expressão queremos dizer que a morte existe e subsiste a tudo no campo religioso, ela

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homem diante das forças da natureza gera a ansiedade, esta considerada como uma questão de reação ao desamparo, ao abandono e ao destino.

O homem social traz em si a morte na sua vida. Ele quer saber o máximo possível a respeito, antes que ela ponha fim a sua existência. Ele a apreende em sua inteligência, mas não especificamente a sua morte, mas sim a morte do outro, a maneira angustiante de como lidar com tal acontecimento. O ser social enquanto sociável, sente fome; sede; frio; calor; caminha; pensa, enfim, todos os seus órgãos vitais funcionam em perfeita harmonia, levando-o a todos esses meios habituais de existência. A morte vem então destruir todo esse existir, esses atos essenciais, identificáveis e constantes na vida do ser. Nessa perspectiva, Jean Ziegler (1977, p. 148) salienta que,

A morte é muito precisamente o absoluto na relação. O absoluto porque destrói ou modifica, para além das categorias da compreensão racional, o sujeito que a recebe. O relativo porque o sujeito vive a catástrofe fisiológica e a mutação, ou a destruição de seu consciente de modo diverso, segundo as sociedades, as épocas, as classes e as culturas a que pertença (cf. ZIEGLER, 1977, p.148).

Em uma de suas teses, Ziegler (1977, p.131), evidencia uma antiga ansiedade específica no homo sapiens, a angústia. Essa angústia é ocasionada pelo horror da morte, que se torna um problema vivo neste ancestral através da percepção. Morin (1997, p 28, 31) atribui o surgimento das práticas funerárias (enterro, cremação, etc) a esse horror manifesto pelos primitivos, pois assim, as práticas serviam para apressar o processo de decomposição do cadáver, ao mesmo tempo em que os protegia quanto à impureza do corpo. De acordo com Morin (1997, p.25) a prática funerária denota um prolongamento da vida, uma crença na imortalidade.

Morin (1997, p.26,31) também acredita que eles tinham uma consciência objetiva quanto ao reconhecimento da mortalidade, não no sentido de uma

consciência da essência da morte, pois ela não tem “ser”, mas no sentido de uma

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para amenizar o aniquilamento do outro, se utilizaram dos ritos funerários, os quais serviam de esperança e consolo quanto uma sobrevida.

Em função disso, constatamos que o ato de morrer, além de decorrer de um processo natural e biológico, é oriundo também da cultura. Como diz Becker (2010,

p.72), “[...] todos os nossos significados nos são inculcados pelo lado de fora, pelas nossas relações com os outros”. Nessa perspectiva, a cultura vem moldar todas as

nossas atitudes e comportamentos, visto que nela estão enraizados os valores éticos e morais de toda uma sociedade.

Pelo modo de agir e adaptado a condição existencial, o homem consegue transformar a realidade a sua volta. Essa transformação é constante, pois a característica mais marcante da cultura é sua dinamicidade, é estar sempre em permanente processo de evolução. A partir dessa reflexão, podemos dizer que, como fenômeno biológico e natural, a morte está inserida na cultura e acompanha também esse conjunto de transformações quanto às concepções.

A representação da morte tem sua variação quanto à forma de assimilação, isto é, a imagem representada e passada por gerações será proporcional ao que foi assimilado e a forma como se deu essa assimilação. Ao contrário de outros seres vivos, o homem é o único ser capaz de representar a morte por sua própria condição mortal. Alguns animais domésticos, como o cão, chegam até a captá-la no plano da sensibilidade, mas jamais possuirão sua conscientização. Em decorrência disso, percebe-se que a consciência da morte está intrinsecamente relacionada com a domesticação, com a vida em sociedade de forma ordenada e organizada (cf. RODRIGUES, 2006, p.18).

Sendo assim, a humanidade é marcada por uma consciência global, onde existe a consciência da própria morte e a consciência da morte do outro. A consciência da morte não é uma questão de instinto, mas sim do pensamento humano. Com base em Rodrigues (2006, p. 19), podemos compreender que,

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Assim, entendemos que o homem sente a necessidade de expressar e

exteriorizar o que está na consciência, no seu “eu” interior, através da utilização de

práticas diversas, inclusive as funerárias, pois estas lhe conferem sentido e pleno cumprimento quanto ao processo decorrente da morte.

De acordo com Rodrigues (2006, p. 20), o aniquilamento proporcionado pela morte não se limita apenas a extinção corpórea, chega até uma dimensão coletiva, onde o ser extinto, investido de individualidade, deixa um vazio interacional. Bem sabemos que o homem é um ser de relações, pois interage consigo próprio, com o outro e com o mundo.

O vazio interacional abre espaço agora para um vazio existencial. Só que esse espaço precisa ser preenchido com algo como resposta às preocupações da sociedade. Diante disto, ela se resguarda com atitudes de ordem prática, onde os rituais mortuários, além de dar um pleno sentido, também irão preencher algumas brechas de caráter social (cf. RODRIGUES, 2006, p.20).

Os ritos, na sua especificidade, comunicam crenças, valores, intenções, experiências e, sobretudo, no que tange aos ritos funerários, aplaca a angústia interior, pois vem como um cumprimento moral de valorização do espírito e da matéria. Essa valorização do corpo se dá pelo reconhecimento de suas práticas e potencialidades enquanto vivo, pois ele serve de invólucro para o espírito, permitindo-lhe uma ação livre, já que este é composto pela razão, pela sensibilidade e pela inteligência.

É na morte do homem, e através dos ritos desempenhados nesse contexto, que todo o grupo social produz a sua reprodução nos planos cultural, simbólico, ideológico, religioso e socioeconômico. Com relação a isso, Morin (1997), diz o seguinte.

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Para Morin (1997, p.10-11), a sociedade não apenas é estruturada apesar da morte e contra a morte, mas principalmente, porque ela contém a morte em si, ou

seja, “ela só existe como organização, por, com e na morte”. Os problemas

impostos, tanto ao homem quanto à sociedade, a respeito da vida e da morte, os levam a se defrontar e refletir sobre a finitude.

Também as civilizações são mortais e isto não deixará de marcar essencialmente suas representações da morte. Em princípio, todas se pretenderão eternas e imortais e, por isso, o tratamento da morte que uma

sociedade elabora não é um tratamento de sua morte, mas “o das fronteiras do universo que ela constitui”. Tais fronteiras incluem as relações de uma

civilização com outras culturas, com os indivíduos que ela deliberadamente coloca às suas margens [...] e com a morte dos indivíduos que a compõem. Morte do indivíduo, morte da sociedade: eis, no plano da consciência, as duas faces de uma mesma moeda. Evidenciam-se na morte, nos ritos e práticas funerários, ao mesmo tempo o seu caráter de extrema individualidade e sua contribuição social: ela traça um confim último entre a subjetividade do eu e o outro (cf. RODRIGUES, 2006, p.21).

As culturas trazem consigo inúmeros rituais simbólicos dotados de uma grande carga mística e religiosa. A religiosidade de um povo está arraigada na tradição cultural e profundamente incorporada na experiência pessoal do ser humano. A experiência da transcendência induz o homem a cumprir certo papel dentro da sociedade, na qual crenças e práticas são compartilhadas. Dessa forma, sutilmente a religião vai permeando o cotidiano das pessoas, impulsionando-as a agirem de acordo com seus preceitos. A religião, portanto, vai se constituindo como parte integrante e inseparável da cultura.

O universo religioso é vasto, complexo e fascinante, por isso, desperta tanto interesse acerca da natureza humana e cósmica. A religião dá sentido e significado a vida dos que creem, pois cada ser é único em experiências e potencialidades. Podemos inferir com Becker (2010, p. 95) que, ao homem foi dada uma consciência de sua individualidade e também de sua divindade parcial na criação, ao mesmo tempo em que foi dada a consciência do terror e da morte. Nesse sentido, o ser humano sente angústia por não poder viver indiferente ao seu destino, e principalmente, por não poder ter controle sobre o mesmo. Essa angústia, segundo

Becker, é “a angústia mais intensa do homem”, uma redescoberta da psicologia

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A angústia proporcionada pela impossibilidade de direcionar a existência humana se apresenta como decorrência natural no processo evolutivo. Em função disso, a religião, por vezes, é marcada pela dor, pois sua origem advém da vontade de transcendência do homem, na tentativa de aliviá-la. Diante disso, a religião vem como um bálsamo para aliviar as dores causadas pelo aniquilamento. Ela tem um imenso poder terapêutico, que influencia diretamente na saúde física e mental das pessoas. Dentro da religião, os rituais são meios poderosos para alimentar a relação com o sagrado, como também para manter a mente sã.

Com a mente saudável, o homem se sente fortalecido para combater as emoções e ameaças exteriores, como a dor, o medo, os traumas, as incertezas, etc. A religião também pode surtir um efeito contrário quando não consegue mais ser um veículo explicativo. Da mesma forma que ela pode gerar bons sentimentos como a paz, o amor, a esperança, ela também pode acarretar sentimentos negativos como a dúvida e a culpa.

Na tentativa de conceituar religião, Durkheim (1996), conclui que “uma religião

é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade

moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem” (cf. DURKHEIM, 1996, p.

32). É necessário, pois, analisar, que a religião (aqui neste caso nos referimos a cristã) lança mão perante a comunidade de um otimismo elevado através do mito da imortalidade6, no intuito de permitir ao homem ultrapassar essa infindável angústia

existencial, despertando uma esperança de um post mortem7. Por ser o homem um

dos elementos ativos da natureza, sofre a mesma condenação que as outras espécies, a morte natural.

Contudo, conforme Ziegler (1977, p. 130) se diferencia quanto a outro tipo de morte, que só existe na raça humana, que é a morte social, aquela que esvazia a sociedade. Com isso, o ser humano sofre duplamente, por um lado pela ausência do corpo, por outro, pela ausência da consciência, dos atos praticados, das obras inacabadas e das ideias lançadas pelo outro.

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Tanto a organização como a desorganização social reflete diretamente na religião através dos comportamentos e atitudes. Ela funciona como um termômetro que expressa o equilíbrio ou o caos social. A morte, portanto, será um dos agentes causadores dessa desordem na sociedade. Desse modo, Ziegler evidencia a morte como sendo,

[...] um obstáculo absoluto, uma fronteira última e determinante. Mas para além desse limite o homem pode quase tudo, ou, mais precisamente, é por causa da morte que o homem tenta quase tudo. Sua consciência, sob a forma conhecida, cessará um dia. Mas o poder imenso do homem só é eficaz porque ele é limitado. Sem a limitação da morte, esse poder se dissolveria na indiferença [...]. A morte representa assim na história do consciente individual o papel insubstituível e necessário de um órgão-obstáculo (cf. ZIEGLER, 1977, p.281).

Como obstáculo para a vida da espécie humana, Blank (2000, p. 8-9) ressalta que a morte se torna um fato absurdo, por seu caráter surpreendente, fazendo com que ao rejeitá-la, esteja sendo rejeitada também uma reflexão a respeito do ser humano. Bem sabemos que a humanidade está envolta em mistérios e que até hoje, as várias ciências intentam uma explicação. Algumas redescobertas do pensamento moderno confirmaram que uma das preocupações mais eminentes no homem, é o temor da morte. As limitações impostas à condição humana corroboram para que o homem se sinta impotente perante os fatos, permitindo-se então à fuga.

Cabe salientar que a razão primordial para essa fuga se instala no temor. Tanto para Freud como para Becker (2010, p.35), “[...] o temor da morte é natural e

está presente em todos os indivíduos”. Ele está por trás do funcionamento psicológico do nosso organismo como uma expressão do instinto de autopreservação. Ao mesmo tempo em que esse temor é constante e evidenciado pela consciência, surge à necessidade imediata de reprimi-lo na busca de uma existência real. Desse modo, podemos compreender com base em Becker (2010, p. 37) que:

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A cultura ocidental vem alimentando, mais do que nunca, esse medo existencial. De acordo com Ariés (1990, p. 442), o surgimento do medo da morte fez com que as pessoas se calassem, tornando-se um medo sem palavras. Resvalou-se para um silêncio mortal, ultrapassando o limiar do indizível, do inexprimível.

É curioso que esse medo tenha nascido na época em que alguma coisa parece ter mudado na antiga familiaridade do homem com a morte. A gravidade do sentimento da morte, que tinha coexistido com a familiaridade, é por sua vez afetada: faz-se, com a morte, jogos perversos, até dormir com ela. Estabeleceu-se uma relação entre a morte e o sexo, eis porque ela fascina, torna-se obsessiva como o sexo: sinais de uma angústia fundamental que não encontra nome. Por essa razão, ela fica comprimida no mundo mais ou menos proibido dos sonhos, dos fantasmas, e não consegue abalar o mundo antigo e sólido dos ritos e costumes reais. Quando o medo da morte entrou, ficou deinício confinado no lugar em que o amor se manteve tanto tempo ao abrigo e afastado, e de onde só os poetas, romancistas, e artistas ousavam fazê-lo sair: no mundo imaginário (cf. ARIÈS, 1990, p. 442).

Porém, no transcorrer dos séculos XVII e XVIII, o medo da morte libertou-se do imaginário e mergulhou na própria vivência da realidade, nos sentimentos conscientes e expressos, só que de uma forma limitada, discreta.

Frente a esse medo, a psicologia e a religião buscam uma compreensão desse fenômeno universal, a fim de dar uma resposta à sociedade. Cada uma, em seu âmbito de conhecimento, se desdobra para preencher o vazio invisível da mente e da alma. Mas para que a religião funcione eficazmente, é necessário o apoio da psicologia. Uma mente humana sã funciona sob seu próprio controle, quando alimentada pelas forças espirituais. Com isso, salientamos a necessidade de uma metafísica de esperança que torne o homem um novo ser, que o sustente e restitua sua vida (cf. BECKER, 2010, p. 327-328).

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sobre a morte está diretamente ligada a uma reflexão sobre a vida. O trecho a seguir reflete esse pensamento.

Dessa forma, o ser humano se defronta com o paradoxo do significado da morte ou, por outras palavras, o paradoxo consiste em não se poder pensar na morte nem vivenciá-la, independentemente da maneira como se vive. E mais, a interpretação da morte não atingirá o seu pleno significado nem terá a seriedade devida, se a morte for dissociada da vida (cf. BLANK, 2000, p.9).

Percebemos que o dilema existencial perdura no homem mesmo quando tem a consciência de uma vida posterior. Este conflito interior permeia todo o animal humano, faz parte de sua condição mortal. Para vivermos de uma forma plena, temos que enfrentar os desafios da morte em consonância com os desafios da vida, ademais, a vida é que nos prepara para o grande momento final. Para a maioria das religiões, a morte é um reflexo do que fomos em vida, nestes termos, a colheita dependerá muito da plantação, e no caso das duas religiões em foco, é fator determinante.

Podemos dizer, segundo Becker (2010, p. 75), que o homem desde que nasce procura uma explicação lógica a respeito do seu corpo, bem como de toda sua configuração interior. Ele não compreende sua existência e cada coisa se configura como um problema que não pode desviar de si. Enquanto o homem for uma criatura ambígua, a angústia vai existir.

Algo peculiar e profundo caracteriza o homem diferentemente dos outros animais. A identidade simbólica o destaca da natureza, pondo-o literalmente numa posição de um pequeno deus, através da capacidade de abstração, da consciência de si e da sagacidade. Mas o homem está fora e dentro da natureza ao mesmo tempo. Essa natureza paradoxal é a essência do homem, pois ele é metade animal e metade simbólico (cf. BECKER, 2010, p. 47-48).

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representações que se desenvolveram no tempo e no espaço. Mas de um modo geral, se configura por irromper na vidado ser religioso, afetando a ordem normal de sua existência e causando temor pelo seu aspecto de ruptura com o plano terreno.

Contudo, a crença religiosa favorece para o fortalecimento com a perspectiva de uma nova vida, uma vida espiritual na qual as aflições e o sofrimento ficarão para trás. Mas será que a certeza de uma vida posterior (seja qual for a concepção de pós-morte) é suficiente para aquietar a consciência humana? Até que ponto a religião preenche esta lacuna, munida de suas respectivas teologias ou filosofias? São indagações que surgem a princípio, embora não seja nosso objetivo respondê-las, mas, de qualquer forma, mexe com o nosso imaginário.

Com base no que vimos, a nossa pesquisa será constituída de três capítulos. O primeiro versará sobre a morte no Catolicismo Romano, onde evidenciaremos a concepção de morte e pós-morte, bem como a ritualização fúnebre segundo a doutrina. Traremos à tona um pouco da história da morte ocidental contextualizada no medievo, quanto às crenças, posturas, ritos e práticas funerárias, embasados em estudiosos que passaram anos de suas vidas dedicados ao estudo da morte. Não podemos nos esquivar quanto ao tratamento de um novo fenômeno, surgido a partir do século XIX, que é a negação da morte. Com isso, buscaremos uma compreensão mais profunda acerca dos mecanismos que envolvem a religião católica quanto ao fenômeno da morte.

No segundo capítulo, enfocaremos o Budismo Tibetano, detendo-nos em

compreender sua filosofia sobre a morte e o morrer, tendo como respaldo o “Livro Tibetano dos Mortos”. Para isso, faremos primeiramente um recorte histórico desta

religião, sua doutrina, suas crenças e práticas religiosas adotadas pelo tibetano com relação à morte e ao ciclo de renascimentos. Nosso intuito é compreendermos este complexo sistema de crenças e práticas budistas através da Grande libertação pela auscultação, texto sagrado inserido no livro dos mortos.

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CAPÍTULO I

A MORTE NA CONCEPÇÃO DO CATOLICISMO ROMANO

A morte lança a sua sombra sobre todos e cada um. Parcela alguma da paisagem social lhe escapa. Nenhum projeto sem ela se realiza. Ela habita até o mais recôndito dos nossos pensamentos. Assim, a morte se aproxima de nós mascarada, com a máscara de que a reveste a sociedade que constrói a nossa personalidade. A morte agressora possui um rosto, uma identidade. É assinalada, nomeada, mencionada, temida, e sua constante presença, sua brusca atualização são por nós consideradas com infinita inquietude.

Jean Ziegler.

1. Catolicismo Romano: uma exposição teológica

Para compreendermos a visão da morte no catolicismo romano, precisamos primeiramente conhecer os fundamentos dessa religião, que está inserida no Cristianismo, atualmente a maior religião do mundo em termos de número de adeptos. O Cristianismo, enquanto religião inspirada e revelada traz na sua Escritura Sagrada, os fundamentos de uma proposta de cunho salvífico, onde a salvação vem exclusivamente de Deus. Para a fé cristã é fundamental a crença em Jesus Cristo, o enviado de Deus, aquele que redimiu na cruz os pecados da humanidade.

Só podemos conhecer de fato uma religião, em termos aprofundados para um estudo comparado (como é o nosso caso), quando nos munimos de documentos seguros, a exemplo de escrituras e cânones sagrados. A partir destas fontes, pode-se traçar um perfil condizente com a realidade religiosa nas quais estão inpode-seridas, seja em qualquer tempo e época. Mas também não podemos descartar alguns autores clássicos e contemporâneos que se debruçaram sobre a morte durante sua vida. Através destes, a morte saiu do enclausuramento e pôde desfrutar, ainda que pouco, de uma exposição científica dentro da sociedade.

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Tradição apostólica e no Magistério da Igreja. Sua estrutura obedece a uma sequência inspirada na grande tradição dos catecismos, disposta de forma orgânica, onde o seu conteúdo é distribuído em quatro partes ou pilares. A primeira é o Credo, no qual contém a profissão de fé cristã; a segunda, os Sacramentos da igreja8,

através dos quais a ação de Deus está presente na igreja; a terceira, a Vida da fé, onde se postula o agir reto e livre; e a quarta e última parte, a Oração na vida da fé, o verdadeiro sentido e importância da oração.

O outro documento da igreja a ser utilizado chama-se Nossa Páscoa: subsídios para a celebração da esperança, elaborado em 2003 por um grupo de liturgistas. Este documento foi traduzido para o português em 1971, mas sua edição típica romana foi publicada em 1969 sob o título original Ordo Exsequiarum (rito das exéquias). A Nossa Páscoa se configura como um manual no qual se tem as instruções para as celebrações póstumas. Nele está contida toda a liturgia dos rituais fúnebres católico-romano, onde seu conteúdo está disposto em quatro partes. A primeira trata do Velório; a segunda, da Encomendação do corpo; a terceira, do Sepultamento; e a quarta, da Encomendação no crematório.

1.1. Um recorte panorâmico da doutrina católico-romana

Conforme o Catecismo da Igreja Católica (2000, p. 240),a Religião Católica Apostólica Romana é formada por várias igrejas9 particulares (diocese ou eparquia) que comungam quanto à caridade10 com a Igreja de Roma, a Santa Sé. Estas igrejas particulares são formadas por uma comunidade de fiéis e pelo bispo ordenado na sucessão apostólica, e vivem em comunhão tanto na fé quanto nos

sacramentos da igreja. “São formadas à imagem da Igreja Universal; é nelas e a partir delas que existe a Igreja católica una e única”.

8

Os sacramentos são “sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja”. De acordo

com o catecismo, são sete os sacramentos da Igreja: O Batismo, a Confirmação e a Eucaristia são os sacramentos da iniciação cristã; a Penitência e a Unção dos enfermos são sacramentos de cura; a Ordem e o Matrimônio são sacramentos do serviço da comunhão e da missão dos fiéis (cf. CNBB, 2000, p.319,339).

9

“A palavra Igreja - ekllésia, do grego ekkaléin–“chamar fora”significa “convocação”. Designa assembleias do povo, geralmente de caráter religioso” (cf. CNBB, 2000, p. 215).

10 “A caridade é a alma da santidade à qual todos são chamados. Ela dirige todos os meios de

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Assim sendo, o Catolicismo Romano é formado por quatro atributos fundamentais que são interligados entre si. Eis que são: a Unidade, a Santidade, a Catolicidade e a Apostolicidade. Todos eles traçam um perfil da igreja católica, caracterizando-a de um modo peculiar quanto à sua missão divina. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica,

A Igreja é una por sua fonte: [...] um só Deus na Trindade de Pessoas, Pai e Filho no Espírito Santo; é una por seu fundador: [...] por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus, restabelecendo a união de todos em um só Povo, em um só Corpo; e é una por sua alma: O Espírito Santo que habita nos crentes, que plenifica e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e os une tão intimamente em Cristo, que ele é o princípio de Unidade da Igreja (cf. CNBB, 2000, p. 233).

A Igreja é Santa quando “Todas as obras da Igreja tendem, como seu fim, à santificação dos homens em Cristo e à glorificação de Deus” (p.237). É Católica “porque é enviada em missão por Cristo à universalidade do gênero humano” (p. 239), e é Apostólica porque “é construída sobre o fundamento dos apóstolos”,

conservando e transmitindo seus ensinamentos (cf. CNBB, 2000, p.237, 239, 246-247).

O catecismo (2000, p. 21-23) classifica o homem que busca a Deus como um ser religioso pelas características universais que possui, a despeito de suas crenças e comportamentos religiosos, estes expressados pela oração, culto, sacrifícios, meditações, dentre outros. Contudo, esse homem religioso que é considerado um ser que possui uma liberdade, uma consciência e um senso do bem moral, se questiona sobre a existência de Deus. Diante disso, a revelação divina vem com o propósito de dissipar as interrogações construídas por suas faculdades mentais.

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apóstolos e varões apostólicos registraram e transmitiram a mensagem da salvação através da Sagrada Escritura11 (cf. CNBB, 2000, p. 33-34).

Deste modo, para que o Evangelho permanecesse vivo e inalterado através da pregação apostólica, os bispos foram nomeados como seus sucessores, recebendo os encargos do magistério dos apóstolos. O catecismo (2000, p. 34), denomina essa transmissão viva de Tradição Apostólica. “Por meio da Tradição, a

igreja em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que ela crê”. A Tradição Apostólica e a Sagrada Escritura possuem a mesma fonte divina, estão sedimentadas no mistério de Cristo. As duas formam um todo, objetivando um mesmo fim.

Existe também no catolicismo romano a Tradição Eclesial. Esta, por sua vez, é constituída por formas particulares de tradições, a exemplo das tradições teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais da igreja, e são “expressões

adaptadas aos diversos lugares e às diversas épocas”, porém, são mantidas,

modificadas e até abandonadas pelo magistério da igreja12 (cf. CNBB, 2000, p. 35).

A doutrina católica, através do Magistério da Igreja, estabelece alguns dogmas contidos na revelação divina. Dogmas são verdades irrevogáveis de fé, ou seja, são pontos fundamentais de uma crença religiosa que não são passíveis de discussão. O catecismo evidencia em seu conteúdo alguns dogmas, tais como o da Santíssima Trindade13 e o dogma da Imaculada Conceição de Maria14 (cf. CNBB,

2000, p. 36,76,138). A Igreja Católica possui uma série de dogmas que se configuram como pressupostos verdadeiros para a adesão irrevogável de fé por parte do devoto.

A Sagrada Escritura, comumente chamada Bíblia, é o alimento e a força da qual a igreja católica precisa para caminhar. Por ter Deus como autor, toda a escritura é considerada sagrada e canônica, pois que todos os escritos com suas partes, tanto do antigo quanto do novo testamento foram escritos sob a inspiração

11

A Sagrada Escritura é “a Palavra de Deus enquanto redigida sob a moção do Espírito Santo” (cf.

CNBB, 2000, p.35).

12 O Magistério da Igreja é formado pelos bispos e pelo Papa, que é o bispo de Roma. Ao magistério

foi confiada a interpretação autêntica da Palavra de Deus (cf. CNBB, 2000, p.36).

13 O dogma da Santíssima Trindade está centrado na crença de um Deus único em três pessoas, que

é a “Trindade consubstancial”, portanto, a Trindade é una (cf. CNBB, 2000, p.76).

14 Por ser a mãe de Cristo, a igreja entende que ela foi redimida desde a concepção. Por isso, o

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do Espírito Santo. Todos estes livros sagrados do antigo e novo testamento formam

o que a igreja chama de “Cânon das Escrituras”. Do antigo existem quarenta e seis

escritos ou livros e do novo, vinte e sete escritos, totalizando setenta e três livros inspirados (cf. CNBB, 2000, p. 39,43).

A manifestação do Deus Criador no que se refere ao povo eleito, remonta a um contexto histórico judaico15 e também pagão. Neste contexto, surgiu um modelo de fé proposto pela Sagrada Escritura, que foi o patriarca Abrãao, considerado o pai de todos os crentes. Num universo pagão, Abrãao se destaca por professar uma fé num único Deus (monoteísmo). De acordo com o catecismo (2000, p. 49-50), a fé se

constitui por ser “primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda a verdade que Deus

revelou”.

Nestes termos, a fé se caracteriza pela graça, pois é dom de Deus; se caracteriza por ser um ato humano, porque crer não contraria sua liberdade nem sua inteligência; se caracteriza pela liberdade, porque se dá por livre vontade; se caracteriza pela necessidade e pela perseverança, para se alcançar a salvação; e por fim, se caracteriza por ser o começo da vida eterna, pois, a fé faz o devoto

“degustar como por antecipação a alegria e a luz da visão beatífica16” (cf. CNBB,

2000, p. 50-54).

Dois mitos17 criacionais permeiam a origem da religião católica romana.

Conforme o catecismo e a Bíblia Sagrada, no início do livro do Gênesis18, mais

precisamente nos dois primeiros capítulos, tem-se o relato da criação do mundo e do homem segundo a bondade e perfeição divina. A primeira narrativa se encontra no

primeiro versículo do primeiro capítulo (cf. Gn,1,1), onde temos “No princípio, Deus

15 Provavelmente dois mil anos antes de Cristo. 16

A igreja chama de visão beatífica “a contemplação de Deus em sua glória celeste” (cf. CNBB, 2000,

p. 290).

17 Existem vários conceitos de mito cunhados por diversos autores, dentre eles, Walter Burkert (1991,

p.17,19) o qual diz que mito são narrativas tradicionais. “A narrativa tradicional está sempre

pressuposta como forma verbal no processo do ouvir e do contar de novo e só pode sobreviver como

forma estandardizada”.

18 O livro do Gênesis é o primeiro de uma lista de livros sagrados inspirados pelo Espírito Santo. Ele

(33)

criou o céu e a terra”. Nos próximos versículos deste capítulo temos um relato

poético do surgimento do cosmo. Estes escritos a respeito da criação, são atribuídos

aos “sacerdotes no tempo do exílio na Babilônia” (585-538 a.C) (cf. CNBB, 1990, p.14).

A segunda narrativa está no versículo vinte e seis do primeiro capítulo (cf. Gn, 1, 26) e também no versículo sete do segundo capítulo (cf. Gn, 2, 7), onde temos,

respectivamente, “Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. [...] E Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o

criou; e os criou homem e mulher”, “Então Javé Deus modelou o homem com a

argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um

ser vivente” (cf. CNBB, 1990, p. 14-15).

Nesse entendimento, primeiro foi criado o cosmo, e em seguida foi criado o

homem, este à “imagem e semelhança do Deus Criador”. Na narrativa da criação do mundo, o catecismo traz à tona três afirmações fundamentais. A primeira diz que “O

Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele”; a segunda diz que “Só ele é o Criador (o verbo “criar” – em hebraico, “bara” – sempre tem como sujeito

“Deus”); e a terceira afirmação diz que “Tudo o que existe (expresso pela fórmula o céu e a terra) depende daquele que lhe dá o ser” (cf. CNBB, 2000, p. 86).

Um dos autores que evidencia o mito da criação bíblico é Gaarder (2005, p.150). Segundo ele, as duas narrativas acima citadas não oferecem respostas a perguntas científicas sobre como o universo surgiu, quanto tempo levou e como era seu aspecto físico e biológico antes do surgimento. Mas a questão bíblica, de acordo

com o autor, não se concentra em “como” o mundo foi criado, mas sim por “quem”

foi criado, pois houve uma vontade divina por trás de toda a criação.

A criação, por sua vez, é “o fundamento de todos os desígnios salvíficos de Deus”, nela, a história da salvação teve seu começo. A criação, “que não saiu completamente acabada das mãos do Criador”, foi destinada ao homem para que

este continuasse a Sua obra. Conforme o catecismo, a criação se encaminha para

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CNBB, 2000, p. 83,89-90). Segue abaixo um trecho do catecismo que talvez possa dar esclarecimentos quanto à questão da teodiceia19.

Mas por que Deus não criou um mundo tão perfeito que nele não possa existir mal algum? Segundo seu poder infinito, Deus sempre poderia criar algo melhor. Todavia, em sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis

livremente criar o mundo em “estado de caminhada” para sua perfeição

última. Este devir permite, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de determinados seres, também o desaparecimento de outros, juntamente com o mais perfeito, também o menos imperfeito, juntamente com as construções da natureza, também as destruições. Juntamente com o bem físico existe, portanto, o mal físico, enquanto a criação não houver atingido sua perfeição (cf. CNBB, 2000, p.93).

Quanto ao questionamento: por que um Deus que é tão infinitamente bom não extingue o mal? O catecismo diz que o mal moral entrou no mundo como consequência do pecado, portanto, o mal moral não poderá ser atribuído a Deus, nem direta nem indiretamente. Ele apenas o permite respeitando a liberdade humana. Os males e o sofrimento que existem na natureza e que afligem o homem estão ligados diretamente as suas próprias limitações enquanto criatura (cf. CNBB, 2000, p. 93, 109).

A liberdade de ação do homem durante sua existência é bem enfatizada pela doutrina católica. A ele caberá agir conforme a razão e a vontade, embora esta

liberdade o torne responsável pelos seus atos. O catecismo diz que “a liberdade

comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em perfeição ou de definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito” (cf. CNBB, 2000, p.

472-473).

Se por um lado a teologia cristã cria espaço para o livre pensar e agir, por outro, estas ações estão condicionadas a determinados códigos de ética e moral, que são fatores determinantes, tanto para a sua existência terrena, quanto para uma existência num plano espiritual. Em se tratando de teologia cristã, Carlos Palácio (2001, p. 80) diz que “A teologia é uma reflexão sobre a existência cristã. Mas essa existência é uma possibilidade de compreender-se humanamente, de habitar e de

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configurar este mundo de uma maneira diferente”. A reflexão teológica viabiliza a

evolução da consciência humana, abre novas perspectivas para o autoconhecimento, ao mesmo tempo em que abre novos caminhos para a relação com a criação e o Criador.

Como vimos acima, o livre-arbítrio pode levar o homem ao pecado quando ele recusa o projeto de Deus, através de uma palavra, um ato ou um desejo que contrarie a lei divina. O pecado, por sua vez, escraviza o homem, tornando-o refém da alienação. A própria história comprova esse mau uso da liberdade pelo homem

desde sua origem, causando infortúnios e opressões. O catecismo enfatiza que “a

liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus” (cf. CNBB, 2000,

p. 472,474).

Evidentemente, quando esta liberdade se volta para o próprio homem, então ele peca. O mito da queda retrata muito bem o mau uso desta liberdade por parte do homem. Este mito deu origem ao pecado original, quando a criatura (Adão) posto à prova pelo Criador, sucumbiu a auto suficiência, preferindo a si mesmo a Deus. É um mito que estabelece uma ruptura na relação filial, promovendo a partir de então, uma série de sanções20 por parte do Criador, uma vez que foram rompidos os laços de harmonia existente (cf. CNBB, 2000, p. 113).

Com o pecado original estabelecido, o mundo agora sofre com uma invasão

de pecados. O catecismo diz que “A escritura e a Tradição da igreja não cessam de

recordar a presença e a universalidade do pecado na história do homem”. Através

do pecado, a morte entra na história da humanidade. Agora o homem, que foi formado do pó, voltará ao pó. Dessa forma, se estabelece também na criação, a universalidade da morte (cf. CNBB, 2000, p. 113-114).

A partir do evento da queda, a tradição cristã passa a ver nesta passagem bíblica (Gn 3) a prefiguração de Jesus Cristo, o filho de Deus. Em decorrência disto,

essa passagem foi chamada de “protoevangelho”, por ser o primeiro anúncio do

Messias Redentor. A Igreja Cristã vê neste trecho bíblico, a vitória do bem sobre o

20 O catecismo cita algumas sanções baseadas na desobediência de Adão e Eva, enquanto criaturas

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mal. O mal gerado pelo próprio homem no mau uso de sua liberdade, o qual produziu apenas escravidão pelo pecado e a morte. A partir de então, um novo

“Adão” surge através da promessa de Deus quanto a uma descendência comprometida com o seu projeto (cf. CNBB, 2000, p. 117).

Finalizando este primeiro recorte, pudemos ver com o acima exposto, um pouco sobre os fundamentos doutrinários da Igreja Cristã. Os pilares que sustentam esta igreja centralizada na Palavra de Deus, a Sagrada Escritura. Constatamos uma concepção fundamentada no homem, centro de toda a criação. Este, por sua vez, no usufruto de uma condição filial, já que foi criado pela vontade e poder divino à imagem e semelhança do seu Criador (cf. CNBB, p. 466-467). Deste modo, o cristão foi convidado a agir na história, a intervir no mundo, na busca incessante pela salvação, através da liberdade ordenada, aquela que conduz a Deus.

1.2. A morte segundo os fundamentos doutrinários católicos

De acordo com o catecismo (2000, p. 284), a morte se constitui como um fato natural por fazer parte do processo da vida, ela é imanente à condição humana, onde as mudanças acontecem, as pessoas envelhecem, e o fim último chega como término de uma jornada. O tempo é fundamentalmente importante, pois que recorda o cristão quanto à limitação de sua vida. A morte também é vista como consequência do pecado, muito embora o Criador tenha feito a criatura um ser mortal, este estava destinado a não morrer por desígnio de Deus. A morte corporal é

tida como o “último inimigo” a ser vencido pelo homem.

Pela redenção de Cristo, a morte cristã passa a ter um sentido positivo. Dessa

forma, a morte física passa a ser consumada pelo “morrer com Cristo”. Segue um

trecho litúrgico da igreja que expressa com clareza a visão cristã acerca da morte.

“Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível”. Deste

(37)

Segundo a tradição cristã, a pessoa humana é “Uno de alma e corpo”

(Corpore et anima unus), ou seja, é um ser corporal e espiritual ao mesmo tempo. A

alma é imortal, ela é o “princípio espiritual no homem”, ela anima o corpo, dá vida.

Todavia, não se deve desprezar o corpo, ao contrário, deve honrá-lo, pois ele está destinado à ressurreição no fim dos tempos (cf. CNBB, 2000, p.104-105). Veremos abaixo um recorte do catecismo com relação à unidade destes dois princípios, o espiritual e o corporal.

A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a

alma como a “forma” do corpo; ou seja, é graças à alma espiritual que o corpo constituído de matéria é um corpo humano e vivo; o espírito e a matéria no homem não são duas naturezas unidas, mas a união deles forma uma única natureza (cf. CNBB, 2000, p.105).

O catecismo (2000, p.105-106) destaca também a questão da distinção entre

alma e espírito. Contudo, a igreja afirma que “essa distinção não introduz uma dualidade na alma. “Espírito” significa que o homem está ordenado desde a sua

criação para seu fim sobrenatural, e que sua alma é capaz de ser elevada

gratuitamente à comunhão com Deus”. Sendo assim, a alma não perece como o

corpo quando da separação dos dois. Na ressurreição, os dois princípios se unem novamente, só que agora num corpo transformado.

Uma questão muito discutida, tanto na teologia como na ciência, e que o catecismo traz à tona, é a respeito do que ocorre depois da morte.

Desde o início, a fé cristã na ressurreição deparou com incompreensões e oposições. Em nenhum ponto a fé cristã depara com mais contradição do que em torno da ressurreição da carne. Aceita-se muito comumente que depois da morte a vida da pessoa humana prossiga de um modo espiritual. Mas como crer que esse corpo tão manifestamente mortal possa ressuscitar para a vida eterna? (cf. CNBB, 2000, p. 281).

Para isso, a igreja elaborou respostas embasadas em sua teologia para comportar estas questões que desafiam a crença na ressurreição dos mortos. Para o catecismo (2000, p. 282), as questões do tipo: Como ressuscitam os mortos?

“ultrapassa nossa imaginação e nosso entendimento, sendo acessível só na fé”.

(38)

Com relação à ressurreição dos mortos, o catecismo (2000, p. 281), diz que na morte, o corpo cai na corrupção, enquanto que a alma vai ao encontro de Deus, esperando ser unida novamente a um corpo, só que este será um corpo de glória, um corpo incorruptível. A ressurreição está intimamente associada à parusia21 de

Cristo, portanto, ocorrerá definitivamente no “último dia”, no fim dos tempos e na vida eterna, por obra da Santíssima Trindade. Todos devem ressuscitar, todavia, os

que praticaram o bem em vida, “sairão para uma ressurreição de vida”, os que praticaram o mal, sairão para uma “ressurreição de julgamento”.

A doutrina católica crê firmemente na ressurreição dos mortos, para ela não existe outra concepção de um pós-morte. A ressurreição se configura como um

elemento essencial da fé cristã, pois, conforme o catecismo, “Fiducia christianorum ressurectio mortuorum; illam credentes, sumus A confiança dos cristãos é a

ressurreição dos mortos; crendo nela, somos cristãos” (cf. CNBB, 2000, p. 279).

A igreja cristã também se manifesta quanto à doutrina da reencarnação22, ela é muito enfática quanto a esta outra concepção de pós-morte. Segue abaixo seu posicionamento, de acordo com o catecismo.

A morte é o fim da peregrinação terrestre do homem, do tempo de graça e de misericórdia que Deus lhe oferece para realizar sua vida terrestre segundo o projeto divino e para decidir seu destino último. Quando tiver

terminado “o único curso de nossa vida terrestre”, não voltaremos mais a outras vidas terrestres. “Os homens devem morrer uma só vez” (Hb 9,27). Não existe “reencarnação” depois da morte (cf. CNBB, 2000, p. 285- 286).

Crendo firmemente na ressurreição, a fé cristã crê firmemente na vida eterna. A partir do momento da morte, o homem possuidor de uma alma imortal, recebe uma retribuição eterna num juízo particular. Neste juízo, a vida do homem é posta em relação à vida de Cristo. Dependendo de sua conduta em vida, ele poderá passar

por uma “purificação”; poderá “entrar de imediato na felicidade do céu”; ou poderá ser “condenado de imediato para sempre”(cf. CNBB, 2000, p. 288).

21 A Parusia de Cristo se refere ao seu retorno a terra para o julgamento final, ou seja, a sua segunda

vinda.

22 A reencarnação é a volta do espírito ao corpo físico, que poderá ser o mesmo corpo ou adquirir

Imagem

Figura 1: Juízo final no tímpano do portal da Catedral de Saint Lazare, em Autun, França
Figura 1: Roda da Vida  Fonte: www.blogdoari.com
Figura 2: Os Cinco Dhyani Budas  Fonte: http://yoniversum.nl/guidemap.html
Figura 3: Funeral no céu  Fonte: http://ahduvido.com.br

Referências

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