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CAPÍTULO II: A MORTE E O MORRER NO BUDISMO TIBETANO

3.1 Chikhai Bardo: o bardo dos momentos da morte

Segundo a edição completa do Livro Tibetano dos Mortos (2010, p. 199), o primeiro bardo da morte chama-se Chikhai Bardo (Tib. ‘chi-kha’i bar-do) ou estado intermediário do momento da morte. Este estado começa efetivamente a partir do momento exato da morte, isto é, quando cessa de fato a respiração. A partir de então devem ser realizados os procedimentos (instruções) habituais por ocasião desse estado, sob a orientação do mestre espiritual do qual o morto recebeu os ensinamentos em vida. Cabe salientar que tais procedimentos começam ainda em vida, onde este devoto deve “cultivar a experiência das etapas da instrução” (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.197).

Quanto à expressão “instrução”, Coleman & Jinpa (2010) se reporta da seguinte forma:

Essa expressão se refere a todos os níveis de instrução recebidos durante o curso da vida do indivíduo, inclusive os baseados nos sutras e nos tantras. O cultivo da experiência da “grande vacuidade” (stong-pa chen-po), à qual o praticante de Mahayoga é conduzido no curso da prática diária leva à dissolução da consciência conceptual ordinária numa consciência pura não dual e não conceptual. Os sinais que acompanham a realização bem- sucedida desse processo de meditação são idênticos aos que ocorrem na hora da morte. A resultante familiaridade com o processo de dissolução da consciência permite que, no momento da morte, o praticante passe por um processo que lhe é habitual e, assim, entre sem confusão no esplendor interno não conceptual e repouse de modo estável em sua natureza (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.197).

Diante disso, Colemam & Jinpa (2010, p. 238) salienta a importância de cultivar a experiência da realidade durante a vida. No momento da morte é desencadeado um estado de perplexidade até naqueles que cultivaram uma prática de meditação em vida, de um modo geral, isso é um fato que afeta todas as pessoas.

A Grande Libertação pela Auscultação “que é o conjunto de meios hábeis que liberta os yogins76 de capacidade mediana durante os estados intermediários, contém três partes, que são: a introdução, o tema principal [do texto] e a conclusão” (cf.COLEMAN & JINPA, 2010, p.197). O tema principal é composto por três seções: a introdução ao esplendor interno durante o estado intermediário do momento da morte; a grande elucidação que introduz ao estado intermediário de realidade e ao

76 São aqueles que buscam a união com a natureza fundamental da realidade (cf. COLEMAN &

estado intermediário de renascimento. É um ensinamento que é considerado a essência de todos os outros ensinamentos,por ser uma instrução fundamental para a vida de qualquer devoto, para aqueles que se encontram moribundos e para aqueles que efetivamente são considerados mortos. Por tudo isso, deve ser muito amado e amplamente difundido (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.199, 239).

As instruções a serem seguidas, de acordo com uma ritualística pré- determinada, são complexas e longas, variando quanto ao estado em que a pessoa se encontre no momento, ou seja, se está em processo de morrer, se já está morta ou se morreu há alguns dias. O lama que realiza o ritual deve ser qualificado e estar motivado para libertar o moribundo de todos os sofrimentos da existência cíclica (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.192).

No caso de impossibilidade da presença desse mestre para a realização do método, aconselha-se a substituição por um irmão espiritual que tenha comungado das mesmas práticas de meditação. Mesmo que este também não possa estar presente, aconselha-se a presença de um amigo espiritual que tenha estudado e praticado na mesma linhagem. Ainda assim da impossibilidade deste, é permitido a presença de alguém que tenha uma boa dicção e uma pronúncia correta para fazer a leitura. Esta leitura deve ser feita em alta voz para que o moribundo recorde os ensinamentos recebidos. A intenção dessa leitura é fazer com que o moribundo/morto possa alcançar a libertação (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 200).

Para iniciar formalmente a Grande libertação pela auscultação, o lama começa tomando refúgio nas Três Joias Preciosas: o Buda, os ensinamentos sagrados (Dharma) e a comunidade espiritual ideal (Sangha). A tomada do refúgio pelo lama se realiza pela recitação dos versos (abaixo) repetidos três vezes e pela visualização da árvore do refúgio77 (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.192).

Tomo refúgio, desde agora até a iluminação,

No Buda, nos ensinamentos [sagrados] e na suprema assembleia. Que pelo mérito da prática da generosidade e das outras [perfeições], Eu possa atingir o estado búdico para o benefício de [todos] os seres viventes.

77 A árvore do refúgio é formada pelas três joias preciosas, onde seus ramos são adornados com

(cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.192).

Logo depois da recitação acima, outra recitação se faz necessária, são as quatro aspirações imensuráveis, que se baseiam no cultivo da benignidade, da compaixão, da alegria no bem do próximo e da equanimidade.

Que todos os seres sencientes sejam dotados de felicidade!

Que todos os seres sencientes sejam apartados do sofrimento e de suas causas!

Que todos os seres sencientes sejam abençoados com a beatitude, libertos do sofrimento!

Que todos os seres sencientes repousem em equanimidade, libertos da atração e da aversão!

(cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.192).

Após estas duas recitações, que são comuns a todas as tradições tibetanas, inicia-se uma série de outras, sempre mantendo a visualização (pelo lama) na árvore do refúgio. A sequência de preces e orações, a partir de agora, serão a seguinte: Inicia-se com a prática espiritual chamada libertação natural das tendências habituais78, onde a oração de dez ramos79 para acumulação de mérito é recitada. Após esta recitação, oferendas mentais devem ser feitas a todos os budas e boddhisattvas. Continuando a prática, deve ser feita as preces de aspiração80, bem como outras recitações contidas no cânone budista, a exemplo do sutra dos três montes, da recitação dos nomes dos mil budas deste éon81 chamado Coroa ornada

do éon auspicioso e dos mantras dados no Tantra da purificação de todos os destinos inferiores (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.193).

Nesse momento, é importante que o lama esteja com sua atenção voltada especialmente para o moribundo, pois ele precisa perceber o momento exato em que a consciência deixa o corpo. Há circunstâncias em que o lama precisa retardar

78 Esta prática visa fornecer meios ao praticante de cultivar um reconhecimento da natureza das

divindades pacíficas e furiosas, em sua própria mente e corpo (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 55- 82).

79 A oração dos dez ramos é assim composta: ramo da tomada de refúgio; da evocação; do pedir [às

divindades] que se assentem; do prestar homenagem; do fazer oferendas; da confissão de negatividade; do regozijo benevolente; do girar a roda dos ensinamentos [sagrados]; do rogar [aos budas] que não entrem no nirvana; e da dedicação [de mérito] ao inigualável Grande Veículo (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 55-57).

80 São elas: Prece de aspiração [que invoca] o auxílio dos budas e boddhisattvas; prece de aspiração

que resgata dos perigosos caminhos dos estados intermediários; e a prece de aspiração que protege do medo dos estados intermediários (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 267-275).

81 É um conceito do pensamento indiano e budista que se refere ao tempo cíclico (cf. COLEMAN &

um pouco a morte do moribundo, ou seja, mantê-lo vivo até este receber a instrução final. Isto se dá pela aplicação da respiração boca a boca de acordo com o ciclo de ensinamentos chamado Os oito preceitos transmitidos: Tradição oral do detentor de conhecimento, revelado pelo quinto Dalai Lama (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.193).

É no bardo da morte, que encontramos uma instrução oral chamada Transferência de consciência: libertação natural pela recordação, e dentro do processo de morte existe um tempo e um contexto adequado para sua aplicação. Coleman & Jinpa (2010, p. 174) diz que a transferência pode ser aplicada quando do “intervalo entre a cessação da respiração externa e a cessação da respiração interna, no momento em que corpo e alma se separam”. Assim eles a descrevem como:

[...] um método poderoso, um meio de obtenção do estado búdico que não [necessariamente] requer meditação. Esta instrução oral por meio da qual se pode obter o estado búdico no momento da morte é [portanto] maximamente preciosa para os que não praticaram o ciclo Vencendo a Resistência, ou [as meditações do] Corpo Ilusório, o Yoga Onírico e o Esplendor Interno e [por causa disso] não alcançaram a verdade dos quatro modos de libertação. Ela é especialmente [preciosa] para as pessoas comuns, autoridades, pais e mães de família e indivíduos distraídos que não tiveram tempo para meditar, a despeito de terem recebido aquelas [instruções]. Em resumo, [ela é preciosa para todos] aqueles que não se dedicaram ao cultivo experimental, mesmo que tenham recebido ensinamentos profundos, e que, [consequentemente] possam morrer num estado mental comum por terem deixado as instruções na forma de palavras [não compreendidas] e por terem dos ensinamentos [sagrados] somente um [mero] entendimento teórico (cf. COLEMAN & JINPA 2010, p. 175).

Eles ainda acrescentam que a prática da transferência de consciência possui dois aspectos importantes que se referem ao treinamento e a sua posterior aplicação. Por a morte ter hora incerta, o treinamento que a precede se dá com o intuito de fomentar um preparo adequado e antecipado, visando uma aplicação de transferência bem sucedida82 (cf. COLEMAN & JINPA 2010, p. 176).

Se referindo também à transferência (Hpho, em tib.) do princípio de consciência,Evans-Wentz (2013, p.60), salienta que aqueles de mente mais elevada

82 É aquela que após ter sido efetuada, surgem sinais visíveis no corpo, tais como sangue ou fluido

e que foram orientados pelos livros-guias83, certamente conseguirão libertar-se; os

que porventura não conseguirem, deverá praticar a transferência através do simples ato de relembrar, isto conduzirá a libertação automática. Os adeptos comuns poderão se libertar também pelo cumprimento do processo de relembrar, contudo, se não tiverem êxito, devem ficar atentos ao próximo bardo, o Chönyid (estado intermediário de realidade). Neste, devem deixar-se guiar pelas orientações de libertação pela audição.

Aliado ao Bardo Thödol, os Lamas utilizam um livro suplementar que trata minuciosamente dos sintomas da morte de maneira científica. Assim sendo, eles tratam de observar os sintomas da morte à medida que surgem gradualmente, pondo em prática a autolibertação. Quando os sintomas da morte84 se completam, eles devem aplicar a transferência através do simples relembrar. Se a transferência ocorrer automaticamente, não haverá a necessidade da leitura do Thödol, porém se for ao contrário, a leitura junto ao morto se torna indispensável para sua libertação. Quando não há um cadáver exposto, o leitor ocupa a cama ou cadeira do morto para prosseguir o ritual (cf. EVANS-WENTZ, 2013, p. 61).

No livro tibetano dos mortos, em sua edição completa, temos um capítulo inteiro dedicado ao conhecimento dos sinais e técnicas que indicam a proximidade e o momento da morte. Contudo, Coleman & Jinpa (2010, p. 134) salientam que estes sinais que predizem a morte, além de serem bastante peculiar e pessoal, denotam as influências incorporadas do folclore e da medicina tradicional tibetana. Também alertam para o reconhecimento desses sinais mais sutis somente por parte daqueles que são dedicados a uma constante prática meditativa.

Existe uma grande variedade de técnicas de transferência de consciência conforme Coleman & Jinpa (2010, p.179,181), dentre elas estão as técnicas

83 Segundo Evans-

Wentz (2013, p. 59), “são diversos tratados que oferecem orientação prática aos devotos do Caminho do Bhodi através do mundo humano e através do Bardo, estado do pós-morte e mais adiante no renascimento ou, senão, no Nirvána”.

84 De acordo com o Thödol, são três os principais sintomas da morte com as suas respectivas

conotações simbólicas: 1º. Uma sensação física de pressão (“a terra desaparecendo na água”); 2º. Uma sensação física de frio úmido, como se tivesse mergulhando o corpo numa água que gradualmente vai elevando a temperatura, tornando-o quente (“a água desaparecendo no fogo”); e 3º. Uma sensação como se o corpo explodisse em átomos (“o fogo desaparecendo no ar”) (cf. EVANS- WENTZ, 2013, p. 66).

derivadas das Seis Doutrinas de Naropa85, da Espiritualidade íntima de Longchenpa

e do ciclo de ensinamentos existente no próprio livro tibetano dos mortos. Também existem quatro modos de transferência efetiva da consciência, são eles: a transferência de consciência para o Corpo Búdico de Realidade (se realiza no estado intermediário do momento da morte); a transferência de consciência para o Corpo Búdico de Riqueza Perfeita (se realiza no estado intermediário de realidade); a transferência de consciência para o Corpo Búdico de Emanação (se realiza no estado intermediário de renascimento); e a transferência de consciência das pessoas comuns.

Todos estes métodos de transferência requerem uma postura singular por parte do moribundo, exigindo dele muita concentração sem distração dentro de uma ritualística específica para cada modo de transferência, especialmente os três primeiros. Cada ritual contêm instruções orais proferidas pelo mestre espiritual, onde cabe ao moribundo a devida atenção para por em prática os profundos ensinamentos recebidos em vida. Exige-se do moribundo uma postura corporal adequada a cada método de transferência, como por exemplo, dispor o corpo nas sete posições de Vairocana86 ou sentar-se com a coluna reta, como é o caso dos dois primeiros modos. Já o terceiro e quarto modo requer uma postura deitada sobre o lado direito do corpo, para facilitar assim a saída de energia vital pela narina esquerda (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 182-183,185).

Complementando os quatro modos acima citados, há também a transferência de consciência imediata, esta por sua vez se dá de maneira diferenciada das demais, sendo aplicada somente nos casos de morte súbita, onde não há tempo

85 É um conjunto de avançadas meditações tântricas que foram transmitidas a seu discípulo Marpa,

da escola/linhagem Kagyu.

86As sete características da postura de Vairochana são: 1. Pernas cruzadas na posição vajra, o que

nos ajuda a reduzir os pensamentos e os sentimentos de apego desejoso; 2. Mão direita apoiada sobre a esquerda, palmas para cima, com as pontas dos polegares um pouco levantadas, tocando-se ligeiramente. As mãos devem estar cerca de quatro dedos abaixo do umbigo, o que nos ajuda a desenvolver uma boa concentração. A mão direita simboliza o método e a esquerda, a sabedoria; as duas juntas simbolizam a união do método e da sabedoria. Os polegares na altura do umbigo simbolizam o arder do fogo interior; 3. Costas eretas, mas sem tensão. Isso ajuda-nos a desenvolver e manter a mente clara e permite a livre circulação dos ventos sutis internos de energia; 4. Lábios e dentes na posição normal, com a língua tocando a parte posterior dos dentes superiores. Isso impede salivação excessiva e previne o ressecamento da boca; 5. Cabeça um pouco inclinada para a frente, com o queixo ligeiramente abaixado, de tal modo que o olhar dirija-se para baixo. Isso ajuda a evitar o excitamento mental; 6. Olhos entreabertos, fitando a linha do nariz. Se ficarem muito abertos, desenvolveremos excitamento mental; se ficarem fechados, desenvolveremos afundamento mental; 7.Ombros emparelhados e cotovelos ligeiramente afastados do corpo, permitindo que o ar circule (cf.kadampa.org/pt/reference/postura-de-meditao).

hábil para entrar em meditação. Diante da insuficiência de tempo devido à iminência da morte, a pessoa deverá tentar pelo menos projetar o foco do pensamento para o topo da cabeça. Esse método de transferência de consciência também é conhecido como uma técnica muitíssimo profunda chamada transferência de consciência poderosa (cf.COLEMAN & JINPA, 2010, p.186-187).

Coleman & Jinpa (2010), diz que a transferência de consciência pode ocorrer através de nove caminhos diferentes, assim sendo, essas modalidades,

[...] são correlacionadas às pessoas de capacidade superior, mediana e inferior. A abertura do topo da cabeça é o caminho pelo qual a consciência parte para o [domínio] puro dos que percorrem os céus. Por isso [diz-se que] alcançaremos a libertação se a consciência sair pelo [topo da cabeça]. Uma vez que esse é o caminho supremo, é extremamente importante treinar para dirigir o foco mental para essa [abertura]. Além disso, se a consciência for transferida pelo caminho dos olhos, diz-se que renasceremos como um monarca universal; e, se for transferida pela narina esquerda, obteremos um corpo humano sem máculas. São estas as três aberturas excelentes, [associadas às pessoas de capacidade inferior]. Se, todavia, [a consciência for transferida] pela narina direita, renasceremos como um yaksa; se [for transferida] pelos ouvidos, renasceremos como um deus do reino da forma; se [for transferida] pelo umbigo, renasceremos como um deus do reino do desejo. Estas três são as três aberturas intermediárias, [associadas às pessoas de capacidade mediana]. Por fim, se a consciência [for transferida] pela uretra se obterá um renascimento como animal; [transferida] pela passagem sexual, se obtém um renascimento como espírito faminto; e, [se a consciência for transferida] pelo reto, se obtém um renascimento no inferno. Estas são as três aberturas inferiores, [associadas às pessoas de capacidade inferior] (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 187).

Quando a transferência de consciência não é suficiente para levar ao estado de libertação neste primeiro bardo, a recitação da Grande libertação pela auscultação é imprescindível no bardo subsequente, que é o estado intermediário de realidade. Mas se a transferência se completar, então não é necessária esta recitação (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p.198).

Compreendendo a primeira seção do tema principal da Grande libertação pela auscultação, está a introdução ao esplendor interno no estado intermediário do momento da morte. Nesta introdução encontramos o esplendor interno da raiz (esplendor interno mãe) e o esplendor interno do caminho (esplendor interno filho). Aqui neste estado, é dada aos seres a oportunidade de reconhecimento do

esplendor interno da raiz, alcançando o incriado Corpo Búdico de Realidade87 (cf.

COLEMAN & JINPA, 2010, p. 183, 200).

O momento adequado para se fazer a introdução ao esplendor interno da raiz é quando a energia vital e a consciência se unem no canal central e isso acontece assim que cessa a respiração externa ou grosseira. Nesse momento, há a perda de consciência. O tempo que a respiração interna ou sutil permanece no canal central dura em torno de vinte minutos88. Após esse curto intervalo de tempo, a energia começa a migrar para os canais da direita e da esquerda, fazendo surgir as manifestações características do estado intermediário de realidade. Portanto, o momento recomendado para realizar essa introdução é justamente quando a energia vital ainda está concentrada no canal central (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 200 - 202).

Antes que se cumpra tal introdução, se faz necessário que a transferência de consciência seja efetuada antes mesmo da cessação da respiração. Assim que ela estiver prestes a cessar, o lama deve proferir as seguintes palavras:

Ó filho (a) da Natureza de Buda,(aqui chamar a pessoa pelo nome) chegou a hora de buscares um caminho. Assim que cessar tua respiração, se manifestará [a luminosidade] conhecida como “esplendor interno do primeiro estado intermediário”89 à qual foste introduzido anteriormente pelo teu

mestre espiritual. [Assim que] cessar tua respiração, todos os fenômenos se tornarão vazios e despojados como o espaço. [Ao mesmo tempo], se manifestará uma pura consciência nua, não extrínseca [a ti], luminosa, vazia e desprovida de centro e de horizonte. É nesse exato momento que deves reconhecer pessoalmente essa natureza intrínseca e repousar no estado dessa [experiência]. Também eu a introduzirei a ti nessa mesma ocasião (cf.COLEMAN & JINPA, 2010, p. 201).

Antes que a respiração cesse, estas palavras devem ser proferidas repetidas vezes, de modo audível, visando deixá-las gravada na mente do moribundo. Nesse

87 Se for realizada a transferência de consciência para o corpo búdico de realidade, alguns sinais

evidenciarão essa efetivação, quais sejam: como sinal externo (o céu ficará limpo e sem nuvens); como sinal interno (o corpo irradiará um brilho que se manterá por um longo tempo); e como sinal secreto (aparecerão as sílabas AM branca e Hüm azul nas relíquias da cremação).

88 Tem-se o costume de medir esse tempo equivalendo ao tempo em que se leva para tomar uma

refeição.

89 Estes estados são: 1. O esplendor interno da raiz, 2. O esplendor interno do caminho e 3. O

esplendor interno das divindades pacíficas e furiosas no estado intermediário de realidade. O primeiro ocorre no momento da morte e os outros dois depois da morte e antes do renascimento (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 201).

momento deve colocá-lo numa posição deitada lateralmente sobre seu lado direito. Esta posição se chama postura do leão(trata-se da postura na qual o próprio Buda Shakhyamuni teria feito sua passagem). Em seguida deve ser tomada sua pulsação, e quando estas cessarem, as duas artérias carótidas devem ser firmemente comprimidas (cf.COLEMAN & JINPA, 2010, p. 201).

Esse procedimento visa encaminhar a saída de energia vital pela fontanela do topo da cabeça90. Essa etapa do processo de morte é conhecida como “esplendor interno da realidade durante o primeiro estado intermediário”. É a intenção iluminada do Corpo Búdico de Realidade que se manifesta a todos. Essa experiência do esplendor tem duração variável, pois dependerá de uma série de fatores que dizem respeito ao moribundo, a exemplo de sua saúde, constituição física e conhecimento sobre as práticas ligadas aos canais de energia e energia vital. De acordo com a maioria dos sutras e tantras, o período de inconsciência que se segue ao momento da morte dura aproximadamente três dias e meio (cf. COLEMAN & JINPA, 2010, p. 201).

Para estes procedimentos é costume utilizar algumas expressões ao se dirigir ao moribundo, tais como: o seu próprio nome ou “filho (a) de natureza búdica”; as expressões “mestre”, “venerável” e “sua senhoria” são designados aos moribundos que se devotam muito respeito; Já “senhor do refúgio” ou “grande lama” é dirigido aqueles aos quais o lama que está aplicando as instruções recebeu ensinamentos (cf.COLEMAN & JINPA, 2010, p. 193-194).

Dando prosseguimento à introdução (cf. p. 202-203), o lama deve recordar ao moribundo os sinais da morte contidos no texto chamado Libertação natural por meio do reconhecimento dos sinais e indicações visuais da morte. Em seguida, deve