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IMPOSTO DE RENDA SOBRE FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO PAGAS EM PECÚNICA
“Panorama geral de como o tema vem sendo abordado”
DANIELA MARCELLINO DOS SANTOS1
Ab initio, se faz mister ressaltar que a
Constituição Federal, em seu artigo 153, III, estabelece que à União compete instituir
impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR).
O Código Tributário Nacional, como norma
geral, por sua vez, define o fato gerador do referido imposto como sendo a aquisição da
disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos; senão, vejamos:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. (Grifo nosso).
Observe-se que a expressão “renda ou
proventos”, está definida como algo que importe acréscimo patrimonial, devendo,
portanto, o legislador ordinário ficar restrito a esse conceito ao criar referido tributo.
Sobre a matéria Sacha Calmon Navarro
Coelho assevera:
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“É o acréscimo patrimonial, em seu dinamismo acrescentador de mais patrimônio, que constitui a substância tributável pelo imposto2.” (Grifo nosso).
Embora se possa considerar ser este um
conceito bastante impreciso, alguns fatos seguramente podem ser nele incluídos desde
logo; outros, entretanto, deixam certa margem de dúvida quanto à sua inclusão.
Assim, no intuito de elucidar a questão, a
legislação do imposto de renda, consolidada pelo Decreto nº 3000/99, à título
exemplificativo, enumera os rendimentos provenientes do trabalho assalariado e
assemelhados passíveis de tributação, e insere, entre eles, as férias e licença-prêmio
convertidas em pecúnia:
Veja-se o que dispõe o seu art. 43:
Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como:
(...)
II – férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos;
III – licença especial ou licença-prêmio, inclusive quando convertida em pecúnia; (Grifo nosso).
Face à vigência da citada disposição,
portanto, seria possível afirmar ser inequívoca, em princípio, a incidência do imposto de
renda sobre as férias e licença-prêmio convertidas em pecúnia.
No entanto, por ser de legalidade duvidosa à
luz do conceito de “renda e proventos” adotado pela norma geral, referida cobrança já foi
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objeto de várias discussões judiciais, que, inclusive, resultaram na edição das Súmulas nº
s125 e 136 do Superior Tribunal de Justiça:
Eis os enunciados das Súmulas:
Súmula 125 – O pagamento de férias não
gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do imposto de renda. (Grifo nosso).
Súmula 136 – O pagamento de licença-prêmio
não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda. (Grifo nosso).
De se notar, destarte, que essa Corte
consolidou o entendimento de que férias e licença-prêmio pagas em pecúnia por
necessidade do serviço não estão sujeitas à incidência do imposto de renda.
O fundamento está na tese de que os valores
percebidos a esse título não ensejam acréscimo patrimonial dado que possuem natureza
indenizatória. Oportuna as razões consubstanciadas no REsp nº 39726
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Tributário. Imposto de renda. Licença-prêmio indenizada.
I – Não incide o imposto de renda sobre o pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade de serviço, em razão do seu caráter indenizatório.
(...)
As 1ª e 2ª Turmas, especializadas em Direito Público, vêm, reiteradamente, repelindo a incidência do imposto de renda sobre o pagamento de férias não gozadas por necessidade de
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serviço, em razão do seu caráter indenizatório (REsps nº 32.770-6-SP; 34.988-0-SP; 35.770-6-SP; 36.088-9-SP).
A mesma orientação tem aplicação no tocante ao pagamento de licença prêmio não gozada por necessidade de serviço. Com efeito, como bem assinalado no acórdão recorrido, o valor recebido pelo servidor, em tal caso, apresenta caráter indenizatório, pois visa a recomposição do seu patrimônio, não significando, pois, acréscimo patrimonial. (Grifo nosso).
Não obstante, a Receita Federal até pouco
tempo, por força do art. 43 do Decreto nº 3000/99, continuou a exigir o imposto nas
mencionadas situações; porém, hoje, está impedida de exigí-lo, haja vista o disposto no
art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e Atos Declaratórios PGFN nºs 4/02,
8/02, 1/05, 5/06 e 6/06.
Estabelece o citado artigo, em especial o seu
§ 4º, que a Secretaria da Receita Federal não pode constituir os créditos tributários
relativos a matérias que, em virtude de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal
Federal, ou do Superior Tribunal de Justiça, sejam objeto de ato declaratório do
Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro da Fazenda, nos termos
que se seguem:
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
(...)
II - matérias que, em virtude de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, ou do Superior Tribunal de Justiça, sejam objeto de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda.
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§ 4o A Secretaria da Receita Federal não constituirá os créditos tributários relativos às matérias de que trata o inciso II do caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
§ 5o Na hipótese de créditos tributários já constituídos, a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso. (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004). (Grifo nosso).
O Procurador-Geral da Fazenda Nacional,
diante disso, com base na posição fincada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmulas
125 e 136), editou os Atos Declaratórios a que nos referimos, e os submeteu à aprovação
do Ministro da Fazenda, nos exatos termos da Lei, especificando as seguintes hipóteses:
(a) pagamento in pecúnia de férias (Ato
Declaratório nº 4/02) e licença-prêmio (Ato Declaratório nº 8/02) não gozadas - por
necessidade do serviço - por servidor público ou trabalhadores em geral (Ato
Declaratório nº 1/05); e
(b) férias proporcionais convertidas em
pecúnia (Ato Declaratório nº 5/06) e abono pecuniário de férias de que trata o art. 143
da Consolidação das Leis do Trabalho (Ato Declaratório nº 6/06).
Por essa razão, portanto, dissemos que,
atualmente, a Receita Federal não pode exigir o imposto de renda sobre férias
(proporcionais ou integrais) e licença-prêmio convertidas em pecúnia por necessidade
de serviço e, à evidência, as respectivas retenções na fonte.
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A própria Receita Federal, meses depois,
editou outro Ato Declaratório Interpretativo acerca da matéria, o de nº 14/05, para
esclarecer que o Ato anterior (o de nº 5/05) tratou apenas dos casos em que as férias e
licença-prêmio são pagas em pecúnia por ocasião da aposentadoria, rescisão de
contrato de trabalho ou exoneração.
Parece, de conseguinte, que o imposto não
será exigido pelo órgão arrecadador somente se verificada quaisquer dessas hipóteses,
apesar de os referidos Atos da Procuradoria, e demais manifestações que lhe deram
suporte, não terem feito tamanha restrição.
A confirmar nossa assertiva, citem-se as
seguintes soluções de consulta dessa Secretaria:
Solução de Consulta nº 371, de 15 de setembro de 2005
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
EMENTA: VERBAS TRABALHISTAS RESCISÓRIAS. NÃO-INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO PAGAS POR NECESSIDADE DE SERVIÇO. Quando do pagamento das verbas trabalhistas rescisórias, ou quando da aposentadoria do empregado por tempo de serviço, não entram, no cômputo dos valores tributáveis, para fins de apuração da base de cálculo do imposto de renda, as férias e licença-prêmio pagas, não-gozadas por absoluta necessidade de serviço. Em se tratando de verbas pagas, sob essa mesma intitulação, ao empregado ainda em atividade, incide o imposto de renda na fonte. (Grifo nosso).
Solução de Consulta nº 72, de 8 de fevereiro de 2006
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
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ou a servidores públicos, a título de férias integrais e de licença-prêmio não gozadas, por necessidade do serviço, quando da aposentadoria, rescisão de contrato de trabalho ou exoneração. (Grifo nosso).
Solução de Consulta nº 317, de 22 de dezembro de 2006
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
EMENTA: CONVERSÃO EM PECÚNIA: LICENÇA-PRÊMIO, FÉRIAS INTEGRAIS OU PROPORCIONAIS NÃO GOZADAS POR NECESSIDADE DE SERVIÇO QUANDO DA APOSENTADORIA, RESCISÃO DE CONTRATO DE TRABALHO OU EXONERAÇÃO – UM TERÇO DO PERÍODO DE FÉRIAS. A Secretaria da Receita Federal está impedida de constituir crédito tributário relativo aos valores de conversão em pecúnia da licença-prêmio, das férias integrais ou proporcionais não gozadas por necessidade de serviço, pagos quando da aposentadoria, exoneração ou rescisão de contrato de trabalho, bem como, sobre o valor do abono pecuniário de um terço de período de férias.
Solução de Consulta nº 148, de 17 de agosto de 2007
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
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Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte. (Grifo nosso).
Solução de Consulta nº 44, de 11 de setembro de 2007
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
EMENTA: FÉRIAS INDENIZADAS E ABONO PECUNIÁRIO – RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. São tributáveis os rendimentos provenientes de férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos. Observe-se, no entanto, que a Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituirá os créditos tributários nas hipóteses de pagamento de valores a título de férias integrais ou proporcionais e de licença-prêmio não gozadas por necessidade de serviço, o que inclui o terço constitucional quando pago a esse título, quando da aposentadoria, rescisão de contrato de trabalho ou exoneração, previstas nas Súmulas 125 e 136 do Superior Tribunal de Justiça, a trabalhadores em geral ou a servidores públicos. (Grifo nosso).
É manifesta, portanto, a divergência entre a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Secretaria da Receita Federal, e pior, entre
esta e o próprio Ministério da Fazenda, ao qual se subordina, posto que os Atos do Órgão
da Procuradoria foram aprovados, como dito, pelo Ministro desta pasta.
A restrição imposta pela Secretaria da
Receita Federal, como conseqüência, também diverge da posição fincada pelo Superior
Tribunal de Justiça, no qual se baseou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e, em
última análise, implica descumprimento do disposto no art. 19 da Lei nº 10.522/02, em
especial dos seus §§ 4º e 5º.
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sido gozadas por necessidade do serviço ou por opção do próprio servidor, sendo que
as Súmulas já citadas, bem como os Atos da Procuradoria, restringem-se à primeira
hipótese.
Para comprovar, transcrevemos as seguintes
ementas :
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RESCISÃO DE CONTRATO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DE DISPENSA IMOTIVADA. INCIDÊNCIA. FÉRIAS VENCIDAS.
NÃO-INCIDÊNCIA. LICENÇA PRÊMIO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS NS. 282 E
356/STF4.
1. As verbas auferidas por ocasião de rescisão de contrato de trabalho a título de "indenização especial" (gratificações, gratificações por liberalidade e por tempo de serviço),
in casu, nominadas de "indenização espontânea", são passíveis de
incidência de imposto de renda.
2. Pecúnia percebida a título de férias vencidas – simples ou proporcionais –, abono-assiduidade e licença-prêmio não gozadas por necessidade de serviço ou mesmo por opção do servidor não é fato gerador de imposto de renda, tendo em vista o caráter indenizatório do aludido valor.
3. Não se conhece de recurso especial na hipótese em que a matéria nele versada não tenha sido enfrentada pelo Tribunal a quo.
Aplicação das Súmulas ns. 282 e 356 do STF. 4. Recurso conhecido em parte e provido parcialmente. (Grifo nosso).
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA “C”. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ.
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ALÍNEA “A”. NÃO-INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE AS VERBAS INDENIZATÓRIAS – LICENÇA-PRÊMIO, APIP E ABONO PECUNIÁRIO DE FÉRIAS – SÚMULAS 125 E 136/STJ.5
1. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrido.” (Súmula 83/STJ).
2. As verbas recebidas pelas licenças-prêmio convertidas em pecúnia, independentemente de não terem sido gozadas por necessidade de serviço ou por opção do próprio servidor, não constituem acréscimo patrimonial, possuindo natureza indenizatória, razão pela qual não podem ser objeto de incidência do Imposto de Renda (Súmula 136/STJ).
3. Os valores pagos ao empregado a título de ausências permitidas para interesse particular – APIP e abono pecuniário de férias não constituem acréscimo patrimonial, possuindo natureza indenizatória, razão pela qual não podem ser objeto de incidência do Imposto de Renda. Precedentes.
4. Recurso especial a que se conhece parcialmente e, nessa extensão, nega-se provimento. (Grifo nosso).
Posto isso, conclui-se:
a) É pacífica a posição do Superior Tribunal
de Justiça quanto à não-incidência do imposto de renda sobre as férias(integrais ou
proporcionais) e licença-prêmio convertidas em pecúnia por necessidade de serviço,
conforme Súmulas nº
s125 e 136.
Convém lembrar que à referida Corte
compete o julgamento em última instância por ser essa questão de índole exclusivamente
infraconstitucional, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no RE nº
229461/SP.
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