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Intervenção do serviço social junto ao CEAV do município de Florianópolis/SC na prevenção da reprodução da violência dos adolescentes no contexto escolar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARA REGINA LEMOS DA SILVA FELDMANN

INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV

DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Palhoça 2010

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INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV

DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de graduada.

Orientadora: Ivana Marcomim

Palhoça 2010

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INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV DO MUNICIPIO DE FLORIANOPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLENCIA DOS

ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social, aprovado em sua forma final pelo curso de Serviço Social da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça (SC), 25 de novembro de 2010.

__________________________________________ Profª e Orientadora Ivana Marcomim

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________ Profª Vera Nìcia Fortkamp de Araújo, Msc

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________ Kelly Aparecida dos Santos

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Quero fazer um agradecimento especial à minha professora, orientadora e amiga ou companheira Ivana Marcomim, pois esteve ao longo da minha caminhada dissertativa com muito comprometimento e atenção.

À Professora Vera Nìcia Fortkamp por aceitar o convite para fazer parte da minha Banca, de forma muito prestativa e com carinho contagiante, obrigada pelo carinho.

À Karolina de Souza, por ser minha orientadora de estágio, sempre muito comprometida e dedicada.

À Kelly Aparecida dos Santos, pelo carinho e apoio, aceitando o convite de participar da minha Banca.

Agradeço à Direção, Equipe Pedagógica e aos alunos da Escola de Educação Básica Ildefonso Linhares, pelo apoio ao projeto e pela contribuição para o desenvolvimento.

À minha Família, pelos momentos em que estive ausente por conta dos estudos, obrigado por fazerem parte da minha vida e da minha trajetória.

Aos colegas do curso do Serviço Social.

A todos os professores, por dividirem seus conhecimentos e por contribuírem para a minha formação, obrigada pelo carinho.

À Gabriela Jacinto, por estar sempre ao meu lado, por me fazer acreditar no meu potencial e prosseguir nos caminhos do conhecimento, obrigada

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É Tempo... É tempo... Sentir o rugir do vento Sentir a brisa tocar Deixar a ironia de lado Deixar o pensamento voar

É tempo... De ver a flor florescer De ver o mundo mudar De ver o homem crescer É tempo de acreditar É tempo... De amarmos de mãos dadas

De cantar a mesma canção Andarmos pela mesma estrada Construindo um mundo irmão

É tempo... De plantar a semente De colher a esperança É tempo de paz na terra De respeito às crianças É tempo... Tempo de paz... Tempo de igualdade Tempo de Luz Tempo de fraternidade É tempo... É tempo... Simone de Jesus

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O presente trabalho resulta da experiência de estágio curricular em Serviço Social, sendo seu objetivo analisar a contribuição desta profissão junto ao Centro de Atendimento à Vítima de Crime (CEAV) do município de Florianópolis (SC), nas estratégias de prevenção à reprodução da violência dos adolescentes no contexto escolar. O problema investigativo que o origina volta-se a compreender como se processa tal contribuição. Reflete a questão da violência, considerando-se sua representação e tipologia, bem como a caracterização da adolescência e as atribuições das famílias, da escola e sociedade na constituição de relações sociais reprodutoras ou inibidoras do contexto da violência. Apresentam-se as previsões jurídicas instituídas a partir da Constituição Federal (1988), do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e do Sistema Único da Assistência Social, para prevenir e gerenciar tal expressão da questão social. Pontua-se a atuação do CEAV, refletindo-se sobre a especificidade dos domínios do Serviço Social para a prevenção à reprodução deste fenômeno, tendo por base os resultados obtidos com as ações sócio-educativas realizadas na Escola Estadual Ildefonso Linhares. A capacidade contributiva do serviço social ao processo de sensibilização e ampliação do saber é evidenciada no contexto final do estudo.

Palavras-chave: Adolescente. Violência. Prevenção. Direitos da criança/adolescente. Serviço Social.

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Fotografia 1 – Fachada da Escola Educação Básica Ildefonso Linhares Fotografia 2 – Corredor da Escola.

Fotografia 3 – Local onde os alunos fazem as refeições.

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ASSIM – Associação Instituto Movimento

CAV em Alagoas – Centro de atendimento a vitima de Alagoas CCEA – Centro Cultural Escrava Anastácia

CEAV – Centro de Atendimento à Vítima de Crime CEAV GO – CEAV Goiás

CEAV PB – CEAV Paraíba CEAV PE – CEAV Pernambuco CEAVE ES – CEAV Espírito Santo CF – Constituição Federal

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

COAV RJ – Centro de Orientação e atendimento a vitima do Rio de Janeiro

CPPDH/SERTE – Centro de Promoção, Proteção e Defesa de Direitos Humanos da SERTE

CRAV SP – Centro de Reabilitação a Vitima de São Paulo CRM – Centro de Referência à Mulher

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EMA – Escritório Modelo de Advocacia

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor IPC – Incubadora Popular de Cooperativas

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

NAV Pará – Núcleo de Atendimento a vitima do Pará

NAVCV – Núcleo de atendimento a Vitima de crime e violência OMS – Organização Mundial de Saúde

ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas

PNABEM – Política Nacional do Bem Estar do Menor PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

RAIVVS – Rede de Atenção Integral às Vitimas de Violência Sexual SERTE – Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 O PROCESSO DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE CIDADANIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: DO CÓDIGO DE MENORES AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE... 12

2.1 A QUESTÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA: ASPECTOS DESCRITOS ... 12

2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A CONSOLIDAÇÃO DE POLÍTICAS DE DIREITOS A ESTE SEGMENTO: UM FORTE ALIADO ÀS ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA. ... 21

2.3 AS ESPECIFICIDADES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA: COMPREENDENDO AS EXIGÊNCIAS DESTA FASE EVOLUTIVA E SUA SUJEIÇÃO À VIOLÊNCIA ... 29

3 A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO INFANTO-JUVENIL: UM DESAFIO SOCIETÁRIO ... 41

3.1 ASPECTOS CONCEITUAIS E DESCRITIVOS ACERCA DA VIOLÊNCIA E O PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA NO CONTEXTO DE SUA PREVENÇÃO E CONTROLE ... 41

3.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PERSPECTIVA DE NÃO-VIOLÊNCIA NO MEIO SOCIAL: DESAFIOS AO PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV ... 52

3.3 SENSIBILIZAÇÃO DE DOCENTES E DISCENTES COMO ESTRATÉGIA À PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR: POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS À PRÁTICA PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL... 57

CONCLUSÃO ... 63

REFERÊNCIAS ... 66

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Na tentativa de compreender e adentrar na esfera que trabalha com questões que envolvem violência e sua prevenção, optamos por desenvolver a experiência de estágio curricular em serviço social no Centro de Atendimento à Vítima de Crime (CEAV). Neste contexto, podemos identificar o quanto a violência tem se apresentado como fenômeno complexo, mas cotidiano à grande parte dos grupos familiares ou de convívio. Diferentes tipos de violência apresentam-se nos noticiários e a tendência a sua aceitação, como expressão rotineira das relações, tem limitado o seu processo de enfrentamento.

Ao longo da história, a violência e seus diferentes tipos de manifestação fazem parte do convívio humano e societário. Todavia, na medida em que há evolução do reconhecimento dos direitos humanos e que se consolidam legislações específicas para defesa de tais direitos, passa-se a exigir novas relações de convívio que sejam capazes de manter a dignidade, a autonomia e a cidadania dos sujeitos.

A Constituição Federal de 19881 prescreve, como principio da igualdade, em seu artigo 5º caput que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).

Neste contexto, há que se considerar as especificidades dos sujeitos e suas diferentes demandas como as que são próprias da adolescência. Nessa fase, o processo de desenvolvimento e convívio são determinantes do sujeito do futuro. Neste processo, família e escola exercem intransferível papel.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990) indica, em seu art. 4º, que:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

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Ou seja, a proteção aos direitos da criança e adolescente não é centralizado em uma só pessoa ou instituição, mas sim de todos aqueles elencados pelo ECA, em que se deve tratar com prioridade.

Quanto à escola, o Estatuto prevê que:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes;

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Assim, diante do artigo do ECA citado acima, as ações preventivas que sejam capazes de coibir a reprodução da violência no contexto dos adolescentes pode caracterizar uma iniciativa representativa no âmbito da consolidação dos direitos dos adolescentes e suas famílias.

O serviço social pode inserir-se como agente estratégico no processo de mediação de iniciativas que configurem uma nova forma de compreender as relações humanas e sociais, que sejam capazes de identificar e compreender a violência em suas múltiplas formas e manifestações, considerando suas condições de reordenamento.

Tais aspectos expressam algumas reflexões produzidas ao longo do estágio curricular em serviço social, das quais se originam o presente trabalho monográfico. Este tem, como problema central de estudo, compreender como o Serviço Social contribui junto ao CEAV do município de Florianópolis, na prevenção da reprodução da violência junto aos adolescentes, considerando o contexto escolar onde se inserem. Seu objetivo central é analisar como se desenvolveu tal prática. Sendo seus objetivos específicos: demonstrar a atuação do CEAV junto ao fenômeno da violência; refletir sobre o papel da escola, da sociedade e da família na prevenção e na reprodução da violência; evidenciar o significado, a tipologia e os efeitos da violência sobre a vida humana; refletir sobre a atuação do Serviço Social, a partir da prática profissional, na prevenção da reprodução da violência na Escola de Educação Básica Ildefonso Linhares.

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Para cumprimento destes objetivos, desenvolve-se a discussão em quatro capítulos. Assim, o primeiro capítulo é destinado à presente introdução. O segundo capítulo volta-se a compreender o desenvolvimento histórico da questão da adolescência a partir do Código de Menores, que deu um tratamento punitivo e repressivo aos adolescentes. Analisaremos, também, o Estatuto da Criança e do Adolescente e sua forma de proteção.

O terceiro capítulo faz uma abordagem aos variados tipos de violência, suas consequências e suas possíveis prevenções. Com destaque ao fenômeno do bullyng, que será analisado ao longo do trabalho a partir da prática interventiva na escola junto aos adolescentes e educadores. Visa ainda demonstrar a realidade a partir do campo de estágio. Ainda, apontaremos perspectivas e formas de prevenção dentro deste contexto, levantando reflexões para amenizarmos os índices de violência, principalmente nas escolas, que é o foco deste trabalho.

O quarto capítulo configura-se como a conclusão do trabalho.

Pretende-se que as reflexões aqui produzidas contribuam para que se possa evidenciar a significação e importância de se investir em estratégias diferenciadas de prevenção a redução da violência, especialmente se considerarmos o cenário atual e, por outro lado, a capacidade contributiva e não devidamente explorada do serviço social no âmbito escolar para mediação de direitos e deveres.

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CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

2.1 A QUESTÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA: ASPECTOS DESCRITOS

A infância foi reconhecida como sendo algo diferente do mundo dos adultos somente no final do século XIV, embora só no século XV a sua evolução começou a ser percebida pela história da arte e pela iconografia. Até esse período, a criança era vista como um adulto miniaturizado, que usava as mesmas roupas do adulto e participava ao seu lado dos mesmos jogos e brincadeiras.

As representações de crianças até o final do século XIII são bem distantes da realidade infantil. A criança era representada como um homem, em tamanho menor, com músculos e sem nenhuma expressão particular [...] a infância era apenas considerada uma etapa para vida adulta, logo superada. [...] só no final desse século surgiu na iconografia uma representação mais realista da criança, como é o caso das pinturas em que aparecem anjos, o menino Jesus e a criança nua. (SANTA CATARINA, 1999, p. 9-10).

Nos séculos XV e XVI a criança passou a ser representada nas obras de arte, sempre acompanhada por sua família ou por seus amigos de brincadeira, participando de festas e na escola. No entanto, ainda não se acreditava que a criança possuísse uma personalidade. Logo, elas morriam aos montes sem que nada fosse feito para evitar. (SANTA CATARINA, 1999).

Somente a partir do século XVII é que se começou atribuir à criança uma alma, uma personalidade. Nessa época, os trajes infantis deixaram de ser cópia das roupas adultas, tornando-se mais folgados e confortáveis para os pequenos. Todavia, a vida social das crianças continuava a ser igual a dos adultos, de modo que elas participavam, ativamente, de jogos de cartas e jogos de rifa (IDEM, 1999).

A noção de sexualidade infantil era totalmente desconsiderada até o século XVI, vindo a mudar somente com a reforma moral e religiosa do final século XVII.

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Até o final do século XVI havia uma prática familiar de associar a criança a brincadeiras sexuais dos adultos. Acreditava-se que a criança fosse alheia e indiferente à sexualidade e que, portanto, os gostos e as alusões não tinham consequência sobre ela (SANTA CATARINA, 1999, p. 12).

No que diz respeito ao sentimento de família, observa-se que esse “brotou” somente no século XVIII, quando a instituição passou a ser considerada responsável pela formação dos corpos e das almas de seus filhos.

Os pais não deveriam só colocar o filho no mundo, mas prepará-los para a vida e enviá-los à escola. Este cuidado especial com as crianças favoreceu o aparecimento de sentimentos novos dentro da família, uma afetividade exacerbada. (SANTA CATARINA, 1999, p.13).

Já no século XX, na esfera internacional, se deu o reconhecimento da necessidade de prestar proteção especial às crianças e aos adolescentes. Assim, as bases do ordenamento jurídico internacional sobre o respeito aos direitos das crianças fundaram-se na Convenção de Genebra, em 1924, que determinou a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial.

Segundo Schmikler (s/ano), em 1946, na primeira sessão da Assembleia das Nações Unidas foi criado o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), reconhecendo que a criança não estava devidamente protegida pelos trabalhos de assistência no período pós-guerra.

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), vem celebrando uma série de convenções internacionais. Estabelecem estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle, que garantam a não violação e o exercício, pelo cidadão, de um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados direitos humanos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

Em 1952, em Viena, ocorreu uma reunião internacional que tratou sobre o bem-estar infantil, sendo a data de 01 de junho proclamada o Dia Internacional da Criança. Nessa reunião, o objetivo inicial da UNICEF foi ampliado, abarcando o apoio à sobrevivência e ao desenvolvimento da criança. (SCHMIKLER, s/ano).

Buscando a concretização dos direitos fundamentais do homem, observou-se a necessidade de medidas específicas dirigidas a segmentos mais vulneráveis às violações de seus direitos para a garantia da igualdade concebida. Desse modo, seguindo a mesma filosofia da Declaração Universal dos Direitos do

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Homem, foi criada, em 1952, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, passando a criança a ser reconhecida como sujeito no direito internacional. De acordo com Schmikler (s/ano), essa Declaração é uma referência ética e política para o cuidado da educação e do bem-estar da criança no mundo.

Em 1989 foi aprovada a Convenção dos Direitos da Criança, que em 14 de setembro de1990, pelo Decreto-lei nº 28, foi aprovada e em novembro do mesmo ano ratificada pelo Brasil. Esse documento internacional é constituído tecnicamente de princípios e não de obrigações para os Estados signatários e estabelece que os Estados implementem políticas que considerem as peculiaridades das crianças e adolescentes, as vulnerabilidades desses sujeitos de direito no contexto social, com vistas à redução da desigualdade e a promoção de uma vida digna. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

Nessa ótica, Schmikler (s/ano) afirma que o texto concentra os seguintes princípios: proteção especial para o desenvolvimento físico, mental e espiritual da criança; direito ao nome e à nacionalidade; direito à alimentação, moradia e assistência médica, adequadas à criança e à mãe; direito à educação e a cuidados especiais para a criança, física ou mentalmente deficiente; direito à convivência em ambiente de afeto e segurança material e espiritual; direito à educação gratuita e ao lazer; direito à prioridade de socorro e proteção; direito à proteção contra o abandono e a exploração no trabalho; direito à proteção contra atos de discriminação de qualquer natureza.

Em 1989, a Convenção Sobre os Direitos da Criança recomendou que a infância deveria ser considerada prioridade imediata e absoluta, necessitando de consideração especial, devendo sua proteção sobrepor-se às medidas de ajustes econômicos, sendo universalmente salvaguardados seus direitos fundamentais. (PEREIRA, 1999).

Além disso, segundo Pereira (1999), essa Convenção marcou o reconhecimento pelas Nações Unidas da criança e do adolescente como sujeitos sociais, portadores de direitos e garantias próprias, independentes de seus pais ou familiares e do próprio Estado. Essa foi a grande mudança de paradigma que estabeleceu obrigações diferenciadas para o Estado, para as famílias e para a sociedade em geral.

Essa Convenção enfatizou a importância de se respeitar os direitos inerentes a todas as crianças e adolescentes de possuírem características

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específicas devido à peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento em que se encontram, de modo que as políticas básicas voltadas para a juventude devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado. (SILVA, 1996).

Vale dizer que o conteúdo desses documentos está inteiramente incorporado aos textos da Constituição Federal (1988) e das leis, mormente o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que esses consagram a chamada doutrina ou teoria da proteção integral, estabelecendo, também, que essa proteção (integral) à criança e ao adolescente deve ser levada a efeito com absoluta prioridade.

Assim, no que diz respeito à promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma legislação bem construída nesta área. Entretanto, certas falhas existiram no passado, havendo uma evolução legislativa gradual através das diversas Constituições que se sucederam. (SILVA, 1996).

De acordo com Tavares (2000), no período do Brasil colônia, a criança e o adolescente serviam de mão de obra para o dono da propriedade onde moravam (senhores de engenho). Logo, eram vistos como uma oportunidade de lucro, um bom negócio.

Constatou-se que o Brasil - colônia e o Império foram os pioneiros em recolher crianças e adolescentes carentes e órfãs e, como justificativas para o recolhimento, tinham a caridade, o interesse público e o mais comum: a utilidade senhorial. (TAVARES, 2000, p. 53).

Corroborando com essa visão, a Carta Régia de 1693 dispôs que o Governador da Capitania do Rio de Janeiro haveria de recolher crianças e adolescentes desamparados e direcioná-los para a Câmara e para os bens do Conselho, onde eram abrigados e recebiam o tratamento adequado. Cumpre ressaltar que nesta Instituição o índice de mortalidade chegava a 90%, de 12 (doze) mil crianças internadas, apenas mil sobreviviam. (TAVARES, 2000).

Segundo Veronese (2006), em 1823, na Constituição do Império, José Bonifácio apresentou um projeto para proteção da criança e do adolescente carente. No entanto, ele não estava interessado no bem-estar ou na proteção infantil, mas sim em garantir a mão de obra escrava, o trabalho gratuito da criança negra. Porém,

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esse trabalho foi desconsiderado por D. Pedro I, ao sancionar a primeira Carta Política no ano de 1824.

Em 28 de fevereiro de 1871 surgiu a Lei nº 2.040, denominada a Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco, que foi promulgada pela Princesa Isabel. Essa lei pretendia acabar gradativamente com a escravidão infantil, pois conferia liberdade às crianças nascidas de mães escravas. (VERONESE, 2006).

A Lei do Ventre Livre concedia que:

[...] o filho da escrava deveria permanecer sob a autoridade de sua mãe e do proprietário de escravos, que, juntos, deveriam educá-lo até a idade de oito anos. Depois dessa idade, o proprietário da mãe escrava teria duas opções: poderia receber do Estado uma indenização de 600 mil réis pagos em títulos do Estado, com juros de até 6%, no prazo de trinta anos, ou utilizar-se dos serviços da criança, até que essa completasse vinte e um anos. Quase sempre, o senhor preferia ficar com a criança negra, porque a Lei não estabelecia qualquer controle sobre o número de horas de trabalho, sobre o regime sanitário ou sobre a alimentação que deveriam receber esses escravos livres. (LIBERATI, 2002, p. 27).

Cabe lembra que, nessa época, a criança carente era encarada como um elemento passível de receber caridade, não havendo uma preocupação específica com ela, como ser humano. (VERONESE, 2006).

Com o advento da República, as transformações sociais, políticas e econômicas também se refletiram sobre a prestação de assistência. Portanto, o problema da criança e do adolescente carente exigia providências oficiais por parte dos organismos governamentais.

A mentalidade repressora começa a dar espaço para uma concepção de reeducação, de tratamento na assistência ao menor. Verifica-se o surgimento de um novo modelo de assistência à infância, fundada não mais somente nas palavras da fé, mas também da ciência, basicamente médica, jurídica e pedagógica. A assistência caritativa, religiosa, começa a ceder espaço a um modelo de assistência calcado na racionalidade científica onde o método, a sistematização e a disciplina têm prioridade sobre a piedade e o amor cristãos. (VERONESE, 2006, p.22-23).

Destaca-se, desse modo que o histórico brasileiro das legislações, das políticas e das instituições para a infância e adolescência aponta a existência de uma divisão conceitual que se consolidou entre duas categorias: a criança e o adolescente desamparado e o menor infrator. Nesse sentido, a primeira era alvo de políticas de assistência social, educação e saúde, enquanto que para a segunda as políticas eram repressivas e reeducativas.

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Conforme Rizzini (1995, p. 18), “as políticas de proteção e de repressão, de caráter mais terapêutico, tinham como alvo o menor, e as de prevenção ao abandono e ao delito, tiveram como alvo as famílias desagregadas ou em risco”.

Com a necessidade de evitar a delinquência da criança e do adolescente, em 20 de dezembro de 1923 surgiu o Decreto de nº 16.272, criando um Juizado Privativo de Menores. Todavia, este Juizado somente foi implementado no ano de 1924, no Rio de Janeiro, pelo Juiz José Cândido Albuquerque MelIo Mattos (CAVALLIERI, 1978).

MelIo Mattos foi o primeiro juiz de menores da América Latina,[...]. Seu espírito humanístico levou-o a tentar preencher as lacunas existentes nos anos vinte, na área do amparo às crianças. [...] O primeiro juiz menorista, de tal modo se dedicou ao amparo direto que ganhou o apodo carinhoso de “Mellinho das crianças. MelIo Mattos instituiu vários estabelecimentos de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente. (CAVALLIERI, 1978, p.14).

Em 1926, o Poder Executivo consolidou as leis sobre as crianças e adolescentes em forma de código, mas esse somente entrou em vigor em 12 de outubro de 1927, por meio do Decreto nº 17.943-A. Foi uma inovação, comparado com o Código Civil, Penal e Comercial, devido aos seus dispositivos avançados para a época. Esse diploma também ficou conhecido como Código MelIo Mattos (SILVEIRA; PAULA, 2006).

Segundo Seda (1999), esse Código só se preocupava com a criança em situação irregular (meninos de rua, trombadinha, mendigos, órfãos, etc.), pois essas crianças se tornavam uma ameaça à sociedade, já que colocava em risco a propriedade alheia. O Código de Menores gerava uma discriminação que provocava um tratamento diferente entre as crianças. Se a criança nascia em família com recursos financeiros, eram tratadas como crianças e adolescentes; se fossem pobres, sem famílias, eram MENORES, que podiam ser objeto de intervenção e de repressão do Estado.

De acordo com Seda (1999), a antiga política social voltada à proteção da criança e do adolescente era fundamentada no Código de Menores, que definia a criança e o adolescente como indivíduos absolutamente incapazes, ou seja, eram vistos como extensões da vontade dos adultos ou das autoridades.

Nessa perspectiva, Veronese (2006) destaca que a tônica predominante dessa legislação menorista era corretiva, isto é, fazia-se necessário educar,

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disciplinar, física, moral e civilmente as crianças oriundas de famílias desajustadas ou da orfandade. Nesse contexto, era dado ao Juiz de Menores o direito de pronunciar sobre a condição jurídica da criança, que nessa época era considerada abandonada ou delinquente.

[...] o “juiz de menores” que tinha poder arbitrário para dizer qual o melhor interesse das crianças e dos adolescentes (menores). O juiz de menores aplicava medidas jurídicas. Já as autoridades, os funcionários e técnicos ligados às políticas sociais de proteção à criança e ao adolescente aplicavam medidas assistenciais, no entanto somente quando estas fossem determinadas pelo juiz ou aceitas por ele. (SEDA, 1999, p.47).

De acordo com Silveira e Paula (2006), o poder de decisão concentrava-se na figura do juiz de menores, que por sua vez concentrava-se baconcentrava-seava na boa ou má índole da criança e do adolescente e de suas famílias para definir suas trajetórias institucionais. Com a criação do Código Penal no ano de 1940, a idade para inimputabilidade penal foi fixada em 18 anos, ocorrendo, por isso, a necessidade de adaptar o Código MelIo Mattos, no qual a idade penal era de 14 anos.

Já em 1964 foi instituída a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), através Lei nº 4.513, de 1° de dezembro. Este diploma também deu origem à Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNABEM), que objetivava a implementação de novas políticas assistenciais, estabelecendo a centralização de programas e iniciativas em favor da criança e do adolescente nas mãos do governo. (VERONESE, 2006).

A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor veio responder a uma definição política nacional, no qual:

[...] a criança, então, não mais era simples responsabilidade de entidades privadas e de alguns organismos estatais, que atuavam de acordo com seus preceitos regionais, passando a ser enquadrada aos objetivos de uma política do bem-estar do menor, cuja responsabilidade seria da FUNABEM. (SILVEIRA; PAULA, 2006, p. 31).

Apesar do funcionamento ineficiente, incapaz de trazer a reeducação para a criança e para o adolescente, a FUNABEM foi acolhida pelo novo Código de Menores de 1979. Este documento foi editado em 10 de outubro de 1979, por meio da Lei nº 6.697. Ele adotou a doutrina de proteção à criança e ao adolescente em situação irregular. (SILVEIRA; PAULA, 2006).

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Cumpre salientar que para Cavallieri (1978, p. 27) a expressão “situação irregular” foi “escolhida por nós para abranger os estados que caracterizam o destinatário primário das normas de Direito do Menor”.

Já para Veronese (2006, p. 40), a situação irregular embasa-se em um “conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança ou adolescente específico, aqueles que estavam inseridos num quadro de patologia social, elencados no art. 2º do referido Código”.

Ressalta-se que até a Constituição Federal do Brasil de 1988, as Constituições brasileiras garantiam pouquíssimos direitos às crianças e aos adolescentes. No atual diploma foram garantidos direitos na área da infância e da juventude, já assegurados nas Convenções Internacionais. (VERONESE, 2006).

Assim, segundo Fajardo (1999), as crianças e os adolescentes, com suas demandas de problemas sociais, desde muito tempo são alvos de práticas mais ou menos estruturadas de proteção ou repressão. Pode-se considerar que, atualmente, o que se outorga às crianças são as mesmas garantias e liberdades formais de que gozam os adultos, acrescidas da proteção contra ameaças em função de sua vulnerabilidade própria da idade. Dessa maneira, percebe-se que a criança e o adolescente, em condição de sujeito de direitos, não são isentos da condição de objeto de proteção.

Essa autora destaca que a proteção sempre supõe uma desigualdade de condições entre protetor e protegido. Esta desigualdade se reforça a partir da ideologia da incapacidade ou se tenta superar a partir de uma racionalidade que se pode chamar de autonomia, sem que se prescinda das ações necessárias para sanar a violação de direitos. Ao apoiar-se na ideologia da incapacidade, a proteção incorre na violação do direito à autonomia ou autodeterminação. (FAJARDO, 1999).

Assim, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 preconiza que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Segundo Veronese (2006, p. 100), a Constituição Federal do Brasil de 1988 abandonou a doutrina da situação irregular, visto que passou para a de proteção integral, que possui uma nova postura fundada na premissa de que a

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criança e o adolescente carecem de direitos próprios e especiais, pois são pessoas em desenvolvimento. Logo, necessitam “de uma proteção especializada, diferenciada e integral”.

Nesse sentido, observa-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, deixando claro que a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado. Além disso, ela também serviu de alicerce para o ECA.

Essa legislação é considerada moderna e comprometida com os mais importantes princípios do Direito moderno, já que dentre outras disposições leva em conta a necessidade de preparar, por meio de cursos e treinamentos profissionais, o adolescente, de modo que ele possa se reintegrar à sociedade como cidadão ativo e responsável.

Ao enfocar a trajetória dos direitos da criança e do adolescente, considera-se esta uma discussão essencial para se poder ligar a questão da prevenção e controle da violência a este segmento. Ao inserir-se em uma realidade onde o que fomenta o processo de convívio é a violência, as crianças e adolescentes, tendem a ser cooptadores de modo de relacionamento e, do mesmo modo, tende a reproduzi-lo em suas mais diversas relações. Neste contexto, não se pode negar que há certa prioridade em se trabalhar a temática da violência, naturalmente em seu contexto familiar, mas de modo mais pontual trazendo a discussão próxima a estes sujeitos em seus diferentes cenários e contextos de vida. Assim, escola e família, além da própria sociedade como um todo, hoje tem suas responsabilidades, direitos e deveres considerados a partir do reconhecimento da condição de cidadania destas crianças e adolescentes. Retomar tal trajetória situa a importância de priorizarem-se processos interventivos que qualificam os direitos que devem ser assegurados à população infanto-juvenil. O enfrentamento à questão da violência é um desafio nestes contextos, especialmente se busca em sua forma preventiva.

Na sequência desse estudo, o próximo tópico focaliza a Lei nº 8.069/90, que criou o ECA e, por conseguinte, deu cumprimento aos compromissos internacionais assumidos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas e regulamentou o art. 227 da Constituição Federal de 1988.

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2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A CONSOLIDAÇÃO DE POLÍTICAS DE DIREITOS A ESTE SEGMENTO: UM FORTE ALIADO ÀS ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA.

Atualmente observa-se que, em termos formais, há uma unanimidade nacional no que diz respeito à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, tornando-se essa uma prioridade absoluta. Em face disso, programas são implementados e a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 foi criada, introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro, o ECA, com o fim de proteger e direcionar as políticas de atendimento a estes.

Entretanto, ao considerar o contexto real, constata-se que muito ainda precisa ser feito para resgatar a dignidade com que devem ser tratadas as crianças e adolescentes brasileiros. Em especial no tocante à violência, há que se considerar sua significação, tipologia e as diferentes formas em que esta se manifesta na vida cotidiana deste segmento e suas famílias.

Ressalta-se que, de acordo com artigo 2º do ECA, como criança compreende-se a pessoa menor de 12 anos de idade e como adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos. Todavia, o parágrafo único desse artigo dispõe que: “Nos casos expressos em Lei, aplica-se excepcionalmente esse Estatuto às pessoas entre 18 e 21 anos de idade”.

Demonstrando essa preocupação com a criança e o adolescente, a Constituição Federal (CF) de 1988 determinou que é dever da família, do Estado e da sociedade dar proteção a esses:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Salienta-se que a palavra proteção é originaria do latim protectio, de protegere, que significa cobrir, amparar, abrigar. Segundo Silva (1999), por esse vocábulo entende-se toda espécie de assistência ou de auxílio prestado às coisas ou às pessoas, a fim de que se resguardem contra os males que lhes possam advir.

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Nessa esteira, o ECA, em seu artigo 4º estabeleceu, expressamente, a prioridade da proteção à criança e ao adolescente:

Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.

Nesse contexto, percebe-se que a importância da família é fundamental para criança e para o adolescente, vez que é a partir dela que esses adquirem os seus primeiros conceitos que formarão, ao longo do tempo, a sua identidade, servindo de orientação para sua trajetória de vida.

No que tange ao dever do Poder Público em relação à criança e ao adolescente, o Estatuto quer referir-se ao Estado, em todas as suas expressões. Sob esse aspecto, Cury (2006, p. 12) explica que “evidentemente, não é possível atribuir responsabilidade, por meio de lei, a uma entidade que não tivesse competência constitucional para tratar do assunto”.

No âmbito da sociedade civil, observa-se um reconhecimento crescente, pelas instituições civis, da necessidade de ampliar o escopo de ação para proteger as crianças e adolescentes, principalmente das camadas populares da sociedade.

Assim, é possível perceber a complexidade desse tema, tendo em vista que a legislação contempla a matéria. No entanto, no dia a dia nota-se que a criança e o adolescente ainda, efetivamente, não têm seus direitos respeitados.

A proteção integral à criança e ao adolescente, prevista pelo ECA, tem suas bases mais próximas na Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989. Assim, esse diploma veio corrigir as arbitrariedades do Código de Menores, abolindo logo de início a expressão: “crianças e adolescentes em situação irregular”, embora se observe que alguns continuam a tratar a matéria da mesma forma que antes, retorcendo as normas atuais e mantendo os velhos hábitos, usos e costumes. (SILVA, 1996).

O ECA aponta os direitos e deveres da criança e do adolescente e os deveres e direitos da família, da sociedade e do Estado para com esta criança e para com este adolescente.

Como já mencionado, a CF de 1988 prevê que é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta

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prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim, a família deve ser vista como garantidora da integridade física e moral, a sociedade como adequada para a convivência grupal, e o Estado como propulsor da atualização das potencialidades dos cidadãos. (GONZÁLEZ, 1995).

Segundo Fajardo (1999), atualmente a consolidação formal do Estado Democrático de Direito, a partir da Constituição de 1988 e do ECA expressam um processo de democratização das políticas para a infância e adolescência, por meio da parceria entre Estado e a sociedade, com a redução da atuação federal e a maior descentralização, até a municipalização das ações.

As principais garantias à própria vigência previstas pelo ECA são o Conselho Tutelar e o Conselho Municipal, sendo que o primeiro é um órgão permanente, autônomo, não partidário, apesar de exercer papel fiscalizador e ter poder de aplicar medidas de proteção à criança e ao adolescente. Embora não pertencendo ao Poder Judiciário, é encarregado pela sociedade civil, de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos no ECA. (SILVA, 1996).

De acordo com González (1995), o Conselho Tutelar tem por objetivo, atender, na própria comunidade, por intermédio de pessoas e programas de entidades de atendimento, as crianças e adolescentes, cujas situações exijam sua efetiva intervenção, desempenhando o importante papel de proteger, em nome de todos, os direitos consolidados no ECA.

O Conselho Municipal tem a função de definir e controlar a política de atendimento à criança e ao adolescente, como também de fiscalizar o cumprimento do plano de ação proposto para o município e o destino das verbas. Também de se incumbir de cadastrar as entidades de atendimento e gerenciar o fundo financeiro vindo de verbas públicas, de doações subsidiadas, de multas e do imposto de renda de pessoa física e jurídica. (GONZÁLEZ, 1995).

De acordo com D. Luciano Mendes de Almeida, membro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), (apud SILVA, 1996) o ECA tem por objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, de tal forma que todo brasileiro que nasça tenha assegurado seu pleno desenvolvimento físico, moral e religioso.

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Com o Estatuto, as crianças e os adolescentes devem ser atendidos em seus direitos. Ao considerar o sistema de proteção integral deverão ser incluídas a família e a comunidade, o acesso à cultura, à escola, ao trabalho, à diversão e à segurança pública. (SILVA, 1996, p. 28).

Segundo Cury (2006), as medidas de proteção previstas no ECA têm caráter pedagógico e são aplicadas pela autoridade competente (juiz, promotor, conselheiro tutelar) às crianças e adolescentes que tiverem seus direitos fundamentais violados ou ameaçados. Assim, sempre que as crianças e adolescentes se encontrarem em situação de risco pessoal ou social – quer por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou ainda na hipótese de falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, na forma do disposto no artigo 98 do ECA –, serão passíveis de proteção.

Art. 98: As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos por Lei forem ameaçados ou violados: I Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III Em razão de sua conduta.

Dentre os direitos fundamentais garantidos pelo ECA, observa-se a imposição à preferência na formulação e execução de políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (Artigo 4°, caput e parágrafo único, alíneas "c" e "d" do ECA).

Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo Único: A garantia de prioridade compreende:

Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; Precedência dos atendimentos nos serviços públicos ou de relevância pública;

Preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas; Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Dessa maneira, observa-se que no artigo 4º, § único, o ECA procura explicitar o que se deve envolver na garantia de prioridade preconizada pelo caput do mesmo dispositivo, que por sua vez, praticamente é a reprodução do artigo 227

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da Constituição Federal de 1988, com o acréscimo de que também é dever da comunidade em que vive a criança ou adolescente a garantia de seus direitos fundamentais.

Para dissertar sobre as políticas sociais de proteção social à criança e ao adolescente, é necessário, primeiramente definir política social. Segundo Costa et al (1990, p. 71), “política social é um conjunto de leis, instituições e programas criados pelo Poder Público para a distribuição de bens e serviços destinados a promover e garantir os direitos sociais dos cidadãos”. Além das políticas sociais básicas, expressas através dos serviços de saúde, habitação, educação, abastecimento, transportes, esporte e meio ambiente, a política social se materializa em programas e ações de assistência social.

Nesse sentido, a política social se alicerça na constatação da existência da desigualdade social. Dessa forma, suas ações são voltadas para pessoas e coletividades, privadas das condições de acesso às condições mínimas de bem- estar e dignidade.

Para Fajardo (1999), os sujeitos das políticas sociais para a infância e adolescência são, por um lado, os receptores, os protegidos, em sentido amplo as crianças e adolescentes desamparados em perigo ou perigosos, e com as famílias genericamente taxadas de “desestruturadas ou carentes”. Do outro lado, estão os autores, os protetores, aqueles que são visualizados a partir das relações entre o público e o privado no contexto do Estado social.

A intervenção do Estado ou da sociedade civil se traduz em práticas concretas, mais ou menos organizadas, planejadas, normatizadas e controladas, sendo que essas atividades vinculam, diretamente, protegidos e protetores, mediante as quais se realizam as estratégias de enfrentamento da questão da infância e da adolescência desamparada. (MEZINSKI, 2007).

Essas práticas geralmente são viabilizadas por meio de atividades mais ou menos profissionais ou técnicas de apoio, tais como entrevistas, pesquisas sociais (que servem tanto para informar estratégias como para justificá-las), estudos sociais de casos específicos, laudos dos especialistas, exames, diagnósticos, fiscalização de entidades de atendimento, visitas domiciliares, controle de locais de risco para a infância, etc. (MEZINSKI, 2007).

A partir desse enfoque, Fajardo (1999) classifica as práticas sociais em três tipos básicos:

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 Orientadas a intervir em situações de pobreza e exclusão social;

 Orientadas a intervir em situações de violência ou violação de direitos;  Orientadas a vulnerabilidades e potencialidades coletivas, isto é, práticas

voltadas à promoção de condições objetivas e subjetivas de exercício destes direitos.

Conforme Costa et al (1990), não existem programas de assistência social preventivos à situação de risco para crianças e adolescentes. Segundo esses autores, o que seria necessário é a inclusão de toda a população na cobertura das políticas sociais básicas.

Neste contexto, situa-se o desafio de instituir políticas e programas efetivos que consolidem a prevenção e controle a violência, por exemplo. Desafio maximizado, uma vez que a realidade societária tende a aceitar ou produzir a violência em diferentes dimensões, sendo para muitos uma condição cotidiana de vida e convívio familiar e societário. Isto não se restringe à condição socioeconômica, mas a um contexto de vida, educação e cultura que levam famílias a reproduzir cenários societários e vice-versa.

Todavia, a questão da prevenção à reprodução da violência desafia a todos, com especial destaque a família e a escola, que são mais direta e cotidianamente responsáveis pela formação destes sujeitos. Assim, considera-se necessário discutir tais atribuições uma vez que estas estão legitimadas pelo ECA, mas devem ligar-se ao aspecto concreto das práticas de violência no cotidiano.

No art. 24 da Constituição Brasileira está prevista a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre "proteção à infância e à juventude". Esse dispositivo não se refere aos cuidados e à proteção da infância e da juventude, mas apenas à legislação, não ficando excluída a possibilidade de leis municipais sobre a matéria, visto que a própria Constituição, no art. 30, estabelece que compete aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual.

Na realidade, não existe qualquer disposição constitucional reservando à União, aos Estados ou aos Municípios a competência para a prestação de serviços visando, especificamente, à garantia dos direitos ou à proteção da infância e da juventude. Pelo art. 23 da Constituição de 1988, que enumera as matérias para as quais a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são conjuntamente

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competentes, encontram-se vários incisos que incluem os cuidados de crianças e adolescentes. (CURY, 2006).

Nesse sentido, podem ser referidos, especialmente, os incisos II e V, sendo que o primeiro cuida da saúde e assistência pública, e o segundo manda proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Destaca-se também o inc. X, a competência comum para combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos. Naturalmente, não se desassocia deste contexto a questão da violência em suas diferentes tipologias e manifestações.

Dessa forma, responsabilizam-se todos os setores da organização pública pela adoção de providências que ajudem as crianças e os adolescentes a terem acesso aos seus direitos, recebendo a necessária proteção.

Ainda a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) determina que a camada mais miserável da população tenha acesso aos direitos sociais. São direitos sociais, por exemplo, a educação, a saúde, a previdência, a habitação popular, o trabalho, o lazer. Enfim, uma série de serviços públicos necessários a toda a sociedade, mas de que apenas parte dela tem condições de usufruir. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

A LOAS cria um tipo de seguridade social não-contributiva, ou seja, não é necessário pagar para ter acesso aos serviços sociais. Além disso, ela prevê a garantia das condições mínimas de existência para crianças, adolescentes, idosos, gestantes e deficientes físicos e mentais. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

A miséria não é reproduzida pela concessão de renda, mas pela discriminação social, pelo desemprego, pela impossibilidade de acesso de grande parte da população aos bens sociais e culturais. Os países desenvolvidos têm programas de renda mínima, porque eles sabem que essa é uma forma de conter o processo de aprofundamento da miséria. Segundo Castro (1997), a miséria não gera consciência e solidariedade, como alguns autores acreditam. Ela gera mais miséria, irracionalismo, violência e individualismo exacerbado.

A Constituição Brasileira, de 1988, trouxe avanços ao estabelecer o conjunto dos direitos civis, políticos e sociais. Todavia, a efetivação desses direitos exige a mobilização da sociedade, já que é ela que precisa conquistar os direitos sociais.

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As ações públicas se concentram sobre famílias sem condições de proverem sua sobrevivência financeira e afetiva, bem como a socialização de suas crianças e adolescentes. Esta impossibilidade é compreendida como resultado da incapacidade das próprias famílias. Assim, as ações que lhes são destinadas têm o objetivo de “capacitá-las” para que elas voltem a cumprir seu papel sem comprometer a estabilidade social. (BARBOSA, 1998).

Um dos fatores que devem dirigir as práticas de assistência à família é a consciência de que quanto mais expostas estão as famílias a situações de exclusão, mais expostas ficam suas crianças e seus idosos ao abandono. No entanto, esta relação não se resume somente na satisfação das necessidades básicas da família (alimento, cobertor, médico): ela precisa ser assistida em todas as suas vulnerabilidades, inclusive no respeito a seus direitos e deveres enquanto cidadão. (FALEIROS, 1999).

Segundo Kaloustian (1994), as necessidades básicas das famílias pobres devem suplantar a visão biológica, incluindo também os fatores psicológicos, sociais e éticos de auto-estima e de crescimento da própria competência.

Observa-se que famílias que contam com uma estratégia coletiva de enfrentamento das condições de mercado e da conjuntura econômica tendem a ter melhores chances de superar a instabilidade e o patamar da pobreza. (FALEIROS, 1999), o que evidencia que a família, a comunidade e a sociedade civil devem participar amplamente da elaboração de alternativas, priorizando o apoio à família para que essa possa cumprir com suas funções.

Diante desse cenário, o que se observa é que o Estado, embora tenha elaborado “novas leis de proteção à criança e ao adolescente”, na realidade, ainda atua como no tempo do Código de Menores. Isto é, em vez dele prover programas preventivos de apoio às famílias, tendo em vista a importância desta na formação física, moral e religiosa da criança e do adolescente, ele somente aparece no momento de punir o “menor infrator”, esquecendo que simplesmente este é fruto de seu próprio desamparo. (FALEIROS, 1999).

Hoje, é muito mais comum constatar movimentos civis ligados a religiosos ou não, desenvolvendo programas comunitários com as famílias carentes, oferecendo não tão-somente uma “cesta básica”, mas também assistência médica, jurídica e psicológica... enfim, dando condições a essas famílias de proverem o sustento financeiro e moral de suas crianças e adolescentes, ressaltando que muitas

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entidades ainda desenvolvem trabalhos com as próprias crianças e adolescentes, onde são enfatizados a profissionalização, a educação, a saúde (prevenção contra as drogas, AIDS, etc.), o esporte e a cidadania. (DEMO, 2003).

Além disso, González (1995) afirma que o que se percebe, também, é uma amplitude demasiada nas leis constitucionais brasileiras e no próprio ECA, visto que em nenhuma delas é especificado “quem” (Federação, Estado, Município), fará “o quê” para proteger a criança e/ou adolescente, salientando ainda que, quando o Estado proporciona assistência à criança ou à sua família, esta é temporária, isto é, perdura enquanto não mudar o dirigente (secretário, prefeito, governados, etc.) que a implantou.

No tocante às famílias, observa-se que em sua grande maioria, independentemente de seu arranjo, procura fazer seu papel, ou seja, cuidar da criança e do adolescente suprindo suas necessidades básicas (alimentação, vestuário, etc.), com respeito e amor. Em alguns casos, quando estas famílias não conseguem suprir estas necessidades, preferem “dar” estas crianças e adolescentes para outras famílias (parentes, amigos, patrões) para que elas tenham uma vida melhor. Nesse sentido, percebe-se a ausência do Estado na efetiva proteção da criança e do adolescente, já que não supre as necessidades básicas da família.

Finalizando esse tópico, observa-se que a criação do ECA objetivou a regulamentação da premissa constitucional que enfatiza a importância de se proteger e de se garantir os direitos das crianças e dos adolescentes, estendendo essa responsabilidade para a família, para a sociedade e para o Estado. Nessa perspectiva, o próximo tópico aborda as especificidades dessas faixas etárias e a importância de se implementar políticas sociais que auxiliem no desenvolvimento pleno da criança e do adolescente.

2.3 AS ESPECIFICIDADES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA: COMPREENDENDO AS EXIGÊNCIAS DESTA FASE EVOLUTIVA E SUA SUJEIÇÃO À VIOLÊNCIA

A incapacidade infantil se expressa, às vezes, por meio do conceito de discernimento associado à idade, como um critério para restrição de direitos. A esse

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conceito se pode contrapor a noção de plena realização do potencial da criança, como critério para o alargamento máximo das possibilidades de exercício de direitos, sendo que a incapacidade infantil justifica as medidas de proteção tutelar, enquanto a plena realização justifica as medidas de facilitação e de incentivo à autonomia.

Sob essa ótica, o Ministério da Saúde (2005) explica que a adoção do critério cronológico, objetiva a identificação de requisitos que orientem a investigação epidemiológica, as estratégias de elaboração das políticas de desenvolvimento coletivo e as programações de serviços sociais e de saúde pública, porém ignora as características individuais.

Dessa maneira, é relevante considerar os critérios biológicos, psicológicos e sociais nas abordagens sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Inicialmente, cabe esclarecer que, embora a legislação nacional adote a idade de 12 anos completos como o critério para distinguir a criança do adolescente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) circunscreve a adolescência à segunda década da vida, ou seja, de 10 a 19 anos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

De acordo com o critério biológico e universal, a adolescência se inicia com a puberdade, caracterizada pela aceleração e desaceleração do crescimento físico, mudança na composição corporal, eclosão hormonal, evolução da maturação sexual. No entanto, o Ministério da Saúde (2005) ressalta a importância de se levar em conta as influências socioculturais que vão se concretizando na adolescência, por meio de constantes reformulações de caráter social, sexual e de gênero, além das tendências ideológicas e vocacionais.

No tocante às etapas do desenvolvimento psicológico e mental da criança, Piaget (1978) identifica quatro períodos: (1) período sensório-motor, de 0 a 2 anos; (2) período pré-operacional, de 2 a 7 anos; (3) período das operações concretas, de 7 a 12 anos; e (4) período das operações formais, de 12 anos em diante, até o final da adolescência.

Nessa perspectiva, observa-se que o conhecimento pode ser entendido de três formas:

[...] conhecimento físico, lógico – matemático e social – arbitrário. Acredita-se que cada um desAcredita-ses conhecimentos depende das ações da criança. Conhecimento físico – abstraído diretamente dos objetos; lógico – matemático – abstraído das ações da criança sobre os objetos e não dos objetos em si mesmos; social – arbitrário – abstraído das interações da criança com outras pessoas. (WADSWORTH, 1997, p. 66).

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Nesse sentido, percebe-se que o conhecimento não ocorre somente por meio dos sentidos, mas sim pela a ação e interação da criança. Para o referido autor, a quantidade de significados da informação escrita e falada de uma criança depende das ações que ela viveu, de modo que o desenvolvimento é a experiência ativa da criança. Sem ações sobre os objetos, as crianças podem não desenvolver o conhecimento físico e intelectual, além do lógico matemático. Logo, a criança aprende, desenvolve estruturas mentais novas ou modifica as que estão presentes nela, quando age espontaneamente sobre o ambiente, no qual ela está inserida, resultando na assimilação de objetos e acontecimentos. (WADSWORTH, 1997).

Para Salvador (1994, p. 154),

[...] isto quer dizer que o sentido que as crianças atribuem a uma tarefa escolar e, consequentemente, os significados que podem contribuir a respeito, não estão determinados apenas por seus conhecimentos, habilidades, capacidades ou experiências prévias, mas também pela complexa dinâmica de intercâmbios comunicativos que se estabelecem a múltiplos níveis entre os participantes, entre as próprias crianças e, muito especialmente, entre o professor e os alunos.

Nesse contexto, observa-se que a experiência social também afeta esse desenvolvimento (linguagens, conceitos morais, valores, entre outros). Assim como a maturação, considerada por Piaget (1978), dependente de fatores genéticos, ela também é influenciada por fatores da experiência como a nutrição e a atividade da criança (exercícios físicos, brincadeiras). Um ritmo de maturação mais lento do que o normal pode prejudicar seu desenvolvimento físico e intelectual.

Além disso, Wadsworth (1997, p.70) enfatiza a importância do desenvolvimento sensorial motor para a criança:

[...] uma vez que ela pode colher informações do ambiente: sistema visual e auditivo, do paladar (gosto), do olfato (cheiro), do tato (sentido háptico ou tátil) e os sentidos sinestésico e proprioceptivo. Os educadores dão mais atenção para o desenvolvimento visual e auditivo na pré-escola e primeira série do Ensino Fundamental, sendo que dessa forma o aspecto motor – sinestésico acabam recebendo pouca atenção.

Dessa maneira, verifica-se que a criança deve e precisa ser estimulada para o desenvolvimento sensorial e motor.

No que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo, Wadsworth (1997) argumenta que para ocorrer aprendizagem e desenvolvimento, a atividade pode ser

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física ou mental, desde que os objetos relacionados a acontecimentos possam ser manipulados, trabalhados e transformados.

Mediante as expectativas que são geradas, dos comportamentos a que estas dão lugar, do intercâmbio de informações, do estabelecimento mais ou menos explícito e do consenso de regras ou normas de atuação, em suma, mediante o jogo dos processos psicosociológicos presentes na situação de ensino, vai se definindo progressiva e conjuntamente o contexto. Em cujo âmbito o aluno atribui um sentido ao que faz e constrói alguns significados, isto é, realiza algumas aprendizagens com um determinado grau de significância. (SALVADOR, 1994, p. 155).

No entanto, o desenvolvimento cognitivo, atualmente, fundamenta-se na noção de inteligências múltiplas, que, de acordo com Gardner (1994, p. 51),

[...] as inteligências deveriam ser pensadas como entidade num determinado nível de generalidade, mais amplas do que mecanismos computacionais altamente específicos (como detecção de linha), embora mais estreitas do que a maioria das capacidades gerais como análise, síntese ou um senso de “eu” (caso se possa mostrar que algum destes existe independentemente de combinações de inteligências específicas). Mesmo assim, está na própria natureza das inteligências que cada uma opere de acordo com seus próprios procedimentos e possua suas próprias bases biológicas. Assim, é um erro tentar comparar inteligências em todos os detalhes; cada uma deve ser pensada como um sistema próprio e com suas próprias regras. Aqui, uma analogia biológica pode mostrar-se útil. Embora o olho, o coração e os rins sejam todos os órgãos do corpo, é um erro tentar comparar estes órgãos em cada detalhe: a mesma restrição deveria ser observada no caso das inteligências.

Assim, de acordo com Freitas (1996), o processo do conhecimento é, na realidade, o resultado do relacionamento do sujeito com o evento, com o fato, com o objeto que o meio se lhe apresenta, resultando daí a aquisição de uma representação intelectual daquele evento ou objeto, que em seguida passa a pertencer ao seu acervo próprio.

Pino (1997, p. 6), ao discorrer sobre os processos cognitivos, alerta que o conhecer humano é uma atividade que pressupõe uma relação que “envolve três elementos, não apenas dois: o sujeito que conhece, a coisa a conhecer e o elemento mediador que torna possível o conhecimento”. O autor explica que:

[...] embora a atividade de conhecer pressuponha a existência no sujeito de determinadas propriedades que o habilitam a captar as características dos objetos, há fortes razões para pensar que o ato de conhecer não é obra exclusiva nem do sujeito, nem do objeto, nem mesmo da sua interação [direta], mas da ação do elemento mediador, sem o qual não existe nem sujeito nem objeto de conhecimento. (PINO, 1997, p.2).

(34)

Nessa visão, Klein (1996, p.94) explica que o objeto de conhecimento não existe fora das relações humanas. “De fato, para chegar ao objeto, é necessário que o sujeito entre em relação com outros sujeitos que estão, pela função social que lhe atribuem, constituindo esse objeto enquanto tal”. Nesse sentido, são as relações humanas que formam a essência do objeto de conhecimento, pois este só existe a partir de seu uso social. Portanto, é a partir de um intenso processo de interação com o meio social, através da mediação feita pelo outro, que se dá a apropriação dos objetos culturais, ou seja, o objeto de conhecimento ganha significado e sentido.

Na verdade, são as experiências vivenciadas com outras pessoas que irão marcar e conferir aos objetos um sentido afetivo, determinando, dessa forma, a qualidade do objeto internalizado. Logo, é possível perceber que, no processo de internalização, estão envolvidos não só os aspectos cognitivos, mas também os afetivos.

Assim, segundo Wallon (1978), a relação, que caracteriza o ensinar e o aprender, transcorre a partir de vínculos entre as pessoas e inicia-se no âmbito familiar, sendo que a base dessa relação é afetiva, desde os primeiros meses de vida. Ao entrar na escola, essa criança, a partir da relação com o outro, por meio do vínculo afetivo com a professora e os colegas, vai tendo acesso ao mundo simbólico, conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo.

Os fenômenos afetivos representam a maneira como os acontecimentos repercutem na natureza sensível do ser humano, produzindo nele um elenco de reações matizadas que definem seu modo de ser-no-mundo. Dentre esses acontecimentos, as atitudes e as reações dos seus semelhantes a seu respeito são, sem sombra de dúvida, os mais importantes, imprimindo às relações humanas um tom de dramaticidade. Assim sendo, parece mais adequado entender o afetivo como uma qualidade das relações humanas e das experiências que elas evocam [...]. São as relações sociais, com efeito, as que marcam a vida humana, conferindo ao conjunto da realidade que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um sentido afetivo. (PINO, 1997, p. 130-131).

Nesse sentido, observa-se que para a criança torna-se importante e fundamental o papel do vínculo afetivo, que inicialmente apresenta-se na relação pai-mãe-filho e, muitas vezes, irmãos, ampliando-se com a figura do professor e dos colegas. Fernandez (1991, p. 47) acrescenta que: “[...] para aprender, necessitam-se dois personagens (ensinante e aprendente) e um vínculo que se estabelece entre

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