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A M Í M E S E P U L V E R I Z A D A E M A H O R A D A E S T R E L A, D E C L A R I C E L I S P E C T O R

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Academic year: 2021

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A M Í M E S E P U L V E R I Z A D A E M A H O R A D A E S T R E L A , D E C L A R I C E L I S P E C T O R P o r M a n u e l a S o l a n g e S a n t o s d e J e s u s U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d o R e c ô n c a v o d a B a h i a ( U F R B ) L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s / L i b r a s / L í n g u a I n g l e s a m a n u e l a s o l a n g e s a n t o s @ g m a i l . c o m

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A obra literária A Hora da Estrela , de Clarice L ispector,

traz a história de Macabéa, uma nordestina que não tinha a mínima ideia da própria existência. Depois de perder a tia, Macabéa viaja para o Rio de Janeiro, onde aluga um quarto em lugar quase sub-humano e divide-o com mais quatro amigas, todas balconistas das Lojas Americanas.

Macabéa emprega-se como datilógrafa, e, a lém de gastar todo o tempo ouvindo a ‚Rádio Relógio‛, apaixona -se. Conhece uma cartomante que lhe prevê um futuro luminoso e, atordoa -da com tanta felici-dade, ao atravessar a calça-da, é atropela-da por uma Mercedes -Benz, encontrando-se na sarjeta, mas com sua tão desejada e ambígua hora da estrela.

O livro A Hora da Estrela não deve ser apenas

conside-rado como l eitura composta de enredo, t empo, ambiente, personagens, tema e mensagem. Ele deve ser visto também do ponto de vista poético, revelador e sedutor.

Baseado em estudos e análises textuais sobre o real sentido da literatura, tem -se concluído que esta não é apenas tema, mas sim forma, uma maneira como se diz sobre determi -nado assunto ou situação. Fernandes (2003), em seu ensaio intitulado ‚A fi cção literária como imagem e máscara‛, busca responder – ‚O que a literatura diz nenhum outro discurso pode dizer‛ –, proporcionando aos leitores uma reflexão de que nossa leitura literária é muito mais; é na verdade, uma inteira interdisciplinaridade.

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O poeta escreve para sentir a vida, sendo este compro -missado com a arte a fim de renovar uma l íngua já desgastada e batida. Fazendo contrato com a sonoridade e a beleza exigi da pela literatura, ele não mente nem racionaliza com o cora -ção, mas sim com a imaginação.

Para construir o romance, Clarice fez uso de seu mais íntimo, de sua consciência e principalmente de atenção nas palavras unidas como transmissão de conhecimento. Abusou da mímese, no bom sentido, a fim de tratar dos conflitos, sentimentos e compreensão do mundo. Alimentou -se de arte, imaginação e poesia, para recriar a realidade.

Neste propósito, o conceito de mímese é revelado. Tal conceito tem sido objeto de análise de muitos estudiosos, desde os filósofos da Grécia Antiga, a exemplo de Platão, que afirmava que a arte dizia respeito às opiniões e às aparências representadoras do mundo ‚ideal‛ das essências. A mímese então seria a r epresentação da imitação das aparências (da realidade).

Aristóteles, por sua vez, dizia que a mímese é a imitação das essências do mundo, sendo fator implicador de um profun -do conhecimento da natureza humana: ou s eja, não é ilusão, é representação. Como afirma Lima (1980), muitos consideram Aristóteles como o que honrou o conceito de mímese, fazendo com que perdurasse no tempo.

Logo na dedicatória do autor, Clarice estabelece o contraste entre alto e baixo, sendo o primeiro as figuras ilustres (como Schumann, Chopin, Beethoven, Carl Orff) e o segundo, os gnomos, anões, sílfides e ninfas.

P o i s q u e d ed i c o e st a c o i sa a í ao an t i go Sc h um ann e su a d oc e C l ar a q ue são ho j e o sso s, a i d e n ó s. [ . ..] D ed i c o -m e sob r e tu do ao s g nom o s, anõ e s, s í l fi d e s e n i n fas q u e m e h ab i t am a v i d a. D e d i co -m e à s audad e d e m i n h a an t i g a p o b r ez a, q u and o t u do e r a m ai s sób r i o e d i g no e e u n u n c a h av i a c om i d o l ago st a . D e d i c o -me à t e mp e st ad e d e B e e t hov en . À v i b r aç ão d as c o r e s

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n eu t r as d e B ach . A C hop i n q ue m e amo l e c e o s o sso s. [ . ..] . (L I SP ECT OR , 1 998 , p . 9 ) .

Nela, também encontramos a conexão autor leitor, funda -mental em qualquer obra literária ‚... Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas mim, pr eciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado [...]” (LISPECTOR, 1998, p. 9).

Outro fator abordado na dedicatória diz respeito aos problemas que a autora enfrentou no desenrolar da história de Macabéa. O intuito de dar voz aos excluídos da literatura, profundidades psicológicas, bem como a angústia diante da vida e da morte, capaz de proporcionar ao l eitor a r evelação do fazer narrativo, são exemplos desses problemas. ‚Não se pode dar uma prova de existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando. Esta história acontece em estado de calamidade pública.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 10).

Prosseguindo nossa leitura da obra, presenciamos a arte poética quando Clarice volta a um instante anterior ao ato de criação: o início da vida. ‚Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o s im.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 11). Vemos aí o falar-se bem, o expressar -se bem que atrai, que chama, logicamente que seduz, como a ideia de donjuanismo.

Clarice, por meio da escrita, tenta responder às inquieta -ções que a perturbam, como em: ‚Enquanto eu t iver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 11). Também atribui o fazer à sua produção singular: ‚Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 11).

Para construir Macabéa, Clarice se desfaz do papel de narradora principal usando um escritor chamado Rodrigo S. M. ‚Um outro escritor, sim, mas ter ia que ser homem porque

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escritora mulher pode lacrimejar piegas.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 14). Outra prova da presença desse distinto escritor está em: ‚A história – determino com falso livre -arbítrio – vai ter uns sete personagens e eu sou um dos mais importantes del es, é claro. Eu, Rodrigo S. M. [...]‛ (LISPECTOR, 1998, p. 13).

O caráter de l iteratura como fonte de vida é v isto nesta obra literária de maneira singular, prova disso está no trecho ‚Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primá -ria que respira, respira, respira.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 13).

Quando se afirma que Clarice tornou -se um símbolo da

subjetividade, per cebe-se, na tão conhecida A Hora da Estrela, o

seu caráter pessoal, o que a autora possui de mais íntimo. ‚Agora me lembrei de que houve um tempo em que para me

esquentar o espírito eu r ezava: o movimento é espírito. A reza era

um meio [...] atingir-me a mim mesmo.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 14).

A palavra como substituto do real também é encontrada na obra e, talvez, esta seja a maior representação, além de ser capaz de sensibilizar. Seguem-se: ‚Sim, mas não esquecer que para escrever não importa o quê o meu material básico é a palavra.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 14); ‚Com esta história vou me sensibilizar, e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 16).

A palavra também ganha cr iação quanto à descrição de Macabéa. Sendo escolhida e lapidada, a partir da palavra, a mímese entra como representação das r epresentações sociais. ‚E eis que fiquei agora receoso quando pus palavras sobre a nordestina. E a pergunta é: como escrevo?‛ (LISPECTOR, 1998, p. 18) ‚Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 19). Cabe aqui, um aspecto do enredo da obra: Macabéa, datilógrafa que errava demasiada -mente na datilografia, além de sujar invariavel-mente o papel, representa a dificuldade do escritor em r enovar a l íngua já desgastada.

Para escrever sobre a personagem, Clarice, quer dizer, Rodrigo S. M., sente-se obrigado a util izar a palavra que é lei

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para dar forma de vida. ‚Escrevo, portanto não por causa da nordestina, mas por motivo grave de ‘força maior’, como se diz nos requerimentos oficiais, por ‘força de l ei’‛. (LISPECTOR, 1998, p. 18).

Tem-se também uma metáfora em relação ao ‚grito‛. Que grito é este? Refere-se à personagem Macabéa ou ao papel do próprio artista em questionar a vida? ‚Porque há o direito ao grito. Então eu grito. Grito puro e sem pedir esmo -la.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 13).

Outro destaque está na questão dos segredos humanos, na individualidade que, quando tocada, nunca mais é a mesma. A mímese se relaciona com a dignidade, autonomia própria. ‚Será que entrando na semente de sua vida estarei como que violando o segredo dos faraós? [...] Estou procurando danada mente achar nessa existência pelo menos um topázio esplen -dor.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 39).

Quanto às marcas da oralidade presentes no romance, são vários os ditados populares que Rodrigo S.M. faz alusão: ‚[...] a pobreza é feia e promíscua‛ (LISPECTOR, 1998, p. 22), ‚Há os que têm. E há os que não t êm.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 25), “ [...] que é que você me pede chorando que eu não lhe dê cantando?‛ (LISPECTOR, 1998, p. 27), entre outros trechos. Trechos dessa natureza podem ser interpretados como a configuração da oralidade no romance, o imaginário popular da própria protagonista bem como a transmissão de conhecimento do narrador para o leitor.

Clarice mantém, em toda a sua obra, uma estética realis -ta e ao mesmo tempo psicológica e profunda. Fica visível um olhar para a personagem Macabéa no sentido de injustiça soci -al e -alienação. Muitos consideram essa personagem como uma pergunta real sobre a condição humana. Nela, tanto o escritor personagem, Rodrigo S. M., quanto Macabéa, estão em busca de si, ou seja, não deixam de ser personagens de uma história real reinventada.

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Em A Hora da Estrela , o leitor se surpreende com o gran finale. Acostumado com os romances de final belíssimo, cheios de pompas e felicidades, nesta obra o discurso do imaginário demonstra estranhamento àquilo que era desejado. O narrador mata de um jeito ou de outro sua protagonista: Macabéa tem uma morte detalhada, quase que interminável, recordando assim que a morte é inevitável e natural ao s er humano. ‚Até tu, Brutus? Sim, foi este o modo como eu quis anunciar que – que Macabéa morreu. Vencera o Príncipe das Trevas. Enfim a coroação.‛ (LISPECTOR, 1998, p. 85).

Dessa forma, A Hora da Estrela pode ser considerada

como exemplo maior de mímese, pois, ao trazer duas narra -ções (ato de criar e a vida nordestina de Macabéa) tem seu segredo na escrita, ou s eja, na forma e não no assunto. A atividade mimética no romance pré -compreende o mundo, dá forma ou configura a ação e reconfigura a história, conectando o mundo do texto com o mundo do leitor.

R E F E R Ê N C I A S

ALVES, Nathaly. Mímese: a revelação do real na linguagem da arte. 2010. Disponível em: <https://

movimentoculturalgaia.wordpress.com/2010/10/25/mimese -a-revelacao-do-real-na-linguagem-da-arte/>. Acesso em: 13 jul. 2013.

BARBOSA, João Alexandre. Literatura nunca é apenas

literatura. Depoimento apresentado no Seminário Linguagem e Linguagens: a fala, a escrita, a imagem. Disponível em: <http:// www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_17_p021 -026_c.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013.

COSTA, Lígia Militzda. 1982 – A poética de Aristóteles mímese e

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FERNANDES, Isabela. A ficção literária como imagem e máscara. Rubedo, 1999. Disponível em: <http://www.rubedo.psc.br/

Artigos/mascara.htm>. Acesso em: 13 de jul. 2013.

GIACON, Eliane Maria de Oliveira. A Hora da Estrela: a palavra

como fomento da tradição literária. Em tese, Belo Horizonte,

v.13, n.1, p. 30 -37, 2009. Disponível em: <http://

www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/article/ view/3835/3780>. Acesso em: 14 jul. 2013.

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela . Rio de Janeiro: Rocco,

1998.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Promessas, encantos e amavios. In:

______. Flores da escrivaninha : ensaios. São Paulo: Companhia

das Letras, 1990. p. 13 -20.

SOUZA, Silvia Fernanda. Palavra: pedra dura a ser lapidada no

contexto da obra ‚Hora da Estrela‛. A Voz das Letras ,

Concórdia - SC, v. 1, 2004.

Enviado em: 10/3/2016. Aprovado em: 12/5/2016.

Referências

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