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1.3.1 Messianismo de Judá

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batalha, surgindo assim, um novo governante para o povo. Essas diferenças nos seus aspectos pormenorizados é o que será visto a partir de agora.

1.3.1 – Messianismo de Judá

O aspecto messiânico de Judá aparece em Gn 49,8-12,84 que para

Schwantes é uma composição de ditos do 10º século a.C. Essa tradição foi guardada pelas tribos do Sul os quais “teriam seu ‘lugar vivencial’ no encontro das tribos, seja por ocasião de ações militares conjuntas (veja Juízes, 5,14-18)

ou de outra solenidade (veja Josué 24)”,85 assim essas tradições foram

conservadas no encontro das pessoas para a celebração do lugar comum das tribos.

Judá tornou-se uma grandeza política, possivelmente, através do “povo da terra”, um grupo socialmente organizado do qual faziam parte os

camponeses da região da Sefelá, como fora aludido anteriormente.86 Sobre a

importância das terras de Judá, neste ambiente político, Faria salienta o seguinte:

As terras do Reino do Sul, Judá, estavam divididas em duas regiões: a) Oriente: deserto de Judá que produzia ovelhas e queijo. Região dos pastores. b) Ocidente: planície fértil, chamada de Sefela, propícia para a cultura de oliveiras, sicômoros, cereais e frutas. Região de agricultores. Essas duas regiões tinham a cidade-estado, Hebron, localizada na parte meridional das montanhas de Judá, como o lugar estratégico de comércio entre oriente e ocidente. O acordo comercial entre

84

Sobre o messianismo de Judá em Gn 49, 8-12 ver: BAILÃO, Marcos Paulo M. C. Até que

venha de Silo: Um estudo do messianismo pré-monárquico a partir de Gênesis 49,8-12. S.B.

Campo: Umesp, 1994. (Dissertação de Mestrado) 194p. e BAILÃO, M. P. “O nascimento do messianismo judaíta.” In: Revista Estudos Bíblicos, nº. 52, Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 1997. p. 9-15

85

SCHWANTES, Milton. Marcas de um projeto político-messiânico de Judá: Gênesis 49,8-12, Uma antiga voz judaíta. São Paulo: s/Ed., s/data. p. 2.

86

Há quem defenda que a ascensão de Davi ao governo foi efetivada pelo apoio recebido deste grupo, bem como dos mercenários que o acompanhavam quando ele fugia de Saul (2Sm 22).

(2)

pastores e agricultores possibilitavam o fortalecimento do reino

de Judá.87

Em Judá, conforme Schwantes, a agricultura e a pecuária estão próximas, uma vez que se tem “criadores de ovelhas e cabritos; havia habitantes na Serra e no Deserto de Judá são marcados pelo pastoreio. As poucas chuvas nestas regiões dificultam a agricultura, em alguns casos havia a

formação de muitos rebanhos nestas regiões (1Sm 25)”.88 Em contrapartida,

também existiam aqueles que viviam na região produtiva da Sefelá. Havia até os que conjugavam estes dois tipos de produção: agrícola e pastoril. Essa é a

conhecida Judá, grupos sociais sob o mando do campesinato.89

Dessa forma, nesta região, marcadamente campesina, é desenvolvida a tradição de Davi pastor de ovelhas, que também faz parte deste conjunto sócio-político, e mais tarde teve contornos teológicos muito específicos, no que se refere ao messianismo. A região de Judá conservou, portanto, a história traditiva de um messianismo anti-palaciano, e ao mesmo tempo, anti-sionita.

Um dos expoentes dessa tradição de Judá, e aqui da teologia

messiânica do campo, é o profeta Miquéias90. Este que é contemporâneo de

Isaías. Miquéias, que significa quem é como Javé,91 foi o último profeta bíblico

do século 8º. a.C. Natural da aldeia da Sefelá, em Judá, chamada Morasti-Gati

(Mq 1.1; Jr 26.18) localizada a 35 km oeste de Jerusalém92. Conjectura-se que

Miquéias pode ter sido um camponês pobre, um trabalhador do campo ou um proprietário de terra. Mas o que interessa a esta pesquisa é o fato de sua profecia apontar para um messianismo característico do campo.

Miquéias proclama sua mensagem contra as capitais, Samaria e Jerusalém, centros de influência da nação (Mq 1,1). Entretanto, este profeta

87

FARIA, Jaci Freitas. “Essa é a história de Israel?”. p. 25.

88

SCHWANTES, Milton. “Esperanças messiânicas e davídicas”. p. 21.

89

SCHWANTES, Milton. “Esperanças messiânicas e davídicas”. p. 21.

90

A respeito da profecia messiânica em Miquéias será trabalhado no capítulo 4.

91

AMSLER, Samuel, et all. Profetas e os livros proféticos. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 121.

92

Cf. SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2004 p. 212.

(3)

reconhece a importância geográfica destas capitais no que se refere às transações comerciais. Conforme Milton Schwantes,

Jerusalém é indispensável. Miquéias chega a designá-la como

‘porta de meu povo’. No caso, ‘meu povo’93 são os habitantes

de Judá (...). Judá necessita, pois de Jerusalém. E esta cidade é basicamente uma entidade comercial, uma ‘porta’ de chegada e de saída dos produtos: saída da produção de Judá (carnes e cereais), chegada de mercadorias internacionais.

Portanto, Judá passa por Jerusalém.94

Deste modo, observa-se que Jerusalém tem a sua importância para Judá, mas não como centro de culto ou de procedência messiânica. Através do profeta Miquéias, Javé roga a Israel e a Judá que volte para Ele, abandonando a injustiça e o culto a outros deuses.

Além deste aspecto há que se ressaltar na profecia de Miquéias a tradição messiânica que provém de Belém, “Mas tu (Belém), Éfrata, embora a menor dos clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que será dominador em Israel. Suas origens são de tempos antigos de dias imemoráveis” (5,1). De acordo com Gerard von Rad,

O oráculo messiânico de seu contemporâneo (Isaías), Miquéias há de ser interpretado no mesmo sentido: se o profeta se dirige ao clã dos efraimitas de Belém, de que saiu Davi, e prediz que deste clã nascerá ‘aquele que há de reinar sobre Israel’ (môschêl, Mq 5:1), é que Javé recomeça sua obra messiânica e a retoma exatamente no lugar donde a fez partir da primeira vez, isto é, de Belém.95

93

Ver excurso a seguir sobre “meu povo”.

94

SCHWANTES, Milton. “Esperanças messiânicas e davidicas”. p. 21.

95

(4)

Ainda se destaca o fato de que para Miquéias em 5,3, o messias, ungido de Javé, “apascentará o rebanho pela força de Javé”, a saber, o messias seria alguém do âmbito pastoril, do campo. Para Miquéias, o messias não pode vir de Jerusalém, uma cidade corrompida pela injustiça (Mq 3,9-12). O ungido de Javé deveria ter “suas origens de tempos antigos, de dias imemoráveis” 5,1b. Esta referência diz respeito à tradição davídica do campo, ou seja, quando Davi foi procurado por Samuel para ser ungido rei (1Sm 16), ele estava apascentando o rebanho de seu pai, e pertencia à Belém de Judá. A este respeito, Schwantes assevera o seguinte:

O davidismo está vinculado à pequenez da vila de Belém, não à arrogância exploradora de Jerusalém (3,9-12). Neste sentido, não há contradição maior entre uma postura anti-Jerusalém e outra pró-Davi, pois ambas estão enraizadas na mesma realidade: têm sua origem no campesinato judaíta, do qual Miquéias é porta-voz. Os camponeses se opõem à

incorporação do davidismo ao mundo cortesão da capital.96

Destarte, encontra-se no texto de Miquéias uma importante tradição messiânica do campo, do qual o Novo Testamento também evoca, por exemplo, em João 10 quando Jesus se revela utilizando a figura do “bom pastor”. Ou ainda alguns sinóticos que descrevem o nascimento de Jesus em Belém (cf. Mt 2,1; Lc 2,4).

Excurso: “Meu povo”

Em Miquéias 6,3 e 5, e outros textos, encontra-se a expressão vocativa “meu povo”. Mas a quem o profeta se dirige ao usar tal expressão? Esta é uma pergunta latente nos textos devido a perícope enunciar como receptores do oráculo “Israel”, “meu povo” e “humanidade”. A primeira vez que ocorre “meu povo” (‘ammi) no Antigo Testamento é em Ex 3.7, onde Deus fala da aliança com os descendentes de Abraão, pois o “meu povo” ali estava sob o poder dos

96

(5)

egípcios. Pode-se observar neste texto um primeiro apontamento para saber quem é este “meu povo”, de vez que o texto relata um povo exilado e oprimido.

Na monarquia, segundo Siqueira, o “meu povo’ são os camponeses leais ao davidismo”, e quem transmite as ideias desse povo são:

pelo menos dois possíveis transmissores das tradições do povo da terra: os anciãos dos camponeses do interior de Judá, que Jeremias denomina ‘anciãos da terra’ (26,17-18) (...). É possível supor que as denominações: anciãos da terra e meu

povo sejam da mesma grandeza do povo da terra.97

Para Schwantes, em 1,9 o “meu povo” são os habitantes de Jerusalém que nada fazem, mas sofrem pelas injustiças de ricos e poderosos, além de serem desnorteados pelos falsos profetas. Meu povo’ é em geral, a totalidade do sofrido povo de Deus e, em especial, os moradores de Jerusalém acuada (...), estes não são os que antes eram ‘Jacó’ e ‘Israel’ exploradores. Ou seja, este ‘meu povo’ é o povo sofrido e que Jerusalém passa a ser a “porta do meu povo”.

O “meu povo”, portanto, eram os camponeses oprimidos, agricultores empobrecidos, da região da Sefelá, os quais eram empobrecidos à espoliação

por parte dos latifundiários e chefes da nação.98

97

SIQUEIRA, Tércio Machado. O Povo da Terra no Período Monárquico. 1997. 195f. Tese. (Doutorado em Ciências da Religião) – Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Umesp, São Bernardo do Campo, 1997. p. 52.

98

Para maiores esclarecimentos sobre “meu povo”, conferir: SCHWANTES, Milton. Meu povo

em Miquéias. Belo Horizonte: CEBI, 1989. (Cadernos do CEBI nº 15). e SIQUEIRA, Tércio

Machado. O Povo da Terra no período monárquico. SBC: S/Ed. 1997, p. 52. Conferir também: HAHN, Noli B. A profecia de Miquéias e “meu povo”. Memórias, vozes, experiências. S.B.Campo: Umesp, 2002. (Tese de Doutorado) 283p.

(6)

1.3.2 – Messianismo de Jerusalém

A teologia de Jerusalém é marcada pela fundação de Salém como cidade da justiça e do trono de Javé. O messianismo que daí brota, está distante do messianismo camponês de Judá. Sobre a importância de Sião neste contexto, Roberts destaca o seguinte:

Há uma complexidade de motivos usados para glorificar Sião/Jerusalém como a cidade real de Javé, a morada terrena de Deus de onde ele exerce seu governo sobre o mundo. Jl 3,16-17 (hb 4,16-17); Zc 14,8-8; Sl 48,1-2 (hb 2-3); Sl 76,1-2 (hb 2-3); Mt 5,35. Quatro ou às vezes cinco motivos são analisados como pertencentes a esta tradição: a) A montanha divina – a montanha baixa sobre a qual Jerusalém foi construída é considerada uma montanha muito alta (...). b) O rio do paraíso – uma das nascentes de água em Jerusalém é vista como um rio poderoso e paradisíaco, trazendo alegria para a cidade de Deus e fertilidade e cura para seu povo (...). c) A conquista do caos – porque Javé está na sua cidade, Sião/Jerusalém não pode ser abalada pela ameaça das águas do caos (...). d) A derrota das nações – Javé também salva a cidade Santa de uma derrota súbita diante da ameaça dos reis estrangeiros que lutam contra Jerusalém. O resultado é o fim

da guerra e o começo de uma era de paz. 99

Essa concepção da cidade real de Javé passa, a partir da monarquia, a ser cooptada pelo rei. A atribuição de representar Javé, e prover a salvação para o povo, passa para o rei.

Dentre estes conceitos, sobre o valor de Sião/Jerusalém, destaca-se também o fato de que se trata uma cidade conquistada por Davi (2Sm 5,6-9). Aliás, esta cidade tinha uma posição privilegiada, pois o rei com sua política de

99

ROBERTS, J. J. M. “Zion”. In: CRIM, Keith (ed). The Interpreter’s Dictionary of the Bible. Supplementary Volume. Nashville: Abingdom, 1976. 985-986.

(7)

fortalecimento, queria a unidade territorial de Israel. Sua importância, de acordo com Schmidt, não é somente por causa de sua localização geográfica, “mas a certos acontecimentos históricos. Dentre estes sobressaem inicialmente os acontecimentos da época de Davi e Salomão, que lançam os fundamentos

para a dignidade da cidade”.100

Além disso, há o fato de que se tratava de um território ainda não conquistado por nenhum dos grupos, tanto do Norte quanto do Sul. Neste aspecto, Noth salienta o seguinte: “Davi pensou que Jerusalém era boa como capital precisamente pela falta de vínculos com qualquer das zonas próprias

das tribos israelitas”.101 O que para Bright,

Hebrom, localizada no território de Judá, bem ao sul, não poderia ter sido permanentemente aceita como capital pelas tribos do norte. Já uma capital o norte seria duplamente inaceitável por Judá. Jerusalém tinha uma excelente posição, porque, além de estar localizada entre as duas regiões, não

estava no território de nenhuma delas.102

Outro fator marcante para a teologia jerosolimitana é o aspecto religioso. Com a conquista de Jerusalém, Davi introduz a arca da aliança que estava sob o poder dos filisteus, o que faz com que a cidade tenha cunho político e também religioso (2Sm 6,1-19). Assim como, Javé elegeu Davi e sua descendência para ocupar o trono para sempre (cf. 2Sm 7), escolheu também a “cidade de Davi” (2Sm 5,9) para ali edificar sua morada e ser encontrado pelos fiéis. A respeito desta questão Noth salienta o seguinte:

Presumivelmente na época davídico-salomônica a conexão real das coisas era, todavia, tão palpável que o reino e o culto da arca estavam relacionadas como algo evidente. É de supor

100

SCHMIDT, Werner. A fé no Antigo Testamento. p. 312. Ver também: VILLAC, Sylvia e SCARDELAI, Donizete. Introdução ao Primeiro Testamento: Deus e Israel constroem a história. São Paulo: Paulus, 2007. p. 67.

101

NOTH, Martin. “Jerusalén y la Tradición israelita”. In: Estudios sobre el Antiguo Testamento. Salamanca: Sigueme, 1985. p.146.

102

(8)

então que se buscaria fundamentar oficialmente a atuação de David em relação a Jerusalém ante a tradição israelita. Uma espécie de “teologia palaciana” pode haver esclarecido algo: que Yahvé elegeu desde agora a David como que obra de seu encargo e a Jerusalém não só como cidade real, e ao mesmo tempo como cidade de Deus, é dizer, como lugar do santuário principal e pela obra de David se legitimou o traslado da arca.103

A arca, portanto, passa a ser o objeto sagrado que vem legitimar a eleição Davi-Jerusalém. Segundo Fohrer,

Davi, depois da conquista de Jerusalém, tomou a arca, símbolo de uma associação tribal antifilistéia e garantia do auxílio divino, que tinha caído nas mãos dos filisteus e depois abandonada por eles, chamou-a “pelo nome de Yahweh

Sebaot, que está entronizado acima dos querubins”, e

transferiu-a para Jerusalém, sua capital (2Sm 6). Mais tarde, pelo menos, a arca foi considerada o palácio de Deus que era superior a todos os outros seres de âmbito divino e símbolo da eleição de Davi; em outras palavras, ela adquiriu significado

teológico e dinástico.104

Com esse significado teológico-dinástico, a arca então passa a ser o ponto de partida para a concepção de que ali, em Jerusalém, cidade jebusita, Deus faria sua morada eterna. Conforme Noth,

Só um objeto cultual que dispusera de uma tradição forte e única, é que podia conseguir que Jerusalém, cidade não israelita, adquirisse aquele papel cultual, que de pronto não necessitou do apoio da monarquia. (...) Essa importância se explica unicamente na suposição de que a arca havia sido

103

NOTH, Martin. “Jerusalén y la Tradición israelita”. p. 149.

104

(9)

antes de Davi o santuário central da aliança e de que dependia dela uma parte essencial da tradição cultual de todo o Israel, tradição que Davi vincula a Jerusalém e seguiu atuando desde ali.105

Em Jerusalém, então, é que surge a promessa da dinastia davídica (2Sm 7). Neste episódio, Natã, o profeta da corte, faz a promessa de uma dinastia sem fim para Davi. Como assevera Schwantes: “em 2Samuel 7, o davidismo nasce, pois, jerosolemita e, talvez, jebusita/canaeu! Esta possibilidade diverge, por exemplo, daquela que conhecemos de Gênesis 49

ou de Miquéias 5”,106 uma vez que nestes últimos o davidismo nasce judaíta.

Assim, fica bem demarcada a diferença da teologia judaíta e jerosolimita. Em Jerusalém o que sobressai de Davi são suas ações bélicas. É possível perceber esta característica nos Salmos tidos como “Messiânicos”, são eles: 2,

18, 20, 21, 45, 72, 101, 110 e 132.107 Estes Salmos são conhecidos também

como “Salmos de Entronização”, ou seja, Jerusalém assimilou a cultura do AOM, possivelmente cananéia, de estabelecer uma solenidade para entronização do rei.

Se for observado o Salmo 2, por exemplo, este é um típico Salmo de Jerusalém que tem uma terminologia bélica. De acordo com Siqueira, “este salmo contém as mais extravagantes declarações sobre o Ungido. A linguagem usada pelo compositor, para identificar a figura do messias, é fortemente

influenciada pela tipologia militar”.108 O messianismo, para este autor, sugere

uma ação bélica em prol daqueles que lhe são fiéis.

105

NOTH, Martin. “Jerusalén y la Tradición israelita”. p.156.

106

SCHWANTES, Milton. Uma dinastia para Davi: anotações sobre o davidismo de 2Samuel 7. São Paulo: 2004. p. 15.

107

Há uma diferença entre alguns autores quanto à enumeração dos Salmos Messiânicos, por exemplo, Schwantes observa os seguintes: 2; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132 e 144. Enquanto Alonso Schökel e Carniti apresentam a seguinte lista: 2; 18; 20; 21; 45; 72; 110;132, há ainda Mckezie: 2; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110.

108

SIQUEIRA, Tércio Machado. “O perfil do Messias segundo o Salmo 2”. S. In: Revista

(10)

Uma rápida observação é suficiente para constatar que o

masiah – ‘ungido’ – (v.2 e 7) possui estreitas ligações militares,

já que os feitos, atribuídos a ele, possuem essa característica. A tipologia militar está bem presente nesta composição (...). A tônica deste salmo está na exaltação da figura do Ungido de

Javé à frente do governo de Jerusalém e do mundo.109

Portanto, a partir deste salmo, observa-se que a figura do rei é messiânica e tem seus contornos políticos e militares, afinal, a teologia sionita preserva a tradição de que de Sião virá a libertação para todos os povos, uma vez que ali Javé estabeleceu seu trono para sempre. Para Siqueira:

O Salmo 2 pertence a um grupo de composições que se caracteriza por mostrar o messias como um rei guerreiro que desdenha e ridiculariza os seus adversários, e está plenamente convicto de seu poder e de sua eleição divina. Evidentemente que esse perfil vai contrastar com aquele do messias pastor,

esperado por Miquéias, Jeremias, Ezequiel, entre outros.110

A partir do Salmo 2, portanto, observa-se que o movimento messiânico de Jerusalém, e do qual o messias surgirá, é um ambiente de guerra e desejo de uma paz estabelecida a partir de instrumentos bélicos, dos quais o messias é o executor.

Em Jerusalém, conseqüentemente, predomina esse caráter de um messianismo militar, como fora aludido, com contornos políticos palacianos. A profecia de Isaías 8,23-9,6 se contrapõe a este tipo de teologia e propõe uma nova releitura do messianismo, como será visto alhures.

109

SIQUEIRA, Tércio Machado. “O perfil do Messias segundo o Salmo 2”. p. 138.

110

(11)

1.3.3 – Messianismo do Norte

A ideia de um messianismo do Norte soa estranha aos ouvidos, isso porque quando se menciona o movimento messiânico o que vem logo à mente é uma tradição sulista, cujos representantes são Judá e Jerusalém. Entretanto, Ricardo Pietrantonio defende a tese de que há um messianismo nortista em seu trabalho: “El Mesias Asesinado – El Mesias ben Efraim en el Evangelio de Juan”111.

Apesar desta tese ter como pressuposto que o messianismo é uma tradição característica do Sul, destacar-se-á brevemente a respeito do movimento messiânico a partir do Norte, conforme o autor supracitado, à fim de se observar como esta tradição foi desenvolvida durante muito tempo, e qual contornos ela adquiriu ao longo dos séculos.

Analisando o texto de João 11,54, o qual relata que Jesus esteve em Efraim, o autor aponta para o fato de que daí resulta muito mais a dizer do que parece, ou seja, neste texto há uma expectativa messiânica. E ainda, segundo Pietrantonio,

O dito tem suas conseqüências. E uma delas é precisamente que a concepção messiânica de João ostenta o sofrimento: apresenta um Messias sofredor, não triunfalista, e, se nos permite, tampouco, de caráter político. O que sabemos do Messias real davídico não encaixa bem neste esquema joanino.112

Pietrantonio salienta que no tempo de Jesus havia uma expectativa messiânica de messias filho de Efraim que aparecia junto às tradições que defendiam o messias filho de Davi. Isso porque existia uma pluralidade de

111

Cf. PIETRANTONIO, Ricardo. “El Mesias asesinado – el Mesias ben Efraim en el evangelio de Juan”. In: Revista Bíblica, ano 44, nº 5. Buenos Aires: Litodar, 1982/1.

112

PIETRANTONIO, Ricardo. “El Mesias asesinado: el Mesias ben Efraim en el evangelio de Juan”. p. 2.

(12)

seitas na época, por isso há que se pensar também na existência do que o autor chama de “um judaísmo normativo ou oficial’ frente a um resto de

‘heterodoxia”,113 e por causa desse judaísmo normativo é que não sobressai o

messias filho de Efraim.

No Evangelho de João 11,54 é a única vez que aparece Jesus em uma aldeia de Efraim. Paro autor, este itinerário tem conteúdo messiânico, uma vez que a questão teológica para o não aparecimento em outros lugares geográficos da passagem de Jesus. Segundo Pietrantonio, ainda há o fato de que “Jesus vai para a terra de resistência, Judá, saindo de Efraim, uma terra de acolhimento, porque quer cumprir, segundo o EvJn, uma aspecto que, de outro

modo, escaparia de sua obra redentora”.114 Ou seja, quando Jesus vai para

Judá isso demonstra parte de sua ação redentora, morrer, quem sabe pelos religiosos, a fim de cumprir sua missão.

Igualmente, a partir do texto em questão, João 11,54, este autor aponta que “o lugar em que se manifesta primeiro o Messias filho de Efraim é a Alta Galiléia, de onde reúne seus seguidores para marchar rumo a Jerusalém e reedificar o templo e oferecer sacrifícios”, com isto “se opõe qualquer expectativa davídica e sulista, com todo o caráter triunfalista que a caracteriza”.115

Desta forma, observa-se que, havia vários movimentos messiânicos no

tempo de Jesus,116 e um deles via um “Messias filho de Efraim”, com uma

característica peculiar em relação a outros movimentos, que na sua essência eram sulistas. Esta teoria parte para uma nova releitura de Jesus, descrevendo-o a partir do Norte, algo novo na tradição teológica que aponta somente os contornos messiânicos no sul.

113

PIETRANTONIO, Ricardo. op. cit. p. 3.

114

Idem. p.22.

115

Idem. p. 63-64.

116

Sobre estes movimentos conferir: SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no

tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998. 374p, e HORSLEY,

Richard A. e HANSON, John S. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo

(13)

2

Corpus

117

da literatura isaiana

2.1 – Contexto histórico-social de Isaías

Para discorrer sobre o corpus da literatura isaiana, faz-se necessário apontar os acontecimentos históricos do século 8º. a.C., uma vez que eles estão estreitamente ligados à profecia de Isaías nas perícopes objetivo desta tese. Há que salientar o entorno político do cenário nacional, em Judá e Jerusalém, e internacional, com o surgimento da Assíria como potência estrangeira, pois este contexto elucida questões essenciais nos textos.

A questão política não é preterida no exercício da profecia isaiana, pois nela se percebe a confiança do monarca em Javé ou não (Is 7,1-17 e 2Rs 16,7), e ainda, qual a relação entre religião e ações políticas em benefício do povo de Judá.

2.1.1 – O cenário nacional do Sul – Judá e Jerusalém

Na primeira metade do século 8º., Judá e Israel viviam um período de crescimento econômico e político, devido ao controle das rotas comerciais que cruzavam as terras de Israel. Segundo Sicre “é uma época de prosperidade econômica e de independência política, que só será ameaçada nos últimos

anos”.118 E ainda conforme Montagnini:

No governo de Ozias (738-739), o minúsculo reino de Judá (como também o de Israel, um pouco maior) teve um período de discreta prosperidade, tornada possível pelo momentâneo

eclipse das potências maiores. O país progride

economicamente, graças, entre outras coisas, a uma metódica

117

Segundo Trask, corpus é “um conjunto de textos escritos ou falados numa língua, disponível para análise”, e aqui será utilizado este conceito para trabalhar o cenário no qual Isaías viveu, pois o que se sabe está em textos disponíveis para análise. TRASK, R. L. Dicionário de

Linguagem e Lingüística. São Paulo: Contexto, 2004. p. 44.

118

(14)

ampliação das fronteiras na direção do golfo de Elat e à aquisição de novos mercados, que dão mais estabilidade à

estrutura do organismo estatal.119

Como já fora salientado, Jerusalém tem importância no aspecto comercial para Judá. O mesmo ocorre com Samaria, pois também faz parte do comércio que segue para o Mediterrâneo. Entretanto, esse crescimento não atingia as classes menos favorecidas. Antes, serviam apenas a um pequeno grupo que detinha o poder, tanto governantes, como sacerdotes e toda classe alta, palaciana, de Jerusalém que se beneficiavam através de uma política interna corrupta, e da qual os profetas deste período são veementemente contra. Para Montagnini, “a prosperidade econômica provoca dois inconvenientes: o de acentuar a distância entre ricos e pobres e o de favorecer

o relaxamento religioso”.120

No que concerne à Jerusalém, e sua posição diante das injustiças que estavam ocorrendo, Sicre salienta o seguinte:

Para Isaías, Jerusalém atraiçoou a Deus porque traiu os pobres. Esta traição é obra das autoridades (‘teus chefes’), que se encontram diante de dois grupos sociais: os ricos, que enriquecem roubando, e os pobres, representados pelos seres

mais fracos da sociedade.121

Sicre ainda destaca os problemas na “administração da justiça nos tribunais, comércio, escravidão, latifundiarismo, salário, tributos e impostos,

roubo, assassinato, garantias e empréstimo, luxo”122. Ou seja, acontecia

naquela ocasião a injustiça social, a qual os detentores do poder promulgavam leis injustas para benefício próprio.

119

MONTAGNINI, Felice. Isaías 1-39: o olhar do profeta sobre os acontecimentos da história. São Paulo: Paulinas, 1993. p. 8.

120

Idem. p. 8.

121

SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 369.

122

(15)

Na administração, o povo era cada vez mais espoliado, pois a justiça não acontecia nem no Templo e nem nos portões. Antes, segundo denuncia o próprio Isaías, “Ai dos que promulgam decretos iníquos e redigem com entusiasmos normas de opressão para deixar indefesos os fracos e sem defesa e roubar aos pobres do meu povo o seu direito” (10,1-2), a saber, as leis eram utilizadas para a injustiça contra o pobre, e ainda aqueles que eram responsáveis pelo bem-estar da população, decretavam leis injustas para se auto-beneficiarem. Essa denúncia também aparece em Miquéias 3,11a “seus chefes julgam por suborno”, estes são os chefes das cidades que torcem o direito e a justiça.

O comércio era outra forma de espoliação dos mais pobres, além do enriquecimento ilícito, pois aqueles que não podiam pagar davam suas terras como parte do mesmo e assim não cumpriam o jubileu. Há também que se destacar a escravidão. De acordo com Sicre, “é possível que Isaías e Miquéias tenham em mente o problema quando falam dos órfãos que se transformam em ‘butim’ dos poderosos (Is 10,1-2) e dos meninos a quem se rouba a

dignidade para sempre (Mq 2,9)”.123

Em Judá e Jerusalém, há um grupo forte que distorce as leis e são denunciados pelos profetas (Is 1,10-20; Mq 3,1-12). Esse grupo politicamente ativo e donos de grandes propriedades são aqueles que tecem e traçam todos os planos comerciais e políticos de Jerusalém e Judá. Entretanto, mais ou menos em 740 a.C. surge uma nova potência no horizonte, a saber, a Assíria.

2.1.2 – O cenário internacional

A partir do 12º. século a.C., há uma reorganização dos países em destaque no AOM, e essa nova situação, conforme Donner,

Não partiu do Egito. Partiu da Mesopotâmia, mas não da antiga civilização da Babilônia, mas sim dos assírios de ambos os

123

(16)

lados do Alto Tigre. A ascensão do império neo-assírio à posição de potência dominante no Oriente Próximo de modo algum foi repentina, mas aconteceu passo a passo. O resultado foi um grande império de uma espécie totalmente nova: uma estrutura de poder sem igual que determinou os destinos do

Oriente Próximo durante séculos.124

A começar por Tiglate-Pileser I125 (1117-1077), ocorreram diversas

tentativas de produzir um império marcante no AOM, o que veio acontecer de fato somente com Assurnasipal II (891-858), com uma política severa. Entretanto, com Tiglate Pileser III (745-727), inicia-se uma incursão assíria mais acirrada em relação aos outros povos, inclusive a Palestina.

Portanto, já por volta de 740 a.C., a Assíria começa a lutar pelo domínio da Síria-Palestina a fim de controlar as passagens para o Egito e o Mar Vermelho. Porém, Israel e Síria não aceitaram o domínio assírio, sob Tiglate-Pileser III. Assim sendo, este, “desenvolveu um sistema de gradual aniquilamento da autonomia política dos pequenos estados com o objetivo de incorporá-los na estrutura das províncias assíria”,126 ou seja, a Assíria adotou um sistema de vassalagem para que os estados conquistados pudessem servi-lo por medo de destruição total.

Tiglate-Pileser III, para conter as revoltas dos povos dominados, assimilou de seus antecessores os métodos de guerra e constituiu os “estágios de vassalagem”, que consta das seguintes etapas:

1º. estágio: ação bélica com a obrigatoriedade do pagamento de tributos

anuais, e conforme a circunstâncias exigia-se o alistamento de tropas auxiliares;

124

DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. V. 2. p. 337. Conferir também: BRIGHT, John. História de Israel. p. 360-373.

125

Nomenclatura e datas conforme Herbert Donner.

126

(17)

2º. estágio: caso houvesse conspiração comprovada contra a Assíria

ocorria a intervenção militar, e instalação de um dinasta pró-assírio. Havia também a possibilidade de redução de territórios e os tributos obrigatórios eram elevados;

3º. estágio: se nenhum dos outros estágios fosse observado com

devida subordinação ocorria a instalação militar e definitiva ocupação dos territórios, estabelecendo assim uma província assíria, além da deportação esta prática “tinha por objetivo tirar as lideranças da população autóctone do país ocupado, tornando-a desse modo

incapaz de agir politicamente”.127

Com esse cenário internacional, de aproximação da Assíria na

Palestina128, Israel e Síria propôs a Acaz, rei de Judá, uma aliança antiassíria

(Is 7.1-9). Entretanto, Acaz, que não acreditava na vitória sobre os assírios, não aceitou se juntar à eles. Com isso, Israel e Síria vieram contra Judá e o rei

Acaz pediu ajuda a Assíria,129 (cf. 2Rs 16,1-19), dando origem à guerra

Siro-Efraimita,130 que é o cenário de Isaías 6,1-12.

Quando, no final da primavera ou no verão de 734, Rezim de Damasco e Peca de Israel (735-732) tentaram envolver o rei Acaz numa coalizão antiassíria, ele opôs uma resistência

127

Para maior aprofundamento sobre este sistema gradual de aniquilamento consultar: DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. V. 2. p 342-343. Ver também NAKANOSE, Shigeyuki e PAULA PEDRO, Enilda de. Como ler o primeiro Isaías (1-3): confiar

em Javé, o Santo de Israel. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2002. p. 19.

128

Apesar deste termo ter sido dado pelos romanos, no 1º. século a.C. ele aparece aqui para designar as terras bíblicas do século 8º. a.C.

129

Segundo Asurmendi, “O rei de Jerusalém não se deixa convencer quanto à eficácia dessa promessa e decide utilizar, ele também, os grandes meios: faz um apelo a Teglate-Falasar para que o salve. Este com certeza não precisava desse apelo para intervir na região; mas o fato é que ele responde ao apelo de Acaz e vem pôr ordem nos negócios da região”. ASURMENDI, Jesus. M. Isaías 1-39. São Paulo: Paulinas, 1980. p. 61.

130

A nota nº 23, de DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. V. 2. p. 352, destaca o seguinte sobre a nomenclatura Siro-Efraimita: “Esta designação esquisita tornou-se habitual. Ela se baseia no fato de as antigas traduções (LXX, Vulgata) e depois delas também de Lutero terem reproduzido ‘Arã, arameus’, com ‘Síria, sírios’. Efraim representa pars pro toto o Reino do Norte, Israel; cf. também Is 7,2”. Sobre a guerra Siro-Efraimita, conferir também: ASURMENDI, Jesus M. Isaías 1-39. p. 60-62.

(18)

pertinaz a essa proposta. A partir daí desenvolveu-se a

chamada guerra siro-efraimita.131

Como Judá não entrou nesse embate político e econômico, foi necessária a ajuda militar assíria, que posteriormente começou a cobrar impostos de Judá (2Rs 1,18), impondo-o o primeiro estágio de vassalagem.

Com Ezequias, Judá manteve-se em princípio a posição de vassalo.

Contudo, por volta de 705 a.C., com a morte de Sargom, rei da Assíria, Ezequias tentou uma revolta (2Rs 18,7), uma vez que quando um monarca morria os estados dominados procuravam uma forma de se libertarem. Todavia, tal liberdade não ocorreu devido ao controle do novo rei assírio, Senaqueribe, no sul da Palestina (2Rs 18,13-15). Este rei aprisionou Ezequias em Jerusalém, embora não a tenha destruído, e após sua morte seu filho,

Manassés, continuou vassalo dos assírios.132

Com relação a Israel, até o final de 722 a.C., conseguiu manter-se contra a Assíria. Nesse ano, Samaria foi conquistada e então veio a tornar-se província do Império Assírio, pois já estava no terceiro estágio de vassalagem. Desse modo, a população foi deportada e outros povos começaram a morar em Samaria (2Rs 17).

O domínio assírio prevaleceu até por volta de 612 a.C. Daí a importância de compreender o embate político e econômico no século 8º. a.C., pois Isaías

profetizou sob o reinado de Jotão até Ezequias,133 ou seja, um período de

extrema riqueza e consolidação, e outro de extrema pobreza e subordinação.

131

DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. V. 2. p. 352.

132

BRIGHT, John. História de Israel. p. 373-383.

133

Conforme Isaías 1,1: “Visão que teve Isaías, filho de Amós, a respeito de Judá, e de Jerusalém, nos dias de Ozias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá”.

(19)

2.1.3 – A profecia isaiana

Segundo Gerard von Rad, “a pregação de Isaías é o mais grandioso

fenômeno teológico de todo o Antigo Testamento”.134 Há que se concordar com

esta assertiva, pelo fato de se encontrar no livro de Isaías diversas tradições e temas concernentes à teologia veterotestamentária, numa linguagem culta, e, ao mesmo tempo, intrigante. A mensagem do texto perpassa os aspectos proféticos de forma marcante, a saber, a fórmula castigo e salvação – esta já

anunciada no nome do profeta: Javé salva135 – são entrelaçadas numa

conjuntura que leva a um estudo dialético de cada texto e mutuamente complementar, castigo e salvação são aspectos de uma mesma temática.

A profecia de Isaías se encontra num contexto de guerra e embates políticos internacionais e a falta de confiança de Acaz na providência de Javé. A vocação do profeta no capítulo 6,1-13 ocorre no ano da morte do rei Ozias, provavelmente em 740 a.C. o que aponta para a aproximação da Assíria junto a Jerusalém e Judá.

3. Isaías e a tradição messiânica de Jerusalém e Judá

As primeiras ocorrências do termo maxiah, como sujeito, são com Saul (1Sm 24,7) e Davi (1Sm 5,17). Isso porque o messianismo, a monarquia, bem

como a profecia caminham juntas,136 principalmente no reino do Sul.

Entretanto, foi com Davi que se acentuou o ideal messiânico. Para Bailão:

134

RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. Vol. 2. p. 140.

135

Sobre a intervenção do profeta, Wolf salienta o seguinte: “A própria pessoa do profeta é um sinal da atividade de Iahweh”, e ainda, “Não apenas a pessoa, mas também o comportamento do profeta esclarece a nova intervenção de Iahweh na vida de seu povo”. WOLFF, Hans W.

Bíblia Antigo Testamento, introdução aos escritos e aos métodos de estudo. São Paulo:

Paulinas, 1978. 64-65. Também CROATTO, J. Severino. “Composição e querigma no livro de Isaías”. In: Ribla, nº 35/36. Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 2000. p. 49, sobre a função simbólica dos nomes de Isaías e de seus filhos, que eles “se transformam em palavras

geradoras de mensagens de juízo e de libertação que resumem todo o livro”.

136

A respeito do messianismo e da monarquia, já foi destacada a relação que existe entre elas e suas conseqüências. Quanto à profecia e à monarquia, é interessante salientar a tese de Milton Schwantes de que a profecia bíblica surge, concomitantemente, com o período da monarquia (11º século antes da era cristã) até o período pós-exílico (6º século antes da era cristã), culminando com o fim do período monárquico em Israel e o surgimento de movimentos

(20)

As características messiânicas de Davi apresentadas nesse texto (1Sm 16,1-13) são: Ser escolhido por Yahweh. Ao contrário de Saul, que foi escolhido pelos anciãos dos setores dominantes de Israel, Davi foi escolhido por Yahweh pela intermediação de Samuel. Porém, nem mesmo Samuel interferiu na escolha, pois ele inicialmente teria escolhido outro filho de Jessé. Ser tomado pelo espírito de Yahweh. Na passagem dos v. 13 e 14 de 1Sm 16 consta uma importante nota que determina toda a história seguinte: o espírito de Yahweh tomou Davi e se retirou de Saul. A partir daí o belemita passa a elevar-se cada vez mais, enquanto o rei, perturbado por um espírito maligno enviado por Deus, abate-se cada vez mais até a sua morte. Ser tomado pelo espírito de Yahweh faz com que Davi seja guiado por Deus através dos obstáculos que aparecerem no seu caminho. Ser precedido por esperanças

messiânicas (...). Ser catalisador dos anseios do povo (...). Por

conta destas características podemos dizer que Davi é o

primeiro messias de Israel.137

Assim, há toda uma tradição em torno de Davi, que tenta descrever a origem deste rei que serviu como protótipo para os outros, e há, pelo menos, três tradições que elaboram o surgimento de Davi no cenário de Judá, em 1Sm 16 e 17:

1) Davi é ungido por Samuel (1Sm 16,1-13);

2) Davi aparece como tocador de harpa para Saul (1Sm 16,14-23);

3) Davi vence o guerreiro Golias (1Sm 17,32-54).

e escritos apocalípticos, como de Ezequiel e Daniel. SCHWANTES, Milton. “A Profecia Durante a Monarquia”. In: BEOZZO, José Oscar. (Org). Curso de Verão. São Paulo: Paulinas/CESEP, 1988. p. 15.

137

BAILÃO, Marcos P. “A decadência do rei e a ascensão do messias – 1Samuel 13–2Samuel 5.” In; Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana – RIBLA. nº. 60. Petrópolis: Vozes, 2008/2. p. 78 (p.71-80)

(21)

Destas tradições, a unção de Davi e sua vitória sobre o filisteu ganharam maior proporção e força durante seu reinado, bem como na sua dinastia. A primeira por causa da unção e posterior eleição da sua casa para dinastia eterna. Já a segunda se fortaleceu devido ao cunho guerreiro que repousou sobre a figura de Davi, mesmo sendo considerado o menor da casa de seu pai (1Sm 16,11);

O aspecto bélico teve uma esfera muito marcante no reinado de Davi.138

Um dos motivos geradores de tal concepção ocorre com suas incursões militares. Estas que não dependiam da estrutura de um exército das tribos para sua composição, antes era formada pelo chamado “exército particular” (1Sm 22,2) de Davi. Com isso, sua reputação ganhou mais força. Até mesmo o fato

da cobrança de impostos, não tão acentuada como aconteceu com Salomão,139

foi de grande repercussão para a figura do rei como ungido de Javé, aquele que em nome de Deus vence as batalhas contra os inimigos de Israel, e ainda traz para o povo a notoriedade frente às outras nações.

Um segundo momento da tradição messiânica ocorre quando da divisão dos reinos. O Norte fica sob Jeroboão e o Sul com Roboão. Sendo que o primeiro era general do exército de Davi, e o segundo seu neto. O Norte deu continuidade à monarquia através do carisma e de sucessivas brigas internas pelo poder, não havia a tradição dinástica. Enquanto que no Sul somente os descentes de Davi é que subiram ao trono, com exceção de Atalia que reinou por volta de 841-835 a.C. (2Rs 11,1-20).

Assim, neste episódio, intensifica-se a relação entre unção e guerra. O rei, que é ungido de Javé, surge para guerrear em seu nome. Mesmo porque durante o período da separação, e posteriormente, Judá e Israel viveram um período de relativa paz, até a segunda metade do século 8º. a.C. Com isso, o

138

DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. V. 1. p. 220-221. e CAZELLES, Henri. História política de Israel. São Paulo: Paulinas, 1986. p.136

139

Segundo Nakanose e Paula Pedro: “Davi não massacrou o povo do campo com tributos, pois conseguiu assumir muitos bens e riquezas a partir de conquistas”. NAKANOSE, Shigeyuki e PAULA PEDRO, Enilda de. Como ler o primeiro Isaías (1-39). p. 17. CAZELLES, Henri.

(22)

ideal de uma dinastia davídica, regida pela unção e pela guerra, são assumidas ao longo dos anos por Jerusalém.

Apesar da morte de Davi, a teologia messiânica não perdeu força. Pelo contrário, tornou-se cada vez mais sólida, pois foi cristalizada e idealizada no

reino dividido.140 Esta assertiva, Bailão explica da seguinte maneira:

A esperança messiânica não morre com a morte do messias ou com a frustração do movimento. A esperança permanece latente até que novos fatores a despertem, promovendo outros surtos messiânicos. Assim também o messianismo davidita não se encerrou com a morte do rei belemita. Permaneceu no ideal político-religioso coletivo judaíta. Renovou-se e com o tempo desempenhou novas funções e

até incorporou novos conceitos.141

A morte de Davi faz com que haja na mentalidade das pessoas a ideia de que é possível um reino melhor, assim como foi com reino davídico. E o imaginário cresce e o messias toma contornos utópicos, pois nunca será um Davi e nunca fará reviver momentos semelhantes aos vividos com este rei. Durante muito tempo o ungido foi considerado como guerreiro, aquele que além de reger com o aval de Javé vence todos os povos.

E, dessa maneira, com a divisão, as tradições de Davi e Jerusalém ficam no Sul, conseqüentemente o messianismo também. Entretanto, como fora aludido anteriormente, há duas tradições que correram em paralelo no que tange ao davidismo: a de Jerusalém e a de Judá. Observa-se que estas duas tradições provêm de um mesmo referencial, contudo divergem em muitas questões. Poder-se-ia descrever essas diferenças da seguinte forma:

140

BAILÃO, Marcos P. M. C. “O nascimento do messianismo judaíta”. In: Estudos Bíblicos, nº 52. p. 15.

141

(23)

Em Isaías ocorre, portanto, uma nova releitura para a proposta jerolosimitana de messianismo, na qual a partir de uma criança que nascerá, o profeta aponta para a abertura política e religiosa em um novo tempo que é regido pela esperança marcada no nascimento de uma criança, como será abordado no próximo capítulo.

Há por parte do profeta, a coragem de romper com um sistema gerador de desigualdades, injustiças e medo, em favor de uma nova concepção que aponta para a criança que governará sob a força do “espírito de Javé” (11,2) e o início de um momento de paz.

Ainda sobre o messianismo em Isaías, cabe salientar a tese de Heskett, de que este conceito só faz sentido quando não há uma monarquia em exercício. Para ele um "Messias" é uma pessoa ou pessoas que "oferecem uma solução de forma extraordinária para ativar e restaurar dentro deste

mundo as promessas feitas a Davi, depois do fim da monarquia"142. Deste

modo, para este autor o messianismo isaiano é pós-exílico. Ou seja, a comunidade judaíta reinterpreta as promessas messiânicas aguardando um messias para restabelecer o reino davídico. Em oposição a esta tese, será considerado o messianismo isaiano aquele do profeta pré-exílico, que ainda

142

HESKETT, Randal. Messianism Within the Scriptural Scrolls of Isaiah. New York: Clark, 2007. p. 3.

Davi

- força (1Sm 5,1-15); - coragem (1Sm 5,6-12); - dinastia (2Sm 7) - guerreiro (2Sm 8); - carisma (1Sm 16,13) - pastor (1Sm 16,11; Mq 5,4) - frágil (1Sm 16,16; 18,18; M - coragem(1Sm 17,40-54) Jerusalém (cidade) Judá (campo)

(24)

com uma instituição monárquica em exercício, não vê nesta uma possibilidade de solução, a não ser a chegada de um novo messias.

Considerações

Neste capítulo foram trabalhados os temas de messias e messianismo, especialmente, nas tradições de Judá e de Jerusalém, assim como, se apresentou o cenário no qual a profecia de Isaías acontece. Neste sentido, o contexto social deste profeta aponta para um tipo de messianismo, que será tratado posteriormente. Mas aqui reside o início desse veio da profecia isaiana.

Há que salientar a proposta de inserção do excurso, sobre o meu povo, a fim de descobrir os aspectos políticos inseridos nesta expressão e suas implicações teológicas.

Para melhor compreender os aspectos abordados neste segundo capítulo, no próximo, para uma maior delimitação da proposta de estudo, esta tese trabalhará com as perícopes de 7,10-17, 8,23-9,1-6 e 11,1-9 a partir da perspectiva de que ambas fazem parte do “livro do Imanuel”, e que o mesmo reflete uma teologia na qual a confiança deve sobrepor o medo, bem como a falta de confiança pode até romper com a dinastia de Davi. Estas perícopes serão aprofundadas a fim de elucidar na mensagem de Isaías o papel do Imanuel, para em seguida estudar o conceito de espírito de Javé e apresentar a perícope de Isaías 11,1-9, e as conseqüências do messianismo ali proposto.

(25)

III – Abrindo portas: a trama textual de Isaías e as

possibilidades de interpretações

Considerações introdutórias

O objetivo deste capítulo é estudar três perícopes consideradas messiânicas no livro de Isaías: 7,10-17; 8,23-9,6 e 11,1-9. Os capítulos 1 e 2 desta tese apresentaram o conceito de messias e do movimento messiânico e seus desdobramentos, especialmente no Sul. A partir deste, apresentar-se-á como aparece tal teologia no texto do primeiro Isaías, mais especificamente nos textos acima mencionados.

Para tratar das perícopes messiânicas, serão utilizados os métodos

exegéticos, principalmente a Crítica da Forma, para um melhor

aprofundamento do tema. O ponto de partida será sempre o texto hebraico e suas variantes.

Sobre a escolha das perícopes, como foi salientado, o critério adotado foi o fator messiânico nelas inserido. Ainda que se considere o capítulo 7,1-9+10,17 a primeira parte que continua em 8,1-4, o recorte destes textos, a saber, 7,10-17; 8,23-9,6 e 11,1-9, se dá pela messianeidade neles contidos. O texto de 11,1-9, para muitos, trata-se de um poema pós-exílico, mas ao que

(26)

parece 11,1-9 é um texto que ainda está no contexto do domínio assírio, como será visto posteriormente.

Um dos pesquisadores que trabalham com a assertiva de que os textos com temas messiânicos são do pós-exílio, e, consequentemente, o livro de

Isaías, é Heskett143. Este autor argumenta que um texto só é messiânico

quando não há a monarquia, uma vez que o messianismo está estreitamente ligado à figura de Davi e à restauração do reino. Neste sentido, o texto que não idealiza um rei não é messiânico, até ser reinterpretado em um momento posterior.

Assim sendo, para este autor o messianismo não pode estar presente no pré-exílio quando existe ainda a figura do rei. Considerando que o messianismo se vale da ideologia de um rei ideal, ou seja, uma esperança de algo que não existe, o messianismo ocorre somente a partir do pós-exílio com as propostas de releituras. Contudo, esta abordagem restringe a concepção do messianismo bíblico, uma vez que não leva em consideração a perspectiva da insatisfação com o rei em exercício, mas cria um laço tão estreito entre o rei em exercício e messias, como se fossem figuras indissolúveis. Para os círculos sacerdotais e de poder, esta assertiva parece plausível, porém quando se olha para a profecia bíblica este modo de pensar não ocorre, uma vez que para o profeta há uma condição para que o rei sustente o título e a concepção de messias (cf. Is 7,9). Se assim fosse, seria necessário reavaliar toda a literatura profética.

Deste modo, esta pesquisa leva em consideração a perspectiva de que o messianismo também pode ser objeto de denúncia pela insatisfação com o rei em exercício. Neste caso, há que se destacar que na profecia isaiana existe uma multiplicidade de temas, mas que trata com especial atenção o messianismo. A este respeito, Nancy C. Pereira faz a seguinte observação:

Existe um messianismo especial nos textos da escola de

Isaías. As imagens messiânicas são múltiplas... plurais. Seios

143

HESKETT, Randal. Messianism with in the Scriptural scrolls of Isaiah. New York: Clark, 2007.

(27)

fartos, colo, servo sofredor, uma criança, as espadas transformadas em arados... imagens do que ainda não é, mas

que ajuda a fazer vir o que poderia ser.144

E é a partir da imagem apontada em 7,10-17; 8,23-9,6 e 11,1-9 que posteriormente será traçado as rupturas e releituras do messianismo isaiânico apresentadas nestas sub-unidades. Há que se destacar a importância que estas perícopes têm no corpus da literatura isaiânica, e esta importância, para Smith, se dá porque “nos capítulos 2-12, a quantidade de material isaiânico é

maior do que em qualquer outra parte do livro”145. Deste modo, a seguir

tratar-se-á da trama textual das perícopes proposta para esta tese.

A. A trama textual de Isaías 7,10-17

146

Nesta parte da tese serão trabalhadas questões exegéticas da perícope de Isaías 7,10-17. O destaque deste texto está justamente no anúncio proposto pelo profeta que inaugura uma nova fase da profecia: o Imanuel. O estudo deste tema será de grande valia para o capítulo seguinte, que tratará de leituras e releituras propostas a partir do Imanuel.

A delimitação deste texto (7,10-17) se dá pela composição interna, ainda

que em continuidade com a perícope anterior, 7,1-2+3-9,147 há uma

independência da mesma, uma vez que do capítulo 7,10-17 apresenta a segunda intervenção do profeta com cenário e temas diferentes. Se na primeira

144

PEREIRA, Nancy Cardoso. “O messias precisa sempre ser criança”. In: RIBLA, nº 24. Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 1996. p. 18.

145

SMITH, Louise Pettibon. “The Messianic Ideal of Isaiah”. In.: Journal of Biblical Literature. The Society of Biblical Literature, Vol. 36, No. 3/4 (1917), p. 158. http://www.jstor.org/stable/3259226 Acessado em: 15/01/2009

146

A tradução e partes do comentário de Isaías 7,10-17 e 8,23-9,6, correspondem ao material coletado e utilizado também para pesquisa no mestrado, como segue: SANTOS, Suely Xavier dos. Para uma paz sem fim: Um estudo, sócio-político e teológico, da tipologia messiânica nas perícopes de Isaías 7,10-17 e 8,23-9,6. 2005. 121f. Dissertação. (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Umesp, São Bernardo do Campo, 2005.

147

A respeito da continuidade ou descontinuidade da perícope de 7,1-17 com a perícope de 8,1-4, ver artigo: SCHWANTES, Milton. Armas não armam tendas de paz: observações sobre

Isaías 8,1-4. In: Revista Estudos de Religião, ano XVII, nº 25. São Bernardo do Campo:

(28)

perícope o anúncio é para que o rei confie na providência de Javé e o cenário é o Lago Superior (7,3), a segunda é de destituição do rei, pois o nascimento do Imanuel aponta para a deposição do rei vigente e a substituição iminente devido sua falta de fé na promessa de Deus e o seu medo (cf. 7,9).

O cenário desta perícope, ao que parece, é o próprio palácio. Se na cena anterior a testemunha era o filho do profeta (7,3), agora havia uma jovem

(14). O artigo

h'

aponta para aquela que estava presente no diálogo entre rei e

profeta.

Possivelmente, o lugar de 7,10-17 foi o palácio e a data por volta do ano

de 734 a.C.148 Há uma continuidade da perícope através da introdução

observada em 7,10: e acrescentou Javé uma palavra a Acaz dizendo. A palavra de Javé continua a ser proclamada, agora numa outra perspectiva, a

saber, o oferecimento da certeza da presença de Javé através do sinal (

tAa

).

O texto de Isaías destaca a palavra de Javé com dois imperativos: verso 11 pede (

la;v>

) e verso 13 ouvi (

[m.vi

) o que apresenta uma palavra profética de ordem para o rei. No entanto, a chamada de atenção ouvi se dá no contexto em que o rei recusou o sinal oferecido por Javé, demonstrando sua falta de confiança na proteção de seu Deus (cf. v. 11).

Há também o uso da partícula enclítica eis que (ki -

yKi

), nos versos 13 e

16, além do eis (hineh -

hNEhi

) no verso 14, Eis a jovem (

hm'l.[;h' hNEhi

), que

expressa ênfase, urgência, junto ao imperativo ouvi denotando um assunto relevante para o rei. Antes, era tratada a questão da confiança em Javé, agora a destituição do rei e a proposta de uma substituição drástica, afinal uma criança, o Imanuel, foi concebida.

Para uma maior compreensão do contexto, do qual o texto de 7,10-17 está inserido, poder-se-ia descrevê-lo, da seguinte maneira:

148

(29)

Contexto maior: 7,1-2 + 3-9 – Oráculo de salvação (Lago Superior) (ainda há tempo)

Contexto menor: 7,10-17 – Oráculo de julgamento (Palácio) (já não há mais tempo)

Contexto maior: 7,18-25 – Possível acréscimo posterior

8,1-4 – Oráculo de salvação (Pátio do Palácio) (salvação através do filho)

Também Gerard von Rad149 aponta para três cenas interligadas entre o

capítulo 7 e 8, da seguinte maneira: 7,1-9+10-17+8,1-4. Assim, há uma correlação interna entre estas três perícopes que, ao que se apresenta, trata-se de um diálogo entre o profeta e o rei, conforme quadro acima. Se são cenas encadeadas num mesmo momento, o texto não elucida esta questão, entretanto elas apontam para uma crescente no texto e no lugar, o qual passa do lago superior para o palácio e segue para o pátio do palácio.

Assim, o texto de Isaías 7,10-17 aparece na forma de discurso direto em prosa, no qual há uma estrutura que aponta o rei como centro da profecia, ou melhor, a casa de Davi. E isso será descrito com maior propriedade a partir do verso 12:

A B C A’ B’

narrador  profeta/Javé  rei  narrador  profeta/Javé

v.10 v. 11 v.12 v. 13a v. 13b-17.

149

(30)

Trata-se, portanto, de um texto dialogal com perguntas e respostas. Este iniciou em 7,1-2, com a apresentação do contexto, e posterior mensagem para o rei, culminando com o oráculo de julgamento a partir do verso 13, e tendo a casa de Davi como centro da profecia. Isto é, há a estrutura concêntrica que se utiliza do paralelismo para demonstrar a importância das ações e resposta do rei neste contexto.

Quanto aos versos de 18-22, há indícios de que se trata de uma

inserção posterior. As introduções e acontecerá naquele dia... (

‘hy"h'w>

) apontam

para um futuro distante do qual o profeta Isaías está situado. Para Schwantes, “as quatro breves profecias (7,18-25), aparentes acréscimos posteriores, reforçam a distância entre a segunda e a terceira cena, entre os capítulos 7 e 8”.150

E ainda, para Sweeney, os “vv. 18-25 são freqüentemente considerados

como adições secundárias”,151 isto porque, segundo ele, os versos de 10-17

estão na primeira pessoa, ao passo que nos versos 18-25 as fórmulas estão na segunda, e ainda a reportagem (v. 10-17) indica a forma presente e neutra do verbo.

Nesta tese, será considerado, para fins exegéticos, o fato de que 7,18-25 trata-se de um acréscimo posterior.

1.1 – Texto hebraico

`rmoale zx'a'-la, rBeD; hw"hy> @s,AYw:

10

`hl'[.m'l. H;Beg>h; Aa hl'a'v. qme[.h; ^yh,l{a/ hw"hy> ~[ime tAa ^l.-la;v.

11

`hw"hy>-ta, hS,n:a]-al{w> la;v.a,-al{ zx'a' rm,aYOw:

12

tAal.h; ~K,mi j[;m.h; dwID' tyBe an"-W[m.vi rm,aYOw:

13

150

SCHWANTES, Milton. Armas não armam tendas de paz: observações sobre Isaías 8,1-4. p. 210.

151

(31)

`yh'l{a/-ta, ~G: Wal.t; yKi ~yvin"a]

hr'h' hm'l.[;h' hNEhi tAa ~k,l' aWh yn"doa] !TeyI !kel'

14

`La-WnM'[i Amv. tar'q'w> !Be td,l,yOw>

`bAJB; rAxb'W [r'B' sAam' AT[.d;l. lkeayO vb;d>W ha'm.x,

15

bzE['Te bAJB; rxob'W [r'B' saom' r[;N:h; [d;yE ~r,j,B. yKi

16

`h'yk,l'm. ynEv. ynEP.mi #q' hT'a; rv,a] hm'd'a]h'

rv,a] ~ymiy" ^ybia' tyBe-l[;w> ^M.[;-l[;w> ^yl,[' hw"hy> aybiy"

17

@ `rWVa; %l,m, tae hd'Why> l[;me ~yIr;p.a,-rWs ~AYmil. Wab'-al{

1.2 – Tradução literal 7.10-17

10. E acrescentou Javé uma palavra a Acaz dizendo:

11. Pede para ti um sinal junto de Javé teu Elohim pede da profundeza ou da altura lá em cima.

12. E disse Acaz: não pedirei e não provarei a Javé.

13. E disse: ouvi agora casa de Davi um pouco vos parece cansardes os homens? Eis que! Quereis fatigar também a meu Elohim?

14. Desse modo dará Adonai ele mesmo para vós um sinal: Eis a jovem mulher está grávida e dará a luz um filho e chamará seu nome Imanuel.

15. Coalhada e mel ele comerá para saber rejeitar o mal e escolher o bem. 16. Eis que! Antes que o menino saiba recusar o mal e escolher o bem ficará desabitada a terra cultivável diante de cujos dois reis tu tens medo,

17. fará enviar Javé sobre ti e sobre teu povo e sobre a casa de teu pai dias os quais não vieram desde o dia que apartou-se Efraim de Judá: o rei da Assíria.

(32)

1.3 – As variantes do texto hebraico

152

A perícope de 7,10-17 apresenta poucas variantes. No verso 10, o Targum153 propõe ler

Why"[.v;y>

Isaías, ao invés de

hwhy

Javé. Assim, o texto ficaria da seguinte forma: E acrescentou Isaías uma palavra a Acaz dizendo. Com esta variante o Targum aponta para a continuidade da palavra profética sendo coerente com o restante da profecia, uma vez que a partir do verso 13 é o profeta que fala ao rei.

No verso 11b, para a expressão

hl'a'v.

pede, verbo qal imperativo, a

versão de Áquila,154 Símaco155 e Teodição156 traz

ει

j a;|dhn

no Hades (hb.

Xeol), a LXX157 e a Vulgata158 apresentam também a mesma configuração

hloa{v.

Hades. Para as primeiras versões o texto ficaria assim: do Hades/Xeol

ou da altura lá em cima. O termo Xeol foi utilizado pela tradução da Bíblia de Jerusalém. Essa variante tem uma conotação teológica mais intensa, uma vez

que o Xeol é lugar de esquecimento, lugar dos mortos. Todavia, o que texto quer salientar é que o poder de Javé em dar o sinal não circunscreve ao espaço-tempo, ele é ilimitado.

No verso 13, propõe-se ler

rmaw

verbo qal perfeito, e disse, e não

rm,aYOw:

verbo qal imperfeito, e disse. Provavelmente, para dar uma coesão

maior ao texto. Mas também pode ser um erro do copista ao acrescentar o

Y

.

No verso 14, a palavra

hm'l.[;

jovem mulher aparece na LXX da

seguinte forma:

h` parqe,noj

a virgem. Áquila, Símaco e Teodição apresentam

152

Cf. FRANCISCO, E. Faria. Manual da Bíblia Hebraica, introdução ao Texto Massorético. 3ª. Ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.

153

Datado do século V d.C.

154

Aproximadamente 125-130 d.C.

155

Por volta do século II d.C.

156

Esta tradução é tida como uma revisão da LXX escrita mais ou menos em 180-192 d.C.

157

Datado aproximadamente do século III e II a.C.

158

(33)

h nea/nij

a jovem. Esta proposta da LXX foi a utilizada por Mateus 1,23,

aplicando ao nascimento de Jesus.

Ainda no verso 14, o verbo chamará (

tar'q'>

), qal terceira pessoa

feminino singular perfeito prefixado com vav, no primeiro manuscrito de Isaías

da primeira Gruta de Qumran (1QIsª)159 e o Códice Sinaítico160 aparece

chamará (

arq

) terceira pessoa masculina do singular. Deslocando a função feminina de nomear para o masculino. O texto ficaria da seguinte forma: Eis a

jovem mulher está grávida e dará à luz um filho e (ele) chamará seu nome Imanuel.

No verso 17, a expressão rei da Assíria (

rWVa; %l,m, tae

) é tida como

acréscimo posterior. Isso porque se atribui a devastação pronunciada neste versículo à Assíria.

1.4 – Forma do texto

A partir de agora serão trabalhadas a Crítica da Forma aplicada ao texto de Isaías 7,10-17 (esta mesma análise será feita também nos textos de Isaías 8,23-9,6 e 11,1-9). Procurar-se-á apresentar a estrutura do texto, a forma pela qual se apresenta, o gênero literário, bem como o lugar vivencial. Também será feito o comentário exegético do texto para que se possa embasar o próximo capítulo. Cabe salientar, que os temas acima apresentados não serão trabalhados de maneira sistemática, mas ao longo do texto.

1.4.1 – Estrutura literária do texto

Numa análise da estrutura literária161 apresentar-se-á a proposta da

seguinte composição para o a perícope de 7,10-17:

159

Estes fragmentos são datados, aproximadamente, do século I a.C.

160

Século IV d.C.

161

O termo análise da estrutura literária usado aqui foi tomado da seguinte bibliografia: SILVA, Cássio. M. D. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo, Paulinas, 2000. p. 94. Este faz distinção entre análise da estrutura literária com análise estrutural ou estruturalismo, para o autor “enquanto a análise estrutural ou estruturalismo busca uma estrutura a partir das funções

(34)

I. Oráculo de salvação: oferecimento do sinal v. 10-11 II. Recusa do sinal v. 12

III. O sinal é dado: O Imanuel v. 13-15

IV. Conseqüências do sinal: destruição v. 16-17

1.4.2 – A perícope nos seus aspectos internos

Na subunidade do verso 7,10-17, ocorre a segunda intervenção do

profeta Isaías. Nessa perícope é oferecido a Acaz um sinal (

tAa

). Todavia, o

medo de Acaz, que na verdade é o excesso de confiança no exército e na dinastia davídica, faz com ele recuse esse sinal. Certamente o rei, que não confiou em Javé, conforme verso 12, estava temeroso pelo prodígio oferecido por ele. Segundo Croatto “o sinal dado por Javé a Acaz não é de salvação, mas de castigo. Acaz é um rei que Deus rejeita por causa de sua infidelidade”.162

Para Acaz, o sinal poderia não ser bom, mas certamente para aqueles que continuaram a crer em Javé era. Isto porque haveria a substituição de um rei que não ouvia a voz de Javé, e confiava no poder bélico e nas alianças com outros povos, por uma criança. Por isso, Isaías anuncia o nascimento do

Imanuel, nome mais uma vez simbólico, conosco-está-Deus. E se Deus estará

com aqueles que confiam na sua palavra, não estará com o rei, pois suas ações são de desobediência e falta de fé na salvação que seria promovida por Javé. Não aceitar e não conhecer o sinal é desconhecer a história da salvação. Possivelmente, Acaz conhecia e se bastava pelas palavras: Eu te livrarei de

todos os teus inimigos (2Sm 7,11); Farei permanecer a tua linhagem e firmarei tua realeza (2Sm 7,2); A minha proteção não se afastará dele (2Sm 7.15).

da linguagem (que são abstrações e vão além do texto mesmo, ou seja, projeção de uma meta lingüística e de uma meta gramática sobre um texto concreto), a análise da estrutura literária busca uma estrutura fruto das relações existentes entre palavras e entre frases” do texto.

162

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