«^
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1
Sousa
Pinto,Manoel
dePortugal
e asportuguezas
em Tirso
deMolina
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Manoel
de Sousa
Pinto
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MÉ&
Portugal
e
as
portuguezas
EMTIRSO
DE
MOLINA
.IVRARIAS AiLLAUD E
BeRTRAND
PARIS-LISBOALivraria Francisco
Alves
RIODE JANEIRO
Portugal
e
as
Portuguezas
Do
auctor
:
A ÚNICA VERDADE(drama)
O MONUMENTOA EÇA DE QUEIROZ TERRA MOÇA. Impressõesbrasileiras
k HORA DOCORREIO.Phantasia e Ckronica
FEMINARIO
DOM JOÃO DE CASTRO(1500-1548)
A MASCARA(12números)
OGOMIL DOS NOIVADOS EVANIDADE
Manoel
de
Sousa
Pinto
Portugal
e
as
portuguezas
EM
TIRSO
DE
MOLINA
(Conferencia lida peloauctornarecita clássicado Theatro Nacional Almeida GarrettemMaiode1914)
Livrarias
Aillaud
eBertrand
PARIS-LISBOA
Livraria Francisco
Alves
RIODE JANEIRO I914
,^í^^P»
R
/> ^r:•n
m\H
1 1 Í93488613».
Paragarantiadoauctoredoseditores,todos os exem-plareslevamnestapaginaadivisadoauctor
:
Minhas Senhoras
eMeus
Senhores
Convidado, ha pouco mais de duas
sema-nas, para collaborar na recita
chamada
clás-sica, que,em
obediência auma
disposiçãoda lei que o rege, o Theatro Nacional
Al-meida Garrett deve annualmente levar a
eflíeito, começarei por agradecer ao illustre
presidente do seu Conselho de Gerência, e
meu
amigo, Dr.Augusto
de Castro, a subidadistincção
com
que quiz honrar-me, e porpedir ás pessoas que vào ter a amabilidade
de
me
escutarum
pouco de benevolência para o desalinho e precipitação de que omeu
trabalho, feito a correr, ha-defatal-mente
resentir-se.Para este trabalho, permittiu-se-me amais ampla liberdade quanto á escolhado thema.
Eram-me, por conseguinte, licitos todos os assumptos, desde que não perdessede vista
8
PORTUGAL
E ASPORTUGUEZAS
a circumstancia de se tratar
d'um
espectá-culo clássico.
Nessas condições, e
sem
demodo nenhum
carecer de forçar o caracter d'esta provei-tosa noite d'arte antiga, pareceu-me que nào
seria de todo desinteressante alludir, na
parte que diz respeito aos portuguezes, á
obra de
um
dos mais admiráveis clássicosda litteratura dramática do visinho reino.
Esse clássico admirável chama-se Tirso
de Molina.
E
Tirso de Molina,meus
senhores, foi o auctor hespanhol que mais vezes, ecom
maior ternura, se referiu a Portugal,
como
espero demonstrar no decurso d'esta
minha
ligeira palestra!E
Tirso de Molina é, minhas senhoras, opoeta estrangeiro
em
cujas obras,com
maiorenthusiasmo, constância e gentileza se
can-tam
as portuguezas!Apezar
de nascidonuma
terraem
que a belleza das mulheres nào teme, sequer, o confrontocom
as louçanias da huertagrana-EM TIRSO DE MOLINA
dinos, Tirso de Molina,
em
muitas eimpor-tantes passagens doseuvaliosíssimo theatro,
jamais se cansa de exaltar a formosura das portuguezas, de applaudir-lhes a lealdade
briosa, e de frisar o seu ciumento, nobre e
honesto
modo
d'amar.Era
tal a sua devoção por ellas que—
prova de extrema admiração1—
escolheu,d'entre todas as suas heroinas,
uma
portu-gueza, a encantadora Seraphina de
El
Ver-gonzoso en palácio, para collocar
em
seuslábios o elogio da arte do theatro, segundo
os novos cânones libérrimos
com
queLope
de
Vega
a emancipara da clássica rigidezgreco-romana.
Lope
de Vega, Tirso deMolina, Calderonde la Barca1 Eis, por
ordem
de nascimentos, a trindade gloriosa que deu vida immortalao esplendido theatro do periodo que, para
a Hespanha, se convencionou
chamar
«o século d'oirowlIO
PORTUGAL
E ASPORTUGUEZAS
nào ignoram, desde meiados do século xvi
até á segunda metade do século xvii, e,
as-sim
como
na pastoral é o portuguez Jorgede
Montemor
quem
o iniciacom
a sua Diana, para o theatro pode dizer-se quetiO século d'oirow hespanhol se inaugura
com
a obra d'outro portuguez, GilVicen-te, protelando-se, já
um
tanto decadente,até á morte de Calderon, succedida era 1681.
Graças aos três
nomes
que ha poucocitei,e a alguns dos muitos satellites que
em
suaorbita gravitaram, floresce, feracissima, essa
immensa
seara de comedias e autossacra-mentaes que, depois da maravilhosa
civili-sação theatral da Grécia, era, e a certos respeitos ficou sendo, a maisoriginal, amais rica, a mais brilhante, de todo o theatro
eu-ropeu.
Messe
tão farta e suggestionadora,que, forrageada, saqueada, invadida, ha três
séculos, por dramaturgos e comediographos
das mais diversas nacionalidades, ainda se
não exgottou
nem
ameaça
extinguir-se,ma-EM
TIRSO DE MOLINA 11teria-prima de
uma
grande parte das suas obras theatraes mais perfeitas.Dos
três génios, contemporâneos esobre-modo
creadores e fecundos, que a essaver-dadeira renascença presidiram,
Lope
deVega
foi, no seu tempo, o mais acclamadoe o mais representado, quer na Hespanha, quer
em
Portugal, onde a Primeira Parte das suas comedias se imprimiu. Calderon de la Barcatem
sido,modernamente, o maisapreciado: guindaram-no a alturas
inverosí-meis os românticos allemães,
em
cujaescolapoderosamente influiu;adoraram-noos ingle-zes, pela bocca de Shelley; Verlaine sobre-pô-lo aShakespeare; e doconceito
em
queosportuguezes o tiveram, di-lo, no séculoxviii, o
Marquez
de Valença, D. Francisco dePortugal, no seu Discurso apologético
em
defensa do theatro hespanhol, e ainda,
em
1881, a monographiacom
queJosé SilvestreRibeiro
commemorou
osegundo
centenárioda sua morte, ou a série de poesias
em
queFrancisco
Gomes
deAmorim
o glorificou.posteri-12
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASdade mais ingrata, pois só nos últimos
an-nos se
começou
a descobrir o seu altissimo mérito.Tirso de Molina nào terá a grandeza e a
elevação do austero Calderon de
El
Alcaidede Zalamea, de
El Mágico
prodigioso ou deLa
Vida es sueho.Não
egualaráem
fertili-dade esse wPhenix dos engenhos»,Lope
de Vega, aquem
se deve a libertação dothea-tro
moderno
de todas as peias clássicas.Mas
nem
Calderon,nem
Lope
de Vega,nem
o elegante Moreto,nem
o correctíssimoJuan Ruíz de Alarcón,nem
o auctor do Garciadei Castahar, Francisco de Rojas Zorrilla,
se lhe avantajam na graça das situações, no
pittoresco da linguagem, na variedade dos
enredos, e, principalmente, no assombroso
poder de colorido.
Em
algumas das suas obras,como
La
Devocion de la Cruz, Calderon revela-se
um
esculptor de pulso, erguendo inteiriças
figu-ras de pedra.
Lope
deVega
denunciasecomo
um
cinzelador fascinante, que parecepias-EM TIRSO DE MOLINA 13
mar
em
barro. Tirso de Molina, porém, é,quasi sempre,
um
pintorcomo
poucos,com
a penna, tem havido.
Dentro do theatro hespanhol,
Menéndez
y
Pelayo considera-o, nâo só o primeiro dos seus auctores cómicos,mas
aindacomo
oprimeiro na creaçâo de caracteres, e varias
das suas peças, algumas de
uma
ousadiaqueainda mal se
compadece
com
a scenamoder-na,
como
La
Venganza de Tamar, baseadanum
biblico episodio incestuoso, dâo, maisuma
vez, toda a razão ao critico eminente.Ao
lado, porém, dos caracteres másculos ou varonis deum
D. João Tenório, deum
D. Pedro, o Justiceiro, do Infanzon de Illes-cas, do Paulo deEl
Condenado por descon-fiado, outros caracteres mais numerosos, e talvez mais seductores, nos deixou Tirsoem
obras tâo assignalaveiscomo
La
Prudênciaen la mujer,
Marta
la piadosa,Don
Gildelas Calzas Verdes, que a fascinante Rosário
Pino o anno passado representou no
Repu-blica,
El
Vergonzoso en palácio, ouEl
Amor
14
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASEsses caracteres salientam-se peladoçura, pelo ardiloso ou pela voluntariedade;
exce-pcionalmentepela bravura,
como
em
Antona
Garcia.Ardilosos, doces ou voluntariosos, estão
vendo
que elles nunca poderiam sermas-culinos.
Quem,
na vida, sóe proceder vo-luntariosa, ardilosa ou docemente, é a mu-lher.Como
muitobem
o viuum
dos maisre-centes historiadores da litteratura
hespa-nhola, o francez Ernest Merimée, professor
da Universidade de Tolosa, sâo mulheres
«as verdadeiras protagonistas» do theatro
de Tirso de Molina.
E
poucos creadores de typos femininos haverá, cuja galeria se possa,com
vantagem, approximar da d'elle; a nâo ser,um
séculomais tarde, esse seu legitimo irmão pelo co-lorido, e, outrosim, grande perlustrador
do
feminino, que foi Goldoni.
Tirso de Molina nào se amesquinha
com
a visinhança do próprio Shakespeare, que,
EM TIRSO DE MOLINA I5
y
Pelayo, nâo tem obraalguma
em
que sup-plante a figura grandiosa de D. Maria de Molina do tirsiano primorLa
Prudência enla mujer.
Sobre a excellencia das figuras de
mu-lher ideadas por Tirso de Molina,parece-me
opportuno citaruma
opinião expendida por John Ruskin relativamente ás heroinasde Shakespeare.
Vem
no seu livroSésamo
e os Lyrios
:
«Reparemos, antes de mais,
em
que nâo«ha
nenhum
heroeem
Shakespeare; só nos «apresenta heroinas.Em
todas as suas«obras, não existe
uma
figura dehomem
«inteiramente heróica, excepto o ligeiro
«apontamento de Henrique V, exaggerado
«pelas necessidades scenicas, e o mais
li-«geiro ainda de Valentim nos Dois fidalgos ude Verona.
Nas
suas obras maistrabalha-«das e perfeitas, não encontrareis
um
único«heroe. Othello poderia ser
um
d'elles, se «a sua simplicidade não chegasse aol6
PORTUGAL
E ASPORTUGUEZAS
«baixas machinações que o rodeiam:
ape-«zar do que, é o único
exemplo
que seavi-«sinha do typo heróico.
A
energia deCo-«riolano, Cezar e António quebranta-se, e,
«ainda que por
momentos
se sustenham, «abatem-nos as suas vaidades;Hamlet
é«um
indolente e deixa-se adormecer medi-«tando;Romeu
éum
joven impaciente; o«Mercador de
Veneza
submette-selangui-«damente á fortuna adversa; Kent, no Rei
tiLear, tem
um
coração nobre,mas
dema-«siado rude e grosseiro para serverdadei-«ramente útil nos
momentos
cri ticos, e«desce ao nivel de
um
simples creado.Or-«lando, não
menos
nobre, é também, pela «sua desesperança, victima do azar,em
que«o acompanha, alenta e redime Rosalinda.
«Ao
passo que diflicilmente se encontrará«uma
obra de Shakespeare onde não appa-«reça a mulher perfeita, firmenuma
grave«esperança e
num
desígnio infallivel:Cor-«delia,
Desdemona,
Izabel, Hermione, Imó-«gena, a rainha Catharina, Perdita, Sylvia,EM
TIRSO DE MOLINA I7«Virgilia, talvez a mais amável, sâo todas
«sem mancha
e foram concebidas d'accordo«com
o mais alto typo heróico dahumani-«dade.w
É
curioso que Ruskin nâo menciona omais acabado dos symbolos femininos de
Shakespeare, a volúvel e irreal Cressida da
sua irónica phantasia sobre a guerra de
Tróia: Troilus e Cressida.
Nào
negarei a belleza das figurasfemini-nas de Shakespeare, inferiores,
sem
duvida,ás que os gregos crearam.
Em
seuconfron-to, no emtanto, as irresistíveis mulheres de
Tirso nada perdem,
como
nãoperdem
nada,quando
confrontadascom
as de Racine, aquem
—
convém
nâo esquecê-lo1—
devemos
Berenice.Numa
feliz occorrencia, já Turguenieffcelebrou oanno de 1604
como
adatamemo-rável
em
que se imprimiram pela primeiravez o
Hamlet
e oDom
Quixote, a que ellechama
«o anverso e o reverso da naturezahumanaw, apontando mais a coincidência de
l8
PORTUGAL
E ASPORTUGUEZAS
Cervantes e Shakespeare terem morrido no
mesmo
dia: a 26 de Abril de 1616.Entre Shakespeare e o auctor de que
me
occupo, não se dâo
—
que eu saiba!—
acasostâo symetricos,
mas
a Portia do Mercadorde Veneza tem grande parentesco
com
algu-mas
das verbosas heroinas de Tirso.Essas insinuantes heroinas não são
—
devo, desde já, preveni-los1—
heroinas nosentido magestosamente heróico ou
san-grentamente trágico da palavra. Chorarão
uma
vez por outra,mas
acabam, quasisem-pre, sorrindo.
Dâo
causa a muitos duellos,mas
raromatam
por suas mãos. Seriamca-pazes de morrer por seu amor,
mas
prefe-rem, no geral, casar
com
elle.Vencem
sem-pre,
mas
quasi nunca pelas armas : é pelaastúcia ou pela dedicação.
Ganham
algumaso céo pela virtude,
mas
a maioria limita-sea cumprir a virtude de amar, que é a
me-lhor maneira de fazer o céo baixar á terra.
O
desejo de vingança pode cega-las,mas
oque mais frequentemente as domina, é o ciúme.
EM TIRSO DE MOLINA I9
Sendo
o dramaturgo das mulheres, Tirsoé
um
subtil casuista do ciúme, e tendo sidoum
panegyrista das portuguezas, foi o au-ctor que melhor fez avultar o ciúmeportu-guez.
Para Tirso de Molina, a caracteristica
mais essencial do
amor
lusitano é o ciúme.Na
sua «comedia famosa»; sobreD.Beatrizda Silva, a infanta de Portugal, D. Izabel,
diz a certa altura:
DonaBeatriz
me
haquitado de mi esposola mitad,que eselalma yvoluntad
;
soloel cuerpomehadejado. Sino melerestituye conocerá por su mal quecelos de Portugal
no escuerda quienno loshuye.
E, mais adeante, a
mesma
declara :Minacíones
muy
celosa.Noutra comedia, e
uma
das mais bellas,El
Amor
médico, cuja acção decorreem
20
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASgrande parte na douta Coimbra, Tello, o
«graciosow, previne seu
amo
D. Gaspar:Elrecatoportuguês
conlas mujeres,yaves
quelibertades enfrena. El uso desto teavisa
:
toda doncellade casa
nosale hastaque se casa, niaúnlos domingos,ámisa.
E
a protagonista d*essamesma
obra, aazougada Jeronyma, avisa o
mesmo
D. Gas-par:Segunda vez,DonGaspar, enmibarrioyáestas puertas?
sien Castillaestán abiertas,
dandoocasiones lugar
quelogren susintereses, acálas cierra elhonor,
porque dei modoque amor
son los celosportugueses.
Poderia multiplicar á vontade as
EM TIRSO DE MOLINA 21
comedias de Tirso inspiradas
em
assumptoportuguez.
Intitula-se essa comedia Siempre ayuda
la verdad. Passa-se,
em
Lisboa, no reinado de D. Pedro I, e é das mais frisantesde-monstrações do conceito que o auctor
for-mava
do ciúme portuguez e da fidelidade econstância das portuguezas no amor, a
res-peito do qual
uma
das suas personagens,Alberto Vator, irmào do reida Polónia, con-fessa que
:
fuera error tener,en cosasde amor, competidor português.
Para Tirso de Moiina, de resto,
amor
eciúme são irmãos
:
Hicieron, Tello,los cielos
dosamores: ai mayor
llamancomunmente amor,
yai segundollaman celos.
Ao
que o escudeiro de D. Vasco da Cunha, que assim se exprime, replicacom
22
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASa jocosidade habitual dos «graciososw de
Tirso:
Cuandonino,me contaba
mimadre quequiso hacer
hombreseldiablo, por ver
silosdeicielo imitaba,
y quele salieronmonas;
con que temormeponía todaslasveces quevia quererimitar personas.
Y
así dijerasmejor,por laenvídia ysus desvelos,
que nosonamorlos celos sinomonas deiamor.
Nâo
attingindo, de longe sequer, apas-mosa
fecundidade deLope
deVega, que, só comedias, parece ter composto mil eoito-centas,
sem
fallar nos autos e entremezes, Tirso de Molina produziu muito, e mais po-deria ter produzido, se houvessecomeçado
mais cedo.
Segundo
declarações dignas de credito, teria escripto quatrocentas comedias,mas
d'esse avultadonumero
conhecem-se hojeEM TIRSO DE MOLINA 23
apenas
umas
oitenta, o que o colloca, para o nosso julgamento,em
manifesta inferiorida-de, nâo sócom
Lope
de Vega, do qualche-garam
até nós mais de quinhentasproduc-çôes,
mas
também com
Calderon, dequem
resta para cima de
uma
centena de traba-lhos.Todavia, apezar de mais numerosas, são
muito poucasasobras de Calderonede
Lope
de
Vega
referentes a Portugal ou aportu-guezes. Apontarei, do primeiro,
El
Príncipeconstante, allusiva ao captiveiro do Infante
Santo
em
Tanger, e, do segundo,El
Prín-cipe Perfecto,passada,
como
o titulo o indica,no
tempo
de D. João II, e tendo porprinci-pal intriga os amores de D. João de Sousa
—
que Ticknor na sua Historia da Littera-tiiraHespanholapretendeserD. João Manuel,um
dos poetas do Cajtcioneiro de Garcia deRezende
—
com
a hespanhola D. Leonor,dama
da princeza D. Izabel, mulher do mal-logrado filho do monarcha, e depois de seutio D. Manuel.
24
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASno theatro de Calderon, querno de
Lope
de Vega, haja mais algumas comedias deas-sumpto
portuguez.Por
emquanto, porém, sód'essas se sabe,
como
se sabe das comediasReynar
después de morir de Luis Velez de Guevara, cujo assumpto sâo os amores de D.Pedro
e D. Ignez de Castro,El
Divino Português de Juan Pérez de Montalban, quetem
por heroe Santo António, Caerparale-vantar deJerónimo de Câncer, Agustin
Mo-reto e do portuguez João de MattosFrago-so, consagrada á lenda de S. Frei Gil, que Mira de
Améscua também
aproveitouem
El
Esclavo dei Demónio, e da mais antigaTroféa, onde Bartolomé de Torres
Na-harro cantou os descobrimentos dos
portu-guezes.
Com
Tirso de Molina, a colheita é maisabundante.
No
total de 86 comedias que o ultimo catalogo do seutheatro, publicadoem
1907 por Cotarelo
y
Morí, lhe attribue,inte-ressam a Portugal nada
menos
deonze. D'es-sas onze, setepassam-seem
terrasSiem-EM TIRSO DE MOLINA 25
pre ayiida la verdad, Averigiielo Vargas, Las Quinas de Portugal, dois actos de
El
Amor
médico,um
acto deDona
Beairis de Silva, e varias scenas deLa
GallegaMarí-Hernan-dez. Escarmiento para elcuerdo é a dramati-sação do conhecido episodio do naufrágio de
Sepúlveda.
Antona
Garcia allude á batalhade Toro, essa pequena Aljubarrota
hespa-nhola.
E
nasduasrestantes, quesãoEl
Bur-lador de Sevilla
y
Convidado de piedra e asegunda parte de
La
SantaJuana,haimpor-tantes referencias a Portugal.
Três d'essas comedias
—
El
Vergonzosoenpalácio,
El
Burlador de Sevilla eEl
Amor
médico
—
figuram á frente das obras-primas de Tirso, e isso ainda maisaugmenta
o seuinteresse.
Nâo
seria tarefa facil, dentro dosacanha-dos limites de
uma
conferencia, efatiga-los-hia demasiado, apermenorisada narraçãodo
entrecho de todas ellas. Limitar-mehei, por isso, aindica-lo summariaraente, detendo-me,
de fugida,
numa
que outra particularidade26
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASO
entrecho de Stempreayuda
la verdadgira
em
torno doamor
deDon
Vasco
deAcuna
y
Portocarrero porDona
Blanca, aquem
Tirso de Molina deu o titulo deCon-dessa de Ademira, o que, se não é
um
sim-ples erro typographico, é, evidentemente,
uma
corrupção de Odemira.Esta D. Branca
tem
uma
prima,Dona
Elena, que se apaixona por
um
estrangeiro,Roberto, principe da Polónia. Acontece que Roberto se
namorou
de Branca a primeiravez que a viu, e
como
só a ella mostrade-sejar, Helena, para o attrahir, faz-se passar
por Branca,
com
grande desespero de D. Vasco, que pensa que amulher
que o reilhe deu
em
casamento o atraiçoa.O
rei, é,como
já sabem, D.Pedro
I, e apparece-nosdominado
pela sua violenta sede de justiça e pela incurável saudade da sua Ignez, á qual ameudo
invocaem
sentidissimosver-sos. Informado, pelo escudeiro deD. Vasco,
da supposta traição deBranca, encarrega-se,
elle
em
pessoa, de vir, de noite, guardar-lheEM TIRSO DE MOLINA 27
vae partir para a guerra. Brancatem portio
o Condestavel do reino.
Empenhado
em
de-fender a honra da sobrinha, o Condestavel
vem
também
rondar-lhe a casa, e é dassce-nas mais caracteristicas da comedia o
encon-tro nocturno d'elle
com
o rei. Estandoam-bos embuçados, nâo se
podem
conhecer.O
Condestavel intima,porisso, odesconhecido
a pôr-se
em
guarda. D.Pedro
nâose faz ro-gar, e, então o Condestavel reconhece-oim-mediatamente, pela maneira de saccarda
es-pada. Forao primeiro mestre d'armasdoreiI
Vendo
depois,já sósinho. Helena, que ellecontinua a tomar por Branca, abrir a porta
a Roberto, D. Pedro, indignado, nâo hesita,
e castiga os dois
com
um
dos seus famososrasgos, matando-os a
ambos
e atirando oscadáveres para dentro do poço do jardim;
em
seguida ao que,monologa
este inspiradosoneto:
Después que la infeliz estrellayastro con que nació miamor, el blanco velo quiso queviese, comorosa en hielo,
28
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASy un ángelretratadoen alabastro pedir venganzaá mi abrasadoceio,
quediscurrióla tierracomo elcielo
decometa veloz fogoso rastro,
nunca tuvemás penas, nima3'ores asombros, aunque puede laconciencia
mejorasegurarme la disculpa;
que ádonaInês matáronlatraidores, áBlanca unRey, con esta diferencia: culpada Blanca,y dona Inês sin culpa.
Persuadido de que matara Branca, D.
Pe-dro treme
quando
a vê de novo na sua pre-sença, para lhe pedir quemande
ordem
aomarido para regressar a Lisboa. D.
Vasco
não tarda
em
voltar, disposto a estrangulara esposa, que ainda crê culpada, agora de
adultério
com
o próprio rei. Tudo, porém,se esclarece entre elle e D. Pedro, que, fa-zendo esvasiar o poço do jardim da casa
de D. Vasco, lhe mostra os cadáveres de Helena e Roberto, afinal amantes inno-centes.
No
primeiro acto d'esta comedia, o auctor mostra-se pródigo de elogios á belleza deEM TIRSO DE MOLINA 29
Lisboae das
damas
portuguezas.Á
promessa que D. Vasco daCunha
lhe faz:no hade haberdama enLisboa
queestatardeno véais.
responde Roberto:
Dos grandezas
me
ensenaisquetodo el mundo lasloa
;
y el cielo,conmano franca, hizoen tanta perfección.
E
á pergunta que o rei lhe dirige:Quéosparece laciudad?
o
mesmo
estrangeiro replica:Queaúnes mayor quelafama quepor antiguala Uama
su noblezaycalidad.
Desde el Tajo por la orilla
deimartendido seve queviene a besarlaelpie delos montesdeCastilla.
30
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASMucho mealegrede ver
naves de tantasnaciones; mas, idondehallarérazones
si quisera encarecer de sus tiidalgos lasgalas, de sus damas lahermosura,
sin ponermeen aventura, de Paris conJuno yPalas?
Devo
accrescentar que Siempreayuda
laverdad foi incluída por Hartzenbusch entre
as comedias de Juan Ruiz deAlarcón, ainda
que admittindo para ella a collaboraçâo de
Tirso. Joào de Mattos Fragoso, refundiu-a,
com
o titulo de Very
crer, e, reivindicadapor Cotarelo
y
Morícomo
obra,em
grandeparte, de Tirsode Molina, devetersido
com-posta por dois auctores, visto que, no fim, ao
dirigirem-seao publico,D.VascoeD.Branca
o fazem no plural.
Averigiielo
Vargas
foium
dito outrorapo-pularisado
em
Hespanha.Segundo
CotareloEM TIRSO DE MOLINA 3I
Catholica, que,
sempre
que lhecommunica-vam
qualquer delicto,mandava
queinqui-risse do caso o alcaide
Don
Francisco de Vargas: averigiielo Vargas!Applicando a sentença a
uma
epochaan-terior, Tirso deMolina faz decorrer asua
co-media
em
Portugal, durante a menoridade de D. Affonso V, ou seja durante aregênciade D. Pedro, o morto infeliz de
Alfarro-beira.
Entram
na peça, além do rei e doregen-te, os infantes D. Diniz e D. Duarte, a
in-fanta D. Philippa, D. Affonso de Abrantes,
prior do Crato, Ramiro, Sancha, etc.
Sancha
eRamiro
são irmãos, e filhosna-turaes do recemfallecido rei D. Duarte, que, á hora da morte, os confiou a seu irmão
D. Pedro. D. Pedro resolve, por isso, fazer
de
Ramiro
um
cavalleiro, trazendo-o para acorte, que está
em
Santarém.Apaixonada
por elle, que ellanãosuspeita ser seu irmão, Sancha, arteira protagonista da comedia, aproveita as roupas de
um
anão que o Du-que de Vizeu pretendia offerecer ao rei, e.32
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASdisfarçada
com
onome
de Vargas, introduz-setambém
no real palácio, onde todosco-meçam
a escolhe-la para confidente. E' o ciúme,supremo
factor das peças de Tirso,quem
a move.Desde
que viu D. Philippa,filha de D. Pedro,
Ramiro
sentiu-se rendido d'amor. Para contrariar esse amor,bem
cor-respondido,
Sancha
recorre a váriosestra-tagemas, que sódâo finalmente
em
resultadovir ella a casar
com
D. Diniz, ao passo queRamiro obtém
a noiva desejada.Ainda
nesta obra, Tirso de Molina alludeao ciúme portuguez,
quando
diz pela bocca de D. Pedro:Esansí,
que todosnacenaqui tan celososcomoamantes.
Já apontei
El
Vergonzoso en paláciocomo
uma
das obras-primas de Tirso, ao qual, claro está, nâodevemos
estranhar as inexac-tidões históricas, queainda hoje, no theatro, tão facilmente se perdoam.EM TIRSO DE MOLINA 33
ouvido
em
Lisboa, nas recitas inolvidáveisda illustre Maria Guerrero.
A
scena éem
Aveiro e cercanias.Com
onome
de Lauro, apresenta-nos Tirso omes-mo
D. Pedro,Duque
de Coimbra, que vimos na comedia anterior. Alterando a historia,suppõe o auctor que D. Affonso
V
mandara
prender o tio, decidindo mata-lo.
Na
prisão,D. Pedro teve conhecimento d'essa tenção,
e, fugindo paraosmontes, ahi vive,
sem
queninguém
desconfie dasua nobreza. D.Pedro
tem
um
filho, Mireno, que criousem
lhere-velar a sua condição.
No
entanto, Mireno,sente-se differente dos pastores seus
compa-nheiros, e, ambicionando ser alguém, obtém,
com
onome
de D. Diniz, o logar desecre-tario do
Duque
d'Aveiro, por cuja filha,Se-raphina, se apaixona. Mireno, ou D. Diniz, é
timido e bisonho. Seraphina, pelocontrario,
desenvolta e audaciosa. D'ahi resulta,
como
calculam, o melhor dos casamentos.Seraphina tem
um
logar de destaqueen-tre as mais graciosas heroinasdeTirso, que,
no
segundo
acto, a faz apparecercom
traje34
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASmasculino.
O
travesti é vulgar na comedia do tempo. Tirsousou d*elle frequentemente.E, na verdade, nada mais galante do que
uma
linda mulher que, vestidad'homem,
mostra, melhor do que
com
saias, que onâo é!
O
facto de Seraphinamudar
o sexo ás roupas, justifica-se pelo facto de ella ter deensaiar
uma
peça intituladaLa
Portuguesacruel.
A
propósito doesse titulo,uma
outrapersonagem commenta:
Entiel poeta pensaba,
cuando asíla intitulo.
E
Seraphina contesta:Portuguesasoy; cruel no.
Foi Seraphina
—
uma
portuguezal—
aper-sonagem
que Tirso preferiu para porta-ban-deira das suas doutrinas theatraes, e, aindasegundo
o consciencioso investigadorCota-relo
y
Morí, a apologia que ella faz daco-media
responde ás accusaçôescom
que oPa-EM TIRSO DE MOLINA 35
dre Mariana fulminara a arte do theatro no
seu livro
De
spectacidis,impressoem
Colóniaem
1609.Esse caloroso elogio, muito digno de se
pôr ao lado do elucidativo dialogo entre as figuras da Curiosidade e da Comedia
com
que Cervantes inicia a segunda jornada do
seu Rufian dichoso, é
como
se segue: SerAFINA ; JUANA : Serafina; Nome podrástújuntar, paralossentidos todos
losdeleites que haydiversos,
como enIacomedia.
Calla. lQuéfiesta ójuegose halla,
que no le ofrezcanlosversos?
En lacomedia los ojos
lno se deleitan y ven
milcosasque hacen que estén olvidados sus enojos?
Lamúsica, inorecrea
eloído,y el discreto
nogustaallí deiconceto
yla trazaque desea?
Para el alegre,inohay risa ?
36
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASiPara el agudo agudeza? Allí el necio,^no seavisa?
El ignorante, ino sabe?
No hayguerra paraelvaliente, consejospara el prudente,
yautoridad parael grave?
Moros hay, siquieresmoros
;
si apetecen tus deseos torneos, tehacen torneos
;
si toros,correrán toros. lQuieres ver losepítetos
quede lacomedia he hallado?
Dela vidaes un traslado, sustento de losdiscretos,
dama deientendimiento, de los sentidos banquete,
delos gustosramillete, esfera deipensamiento, olvido delos agravios,
manjar de diversosprecios,
que mata de hambreá los necios
ysatisface álos sábios.
La
Ga/lega Mari-Hernandez passa se nafronteira,
em
Chaves,em
Monterey
e novalle do Lima, durante o reinado de
EM TIRSO DE MOLINA 37
São
portuguezas algumas das principaes personagens,como
D. Álvaro de Athayde,Conde
da Silveira, e D. Beatriz deNoro-nha, que, logo de principio, tenta apaziguar os ciúmes de D. Álvaro
com
estadeclara-ção:
Soyportuguesa,ybien sabes
que no hahabido en minacíon
ningunaá quienlosanales
queafrentas imortalizan,
puedannotar deinconstante.
A
comedia abrecom
uma
narração, feitapor D. Álvaro, da decapitação do
Duque
de Bragançaem
Évora e da execuçãoem
efíi-gie do
Marquez
deMontemor
em
Abrantes.Seu
parente, teve D. Álvaro de fugir paraa Galliza, onde o rei o não deixa
em
so-cego, até que se prova a perfídia dos
ac-cusadores, e D. Álvaro, restituido á sua
di-gnidade, desposa a gallega Marí-Hernandez, que tivera artes de supplantar o
amor
de D. Beatriz, e aquem
D. João II,em
paga38
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASDa
comedia Escarmientoparaelcuerdo, jásabem
que se baseia nas trágicas peripéciasdo naufrágio de Manoel de Sousa de
Sepúl-veda e sua mulher.
Quanto
ás duas obras que Tirso de Mo-lina deve ter consagrado á vida, morte emilagres de D. Beatriz da Silva, irmã, ou filha, do
Conde
de Portalegre, D.Diogo
daSilva, apenas possuimos uma, a primeira,
onde o auctor annuncia
uma
segunda parte.Dama
da infanta D. Izabel de Portugal,segunda mulher de D. João II de Castella, a heroina da comedia é essa que, nos seus
esconjuros, a Branca Gil do Velho da
Horta
de Gil Vicente invoca nestes termos:
SanctaDona Beatriz
daSilva, quesois aquella
mais estrellaque donzella,
como todoomundodiz!
A
D. Beatriz da Silva attribueDiogo
EM TIRSO DE MOLINA 39
illustrado pelo sexo feminino, a detestável gloria de haver suggerido a D. Fernando,
o Catholico, a instituição do primeiro
tribu-nal da Inquisição. Foi
uma
das precursorasdo culto da Immaculada, e a historia
ma-riana develhe o ter fundado o primeiro
convento de freiras da Conceição.
A
comedia de Tirso interessa-nos, sobre-tudo, pela figura de D. Izabel,em
quem
oauctor pintou
uma
portugueza cruel pela força dos ciúmes, que a arrastam áviolên-cia de
condemnar
a perpetua reclusãonum
armário a virtuosa rival, só para que o
mo-narcha, seu esposo, se não deixe fascinar
pela sua belleza.
Felizmente, os santos, entre os quaes
fi-gura Santo António,
accodem
a libertar a prisioneira.Abundam
em
Dona
Beatriz de Silvare-ferencias ao caracter portuguez. D. Izabel
declara ao esposo
:
Yoheheredado el ser cruel
40
PORTUGAL
E ASPORTUGUEZAS
Verdade
seja que esta crueldade nào pode Sertomada
muito á lettra, por só terorigem no ciúme, que Tirso continua a
considerar inseparável das portuguezas
:
como en matéria de amar
son portugueseslos celos.
ou ainda:
Los celosmipaciênciahanapurado;
solicitael poder, la injuriainstiga álavenganza queel rigorprofesa;
quesoy mujercelosa yportuguesa.
Num
dosmomentos
em
que o reivem
procura-la, estranha a solidão
em
queen-contra D. Izabel;
mas
ella responde-lhe :Suspensa si; no sola,que elque adora
con sus deseos amistadprofesa.
EnVuestraAlteza el almahablaba agora.
e o marido replica:
Fineza, aifin, de amanteportuguesa.
Y
dequése trataba? Amoró celos?EM TIRSO DE MOLINA 4I
A
propósito do temperamento apaixonadodos portuguezes, não
devemos
esquecer queLope
de Vega, fallando, na sua Dorotea,pela bocca de D. Fernando, afiança
:
—
Tengo los ojos nihosy
portuguesa elal-ma;
pêrocreedquequiennonacetiernode cora-çón, bieii puede ser poeta, pêro no será dulce.Se
valesse, para o nosso caso, citarum
portuguez, poderia ainda apontar esta
pas-sagem
da comedia de Jacintho CordeiroLo
que es privar, notada por Theophilo Braga na sua Historia do Theatro Portuguez:
NotableamantefuéDonPedro,
diz Filea, depois de ouvir o
romance
de D. Ignez de Castro, e Mirona esclarece:Fué, senora.Português,
muchoquieren, cuandoquieren.
Melhor ainda diz D. Beatriz da Silva, de
seu primo Pedro Pereira:
Es Pereiray mipariente; português enlo constante.
42
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASen lo airoso,enlo valiente,
y Portuguêsenloamante.
No
primeiro acto da comedia de que lhesfallava, assistimos á partida de D. Izabel,
com
suas damas, para Hespanha, e das faliasdo «gracioso" da peça,Melgar, infere-se
que
Tirso conhecia razoavelmenteLisboa,que de
novo
exalta, chamando-lhe «Ínclita cidade»,«ramalhete do prazer», etc.
A
despedida de Melgar a Lisboa é a seguinte:
Adiós, sebosoBabel,
Castillo, Plaza, Rua Nova,
Palácio,San Gian,Belén,
Cruz de Cataquefarás
:
adiós, Chafariz doRei, bayeta, boasbotas, luas,
blancosy negrostambién;
que voyábeber cerveza pornoolvidar elbeber.
Repararam
decerto no seboso Babel/Devo
informa-los que seboso
—
que significaqua-EM TIRSO DE MOLINA 43
lificativo vulgar
em
Hespanha, durante osé-culo XVII, para tudo quanto se referia a
Portugal ou aos portuguezes.
A
origem de tal designação não sei qualfosse. Possível se torna que tivesse
princi-pio
em
algum
episodio das continuas luctasentre os dois povos.
D'outro modo, nâo vejo que relação possa
haverentre Portugale o sebo, que, de resto,
figura ainda
num
dos nossosmodos
maispopulares de terminar
uma
discussão.No
emtanto, não pode duvidar-se da popu-ridade do termo.Melgar,
como
vimos,chama
aLisboaseboso Babel.Na
GallegaMari-Hernandez, amesma
palavra apparecerepetida.
E
noutracomedia de Tirso^El
Amor
médico, hapreciososele-mentos para o estudo d'esse pejorativo,
Empregando-o
muitas vezes, Tello o «gra-cioso" d'esta ultima obra, nâo deixamar-gem
a confusões:En Portugal todo essebo hasta quedarse en pabilo.
44
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZAStodo bota,todo lua, todo fidalgovalente,
pão mimoso, favaquente, sardinha emanteiga crua. Nohaypoderios entender:
laoUaUamanpanella, y álaventanajanella.
Para darmede comer, daicá, medijo unaviaja, iijelas ;yo, que entendi
tijeras,unas le dí
;
y ella losguisados deja,
diciendo que, de Castilla,
un hombrela iba ámatar
Informa-nos o
mesmo
Tello de que eramoda, então, hablar á lo seboso, ou fosse fal-lar
em
portuguez; garantindo nos maisque:
... en nuestratierra esfama
queen estalengua una dama tiene aire garabatoso.
D'estesversos,conclue-sequehouve
tempo
em
que, naHespanha, seconsideravaEM TIRSO DE MOLINA 45
O sentido degarabatoso
—
saber o portuguez, e issoprova o excellentemente D.Jeronyma,ao exprimir-se na nossa lingua
com
relativadesenvoltura.
D.
Jeronyma
é a protagonistadeEl
Amor
médico, e parece ter sido inspirada a Tirso
de Molina pela figura real de D. Feliciana
Enriquez de
Guzman.
Natural de Sevilha, esta D. Feliciana deGuzman
notabilisou-se pelas suas aventuras escolares e amorosas,e, segundo Nicolau António, foi auctora da
tragi comedia
em
duas partes, LosJardinesy
campos sabeos, impressa pela primeira vezem
Coimbra
em
1624.E' a
Coimbra
que a heroinade Tirsovem
parar, seguindo
um
seu patricio toledano,D. Gaspar, que, preoccupado
com
arecorda-ção d'outros
amores
infelizes, commetteraaousadiade estarhospedado
em
casado irmão de D. Jeronyma, sem,uma
só vez, terpro-curado vê-la.
mu-46
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASIher nâo perdoa, e por isso D. Jeronyma, muito versada na sciencia de Galeno,
re-solve transformar-se no Dr. Barbosa, e vir
ensinar medicina na Universidade de
Coim-bra, onde a vemos, de capello e borla ama-rella, agradecer ao rei D.
Manuel
acathedraque conquistara publicamente.
Além
de se fazer passar porDr. Barbosa, D. Jeronyma, para melhor alcançar o seufim, que é casar
com
D. Gaspar,como
no final succede, disíarça-se aindanuma
sup-posta irmã d'aquelle, D. Martha, e
como
D. Martha só falia
em
portuguez.Noutras comedias de Tirso, ha algumas
palavras ou phrases portuguezas,
mas
em
El
Amor
médico sâoem
maior numero.Com
ellas, Tirso de Molina manifestavaconhecer
um
pouco a nossa lingua: nâotanto, porém, que nâo erre os possessi-vos, escrevendo, por exemplo, minhos por meus.
Para lhes dar
uma
ideia do portuguez deTirso de Molina, reproduzirei parte de
uma
Este-EM TIRSO DE MOLINA 47
phania, que, julgando o Dr. Barbosa
um
ho-mem,
anda louca por elle: D.Jerónima: ... Desabafocomvosco.Ouvi-tneagora
um
segredo:A
serdesvóssuaterceira,Euvosprometo boafé. D. Estefânia: Yo su tercera? D. Jerónima: Nãoé
Isto seralcobeteira.
D. Estefânia: Decid !
D. Jerónima: Dareis-lhes
um
bomdia,Porque lhemagoamcuidados
De dousolhosorbalhados
Defeitiçosealegria.
D. Estefânia: Conózcola yo?
D.Jerónima: Poisnão!
D. Estefânia:
Y
está en casa?D. Jerónima: Comorima!
D. Estefanía: EsDona Leonor,mi prima?
D. Jerónima: Porellamorremeuirmão.
D.Estefânia: PorDonaLeonor? (Aparte)
Ay
cielos!Y
le ama DonaLeonor?D. Jerónima: E'cavalleiroodoutor
DosBarbosase Barcelos;
Bem
pode.. .D. Estefanía: Malogrará Su intento.
48
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASD.Jerónima: Tendecuidado.
Porquesejásehão casado.
Deusvosguarde, quefeitoé.
D. Estefânia: .... Encasa, y su dama
Mi prima!
D.Jerónima: Porvosservir.
Paliaremosoutro dia Devagar, porque o doutor
Outem de ser deLeonor,
Oudevossasenhoria.
Na
«comedia famosa» deAntona
Garcia,dramatisou Tirso alguns episódios,
authenti-cos ou imaginários, das luctas entre Portu-gal e Castelia por causa da successâo de Henrique IV.
A
obra terminacom
a tomada deToro
pelos hespanhoes, capitaneados poruma
rival da nossa Brites d'Almeida:An-tona Garcia.
A
pequena
Toro, onde o filho doderro-tado Afíonso V, o futuro D. João II, foi
um
vencedor compromettido, deu ás chronicasEM TIRSO DE MOLINA 49
D. Maria Sarmiento, partidária dos direitos
da Beltraneja, e a
Antona
Garcia de Tirso,também
conhecida pela Valentona, alcunhaesta de que nâo seria impossível ter
deri-vado o nosso
modo
de dizer levar as coisas «á valentonaw.Em
Atitona Garcia, temum
papel assazsympathico o portuguez D.
Lopo
deAlbu-querque,
Conde
de Penamacor, que,como
Bien parece
queesamorportuguês,
se apaixona pela temivel labrega.
Ha
nesta comediauma
situação atrevida,querecorda os grosseiros realismosdecerto theatro medieval.
Tão
atrevidamesmo,
que nâo seicomo
conta-lasem
melindre.Imagi-nem
queAntona
Garcia, que, apezardebri-gona, é formosa, e arranjou marido no
pri-meiro acto, quando, no segundo, vae para cear á
meza
deuma
estalagem, senteem
sio doloroso aviso de que a sua raça se quer
perpetuar. Retira-se, e,no intervallo de duas
50
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASscenas, entrega ao
mundo
uma
menina,fi-cando tào fresca
como
se acabasse de beberum
copo d'agua. Dentroem
pouco, está ellaprestando muita attençào a
uma
historia, eeis que a raça lhe manifesta nova, e idênti-ca, exigência!
Torna
a ausentar-se por ins-tantes, e d'ahi a nadavem
ouviracontinua-ção da historia, depois de ter feito a von-tade a
uma
segunda filha, de que,como
vêem, se ia esquecendo. .
.
A
segunda das três comedias que Tirso consagrou a Santa Joanna da Cruz, principiapor
uma
scena onde a eloquente pregadora nos surgeacompanhada
pelo seu anjo daguarda, que,
em
nome
de Deus, lheparti-cipaque vae mostrar-lhe «o fértil fructo que,
nas índias, a
Hespanha
tem dado ao céow.Descobrem-se, então, dois nichos, cada
um
com
sua estatua.No
primeiro, vê-se FernãoCortez, e no segundo, D. AfFonso d'Albu-querque,
ambos
com
um
mundo
aos pés.Albu-EM
TIRSO DE MOLINA 5Iquerque,
mas
termina dizendo que «éche-gado, para a Hespanha, o
tempo
dos castel-los d'oiro se uniremcom
as sagradasqui-nas», e que
convém
que, «tendo os moiros dado ao céoum
Sebastião, oSalomão
se-gundo
goze,com
Portugal,um
orbe cheiod'oirow.
Este
Salomão
segundo, cuja estatua appa-receem
seguida, foi,como presumem,
o pri-meiro dos monarchas usurpadores.Falta-me fallar deduas obras:
Las
Quinasde Portugal e
El
Burlador deSevillay
Con-vidado de piedra.As
Quinas de Portugalexpõem
a historiada fundação da monarchia portugueza.
Esti-veram
até ha muito poucotempo
inéditas, e assignala-as a circumstancia de terem sido a ultima comedia composta por Tirso deMolina.
Havendo
dedicado a Portugal tãoamável simpathia, Tirso quiz ainda dar-lhe,
como
auctor dramático, as ultimas52
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASLas
Quinas de Portugal foram escriptasem
1638, e mal adivinharia Tirso que, doisannos depois, ellas, de novo, altivamente
tremulariam nos castellos portuguezesl
Entram
na peça, além de D. Affonso Hen-riques, S. Geraldo,Egas
Moniz, D.Leonor
Coutinho, etc.
No
primeiro acto, para não desdizer daÍndole amorosíssima da sua futura nação,
D. Affonso Henriques só cuida de distrahir-se,
em
caçadas,dos cuidados denamorado
em
que o traz
uma
tal D. Elvira Gualtar. D'essa leviandade o cura S. Geraldo, queappare-ce, estudando,
numa
gruta meio encantada:o que dá
em
resultado a conquista deSan-tarém, ao cabo da primeira jornada.
A
segunda mostra-nos o fundador comba-tendo e officiando,com
uma
sobrepelliz por cima da armadura,bem
como
Egas Moniz
disfarçado
em
mouro, para libertar suafu-tura
mulher
D.Leonor
Coutinho do poder deum
árabe, que a encerrara no castellodePalmella.
EM TIRSO DE MOLINA 53
batalha de Ourique, onde todos os
por-tuguezes, inclusive D.
Leonor
Coutinho,obram
prodígios contra amourama
desba-ratada.
Antes da batalha, dáse a lendáriavisãodo
Crucifixo,
Na
rubrica d'essa scena, Tirsomanda
que sejaum
menino
quem
faça deChristo.
E
é o próprio Christo quem,numa
longa tirada, entrega a D. Affonso o
pri-meiro estandarte
com
as victoriosas armasportuguezas.
Vão
ouvir parte das, alliaz pouco divinas,palavras de Christo:
Lasarmas que á Lusitânia otorgami amorpropício, encincoescudoscelestes
han desermisllagas cinco; enforma de cruzsepongan,
ycon ellas, en distinto
campo,los treintadineros conqueel pueblo fementido
mecompro ai avaroingrato,
quedespués, en otrosiglo,
tu escudo,conel Algarbe, se orlarácon sus castillos.
54
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASNestaaltura, Christo, desprendendoa
mâo
direita da cruz, entrega ao rei a bandeira»que
um
dos anjos lhe apresenta, e conclue:Yo telas doyde mi mano,
Yo conmi sangrete animo,
Yo tu estandarteenarbolo, Yovictorioso te afirmo. Alfonso! ai arma! debela áun tiempoá alarbesyvícios.
Reinarás en Lusitânia,
Y
eternodespués conmigo.De
El
Biirlador de Sevilla,sabem
todosque, já pelo seu altíssimo mérito, já pelo
numero, valor e celebridade das obras que suggeriu ou originou, é das peças mais
fa-mosas
de toda a historia do theatro.Pois, nessa obra-prima, conhecida, imitada,
ou admirada
em
todos os tempos,modos
e logares, ha a melhor dashomenagens
queTirso prestou a Portugal.
Consiste essa
homenagem
no extenso ejor-EM TIRSO DE MOLINA 55
nada, o embaixador de Aífonso
XI
deCas-tella,
Don
Gonzalo de Ulloa, faz de Lisboa:elogio que representa
um
dos melhoresdo-cumentos do gáudio dos hespanhoes ao sen-tirem-se senhores de Lisboa.
Na
verdade, o facto de Lisboa serprovi-soriamente encorporada nos domínios de
Castella desencadeou na litteratura da visi-nha nação
um
arrebatado delíriodelouvores.Cervantes e
Lope
de Vega, para só citargrandes nomes, cantaram-na
com
eloquênciae, talvez, sinceridade.
Indo mais longe ainda, Tirso
começa
pordizer:
Es Lisboa unaoctavamaravilla.
Comprehende-se
bem
todo esse excessode metaphoras jubilosas.
A
vista dacaste-lhana capital, encravada no adusto
âmago
dapenínsula,
sem
mar
que a prolongue, ecom
um
simulacro de rio, o Manzanares, quenem
sequer a refresca,Lisboa,airosa,desafogada,
balsâmica, ribeirinha do Atlântico, nâo tinha preço,
nem
rival.56
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASComparada
com
Lisboa,jóia a cujos pésasondas brincam, Madrid é
uma
pedranum
descampado.
E, se
bem
oshespanhoes tivessempartedoTejo, que
em
Aranjuez é aindaum
regatomimoso, e
em
Toledo é jáum
rio trabalha-dor, nâocouberam
em
sidecontentesquando
puderam
fruir passageiramente d'esseoutroTejo mais bello, que
em
Lisboa é quasi \áum
mar.Só
a sua extensãome
forçaa nâo lhesleragora essa descripção de Lisboa, (i) que,
numa
outra versão damesma
obra, intituladaTan
largome
lo fiais, foi substituida pela descripção de Sevilha, naturalmente por aobra se destinar a
um
publico sevilhano.De
resto, Sevilha era, no século xvii, a única cidade deHespanha
que, pelaanima-ção, pela belleza e pela riqueza, podia
com-petir
com
Lisboa, cuja importância histórica,geographica e politica estava, alliaz, longe
de desbancar.
EM TIRSO DE MOLINA 57
A
propósito de Sevilha, ha ainda, naco-media
em
que Tirso deu pela primeira vezvida scenica ao immortal D. João Tenório,
uma
passagem que muito interessaao nossocaso.
Andando
a passear, de noite,com
o Mar-quez de la Mota, D. João pergunta-lhe:Donde iremos?
Responde-lhe o Marquez:
Â
Lisboa.Como,si enSevilla estais ?
replica D. João,
E
oMarquez
elucida-o:Pues, aquesoos maravilla?
No vivecon gustoigual
lo peorde Portugal
enlo mejor deCaslilla?
D'esta passagem, e do que se lhe segue,
58
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASque, naquelle tempo, havia
em
Sevilha, cujacorrupção Cervantes tâo
bem
pintou, muitasportuguezas que se entregavam ao
commer-cio do amor; precisamente o que maistarde succederiaem
Lisboa a muitasConchas,Lo-las e Pepas sevilhanas.
Não
impugnarei tal opinião, que nada tem de inverosimil.Não
seriam, porém, essas aventureiras fáceis as que podiam ter dadoa Tirso
uma
tão elevada ideia doamor
por-tuguez. .
.
Tirso de Molina
—
nãome
esquecerei deo dizerl
—
não sechamava
assim. Tirso de Molina é, apenas,um
pseudonymo.
Como
Lope
deVega
que, depois dasmaisgalantes aventuras, se fez padre;
como
Cal-deron, que chegou a capellão-mór do rei,
Tirso de Molina foi frade, e frade,,aquanto
o deixam suppor os graus de definidor e
chronista que desempenhou, disciplinador e austero.
Chamava-se
Fr. GabrielTéllez, eescreveu a Historia geral da ordem das Mercês.EM TIRSO DE MOLINA 59
Alguns, estudando a sua obra, explicam o seu conhecimento da alma humana^ e
sobre-tudo da alma feminina, pela indiscreta
pra-tica do confessionário. Esboçando a sua obscura biographia, admittem outros que ti-vesse estado
em
Lisboa,como Lope
deVega, que aqui veiu embarcar na Invencivel Ar-mada, oucomo
esse outro seu compatriota, Fr. Luiz de Granada, cujas cinzas talvez ainda, alliem
S. Domingos,me
estejam ou-vindo.Para mim, é ponto de fé que Fr. Gabriel Téllez não só visitou Lisboa,
como
deve teramado, aqui ou
em
Hespanha,alguma
por-tugueza de excepcional fidelidade, que o
co-nhecesse nessa epocha damocidade,
em
queamulher, que nos cabe
em
sorte, esculpeem
nossaalma,
em
oirovirgem,ouem
lavacruel,seraphim oudemónio, a
imagem
que,durante toda a vida, ficaremos formando da mulher. Sejacomo
fôr, dar-me-hia porsatisfeito se,com
este desconnexo trabalho, eu houvessecontribuído para ensinar ás portuguezas o
6o
PORTUGAL
E AS PORTUGUEZASMinhas senhorase
meus
senhores,pedindodesculpa do enfado que talvez lhes causasse,
nâo os fatigarei por mais tempo!
Vou
ter-minar.
Antes, porém, quero responder a
uma
in«terrogaçâo que
algum
dos presentes podeestar fazendo a si próprio: por que razão ainda ninguém, mais auctorisado, lhes
dis-sera o que eu acabo de referirlhes?
Por
que razão?Não
sei.Ou
poroutra, seiqueeste,como
muitosou-tros assumptos decapital importância para a historia da litteratura, só poderão ser
suffi-cientemente tratados, no dia
em
quealguma
das universidades portuguezas, saccudindoo
bolorque desde anascençaas cobre,institua,
como
lhe compete,uma
cadeiradestinada ao estudo das obras dos muitosescriptoiespor-tuguezes que escreveram
em
hespanhol, e,bem
assim, das obras hespanholas queinte-ressam ou se referem a Portugal.
Até
lá, teremos decontentar-noscom
uma
que outra revelação isolada de
algum
leitorEM TIRSO DE MOLINA 6l
Tenhamos,
no entanto, paciencial E,con-servando
sempre
á altura da lança heróicade
Dom
Quixote o escudo invencível de Ma-griço,fortaleçamo-noscom
ameditaçãod'esteverso que, no seu Príncipe constante, o pró-prio Calderon não quiz escrever
em
hes-panhol:
DESCRIPÇÂO DE
LISBOA
RzY
:
i Es buena tierra
Lisboa?
DoN GoNZALo: La mayor ciudad de Espana
j y simandas quedigaloque hevisto deloexteriorycélebre, en unpunto
en tupresencia tepondré unretrato.
Rky: Yogustaré de oíllo. Dadmesilla.
DoN GoNZALO: Es Lisboa unaotava maravilla.
Delasentranas deEspana,
queson las tierrasde Cuenca, naceel caudaloso Tajo,
que media Espafia atraviesa. Entra enel marOceano, enlas sagradasriberas de esta ciudad,porla parte deiSur; mas antesquepierda
su cursoysu claro nombre,
hace unpuerto entre dossierras,
dondeestán de todoel orbe barcas,naves, carabelas. Haygalerasy saetias
66 APPENDICE
tantas,que desdelatierra
pareceuna gran ciudad
adonde Neptunoreina.
A
la parte dei Ponienteguardandei puerto dos fuerzas de Cascaesy deSan Gian, (^)
las más fuertes dela tierra.
Está, desta gran ciudad,
poço másde medialégua, Belén,convento deisanto conocidopor lapiedra
ypor elléon de guarda,
donde los reyesyreinas católicos ycristianos tienensus casas perpetuas.
Luegoesta máquinainsigne,
desde Alcântaracomienza
ungran léguaátenderse
aiconvento de Jabregas.
Enmédio estáelvalle hermoso coronado detrêscuestas,
que quedara cortoApeles
cuandopintarias quisiera. Porque,miradas delejos,
(*) Vào em itálicoas palavrasque entendicorrigir
DESCRIPÇÂO DE LISBOA 67
parecen pinas de perlas
que estánpendientes deicielo,
en cuyagrandezainmensa
se vendiez Romãscifradas en conventosy eniglesias,
en edifíciosycalles,
en solaresy encomiendas, en las letras yenlas armas, en la justiciatan recta,
yenuna Misericórdia
que estáhonrando su ribera
ypudiera honrará Espana y aunensenará tenerla.
Y
enloque yo más alabo destamáquinasoberbia, esquedeimismocastillo,endistancia deseisléguas, se vensesenta lugares
quellegael marásus puertas,
unodeloscuales es
elconvento de Odivelas, enel cualvipor misojos seiscientasytreinta celdas,
yentre monjas ybeatas
pasande milydoscientas.
Tienedesde allíáLisboa, endistancia
muy
pequeôa, mily cientoytreinta quintas,68 APPENDICE
que en nuestra província Bética
llamancortijos,ytodas
consus huertos yalamedas.
Enmédiodelaciudad,
hay unaplaza soberbia
queseUamadei Rocio,
grande,hermosa ybien dispuesta,
que habrá cienaflos y aunmás
que elmarbanaba su arena,
yahora delia álamar
hay treintamil casas hechas, que,perdiendo el mar sucurso, setendió á partesdiversas.
Tiene una calle quellaman
Rua Novaó calle Nueva, dondesecifra el Oriente
en grandezasy riquezas, tanto, queel Reymeconto
quehay un mercader enella
que, por no podercontarlo,
mide eldinero á fanegas. Elterrero, dondetiene Portugal su casaregia tiene infinitosnavios,
varadossiempre en latierra
desolocebada ytrigo de FranciayInglaterra.
DESCRIPÇÂO DE LISBOA 69
queel Tajo susmanosbesa, esedifíciode Ulises,
quebasta para grandeza,
dequientomala ciudad
nombreenlalatina lengua,
llamándose Ulisibona, cuyas armassen laesfera, por pedestal delas llagas
que enlabatalla sangrienta
aireyDonAlfonsoEnríquez
diólaMajestad Inmensa.
Tiene ensu gran Tarazana
diversas naves,yentreellas las navesdelaconquista, tangrandes,que,dela tierra
miradas, juzganlos hombres quetocan enlas estrellas.
Y
lo quedesta ciudadtecuento por excelência
es, que estando sus vecinos
comiendo, desdelasmesas venloscoposdei pescado
quejuntoásus puertas pescan, que,buUendo entrelas redes, vienená entrarseporellas.
Y
sobre todo áelUegar cadatarde ásuribera más de mil barcos cargados7© APPENDICE
de mercanciasdiversas,
yde sustentoordinário
:
pan,aceite,vino elefta,
frutas de infinitasuerte, nieve de Serrade Estrella
queporlas calleságritos,
puestas sobre Iascabezas,
lavenden.Mas, queme canso?
porquees contarlas estrellas querer contarunaparte delaciudad opulenta. Cientoytrinta mil vecinos
tiene,gran seftor,por cuenta,
y porno cansartemás,
unRey que tusmanos besa.
ElBurlador deSevilla yConvidado DE piEDRA. Comedia famosa deimaestro
Tirso de Molina. Jornadaprimeira.Scena
XIV. Clasicos Castellanos.Edicionesde"La
PQ
Sousa Pinto, Manoel
de^-^36
Portugal
e asportuguezas
368
em Tirso
deMolina
PLEASE