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A variação linguística em sala de aula: mote para uma superação do preconceito linguístico

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

DEPARTAMENTO DE LETRAS DO CERES MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS

FRANCISCA ERIK LARISSE NOGUEIRA LIMA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA: MOTE PARA UMA

SUPERAÇÃO DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO

CURRAIS NOVOS – RN 2019

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FRANCISCA ERIK LARISSE NOGUEIRA LIMA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA: MOTE PARA UMA SUPERAÇÃO DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Unidade de Currais Novos em Rede Nacional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus de Currais Novos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Linguagens e Letramentos.

Linha de Pesquisa: Teorias da Linguagem e Ensino

Orientador: Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros

CURRAIS NOVOS – RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ensino Superior do Seridó- CERES Currais Novos

Lima, Francisca Erik Larisse Nogueira.

A variação linguística em sala de aula: mote para uma superação do preconceito linguístico / Francisca Erik Larisse Nogueira Lima. - 2019.

149 f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó, Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Letras - Profletras. Currais Novos, RN, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros.

1. Sociolinguística - Dissertação. 2. Variação linguística - Dissertação. 3. Preconceito linguístico - Dissertação. I. Medeiros, Mário Lourenço de. II. Título.

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FRANCISCA ERIK LARISSE NOGUEIRA LIMA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA: MOTE PARA UMA SUPERAÇÃO DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Unidade de Currais Novos em Rede Nacional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus de Currais Novos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovado em: 15 de fevereiro de 2019

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Profº. Dr. Mário Lourenço de Medeiros (Orientador)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________________________ Profª. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz (Examinadora Interna)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________________________ Profª Dra Rosângela Alves dos Santos Bernardino (Examinadora Externa)

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Dedico este trabalho à minha família, a base da minha vida: Vilani (mãe), José (pai), Morgama (irmã), Anthony (filho). Obrigada pelos ensinamentos e incentivos fundamentais para o meu sucesso.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas suas bênçãos durante essa caminhada. Aos meus pais, por sempre me incentivarem a estudar. A minha irmã pelo apoio constante.

À amiga Fernanda pelo companheirismo, pela amizade e pela paciência. Aos amigos, por sempre estarem por perto.

Ao Professor Doutor Márcio Sales Santiago, pela contribuição inicial na elaboração dessa pesquisa.

Ao orientador Professor Doutor Mário Lourenço de Medeiros, pela colaboração efetiva na execução desse trabalho.

Ao núcleo gestor da Escola de Ensino Fundamental e Médio Heráclito de Castro e Silva, por possibilitar a realização da pesquisa.

Aos professores do Profletras da Unidade de Currais Novos - RN, por compartilharem os conhecimentos.

Aos funcionários do Profletras da Unidade de Currais Novos - RN pela atenção e pela prontidão.

À CAPES, pelo apoio financeiro que permitiu a realização da maior parte deste trabalho.

Aos professores que participaram da banca de qualificação, pelas sugestões e pelos encaminhamentos.

Aos colegas de curso, o saber compartilhado e a amizade construída. Aos meus alunos do 9º Ano A, por terem participado da pesquisa.

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“Que a escola (...) saiba desenvolver a capacidade dos alunos para acolher as diferenças, com o máximo respeito por aqueles que as apresentam, sem o sentimento de que estão fazendo concessões ou sendo compassivos com os diferentes. (...)” (Antunes)

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RESUMO

Um dos principais objetivos do ensino de língua materna é ampliar as competências linguísticas e comunicativas dos discentes capacitando-os para o uso da língua em diferentes contextos. Partindo de um viés etnográfico, essa pesquisa toma como aporte contribuições da sociolinguística e tem por objeto de estudo a variação linguística e o preconceito linguístico em sala de aula. Tem por objetivo geral, por meio de um processo didático interventivo, propiciar aos alunos uma compreensão da existência de variedades linguísticas da língua considerada padrão. A partir desse objetivo propusemos uma intervenção numa sala de aula de 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual, localizada em Fortaleza-CE, cujo intuito foi esclarecer aos alunos que a língua portuguesa não se resume apenas a uma modalidade e, menos ainda, às regras da gramática prescritiva. O preconceito linguístico, a variação linguística e a noção de “erro” presentes em Bagno (1999, 2007 e 2013) e em Bortoni-Ricardo (2005) se constituem como contribuições teóricas dos estudos sociolinguísticos que ancoram nossa pesquisa. Buscamos responder à seguinte questão: como superar o preconceito linguístico em sala de aula? Entendemos que tal superação contribui para uma melhor convivência com esse fenômeno linguístico nas relações em sociedade. Para tanto propusemos atividades que abordaram o conceito de língua, a história da língua portuguesa, bem como a existência de variedades linguísticas. A metodologia seguiu os pressupostos da pesquisa-ação de Vasconcelos (2006), de cunho qualitativo utilizando-se da estratégia pedagógica da sequência didática, nos termos propostos por Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004). Como resultado da pesquisa pudemos observar que a maioria dos alunos, nela envolvidos, ao final das etapas propostas pela sequência didática, passaram a melhor compreender os diferentes tipos e causas de variações linguísticas se constituindo tal entendimento como um fator necessário não apenas à compreensão, como também à superação do preconceito linguístico percebendo que diferentes contextos de uso permitem e até estimulam a materialização de diferentes variantes linguísticas.

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ABSTRACT

One of the main objectives of mother tongue teaching is to increase the linguistic and communicative skills of students, enabling them to use the language in different contexts. Starting from an ethnographic bias, this research takes contributions from sociolinguistics and aims at linguistic variation and linguistic prejudice in the classroom. Its main purpose, through an interventional didactic process, is to provide students with an understanding of the existence of linguistic varieties of Portuguese in relation to its standard modality. Aiming at that purpose, an intervention is proposed in a 9th grade classroom of a state public elementary school, located in Fortaleza - Ceará, in order to clarify to the students that the Portuguese language is not confined to a single modality, and even less, to the rules of the prescriptive grammar. The linguistic prejudice, the linguistic variation, and the notion of "error" presented in Bagno (1999, 2007 and 2013) and in Bortoni-Ricardo (2005) constitute theoretical contributions of the sociolinguistic studies that anchor our research. We seek to answer the question “how to overcome linguistic prejudice in the classroom?”. We understand that this overcoming contributes to an easier familiarity with this linguistic phenomenon when it emerges through social interactions. To do so, activities that approach the concept of language, the history of the Portuguese language, as well as the existence of linguistic varieties are proposed. This study has a qualitative nature and follows the assumptions of Vasconcelos's action research (2006), and the pedagogical strategy of the didactic sequence as proposed by Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004). As a result, it could be observed that, after going through the stages proposed by the didactic sequence, most of the students came to better understand the different types and causes of linguistic variations, which is a necessary factor not only to comprehend, but also to overcome the linguistic prejudice, realizing that different contexts of use allow and even stimulate the production of different linguistic variants.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Figura 2 – Figura 3 – Figura 4 – Figura 5 – Figura 6 –

Esquema de Sequência Didática... Cartaz: “Aqi o preconseito nãu ten ves!”... Cartaz: “É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito...”... Cartaz: “Se nascemos da mistura, por que tanto preconceito: linguístico?”... Cartaz: “Vamos engolir o preconceito linguístico.”... Cartaz: “Preconceito linguístico? Tô fora! Pego meus ‘erros’ e vô mimbora!”... 56 111 112 113 114 115

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LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1- Gráfico 2- Gráfico 3 - Gráfico 4 - Gráfico 5 - Gráfico 6 - Gráfico 7 - Gráfico 8 - Gráfico 9 - Gráfico 10 - Gráfico 11 - Gráfico 12 - Gráfico 13 - Gráfico 14 - Gráfico 15 - Gráfico 16 - Gráfico 17 – Gráfico 18 – Gráfico 19 – Gráfico 20 - Gráfico 21 -

“Para você, o que é a língua portuguesa?”... “Você acha importante estudar a língua portuguesa? Por quê?”…... “A nossa língua foi, ao longo da história, sempre a

mesma? O que vocês acham?”………... “O texto ‘Sñor’ é compreensível? Por quê?”... “O que se pode observar na escrita do texto ‘Sñor’?”... “Por que o dono da casa não quer viajar? Você concorda com ele?”... “Conversar pode conversar de qualquer jeito. Você concorda? Por quê?”... “Segundo o ‘cumpadi’ visitante, ‘escrever tem que

escrever certo’. O que você pensa sobre isso?”... “Você fala do jeito dos ‘cumpadis’ do vídeo? Explique.”.. “Para você, a Língua Portuguesa utilizada na música é adequada ou inadequada? Por quê?”... “Que alterações você faria nessa música, caso pudesse? Explique.”... “Qual a possível escolaridade do falante?”... “Onde moraria, provavelmente, a pessoa que fala dessa maneira?”... “Qual o provável poder aquisitivo desse falante?”... “Que tipo de falante usaria a língua dessa forma?”... “Esse tipo de linguagem é mais adequado para...”...

“Variedades linguísticas: palavras da música x modo como os alunos falam.” ... “O que você aprendeu hoje?” ... “A professora agiu corretamente?”... “Chico Bento falou ‘certo’ ou ‘errado’? Por quê?”... “O que você aprendeu hoje?”...

62 64 67 70 73 76 78 80 82 85 87 89 90 91 93 95 98 101 104 106 109

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LISTA DE QUADROS Quadro 1- Quadro 2- Quadro 3- Quadro 4- Quadro 5- Quadro 6- Quadro 7- Quadro 8- Quadro 9- Quadro 10- Quadro 11- Quadro 12- Quadro 13- Quadro 14- Quadro 15- Quadro 16- Quadro 17- Quadro 18- Quadro 19- Quadro 20 – Organização do Módulo 1... Organização do Módulo 2... Organização do Módulo 3... “Para você, o que é a língua portuguesa?”... “Você acha importante estudar a língua portuguesa? Por quê?”... “A nossa língua foi, ao longo da história, sempre a mesma? O que vocês acham?”... “O texto ‘Sñor’ é compreensível? Por quê?”... “O que se pode observar na escrita do texto ‘Sñor’?”... “Por que o dono da casa não quer viajar? Você concorda com ele?”... “Conversar pode conversar de qualquer jeito. Você concorda? Por quê?”... “Segundo o ‘cumpadi’ visitante, ‘escrever tem que escrever certo’. O que você pensa sobre isso?”... “Você fala do jeito dos ‘cumpadis’ do vídeo? Explique.”... “Para você, a língua portuguesa utilizada na música é adequada ou inadequada? Por quê?”... “Que alterações você faria nessa música, caso pudesse? Explique.”... “Qual a possível escolaridade do falante?”... “Onde moraria, provavelmente, a pessoa que fala dessa maneira?”... “Qual o provável poder aquisitivo desse falante?”... “Que tipo de falante usaria a língua dessa forma?”... “Esse tipo de linguagem é mais adequado para... Variedades linguísticas: palavras da música x modo como os alunos falam...

57 59 60 61 63 66 69 72 74 77 79 82 85 86 88 90 91 92 94 97

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Quadro 21 – Quadro 22 – Quadro 23 - Quadro 24 -

“O que você aprendeu hoje?”... “A professora agiu corretamente?”... “Chico Bento falou ‘certo’ ou ‘errado’? Por quê?”... “O que você aprendeu hoje?”...

100 103 105 107

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AA Anexo A (AB, AC, An...) A1 Atividade 1 (A2, A3, An...) AP Aluno Participante

HCS Heráclito de Castro e Silva M1 Módulo 1 (M2, M3, Mn...) PI Produção Inicial

PF Produção Final

SOC Slides Oficina de Cartazes SPL Slides Preconceito Linguístico SVL Slides Variação Linguística

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SUMÁRIO 1 2 2.1 2.2 2.2.1 2.3 2.4 2.5 2.5.1 2.5.2 2.5.3 2.5.4 2.5.5 2.5.6 3 3.1 3.2 3.3 3.4 4 5 6 7 INTRODUÇÃO... A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA... A SOCIOLINGUÍSTICA EDUCACIONAL... A HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICA ... Extralinguísticos da variação... O QUE É VARIEDADE LINGUÍSTICA? ... VARIÁVEL, VARIANTE E VERNÁCULO... PRECONCEITO LINGUÍSTICO... A noção de “ERRO” linguístico ... Estigma x prestígio... Mitos que fortalecem o preconceito linguístico... Desconstruindo o preconceito linguístico ... A concepção de ensino mudou? ... Senso comum: ensino da língua “certa” na escola... PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS... TIPO DE PESQUISA... CENÁRIO DA PESQUISA... PARTICIPANTES DA PESQUISA... CONSTRUÇÃO DOS DADOS... ANÁLISE DOS DADOS... CONSIDERAÇÕES FINAIS... REFERÊNCIAS... ANEXOS... ANEXO A - PRODUÇÃO INICIAL (PI) ... ANEXO B - ATIVIDADE 1 – MÓDULO 1 (A1 – M1): ... ANEXO C - ATIVIDADE 2 – MÓDULO 1 (A2 – M1): ... ANEXO D - ATIVIDADE 3 – MÓDULO 1 (A3 – M1) ... ANEXO E - SLIDES VARIAÇÃO LINGUÍSTICA... ANEXO F - SLIDES PRECONCEITO LINGUÍSTICO... ANEXO G - SLIDES OFICINA DE CARTAZES...

15 18 18 20 22 24 25 26 27 30 30 39 42 46 50 50 53 54 55 61 117 121 123 124 125 126 127 135 139 143

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1 INTRODUÇÃO

O ensino de língua materna deve partir do princípio da heterogeneidade linguística com o intuito de se ampliar as competências interacionais e comunicativas do alunado, levando em consideração as potencialidades e os conhecimentos dos educandos.

É fundamental salientar questões da pesquisa no tocante à realidade educacional dos discentes, tais como: A realidade escolar perpassa o estudo da variação linguística, de acordo com os contextos de uso? Como tornar o estudo das variedades linguísticas mais adequado aos processos de letramento?

Durante a atuação desta pesquisadora como docente de português de uma escola localizada na periferia do município de Fortaleza, percebemos a necessidade de adequar o estudo da língua materna à realidade dos alunos, isto é, propor ao alunado um ensino voltado para o uso da língua nos mais diversos contextos, visto que era perceptível, dentre os alunos, um conceito deturpado da língua materna, como podemos perceber, através dos seguintes comentários de alguns alunos envolvidos na pesquisa1: “a língua é uma matéria ensinada nas escolas.”; “(...) atraves do estudo da língua portuguesa podemos saber mais e fala certo sem erros na escrita ou ate mesmo em um dialogo.”; “(...) acho que devemos fala certo pra passa uma boa impressão”; “(...) um sertanejo fala de um jeito meio errado”.

Dessa maneira, tornou-se fundamental avaliar se a nossa práticadocente de língua portuguesa em sala de aula adequava-se à realidade dos discentes, delineando o perfil dos educandos e os métodos de ensino da língua materna. Essa análise é importante, partindo–se do princípio de que as vivências linguísticas dos discentes se relacionando à prática escolar podem influenciar no processo de ensino-aprendizagem do alunado, à medida que o modo de falar deles é valorizado, podendo associar-se às nuances das regras gramaticais, sem que haja detrimento das variedades linguísticas utilizadas pelos educandos.

A pesquisa parte dos seguintes pressupostos: a) os discentes têm uma visão inadequada, em relação às variedades linguísticas; b) o estudo da variação linguística em consonância com a abordagem da variedade padrão será favorecido, a partir de atividades reflexivas sobre o conceito de língua materna, sobre a história

1 Os comentários dos discentes serão escritos, respeitando a forma como eles escreveram nas atividades propostas pela pesquisa.

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da língua portuguesa, sobre variedades linguísticas e sobre os fatores extralinguísticos envolvidos no processo comunicativo.

A partir desses pressupostos, foi elaborado o objetivo geral, bem como, os objetivos específicos dessa pesquisa. Assim, o objetivo geral é voltado para um estudo sobre o tratamento da variedade linguística em sala de aula, com o intuito de superar o preconceito linguístico. Assim, os objetivos específicos dessa pesquisa são: a) identificar se os alunos têm o conhecimento sobre o conceito de variante linguística; b) analisar se os discentes compreendem que com o passar do tempo, a Língua Portuguesa sofreu e sofre alterações; c) observar se os educandos classificam como “erro” as especificidades das variedades linguísticas; d) esclarecer como a hierarquia de valores se manifesta entre as variantes linguísticas; e) propiciar aos alunos compreender e, à medida do possível, superar em suas interações sociais o preconceito linguístico.

O presente trabalho é fundamentado em discussões sobre os pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística variacionista e educacional, do ensino de língua materna, da variação linguística, do preconceito linguístico, da pesquisa com viés etnográfico e da pesquisa-ação. Essa pesquisa é desenvolvida, a partir da aplicação de atividades sequenciadas que abordarão a variação linguística em prol da superação do preconceito linguístico.

O trabalho, além desse capítulo introdutório, encontra-se estruturado da seguinte maneira: no capítulo 2, apresentamos os pressupostos teóricos que embasam a pesquisa, notadamente as contribuições trazidas pelos estudos da sociolinguística, no tocante à variação linguística e ao preconceito linguístico; no capítulo 3, elucidamos os procedimentos metodológicos que dão suporte à pesquisa. O capítulo 4, por sua vez, dedica-se à análise dos dados obtidos a partir da intervenção realizada. O capítulo 5 é dedicado às considerações finais sobre o trabalho desenvolvido. Ao final apresenta as referências de obras e autores com os quais dialogamos durante a realização da pesquisa. Em seguida, os anexos estão constituídos pelos diversos materiais e atividades aplicados em diferentes fases do desenvolvimento da pesquisa.

As atividades realizadas durante a pesquisa propiciaram um desenvolvimento nos conhecimentos dos discentes, no que se refere ao uso da língua materna. Este progresso ocorreu, à medida que os educandos, em sua maioria, compreenderam que a Língua Portuguesa é muito mais do que uma gramática de regras prescritivas,

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ou seja, ela é essencial para a cultura e, consequentemente, para a identidade de um país. Desse modo, os alunos compreenderam que a Língua Portuguesa é heterogênea, possuindo, portanto, variados usos linguísticos que, antes da pesquisa, eles identificavam estas variações como sendo “erros”, mas após este estudo, eles passaram a compreender que as variedades linguísticas não são “erros” e que, devem ser respeitadas, visto que, cada uso da língua possui o seu sentido de existir em prol da função comunicativa, superando, logo, os ideais que envolvem o preconceito linguístico.

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2 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

A língua, segundo Antunes (2007), faz parte de nós mesmos, ou seja, é a nossa identidade, é a nossa história, é o nosso lado social, visto que é, através dela, que interagimos. Essa interação ocorre, portanto, quando usamos a língua, com toda a sua heterogeneidade, de acordo com os contextos e com as situações.

É esse fato de a língua sempre variar que faz com que ela seja heterogênea, variando em todas as possibilidades de usos linguísticos, fazendo com que a língua se reconstrua o tempo todo, se distanciando, cada vez mais, da homogeneidade linguística, como explica Bagno:

(...) a variação e a mudança linguísticas é que são o ‘estado natural’ das línguas, o seu jeito próprio de ser. Se a língua é falada por seres humanos que vivem em sociedades, se esses seres humanos e essas sociedades são sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, heterogêneos, diversificados, instáveis, sujeitos a conflitos e transformações, o estranho, o paradoxal, o impensável seria justamente que as línguas permanecessem estáveis e homogêneas! (BAGNO, 2007, p. 37)

A variação linguística, logo, é uma realidade inevitável, ou seja, faz parte de todas as línguas, e não é viável considerá-la um problema, visto que não existem línguas perfeitas e nem homogêneas. Assim, a variação linguística é um processo “natural” que provém das interações sociais.

Este capítulo discutirá sobre as seguintes temáticas: a sociolinguística variacionista e educacional; a heterogeneidade linguística; a variedade linguística; no conceito de variável, variante e vernáculo; e, o preconceito linguístico.

2.1 A SOCIOLINGUÍSTICA EDUCACIONAL

A Sociolinguística, como uma ciência social, contribuiu e continua contribuindo, consideravelmente, para o âmbito educacional, visto que a partir dos anos 1970, toma a educação como sendo seu objeto de reflexão. Essa ciência parte de contribuições tanto na antropologia linguística quanto na dialetologia, ambas correntes amparadas na ação democratizadora da escola, conforme esclarece Bortoni-Ricardo:

No início da segunda metade do século XX, a evolução do conceito de relativismo cultural, tanto no seio da antropologia cultural quanto da

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linguística estruturalista, permitiu a emergência da sociolinguística. Essa nova disciplina apoiava-se em três premissas básicas: o relativismo cultural; a heterogeneidade linguística inerente e a relação dialética entre a forma e a função linguísticas. (Bortoni-Ricardo, 2005, p. 114)

Dessa maneira, a primeira premissa rejeitava a ideia de que havia línguas e culturas subdesenvolvidas, apoiando, portanto, a igualdade social e a equivalência funcional entre as línguas. Enquanto que a premissa da heterogeneidade linguística primava pelo rompimento com os ideais saussurianos pautados na homogeneidade linguística, garantindo à variação linguística o seu espaço na língua. A terceira premissa, por sua vez, também rompeu com a tradição linguística, à medida que focalizava os seus estudos na função e no uso da língua, deixando em segundo plano a estrutura da língua.

Focada nessas três premissas, a sociolinguística tem muito a contribuir no processo educacional. Todavia, para Bortoni-Ricardo (2005), essa contribuição precisa ser revista, a partir de determinados princípios voltados, em especial, para o ensino de língua materna. É nessa perspectiva que surge o conceito de “uma pedagogia culturalmente sensível” proposto por Frederick Erickson (apud Bortoni-Ricardo, 2005), baseado no princípio de que a pedagogia deve ter como objetivo a aprendizagem de padrões de participação social, bem como, modos de falar, além de rotinas existentes na cultura do alunado. Esse ajustamento, logo, facilita a transmissão do conhecimento nos processos interacionais, visto que a cognição dos discentes se associa aos processos sociais que lhes são familiares. Nesse sentido, reforça ainda Bortoni-Ricardo:

[...] O que é preciso, de fato, é contribuir para o desenvolvimento de uma pedagogia sensível às diferenças sociolinguísticas e culturais dos alunos e isto requer uma mudança de postura da escola - de professores e alunos – e da sociedade em geral. Para tal mudança de postura, todavia, a descrição das regras variáveis é uma etapa preliminar e importante. (BORTONI-RICARDO, 2005, p.130)

A busca da mudança de postura, portanto, requer o desenvolvimento de algumas ações provenientes da sociolinguística educacional. Essas ações, por sua vez, baseiam-se em seis princípios, segundo Bortoni-Ricardo (2005). Assim, o primeiro princípio considera que a influência da escola no processo de aquisição da língua deve ser analisada nos estilos formais e monitorada, visto que a escola não atua no repertório linguístico do falante, mas sim, na incorporação do estilo formal ao modo de falar dos discentes. Enquanto que o segundo princípio pauta-se na ideia de

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que as regras variáveis que não são vistas, negativamente, pela sociedade, não são objetos de correção da escola.

O terceiro princípio refere-se à inclusão da variação sociolinguística na matriz social, propiciando estratégias que facilitam o ajuste do aluno à cultura escolar e, consequentemente, à aprendizagem dos estilos monitorados da língua. Já o quarto princípio revela que os estilos formais da língua são reservados aos eventos de letramento ocorridos em sala de aula, partindo-se da dicotomia entre letramento e oralidade, ao invés de utilizar a dicotomia entre português culto e português ruim. Dessa forma, faz-se a distinção entre a língua utilizada com pessoas mais próximas e a língua utilizada para ler, escrever ou até falar, quando se fala do modo como se escreve.

O quinto princípio, por sua vez, postula que a descrição da variação parte de uma análise minuciosa do significado dela no processo interacional. Por fim, o sexto princípio norteia-se pela conscientização crítica de professores e estudantes em relação à variação e à desigualdade social proporcionada por ela.

Em suma, o que se espera da sociolinguística educacional é, justamente, o respeito às características do educando, em especial, no tocante às suas especificidades linguísticas e culturais, viabilizando, assim, o seu ingresso na cultura escolar, à medida que a escola reconhece e valoriza as competências comunicativas do alunado, ampliando-as no decorrer de sua formação escolar.

2.2 A HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICA

Os falantes, em especial, os letrados, acreditam que a língua possa ser homogênea e composta, apenas, por um conjunto de regras gramaticais. Entretanto, a língua não se resume a regras, ou seja, de acordo com Bagno (2007), é uma atividade social utilizada pelos seus falantes, com o propósito de interagir por meio da fala e da escrita, sendo construída e reconstruída cotidianamente, em variados contextos e situações. Assim, a língua não é um produto pronto nem acabado, pois está sempre em processo de transformação, a partir dos usos linguísticos.

Esse processo de transformação é composto pelas variações e pelas mudanças que ocorrem numa língua, ao longo do tempo, propiciando a heterogeneidade, que é o estado “natural” de uma língua. Então, não se pode

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considerar que essas variações sejam “distorções” linguísticas, pois fazem parte da construção de uma língua, visto que, estão presentes nas interações dos falantes.

As interações sociais desenvolvidas, através de variações linguísticas, não ocorrem de qualquer jeito, ou seja, têm um sentido, alcançando um propósito comunicativo. Assim, essa heterogeneidade linguística é influenciada tanto por fatores linguísticos, quanto por fatores extralinguísticos.

Um fator linguístico, por exemplo, conforme Bagno (2007) pode ser demonstrado através do vozeamento e do desvozeamento de fonemas, como nos seguintes vocábulos: “raspo” e “rasgo”. Esses vocábulos possuem, respectivamente, um som de [s] e um som de [z], representados pela letra S. A variação surge, porque o som de [s] da palavra “raspo” é desvozeado, visto que antecede o som de [p] que também é desvozeado; enquanto que o fonema S possui som de [z], vozeado, na palavra “rasgo”, porque antecede o /g/, que também é vozeado. Dessa maneira, é a influência de um fonema sobre o outro que explicará a variação [s] ~ [z] condicionada linguisticamente.

Um fator extralinguístico, por sua vez, ainda de acordo com Bagno (2007) pode ser demonstrado, através da pronúncia da letra S, nas palavras “raspo” e “rasgo”, apresentando ou não um chiado, isto é, há falantes que pronunciarão o fonema /s/ com chiado, representado pelo símbolo [∫]; enquanto, há outros falantes que pronunciarão o mesmo fonema sem o chiado. E é essa presença ou ausência de chiado que definirá de qual Estado brasileiro provêm esses falantes. Dessa forma, percebe-se que a variação ocorre devido à origem geográfica dos falantes, isto é, devido a um fator social, ou melhor, extralinguístico.

Além disso, a heterogeneidade demonstra lógica, por exemplo, também na concordância nominal da língua portuguesa, quando se fala da seguinte maneira:

a) Vou lavar aqueleS prato sujo.

Essa maneira de falar é utilizada, constantemente, por falantes brasileiros, até mesmo, por falantes letrados, em situações de conversas espontâneas. Apesar de desobedecer à concordância nominal adequada, de acordo com a gramática, essa frase segue uma lógica que é a de pluralizar somente o primeiro item do sintagma, visto que não existem falas como os exemplos a seguir:

b) Vou lavar aquele pratoS sujo. c) Vou lavar aquele prato sujoS.

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Assim, é notável concluir que a heterogeneidade linguística é organizada, possui lógica e é coerente. Essa logicidade, bem como essa coerência advém do fato de a língua existir em sociedade, segundo esclarece Antunes (2007, p. 104): “(...) a língua só existe em sociedade, e toda sociedade é inevitavelmente heterogênea, múltipla, variável e, por conseguinte, com usos diversificados da própria língua.” E o mais importante é que essa heterogeneidade alcança o propósito comunicativo, propiciando a interação dos falantes de uma comunidade, ocorrendo naturalmente, visto que quem está no comando são pessoas: pessoas heterogêneas. Diante dessa realidade, em consonância com Antunes (2007), Dinah Callou (2014, p. 27) ressaltou:“ [...]. É utopia, contudo, pensar que o ensino de língua portuguesa se dará em contexto de homogeneidade e que se poderá chegar algum dia a uma globalização linguística, mesmo que em uma sociedade globalizada.” Assim fica claro que, a heterogeneidade é uma realidade que deve ser respeitada em toda a sua amplitude, visto que a homogeneidade linguística não passa de um objetivo inalcançável.

2.2.1 Fatores extralinguísticos da variação

A variação linguística, segundo Bagno (2007), proporciona ao falante se adequar às diferentes situações de fala. E, geralmente, esse fenômeno é influenciado, principalmente, pelos seguintes fatores sociais: a evolução histórica da língua, a origem geográfica do falante, a classe social dos falantes, os meios de expressão da língua e a fala diferenciada de cada indivíduo. De acordo com cada fator social que influencia a variação linguística, ela pode ser denominada, respectivamente, de variação diacrônica, variação diatópica, variação diastrática, variação diamésica e variação diafásica.

A variação diacrônica recebe esse nome por ser influenciada pelo desenvolvimento histórico da língua, visto que KRÓNOS significa “tempo” e DIÁ significa “através de”. Esse tipo de variação está presente em todas as línguas, pois as mudanças linguísticas ocorridas no decorrer do tempo constroem a história da língua. Esta história é perceptível, na medida em que os termos ou as expressões se modificam de acordo com os usos das gerações, como por exemplo, os termos “estar de bonde” e “ficar”, ambos têm o significado de estar se relacionando com alguém do sexo oposto, entretanto, apesar de possuírem o mesmo sentido, fizeram

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parte das interações sociais em épocas diferentes. Em virtude dessas transformações históricas, a língua não pode ser considerada estática, mas sim, dinâmica, como ressaltam Ilari e Basso:

[...] pensar na língua não como uma forma que foi estabelecida em caráter definitivo em algum momento do passado, quem sabe por decisão de uma assembleia de sábios, mas sim como uma realidade dinâmica, que está por natureza em constante mudança. (ILARI; BASSO, 2011, p. 153)

A variação diatópica, por sua vez, se refere às variações que ocorrem devido à origem dos falantes, devido ao lugar em que eles moram. Assim, o termo “diatópico” significa “através de” e “lugar”, a partir dos termos DIÁ e TOPOS, respectivamente. Esse tipo de variação, portanto, é notável, a partir de diferenças que acontecem numa mesma língua, quando falada em diferentes espaços geográficos. No caso do Brasil, por exemplo, essas diferenças linguísticas não impedem o entendimento da língua portuguesa em variadas regiões do país, ou seja, a língua é compreendida, e não é difícil identificar a procedência geográfica dos falantes, de acordo com o modo como falam.

Já a variação diastrática se refere ao fato de os falantes utilizarem a língua portuguesa, de acordo com a classe social à qual pertencem. Assim, a etimologia da palavra “diastrática” refere-se aos estratos sociais. O termo DIA tem o sentido de “através de”, enquanto que o termo STRATUM, proveniente do latim, significa “camada”, “estrato”, se relacionando, portanto, às classes sociais. Pode-se exemplificar esse tipo de variação através dos usos linguísticos quando se fala “figo”, ao invés de “fígado”; quando eles falam “mais mió”, ao invés de “melhor”; quando os usuários falam “as roupa mais bonita”, ao invés de “as roupas mais bonitas”; dentre outros exemplos.

A variação diamésica, por sua vez, está voltada para as diferenças entre a língua falada e a língua escrita, diferenças estas que surgem devido ao fato de os falantes utilizarem mais a fala do que a escrita, e tendem a escrever, por conseguinte, do mesmo modo que falam. Dessa maneira, a palavra “diamésica” é composta pelos termos DIA, que significa “através de”; bem como pelo termo MÉSOS, que tem o sentido de “meio”, ou seja, de “meio de comunicação”. Entretanto, a sociedade exige que o texto escrito siga as regras normativas, assim sendo, não é viável escrever nos moldes da fala. Além disso, o texto escrito é planejado, é organizado, antes de ser exposto, como também fala por si; diferentemente da fala que ocorre de maneira espontânea no momento em que está

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sendo produzida, além de poder tirar proveito das situações, através do tom de voz e do jeito de falar, por exemplo. Esse tipo de variação pode ser demonstrado nos seguintes exemplos: na fala, as pessoas dizem “né”, “ôceis”, “disséro”; na escrita, por sua vez, essas palavras devem ser escritas, respectivamente, “não é”, “vocês”, “disseram”.

Ainda sobre os tipos de variação, há a variação diafásica, também conhecida como variação estilística, baseia-se nos vários modos de falar de cada indivíduo, ocorrendo nas interações, de acordo com cada situação vivida pelo falante, podendo ter maior ou menor grau de formalidade. Desse modo, a palavra “diafásica” é constituída pelos termos: DIA, que significa “através de”; e PHASIS, proveniente do grego, que possui o sentido de “fala”. Assim, cada situação exigirá do falante determinado comportamento verbal, tanto na fala, quanto na escrita. Diante disso, conclui-se que todas as pessoas variam a sua maneira de falar, monitorando seu comportamento verbal e adequando-oaos mais variados contextos.

2.3 O QUE É VARIEDADE LINGUÍSTICA?

O conceito de variedade linguística, segundo Bagno (2007), se refere a um dos muitos “modos de falar” uma língua. Estes “modos de falar” se correlacionam com a idade, o sexo, a classe social, o lugar de origem dos falantes, dentre outros fatores sociais. Então, toda língua comporta um leque de variedades, sendo que cada variedade tem suas próprias características. Assim, por exemplo, nem todos os brasileiros falam o “s chiado”; há pessoas que usam o pronome “tu”, outras usam o pronome “você”.

É importante frisar que toda variedade linguística tem sentido, é funcional e possui os recursos necessários para a efetivação das interações sociais, portanto todas são relevantes para a comunidade de falantes, não existindo variedades mais “certas” do que outras, visto que todas possuem uma lógica de funcionamento, todas obedecem a regras gramaticais, sendo, portanto, descritas e explicáveis, de acordo com Bagno (2007).

As variedades linguísticas, assim como a variação linguística, também são classificadas por tipos e recebem nomes, tais como: dialeto, socioleto, cronoleto e idioleto. Nessas palavras, tem-se o elemento –LETO que advém do grego LÉKSIS

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que significa “palavra, ação de falar”, de onde também advém o termo “léxico”, conforme Bagno (2007).

Dialeto é um termo que se refere ao modo característico de uso da língua em um determinado lugar, estudado pela disciplina denominada de Dialetologia que, a princípio, descrevia os falares rurais e isolados, por serem considerados “puros” e “autênticos”, sem possuírem influências da vida urbana.

O termo socioleto, por sua vez, baseia-se na variedade linguística utilizada por um grupo de falantes que compartilham as mesmas características socioculturais, enquanto o cronoleto, como o próprio nome já diz, tem a ver com o tempo, a partir da palavra grega “kronos”, designando a variedade linguística de determinada faixa etária, de uma geração de falantes. Já o idioleto é mais voltado para a individualidade, isto é, o modo de falar característico de cada indivíduo, suas preferências vocabulares, seu modo próprio de pronunciar as palavras.

2.4 VARIÁVEL, VARIANTE E VERNÁCULO

A variável de uma língua é um elemento ou regra que pode se realizar de várias maneiras, de acordo com a variedade corrente. Sendo que cada uma dessas maneiras denomina-se de variante. Logo, variante pode ser definida, de acordo com Bagno (2007, p. 50), como “cada uma das formas diferentes de se dizer a mesma coisa” , como por exemplo, o caso do verbo “assistir”, que apresenta duas variantes, levando-se em conta a variável de sua transitividade, sendo utilizado como transitivo direto (“Eu assisti o filme”) ou como transitivo indireto (“Eu assisti ao filme”).

O estado real de uma língua pode ser identificado ao estudar as regras variáveis linguísticas, o que está sendo utilizado para garantir as interações sociais, conforme Bagno explicita:

O estudo das regras variáveis [...] permite que a gente conheça o estado atual, real da língua, como ela é de fato usada pelos falantes, por meio da frequência de uso da variante X e da variante Y. Descobrir quais elementos da língua se encontram em variação tem grande importância também para o entendimento dos fenômenos da mudança linguística, [...]. (BAGNO, 2007, p.51)

O significado do termo vernáculo, por sua vez, segundo o linguista William Labov (2008 [1972], p.244, apud Bagno, 2007, p.51), é o estilo em que se presta o

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mínimo de atenção ao monitoramento da fala. Assim, ressalta Bagno (2007, p. 51): “O vernáculo parece ser, portanto, a fonte mais segura para a investigação dos fenômenos de mudança linguística que afetam determinada língua num dado momento histórico [...]”.

Dessa maneira, vernáculo é a variedade linguística característica de um grupo social, representando a fala menos monitorada e mais espontânea de uma comunidade, logo, com menos formalidade e mais emoção. Portanto, é através do vernáculo que se compreende as regras gramaticais mais empregadas pelas pessoas, bem como as regras que estão caindo em desuso.

Apesar da variação linguística ser uma realidade da língua portuguesa, a sociedade brasileira sempre buscou um ideal, isto é, sempre buscou uma língua homogênea, uma língua única. Desse modo, essa sociedade não progrediu em relação ao respeito à pluralidade e às diferenças linguísticas, ocasionando o surgimento de um fenômeno excludente, denominado de preconceito linguístico.

2.5 PRECONCEITO LINGUÍSTICO

A realidade linguística do Brasil, segundo Bagno (2011), pode ser analisada, através de três ângulos, tais como: a língua considerada “correta”, prescrita e descrita pela gramática prescritiva, não sendo, portanto, nenhuma variedade falada autêntica; o grupo das variedades linguísticas utilizadas pelos falantes de maior poder aquisitivo, de maior nível de escolarização e de maior prestígio sociocultural; e o grupo das variedades linguísticas estigmatizadas, utilizadas pela maioria dos falantes, oriundos da zona rural ou das zonas periféricas das cidades e com menor acesso à escolarização.

Diante desse terceiro ângulo da realidade linguística brasileira, ou seja, do uso das variedades linguísticas estigmatizadas, é que se propaga o fenômeno conhecido pelo nome de preconceito linguístico que surgiu, a partir das incongruências existentes entre língua e gramática prescritiva.

Assim, é importante compreender, adequadamente, essas incongruências, estudando como ocorre o preconceito linguístico, através de uma análise sobre a noção de “erro” na língua, sobre a estigmatização linguística e sobre os mitos preconceituosos existentes na língua.

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2.5.1 A noção de “ERRO” linguístico

A noção de “erro” linguístico, segundo Bagno (2007), está envolto de fenômenos sociais e culturais que propagam que a língua é repleta de “erros”. Entretanto, esta colocação é inadequada, visto que a língua possui, na realidade, variações linguísticas, organizadas sintaticamente, permitindo a interação social, como esclarece esse autor:

[...] não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um sistema de sons e significados que se organizam sintaticamente para permitir a interação humana, toda e qualquer manifestação linguística cumpre essa função plenamente [...]. (BAGNO, 2007, p.61)

Tudo que é considerado “certo” ou “errado”, na sociedade, é criação dos seres humanos, mais precisamente, é resultado das visões de mundo, de juízos de valor, de crenças culturais e de ideologias humanas.

No tocante à língua, especificamente, o erro surgiu no mundo ocidental, a partir da língua grega, na cidade de Alexandria. Essa região, durante muito tempo, foi um centro importante para a cultura e que valorizava o que era erudito, transformando-se, então, na sede da Filosofia, como esclarece Bagno (2007, p.63): “[...] sede de escolas filosóficas e de uma famosa biblioteca, que abrigava o maior patrimônio intelectual e literário da Antiguidade [...]”.

Diante dessa realidade, a língua grega tornou-se o idioma internacional no grande império grego, surgindo, assim, a necessidade de padronizar essa língua, sem se atentar para as diferenças regionais e sociais, transformando-a num instrumento unificado e homogêneo, baseado num padrão de correção. Essa atitude partiu dos “amantes da palavra”, denominados de filólogos, que trabalhavam na biblioteca de Alexandria, sendo, portanto, considerados sábios.

Nesse âmbito, mais precisamente no século III a.C., foi elaborada a Gramática Tradicional que constituía um conjunto de normas para a língua e para a linguagem, mesclando intuições filosóficas e preconceitos sociais que, até os dias atuais, ainda perduram na sociedade. Nessa perspectiva, pode-se considerar que a Gramática Tradicional definiu os rumos dos estudos da língua, por mais de dois mil anos.

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Rumos esses que podem ser resumidos nos seguintes princípios gramaticais: supervalorização da língua escrita em detrimento da língua falada; desprezo para com as variedades linguísticas não-urbanas e não-letradas; criação de um modelo idealizado de língua, baseada na literatura consagrada, diferentemente da fala real contemporânea.

Então, foi a partir desses rumos linguísticos, estabelecidos pela Gramática Tradicional, que surgiu a noção de “erro” na língua. Dessa forma, segundo Bagno (2007), pode consistir “erro” linguístico todo uso da língua que foge do modelo idealizado, estabelecido pela linguagem literária consagrada; toda sintaxe, todo vocabulário e toda pronúncia que determinem a origem social desprestigiada dos falantes; todo uso linguístico que não faz parte das classes sociais letradas. Destarte, o modo de falar da maioria das pessoas sofre exclusão e, por isso, é considerado um “erro”.

Assim, mesmo contestada por estudos linguísticos iniciados no século XIX, a Gramática Tradicional ainda possui uma base fortalecida até os dias de hoje, como ressalta Bagno:

Os preceitos e preconceitos da Gramática Tradicional só começaram a ser questionados a partir do século XIX, com o surgimento das primeiras investigações linguísticas de caráter propriamente científico. Embora contestada pela ciência moderna, aquela visão arcaica e preconceituosa de língua e de linguagem penetrou no senso comum ocidental e ali permanece firme e forte até hoje. (BAGNO, 2007, p.69)

Nesse contexto, é válido analisar a noção de “erro”, visto que o “erro de português”, de uma maneira geral, resume-se em desvio da ortografia oficial. Embora também existam inadequações gramaticais no que se refere à regência e à concordância nominal e verbal trata-se de fenômenos que constituem formas de variação linguística. É bom frisar que a ortografia oficial advém de um decreto elaborado politicamente, através de negociações de ordens geopolíticas, econômicas e ideológicas. Dessa maneira, ao falar sua língua materna, o falante consegue interagir, estabelecer a comunicação e sem cometer erros, como ressalta Bagno:

Todo falante nativo de uma língua é um falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir a gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado [...] (BAGNO, 2011, p.149)

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Essa agramaticalidade dificilmente é cometida por falantes nativos de uma língua, visto que desrespeita as regras de funcionamento de uma língua, no caso desse estudo, a língua portuguesa. Somente quando ocorrem enunciados agramaticais, é que se pode dizer que há “erros de português”. Esses enunciados agramaticais podem ser exemplificados a partir das seguintes orações: “Eu nos vimos amanhã no trabalho.” / “Esse menina não gosta de mim.” Percebe-se, através desses exemplos, que esses erros não são cometidos no dia a dia pelos falantes, durante as interações, portanto, erros agramaticais são, praticamente, extintos da nossa língua, pois não ocorrem na fala espontânea e natural dos falantes.

Quando se fala em “erro de português”, todavia, na nossa sociedade, refere -se aos erros de ortografia oficial da língua portuguesa e não de erros agramaticais, causando, então, certa confusão entre os termos português e ortografia oficial.

Destarte, os “erros de português” ocorrem na língua escrita, através da tentativa dos falantes de escrever de acordo com o modo como se fala, assim, seria viável, segundo Bagno (2011), substituir o termo “erro de português” pelo termo “tentativa de acerto”, por ser a escrita uma análise da língua falada. Talvez, por isso, há constantes “erros” de ortografia, visto que a escrita provém da fala e do perfil sociolinguístico dos falantes.

A língua falada, por sua vez, recebe o rótulo de “erro” quando ocorre alguma manifestação linguística, seja fonética, morfológica ou sintática, diferente das regras prescritas pela gramática normativa.

Isso ocorre porque os falantes nativos adquirem, ao longo da vida, conhecimentos implícitos adequados sobre a língua materna, até mesmo sem estudarem gramática na escola, visto que essa aquisição acontece de forma natural e espontânea, através das interações sociais.

Apesar da busca pela eliminação da noção inadequada de erro, isso não quer dizer que tudo vale na língua, ou seja, o uso da língua dependerá do contexto no qual será utilizada pelos falantes. Como reforça Bagno (2011, p. 155): “o uso da língua dependerá de quem diz o quê, a quem, como, quando, onde, por que e visando que efeito”.

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2.5.2 Estigma x prestígio

As relações sociais fazem com que as variantes linguísticas sejam denominadas como variantes de estigma ou variantes de prestígio, de acordo com os falantes que as utilizam. Todavia, essa classificação de estigma e de prestígio não é propriamente linguística, mas sim, juízos de valor lançados sobre os falantes que empregam essa ou aquela forma linguística, segundo Bagno (2007).

Dessa maneira, os valores das variantes linguísticas são atribuídos socialmente, de acordo com o patamar ao qual pertence cada falante, mais precisamente, quanto maior for a escala socioeconômica e o grau de escolarização dos falantes, maior será o prestígio das variantes linguísticas usadas por eles.

Assim, quando os falantes fizerem parte de uma classe social menos favorecida, bem como tiverem um menor grau de escolarização e ainda viverem na zona rural, eles terão suas variantes linguísticas mais estigmatizadas pela sociedade.

Isso ocorre devido ao fato do prestígio associado ao português padrão ser uma herança colonial consolidada, conforme afirma Bortoni-Ricardo (2005). Entretanto, essa herança precisa ser questionada e até desmistificada, demonstrando os seus efeitos destrutivos em prol da perpetuação das desigualdades sociais.

Nesse contexto, é notável perceber que o estigma e o prestígio, no tocante ao uso das variantes linguísticas, provêm da própria sociedade, ou seja, não é um problema linguístico, tendo em vista que, para os linguistas, as variantes são apenas diferenças, enquanto que para a sociedade, elas podem denotar “erro”, “ignorância” ou “defeito” da língua. Além disso, para a sociedade, o que está em jogo não é propriamente a língua, mas sim, a pessoa que está utilizando-a, isto é, se o falante tem ou não boa renda, se o falante tem ou não escolaridade ou se o falante vive na zona rural ou na zona urbana.

2.5.3 Mitos que fortalecem o preconceito linguístico

O preconceito linguístico é muito comum no Brasil, tendo em vista que é alimentado pela mídia, por livros e por manuais tradicionais, como as gramáticas escolares produzidas, segundo o padrão Greco-latino, que buscam ensinar o que é

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“certo” e o que é “errado” na língua portuguesa. Na maioria das vezes, esse tipo de preconceito não é perceptível, porque as pessoas, de uma forma geral, nem percebem que são preconceituosas linguisticamente.

Para Bagno (2011), é necessário que o país estabeleça uma política linguística racional e transparente, visto que quando inexiste uma política linguística oficial, é fato que haja uma linguística retrógrada no âmbito nacional. Ele esclarece que:

O espaço social deixado vago pela inexistência de uma política linguística oficial, de âmbito nacional, acaba sendo ocupado, infelizmente, por uma linguística difusa, confusa e retrógrada, justamente aquela praticada de modo repressor, persecutório e cientificamente desinformado pelas diversas instâncias da sociedade que de um modo ou de outro se interessam pela questão da(s) língua(s): a pedagogia tradicional, as editoras de revistas e livros, as Academias de Letras, os meios de comunicação de massa, poderes executivos e/ou legislativos estaduais e municipais etc. (BAGNO, 2011, p. 25)

É bem verdade que o preconceito linguístico reflete uma sociedade influenciada por dogmas linguísticos estabelecidos pelas camadas mais abastadas socialmente. Diante disso, o linguista Bagno examinou alguns mitos criados sobre a língua portuguesa que reforçam a existência do preconceito linguístico no Brasil.

Assim, o mito de nº 1 existente na sociedade brasileira, de acordo com Bagno (2011), é de que o português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente. Esse mito está enraizado na cultura do Brasil. Intelectuais, filólogos e gramáticos acreditam nessa ideia da unidade linguística brasileira.

A educação do nosso país acaba sendo influenciada, portanto, por esse mito, fazendo com que os estudantes, em sua maioria, não tenham acesso à verdadeira diversidade do português falado no Brasil. Diversidade esta composta por línguas indígenas, línguas trazidas por imigrantes europeus e asiáticos, bem como línguas surgidas nas regiões fronteiriças existentes com os países vizinhos, além das línguas africanas trazidas na época do regime escravista. Logo, o multilinguismo brasileiro fica submetido à norma linguística imposta nas escolas, como sendo a língua comum entre todos os brasileiros.

Segundo estudos da linguística moderna, não existe língua homogênea, como reforça Bagno:

[...] O monolinguismo é uma ficção. Toda e qualquer língua humana viva é, intrinsecamente e inevitavelmente, heterogênea, ou seja, apresenta

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variação em todos os seus níveis estruturais (fonologia, morfologia, sintaxe, léxico etc.) e em todos os seus níveis de uso social (variação regional, social, etária, estilística etc.). (BAGNO, 2011, p. 28)

Apesar dos esforços dos linguistas, todavia, o mito da unidade linguística no Brasil ainda é muito difundido. Diante dessa realidade, pode-se dizer que existem brasileiros que não têm acesso a essa “língua homogênea”, ensinada nas escolas e difundida nas instituições oficiais. Essa parcela da sociedade é constituída pelos falantes que utilizam as variedades linguísticas estigmatizadas e não validadas pela sociedade. Muitas vezes, esses falantes estigmatizados, por não compreenderem a dita “língua culta”, isto é, a língua utilizada pelos órgãos públicos, eles acabam não usufruindo dos serviços, aos quais teriam direito.

Diante dessa realidade, é viável perceber que a escola precisa abandonar esse mito da “unidade linguística”, como afirma Bagno:

É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da ‘unidade’ do português brasileiro e passem a reconhecer a verdadeira diversidade

linguística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação

junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades sem prestígio social. (BAGNO, 2011, p.32)

Dessa maneira, é importante que o ensino em sala de aula priorize a existência das variedades linguísticas, com o objetivo de se ampliar e valorizar a competência comunicativa dos educandos, competência esta entendida por Chomsky (apud Bortoni-Ricardo) como consistente:

[...] no conhecimento que o falante tem de um conjunto de regras que lhe permite produzir e compreender um número infinito de sentenças, reconhecendo aquelas que são bem formadas, de acordo com o sistema de regras da língua. (BORTONI-RICARDO, 2004, p.71) É importante frisar que todas as sentenças da língua portuguesa, produzidas pelos falantes, são bem formadas: tanto as sentenças consideradas da língua padrão como as sentenças de outras variedades. Portanto, as escolas não devem se distanciar da língua utilizada pelos alunos, em seus contextos interacionais do cotidiano, facilitando, assim, o processo de ensino e aprendizagem dos discentes.

Isso não quer dizer que se deve, simplesmente, “aceitar” a variedade estigmatizada dos estudantes, mas sim, reconhecer a realidade linguística dos alunos, para, então, ampliar o repertório linguístico dos aprendizes, bem como

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fazê-los adequar as sentenças linguísticas às variadas situações de interação social. Enfim, a tarefa da escola, segundo Bortoni-Ricardo (2004), é, justamente, possibilitar que o estudante desenvolva a sua competência comunicativa, passando a usar, com segurança, os recursos comunicativos adequados aos contextos sociais.

Nesse contexto, a função da escola, no que tange ao ensinamento da língua materna, conforme Bagno (2011, p.33), seria: “[...], levar a pessoa a conhecer e dominar coisas que ela não sabe e, no caso específico da língua, conhecer e dominar, [...], a leitura e a escrita e, [...], outras formas de falar e de escrever, outras variedades de língua [...].” É óbvio que, dentre estas variedades, inclui-se também a variedade considerada culta, com o intuito de ampliar a inclusão social, pois esta variedade é exigida socialmente, sendo considerada, pois, um fator de inclusão social.

Portanto, vale salientar que se deve tratar a heterogeneidade linguística como uma realidade na sociedade e não como um “mal social”. É nesse contexto que os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem a importância da diversidade linguística. Esse importante documento, publicado em 1998, reconhece que a variação faz parte das línguas humanas, independentemente de qualquer ação normativa, ou seja, os usos da língua não devem ficar subjacentes às prescrições normativas da gramática escolar.

Por conta dessa busca incansável pela unidade linguística, a sociedade acaba gerando outros mitos em relação à língua portuguesa, como por exemplo, o mito de nº 2: “brasileiro não sabe português”, “só em Portugal se fala bem Português”. Essas opiniões são propagadas, na maioria das vezes, por estudiosos da gramática que afirmam que as regiões brasileiras possuem vícios de linguagem e que o português falado no Brasil é uma língua de “matutos”.

É importante frisar, no entanto, que o brasileiro sabe falar português, interagindo o tempo todo, porém é um português falado diferentemente do português de Portugal, visto que o português brasileiro já é uma gramática própria de funcionamento, mas recebe o nome de “língua portuguesa”, pelo fato do Brasil ter sido colônia de Portugal. Logo, vale salientar que o português europeu é bem diverso do português brasileiro, tanto no modo de falar, quanto no vocabulário e na sintaxe. Apesar de a escrita ainda apresentar semelhanças, visto que a ortografia é praticamente a mesma entre essas duas línguas.

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A questão, portanto, do português brasileiro ser considerado inferior ao português de Portugal é propagada pela mídia, como o que foi publicado na Folha de S. Paulo (4 jan. 2000), em Bagno (2011, p.43), ressaltando que o português brasileiro é ilógico: “Basta pensar que a língua brasileira é outra. Uma pequena mostra de erros de redação coletados na imprensa revela que o português aqui transformou-se num vernáculo sem lógica nem regras.”

Como afirmar que o português brasileiro, uma língua viva e interativa, é uma língua ilógica, quando na verdade, não há vernáculo ilógico e nem sem regras, pois todos são passíveis de realizarem atos comunicativos coerentes. Outrossim, o foco central do mito em questão é apresentar a ideia de que todos os portugueses falam da mesma maneira, como se não existisse variação no português de Portugal. No entanto, Bagno explica que o português europeu não é homogêneo:

[...] O português europeu, obviamente, não é nem nunca foi uma língua homogênea e uniforme: apresenta dialetos regionais bem distintos uns dos outros, além de exibir variação social [...]. Afirmar que “os portugueses” falam melhor do que nós, é imaginar uma sociedade portuguesa uniforme, indiferenciada, sem conflitos sociais. É muita ingenuidade! (BAGNO, 2011, p. 46)

Então, como não existe língua uniforme, é complicado acreditar que os portugueses falam e escrevem “tudo certo” e que obedecem fielmente às regras gramaticais ensinadas nas escolas. Mesmo assim, é exatamente isso que é pregado pelos brasileiros, de uma maneira geral. Todavia, apesar dessa crença, vale salientar que o brasileiro sabe sim falar português e que o português europeu não é melhor e nem pior do que o português do Brasil, isto é, ambos possuem suas especificidades e suas variações para atenderem às necessidades linguísticas das comunidades que os usam.

Apesar de os brasileiros saberem falar português, ainda há o mito de nº 3 sendo propagado no Brasil: “português é muito difícil”. Esse mito existe de acordo com o que é ensinado nas escolas, ou seja, as regras gramaticais aprendidas no ambiente escolar não refletem a língua utilizada no cotidiano dos falantes. Nesse caso, é realmente difícil decorar várias regras que acabam sem sentido para a ocorrência das interações sociais. Assim, Bagno (2011, p. 52) ressalta: “se tanta gente continua a repetir que ‘português é difícil’ é porque o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português”.

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Vale salientar que a expressão “português difícil” define-se como um conjunto prescritivo de normas constituindo-se, portanto, uma abordagem puramente metalinguística do idioma português, ou melhor, do “português brasileiro”. Essa abordagem persiste nas escolas, por não serem valorizados os antecedentes culturais e linguísticos dos discentes, favorecendo o surgimento das dificuldades ao se estudar a língua padrão, conforme ressalta Bortoni-Ricardo:

No caso brasileiro, o ensino da língua culta à grande parcela da população que tem como língua materna – do lar e da vizinhança – variedades populares da língua tem pelo menos duas consequências desastrosas: não são respeitados os antecedentes culturais e linguísticos do educando, o que contribui para desenvolver nele um sentimento de insegurança, nem lhe é ensinada de forma eficiente a língua padrão. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 15)

É diante dessa realidade do ensino tradicional de gramática, que muitos discentes concluem o Ensino Médio, acreditando que não sabem português, e que nem sabem escrever. Isso ocorre porque a escola não procura desenvolver as habilidades de expressão oral e de escrita dos alunos, de modo a tornar as aulas de língua materna bem mais interessantes e envolvidas com a realidade dos estudantes. Ao invés disso, os docentes preferem ensinar uma infinidade de regras gramaticais, bem como nomenclaturas incoerentes.

No entanto, Bortoni-Ricardo (2005) afirma que é primordial que a escola não ignore as diferenças sociolinguísticas, logo, o alunado, bem como os educadores precisam se conscientizar de que existem duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa, embora essas formas alternativas tenham propósitos comunicativos diferentes, sendo, portanto, recebidas de maneira diferenciada pela sociedade. Todavia, mesmo diante de suas peculiaridades linguísticas, os discentes precisam compreender as variedades prestigiadas socialmente, para não ficarem alheios às oportunidades oferecidas pela sociedade.

Além desses mitos, ainda há o mito de nº 4 pregado no Brasil, que é o seguinte: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”. Então, toda manifestação da língua materna, que fuja das regras gramaticais ensinadas nas escolas, é considerada errônea, principalmente quando é utilizada por falantes de classes menos abastadas e que não têm acesso à língua formal.

A partir desse princípio, nota-se que não há apenas preconceito linguístico, mas há, também, o preconceito denominado de social, visto que, quando se fala, por

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exemplo, vrido, tauba, Cráudia, é considerado “errado”. Esse linguajar, geralmente, pertence às camadas sociais desprestigiadas, principalmente porque esses falantes não tiveram acesso à escola nem tampouco aos bens culturais de elite. Portanto, é óbvio que isso vai além de um problema linguístico, ou seja, é um problema tanto político, quanto social, também. Além disso, é importante frisar que esse linguajar considerado “feio” é apenas diferente da língua ensinada nas escolas.

Ainda referente à mitologia do preconceito linguístico, há o mito de nº 5 que é sobre o português falado no Estado do Maranhão, que é julgado como o melhor do Brasil. Isso se deve ao fato de a maioria dos maranhenses utilizarem o pronome pessoal tu conjugado adequadamente, como por exemplo, eles falam: tu vais, tu queres, tu comias. Enquanto que, na maior parte do Brasil, o pronome tu foi substituído pelo pronome você. Isso é esclarecido por Bagno:

Ora, somente por esse arcaísmo, por essa conservação de um único aspecto da linguagem clássica literária, que coincide com a língua falada em Portugal ainda hoje, é que se perpetua o mito de que o Maranhão é o lugar ‘onde melhor se fala o português’ no Brasil. (BAGNO, 2011, p.63)

Cabe pontuar, entretanto, que não existe nenhuma variedade linguística “melhor” do que outra, visto que todas concebem o ato comunicativo e, consequentemente, proporcionam as interações sociais. Além disso, cada variedade linguística possui sua história e suas especificidades, pronta para se adequar às transformações exigidas pelos falantes, em favor do propósito comunicativo. Diante disso, Bagno ressalta a importância de se abandonar o mito de que há variedade linguística “melhor” ou “pior” que outra:

É preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o “melhor” ou o “pior” português e passar a respeitar igualmente todas as variedades da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura. Todas elas têm o seu valor, são veículos plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que as falam. [...] (BAGNO, 2011, p.67-68)

O mito de nº 6 é sobre o preconceito linguístico, por sua vez, se refere ao seguinte: “o certo é falar assim porque se escreve assim”. Esse mito se relaciona ao fato de se exigir que as pessoas pronunciem as palavras do mesmo modo como elas são escritas, ampliando a valorização da escrita. Isso ocorre, geralmente, nas

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