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2.5 PRECONCEITO LINGUÍSTICO

2.5.4 Desconstruindo o preconceito linguístico

O ensino tradicional não incentiva os discentes a se expressarem com naturalidade, ou seja, acaba interrompendo o fluxo natural da expressão e da comunicação dos falantes, através de atitudes corretivas, fazendo com que as pessoas pensem que não conhecem a língua materna, achando-se incapazes e incompetentes, no tocante ao uso da língua.

É importante elevar a autoestima linguística dos falantes, conforme Bagno (2011), recusando velhos argumentos que menosprezam o saber linguístico de cada indivíduo, fazendo com que cada falante seja competente no uso da língua portuguesa.

Para tanto, é necessário que o professor de língua portuguesa produza seu próprio conhecimento de gramática em sala de aula, conforme explica Bagno (2011):

[...] Em vez de REPRODUZIR a tradição gramatical, o professor deve PRODUZIR seu próprio conhecimento da gramática, transformando-se num pesquisador, num orientador de pesquisas a ser empreendidas em sala de aula, junto com seus alunos. Parar de querer entregar regras (mal descritas) já prontas [...]. (BAGNO, 2011, p. 142 - grifo do autor)

Assim, é relevante que o docente utilize textos bem construídos, para que os discentes consigam deduzir essas regras, através da análise de textos coerentes e interessantes, tanto de língua escrita quanto de língua falada, demonstrando que a língua é dinâmica, é viva e se transforma o tempo todo. Dessa maneira, é indispensável que a gramáticada língua seja apresentada como uma disciplina viva, que está em constante revisão e elaboração, não devendo ser estudada, portanto, como uma disciplina estática e absoluta.

Logo, é através do ensino que se pode romper com os preceitos do preconceito linguístico, a partir de um ensino pautado, em especial, no aprendizado da leitura e da escrita, em prol do letramento. Então, deve-se deixar de lado o ensino da gramática tradicional voltado para a obsessão terminológica, classificatória e o apego à nomenclatura, visto que esse ensino apenas prejudica o desenvolvimento do letramento do alunado. Nesse âmbito, o professor deve priorizar o conhecimento linguístico, com o propósito de aprimorar os usos linguísticos do idioma pelos estudantes.

A maioria dos professores, no entanto, prefere se voltar para o ensino tradicional, e preocupar-se, apenas, com os “erros”, principalmente, com os “erros” ortográficos, como se a ortografia oficial fizesse parte da gramática de funcionamento da língua. A ortografia oficial é um decreto que depende dos filólogos que a estabelecem, diferentemente da gramática da língua que é natural e que faz parte dos atos comunicativos de falantes que nunca nem frequentaram a escola.

Partindo-se dessa compreensão, é fundamental abandonar a ideia simplista e preconceituosa dos erros ortográficos e levar em conta, portanto, o conteúdo dos textos, ou seja, o propósito comunicativo, e não, apontar os “erros” ortográficos dos textos escritos. Para tanto, segundo Faraco (2008), a Academia Brasileira de Letras possui a incumbência de estabelecer a convenção escrita da língua portuguesa, ou melhor, de produzir o Vocabulário Ortográfico da língua materna. Todavia, além da ABL, as universidades possuem uma capacidade técnica para o estudo e o cultivo da língua. Diante dessa perspectiva, a ortografia precisa ser trabalhada em sala de aula, através dos textos, salientando os valores semânticos das palavras, sem sobrepor a ortografia oficial aos usos linguísticos dos discentes, pois ocorre exatamente, ao contrário, o uso se sobrepõe à norma gramatical, como corrobora Faraco:

Em matéria de língua, não há, portanto, papas nem tribunais supremos. E os antigos já sabiam disso e diziam, com muita propriedade, que a única autoridade em língua é o uso, isto é, a maneira habitual, comum, corriqueira de falar ou de escrever [...]. (FARACO, 2008, p.100)

Partindo-se deste princípio, para que os docentes aprimorem suas aulas e tornem-se bons gramáticos, precisam observar o uso da língua em sala de aula, acompanhando a dinâmica da língua na sua heterogeneidade e no seu constante processo de mudança, segundo Faraco (2008).

Mais do que subjugar os estudantes perante a ortografia oficial, vale salientar a essência dos textos dos alunos, verificando a coerência, a originalidade das ideias, a ética, a criticidade, a estética, o sentimento envolvido, os ensinamentos produzidos, bem como as emoções que despertam nos leitores. Isso que é educar, para Bagno, que ainda enfatiza:

Eu confesso que sinto muito maior prazer ao ler (ou ouvir) um texto cheio de “erros de português” – mas com ideias originais, inovadoras, coerentes, bem expressas –, um texto isento de preconceitos e de ideias rançosas, do

que ao ler um texto com todas as vírgulas no lugar, com todas as regências “cultas” respeitadas, todas as concordâncias verbais e nominais, mas repleto de intolerância, de deboche, de sarcasmo, de concepções degradantes e por aí afora. (BAGNO, 2011, p. 164)

É difícil abandonar de uma hora para outra as ideias preconceituosas no tocante ao uso linguístico, visto que o preconceito linguístico está enraizado na sociedade brasileira. Em vista disso, não é uma tarefa fácil, mas é viável tomar algumas atitudes que possam subverter o preconceito linguístico, tais como: formação dos professores, rumo ao aprofundamento da pesquisa linguística; crítica ativa, por parte dos docentes, no que se refere ao ensino tradicional da gramática; demonstração da evolução da ciência da linguagem; reflexão sobre algumas noções linguísticas que representam uma cisão das velhas doutrinas gramaticais.

Essas cisões, conforme Bagno (2011, p. 166), são as seguintes: 1) conscientizar-se de que todo falante é um usuário competente da língua; 2) aceitar a ideia de que não existe erro de português; 3) não confundir erro de português (que, afinal, não existe) com simples erro de ortografia; 4) reconhecer que o “erro” de português (se é que existe) encontra-se nas regras tradicionais, e não nos falantes que são nativos e competentes no uso da língua portuguesa; 5) conscientizar-se de que toda língua muda e varia; 6) dar-seconta de que a língua portuguesa evolui e se transforma o tempo todo; 7) respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa; 8) compreender que a língua permeia tudo, isto é, a língua molda o modo de ver o mundo dos falantes, bem como, o modo de ver o mundo dos falantes molda a língua materna; 9) entender que o professor de português é professor de TUDO, visto que a língua está em tudo e tudo está na língua; 10) ensinar, respeitando o conhecimento intuitivo dos alunos, valorizando o que eles já sabem do mundo e da vida, reconhecendo na língua que eles falam a própria identidade deles como ser humano.

Diante do exposto, percebe-se que a desmistificação e a superação do preconceito linguístico dependerão de muitas atitudes, advindas das práticas escolares, bem como das novas concepções de língua que deverão ser compreendidas e aceitas pela sociedade como um todo.