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Memórias em Trânsito: Um projecto fotográfico entre Brasil e Portugal

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Academic year: 2021

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Memórias em Trânsito:

um projeto fotográfico entre Brasil e Portugal.

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Fadia Cristina Mufarrej Martin de Mello

Memórias em Trânsito

Um projeto fotográfico entre Brasil e Portugal

Dissertação  apresentada ao mestrado de Arte e Design para o Espaço Público da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, como pré-requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Arte e Design para o Espaço Público.

Orientador: Prof. Dr.  José Carneiro. 

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MAPA ANTIGO. A maioria das pessoas procura no amor uma pá-tria eterna.Outros, porém muito poucos, procuram o eterno viajar. Estes últimos são melancólicos que têm a recear o contacto com a ter-ra-mãe. Procuram os que possam manter afastada deles a melancolia da pátria. E a esses, votam fidelidade. Os Livros medievais sobre os carácteres conhecem o anseio desse tipo de pessoas por longas viagens.  

Walter Benjamim

(1928)

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AGRADECIMENTOS

A todos que estiveram comigo neste trajeto longo entre as variações do Rio

Ama-zonas e o espaço geográfico de Portugal, as pessoas que compartilharam suas

his-tórias, que me guiaram pelos caminhos que eu não conhecia e abriram suas casas

para que eu as fotografasse; ao meu irmão David, que esteve comigo durante todo

o trajeto pelo baixo-amazonas.

Ao meu orientador, professor José Carneiro, que me ajudou a desenvolver

um olhar mais apurado em relação ao que estava aos meu redor, e por acreditar

nas minhas imagens.

A minha família, por estar disponível sempre. A Cristina, Valquiria,

Clau-dia e Ana Paula e Frederico que me escutaram e me incentivaram a seguir. Aos

meus amigos pelo apoio, por acreditarem em mim, pelos abraços, palavras e

ho-ras de conversa, e por não me deixarem desistir.

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Dedicatória

Dedico este trabalho à memória Amazônica.

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Resumo

O enredo, Brasil e Portugal, cidades homônimas, dois países conectados por um momento histórico partilhado, mesma língua e diferentes culturas. Será que são mesmo diferentes? Refletir sobre tais questões que permeiam ambas localidades, carregadas de memória co-mum, é o que propõe a série fotográfica Em Tradução. Assim o projeto fotográfico objetiva fazer uma análise imersiva entre as cidades amazônicas de Óbidos, Santarém e Salvaterra e portuguesas, ao todo serão aqui debatidos seis núcleos urbanos pela perspectiva da lingua-gem imagética, contar uma história. Para tanto procurou-se inquirir acerca da memória, afetos e identidade, que se mesclam como uma possibilidade utópica de formação de novos lugares, repensar a noção de territórios imateriais e como nossa psique pode os reconstruir desde algumas sensações, assim como as construções presentes no espaço público, que deste tantas coisas, comunicam sobre lugares de memória baseados em uma noção e momento histórico. Verificou-se que o curioso aqui é o que conecta essas narrativas, somente no esta-do esta-do Pará no Brasil, região que compreende grande parte esta-do território amazônico são mais de 17 cidades com o mesmo nome de cidades em Portugal, além das citadas anteriormen-te exisanteriormen-tem: Alanteriormen-ter-do-Chão, Aveiro, Belém, Bragança Chaves, Soure, Viseu, Monanteriormen-te Alegre, Almerim, Alenquer, Faro dentre outras. Repensar o Colonialismo e suas reverberações no presente, torna-se a ferramenta artística de construção processual. Lugares de fala, cidades amazônicas e portuguesas, presente e passado expandem a noção do ato fotográfico para comunicar uma idéia, a de como olhar para o entorno com atenção e cuidado, responde aos

por quês que busca-se ouvir. De forma intima e individual, baseado na experiência privada de cada um com uma fotografia. Conclui-se que narrativas feitas por imagens colhidas nestas cidades de forma imersiva, contribui sobre maneira a compreender como uma narrativa fic-cional pautada em trajetos pode re-desenhar as linhas que a história já narrou. Além de que a formação espacial urbana e fluxos migratórios influenciaram diretamente na perspectiva desta análise.

Palavras-chave: Cidades homônimas, Fotografia, Trajetos, Memória, Identidade, Brasil, Portugal, Amazônia.

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Abstract

The plot, Brazil and Portugal, homonymous cities, two countries connected by a shared his-torical moment, same language and different cultures. Are they really different? Reflecting on such issues that permeate both locations, loaded with common memory, is what the pho-tographic series In Translation proposes. Thus the phopho-tographic project aims to make an immersive analysis between the Amazonian cities of Óbidos, Santarém and Salvaterra, and Portuguese, in all six urban centers will be debated here and from the perspective of imagetic language, tell a story. To this end, we sought to inquire about memory, affects and identity, which blend as a utopian possibility of forming new places, rethinking the notion of imma-terial territories and how our psyche can reconstruct them from some sensations, as well as constructions. present in public space, which gave so many things, communicate about places of memory based on a notion and historical moment. It was found that the curious here is what connects these narratives, only in the state of Pará in Brazil, region that comprises much of the Amazon territory are more than 17 cities with the same name of cities in Portugal, in addition to the previously mentioned there are still: Alter-doChão, Aveiro, Belém, Bragança Chaves, Soure, Viseu, Monte Alegre, Almerim, Alenquer, Faro among others. Rethinking Colonialism and its reverberations in the present becomes the artistic tool of procedural construction. Places of speech, Amazonian and Portuguese cities, present and past expand the notion of the photographic act to communicate an idea, how to look at the surroundings with attention and care, responds to why we seek to hear. Intimately and individually, based on each one's private experience with a photograph. It is concluded that narratives made by images in these cities in an immersive way, contribute to understand how a fictional narrative based on paths can re-draw the lines that history has already narrated. In addition, urban spatial formation and migratory flows directly influenced the perspective of this analysis. .

Keywords: Homonymous cities, Photography, Paths, Memory, Identity, Brazil, Portugal, Amazon.

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Capítulo 1. A Memória e suas derivações

. --- 13 Memória Coletiva --- 14 A Pós-memoria --- 17 Lugares de Memória --- 20

Sumário

Introdução

--- --- 10

Capítulo 2. Territórios

--- 23 Históricos --- 24 Imateriais --- 26

Capítulo 3. Uma escolha: O aparelho fotográfico

--- --- 29

Metodologia --- ---- 38

O Projeto Fotográfico --- 42

Considerações finais

--- 54

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Cidades Homônimas e suas dissonâncias, um hiato no tempo/espaço das reverberações coloniais presentes na paisagem urbana. A série fotográ-fica que parte de algumas reflexões sobre o espaço, memória, pós-me-mória e a identidade, na tentativa de compreender algumas sensações internas que dialogam com o presente por divagação sobre o passado.

No mundo existem inúmeros locais que possuem o mesmo nome que outros, alguns como homenagens, outros como forma de demarcação de território e alguns, simplesmente por possuírem uma história em comum. O fato é que quando possuímos relações de afeto com estes espaços de nomes duplicados, é inerente a nossa vontade ou a nossa escolha, sermos transportados ao local de memória onde tivemos a primeira ligação com tais espaços. A simples experiência empírica do ato de perceber a  existência de duas ruas, dois bairros ou duas cidades que possuem o mesmo nome e que estão diretamente relacionadas com nossa história de vida, nos levam a lugares internos de relações que, na maioria das vezes podem ser utópicas ou imaginárias. 

Durante o processo de pesquisa para esta dissertação, deparei--me em um panorama geográfico que ampliava a minha noção de um território. De um lado, o território de Portugal, país o qual escolhi para desenvolver esta investigação e do outro o Brasil, onde nasci e vivi a maior parte de minha vida. Ao longo dos fluxos feitos dentro deste novo país, no caminho entre Porto e Lisboa, percebi uma grande quantidade de nomes nas autoestradas que me remetem a lugares particulares de afetos e de memórias pessoais.

Os nomes das cidades ao longo da rodovia eram os mesmos que das cidades ao longo da bacia hidrográfica do baixo-amazonas, lugar onde vivi a maior parte da minha vida. Dentre tantos nomes similares alguns despertaram, em particular, minha atenção, os nomes das cida-des cujas quais possuo uma conexão de afeto por conta de memórias vividas e outras que me foram transmitidas por entes queridos, pessoas que permearam minha narrativa de uma forma marcante. A inquietação pelos nomes que revolveu minhas lembranças levou à uma busca por um projeto em que fosse possível entrelaçar estes dois lados do oceano.

Lugares entre um vão e outro perdidos ou escondidos em lem-branças. Tais sensações são o motivo ou o ponto de partida da narrativa construída pelo presente projeto de pesquisa, que busca através de uma série fotográfica entender como uma imagem, pela representatividade subjetiva, neste caso a fotografia, consegue narrar sobre estes lugares utópicos ficcionais por mim idealizados, frutos de um afeto. 

Introdução

Fig 2 • Rabiola, (2019), fotografia da autora projeto Em tradução

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A correlação afetiva entre memórias não originariamente nossas, mas sim derivadas de uma memória coletiva comum, unidas às nossas memórias individuais através de uma representação histórica (HIRSH, 2012) são parte do panorama fruto de uma questão empírica e sensorial em que as perspectivas sobre a memória coletiva e a pós-memória e a percepção espacial são relevantes a validação de um projeto prático de pesquisa.

Através dos deslocamentos geográficos aliados às análises empí-ricas sobre o espaço ao redor, observou-se que ao longo de Portugal exis-tem muitas cidades que possuem o mesmo nome de cidades no Brasil, o que é natural se pensarmos que durante séculos um, foi uma colônia do outro, então nada mais natural que possuir cidades de mesmo nome do que a sua antiga “Metrópole” que o dominou por tanto tempo. O curio-so é que a análise espacial do seguinte trabalho teve como palco o rio Amazonas, para ser mais preciso esta análise é travada entre Portugal e o estado do Pará no Brasil, parte da região chamada Amazônia. 

Existem mais de 17 cidades homônimas, todas ao longo do braço final (parte final) do rio Amazonas e seus afluentes. De Faro a Belém, passando por Aveiro, Santarém, Monte Alegre, Almerim, Óbidos, Alen-quer, Bragança, Chaves, Soure, Salvaterra, Alter-do-Chão, Viseu, Colá-res, Porto de Mós, Melgaço, Portel, Oeiras, todas situadas pelos arredores da floresta, não é a toa que o Pará foi o último estado a declarar a adesão ao estado independente do Brasil, apenas um ano depois da proclamação da independência em relação ao reino de Portugal, em 15 de Novembro de 1823. Os resquícios coloniais, ainda hoje, reverberam em todo o ter-ritório brasileiro, em especial, nesta região que por anos tinha estreitas relações com a coroa Portuguesa na época do Brasil Império.

Criou-se, a partir desta narrativa histórica, um projeto fotográfi-co em um eixo ficcional entre 6 cidades de mesmo nome nos dois países, Santarém, Óbidos e Salvaterra, uma teia imaginária repleta de afetos, in-constâncias e dissonâncias é formada. É cabível especular-se acerca das distancias, climas, espacialidades e memórias, dentre outras proposições cabíveis a partir do imaginário em questão, que compreende uma di-mensão utópica entre cidades que convergem por conta de um nome

O objeto utilizado para percorrer essa narrativa será uma câ-mera fotográfica, que tentará de alguma forma representar a memória a partir do registro de espaços entre dois países distintos, que em um de-terminado momento compartilharam uma mesma história. As imagens simbólicas ou ilustrativas são a representação da dimensão imaginativa no espaço material ( FLUSSER, 1895) por conta disto a recontrução de caminhos que buscam porquês para o presente é o que busca a série fo-tográfica aqui apresentada.

Convida-se aos observadores para se integrarem junto a narra-tiva que compartilha pelo viés fotográfico, um trajeto pautado pela me-mória, que pode ser algo produzido pelo indivíduo ou ficcional, a deriva feita durante todo o processo remodelou os principais questionamentos Fig 3 • Mapa Rodoviário

Pará - Brasil

Fig 4 • Virou, (2019), fotografia da autora projeto Em Traduçã

Fig 5 • O picho ( 2019) fotografia da autora projeto Em Tradução

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Fig 7 • Mapa de Estoque de

Mer-cadorias em 1750 Fig 8 • Pelo meio ( 2019) fotografia da autora projeto Em Tradução Fig 6 • Final do peixe ( 2019)

fotografia da autora projeto

Em Tradução

fatores decisivos para se contar esta história que permitem certas indaga-ções a cerca do território.

Unindo o conceito de memória coletiva e pós-memória e suas relações representativas por imagens mentais, busca-se a partir da foto-grafia uma forma de representação artística que permita relacionar a me-mória a imagem e a análise da paisagem destas cidades de mesmo nome de forma a questionar o que ocorreu alí, é inevitável tratando-se sobre tal tema que, questões sorbe colonialismos e o eurocentrismo venham a tona, afinal o observador aqui é uma pessoa emigrante e brasileira que observa um espaço

A paisagem pública e o viés de uma narrativa feita pelos fluxos entre cidades convida ao expectador a emergir nesta história e questio-nar-se se afinal as paisagens representadas são no Brasil ou em Portugal? Essas cidades homônimas e as pessoas que nelas vivem como se entre-laçam nesta trama? e se os tantos traços históricos e memoriais rema-nescentes na paisagem destes lugares que remetem a laços tão profun-damente arraigados na estrutura de ambos países, que impactos podem causar na sociedade atual? afinal a história de Portugal mudou quando se veiculou ao Brasil e a história do Brasil estará para sempre relacionada ao país Lusitano, assim como os outros países que passaram por seme-lhantes processos históricos.

O projeto fotográfico Em tradução busca pela sutileza

fotográfi-ca repensar tais tópicos e produzir um debáte sobre o tema.

Uma memória sempre parte de uma experiência colectiva. Viver uma si-tuação de uma forma completamente individual é algo quase improvável

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Capítulo 1.

A memória e suas

derivações

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devido ao ambiente social e como as relações se misturam com o espaço e o meio, porém, cada memória é única e particular mesmo que partam de uma construção colaborativa. Desta forma, a memória pode pautar--se também em lembranças do outro, de alguém que viveu tal situação em conjunto com fatores diversos, ou em grupo. (HALBWACHS, 1990, P.25) 

Durante os trajetos e fluxos no decorrer do tempo um individuo constrói um processo narrativo cercado de interferências. “ Não é neces-sário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: Porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pesso-as que não se confundem.(HALBWACHS, Maurice, 1990, p.26)  

O filósofo e sociólogo francês Maurice Halbwachs argumenta que a memória, mesmo que seja algo vivido individualmente, sempre carrega uma colectividade dentro de si, é daí que vem o outro em nós que nada mais é que o conjunto de normas, regras e referências, que constituem o eu. A individualidade de cada um que a partir de tal afir-mação deriva de um outro, neste caso as pessoas que compõem o nosso entorno.

Ao longo de sua análise sobre a memória coletiva, o autor descre-ve que estas são como uma recapitulação do passado, entretanto serão sempre de um algo marcante em nós, e o seu contrário, os acontecimen-tos triviais são mais facilmente esquecidos, e as vezes, é preciso de um outro que tenha presenciado a mesma cena em que ambos estavam pre-sentes, para recordar-nos de algo e são parte fundamental na construção da personalidade e do âmago de cada um.

Partindo das afirmativas como é possível materializar uma me-mória, ou um acontecimento marcante? partindo do pressuposto da vo-latilidade e da efemeridade de um momento, como experimentá-los, ou sentir-los?

O conceito de utilização de imagens descritivas por outros, para recordar um fato, é utilizado pelo referido autor para institucionalizar a formação de lembranças ou seja, um conjunto de imagens de um mo-mento vivido que se torna em memória.

A descrição de uma memória como uma reunião de imagens que tem um significado em nosso espírito, como afirma Halbwachs, nos leva a perceber como uma imagem ou um signo pode falar mais que mui-tas palavras, a veracidade que um pensamento através de uma imagem carrega consigo é tão firme que a formulação de um momento partir

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de uma mera lembrança interna é projetada na mente humana por imagens, redirecionando automaticamente o insconsciente ao espaço--tempo do referido fato recordado(HALBWACHS,1990,p. 26-27)

Ao longo dos percursos e das narrativas criadas pela dimen-são de projeto, durante os fluxos entre um país que historicamente foi um colonizador, é inevitável que memórias nos levem a um terri-tório oposto e adverso, porém que carrega uma mesma língua e com culturas similares se envolvam no momento em que uma placa faz a alusão por conta de um nome comum à um outro espaço. A busca por re-significações de um momento presente torna-se uma constante para os que transitam entre países que possuem um passado histó-rico comum. Assim quando retornamos a uma cidade onde estive-mos anteriormente, aquilo que percebeestive-mos nos ajuda a reconstituir um quadro em que muitas partes estavam esquecidas.(HALBWACHS, Maurice, 1990, p.25). A busca por uma história de um passado, que possa derivar em traços comportamentais urbanos da paisagem no presente, foi a busca travada pelo projeto fotográfico apresentado ao longo desta dissertação.

A fotografia torna-se uma prática, uma ferramenta que aliada à memória tenta reproduzi-la e criá-la. como forma de responder às ausências deixadas por um passado dicotômico e análogo ao mesmo tempo. A busca de uma análise da paisagem urbana proposta pelo projeto apresentado visa uma interação entre o espaço público, seus transeuntes e um passado, que conta a história das pessoas que vivem o presente.

O processo de migração, de imersão em uma realidade com-pletamente adversa, permite ao individuo que transita buscar iden-tificação nova a partir da apreciação de um espaço distinto para as-sim tentar entender o contexto do novo ambiente urbano visualizado, como forma a reinterpretar a territorialidade (SANTOS,1996,p.223) e compará-lo com um vivido anteriormente ou com alguma narrativa de outros que lhes foram transmitidas, é algo comum aos que transi-tam tanto no passado como no presente.

A pós-memória vem através de uma derivação de memórias coletivas acrescentar ao presente debate, a noção que memórias que são transmitidas entre gerações, em geral, por membros de uma mes-ma família, sobre fatos ou acontecimentos mes-marcantes, que por vezes envolvem um trauma, ou um passado social comum a de muitos, que pode ou não ser absorvida por um inconsciente colectivo1,

tornando--se desta forma um fato histórico, ou apenas reminiscências de me-mórias pessoais que são transmitidas pelas pessoas que viveram os tais fatos, aos seus descendentes.( HIRSCH, 2012, P18-25)

1. A camada mais profunda da psiquê humana, Carl Jung :1978 Fig 9 • O Esperar, (2019)

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fotogra-Ao caracterizar-se a pós-memória, nota-se que esse acontecimen-to marcante pode ser compreendido por alguém como uma memória própria, mesmo que não seja originalmente sua. Quando os laços entre a pessoa que viveu o tal acontecimento e a pessoa receptora da memória é forte, o receptor já intui por um sentimento comum que a memória é própria dele.Quando houver uma relação pessoal/familiar/geracional entre alguém que viveu tais fatos de forma original e real, os seus rela-tivos, irão absorver tais memórias como se fossem próprias, esta lem-brança afetiva com caráter de memória própria, de um fato não vivido por uma pessoa, e somente experienciado através de histórias contadas, como se assim a tivesse vivido tal história, é de grande importância emo-cional para o receptor de tal memória.

Com efeito, é fundamentalmente um fenómeno da consciência colectiva, que se baseia, por um lado, numa percepção das diferenças comuns verificadas em relação à população de outros países, ao nível das estruturas sociais, das manifestações culturais (nomeadamente da língua, dos hábitos e dos valores) e, por outro lado, de uma certa percep-ção do passado comum. Dado que o fenómeno da identidade não pode deixar de se associar ao da busca de segurança, por meio da integração do indivíduo no grupo, e que o sentimento de pertença ao todo nacional se tornou nas sociedades modernas uma expressão fortemente interiori-zada da consciência de grupo, pode-se prever que as suas características se alterem com a mudança das condições sociais, mas não é de esperar que desapareçam facilmente. (MATTOSO,1998,p.60)

José Mattoso relaciona de forma sucinta como as relações de indivíduos pertencentes a nacionalidades que dividem um passado his-tórico comum, congregam não somente a partir da cultura comum como também através de memória.

A busca narrativa do projeto fotográfico Em Tradução foi pro-movida através de fagulhas afetivas que tocaram o operador do objeto fotográfico ao questionar o espaço em que permeava no momento em que uma dúvida surgiu, afinal porque tantas cidades em Portugal eram homônimas as cidades no interior do local de onde este adveio no Brasil? Qual a relação entre estes espaços? e como um passado histórico conse-gue deixar tantas marcas comportamentais no presente? A tentativa de se perder entre trânsitos feitos ao longo de cidades homônimas entre Brasil e Portugal em busca de tais respostas, baseados em uma noção de memória comum ou transmitida ao longo de gerações é o que busca analisar o presente texto que deriva em uma série de fotografias.

Fig 13 • Dá Castanha( 2019), fotografia da autora projeto Em Tradução

Fig 10 • Azul em quadrados, foto-grafia da autora projeto Em Tra-dução

Fig 11 • Cheque mate ( 2019) foto-grafia da autora projeto

Em Tradução

Fig 12 • Meu vaqueiro meu peão (2019)

fotografia da autora projeto Em Tradução

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Entende-se que o grande palco de atuação do pós-memória são as me-mórias privadas que vem a conhecimento público, gerando na presente investigação uma busca pelo entendimento de tais relações entre a arte, mais detalhadamente que papel que a fotografia pode alcançar quando se coloca no estado de arte a partir de uma memória.

Este conceito pode ser inserido entre memória e inconsciente co-letivo. Segundo a investigadora e professora Marianne Hirsch, uma me-mória geracional pode conter algumas peculiaridades afetivas ou contar a história de uma época de forma imaterial, quando partilham-se me-mórias e pensamentos com outros individuos através da oralidade ao contar-se uma história e, também, de formas materiais através de ob-jetos contentores de memórias. Em seu estudo a pesquisadora aborda a fotografia e os álbuns de família como representações de tais objetos, estes são responsáveis por transmitir sensações perdidas em um espa-ço-tempo divergente da realidade do momento presente e transmitir o seu conteúdo a gerações futuras, neste caso o quesito identidade cultural gera uma relação pós-memorial comum.

Assim como o objeto fotográfico pode ser um contentor de me-mórias a criação de análises espaciais a partir da tentativa de recriar um fluxo entre presente e passado, baseado em memórias representadas por uma série fotográfica, pode ser entendido como um ato pós-memorial, a análise do espaço público de cidades homônimas, entre dois países distintos gera um questionamento entre o que se observa e o que lhe é mostrado sobre uma história que não lhe foi contada, mas que resiste no território, a ausência de explicações que reverberam ainda hoje no espaço público onde transita-se entre Brasil e Portugal, nesse caso, em especifico, entre Amazônia e Europa.

As reminiscências que envolvem assim as questões que desrespei-tam as práticas artísticas no campo da memória afetiva, cujas quais re-lacionam-se cada vez mais com o universo particular de cada indivíduo, busca através deste ato uma materialização dos sensações não concretas. Na presente narrativa a prática fotográfica está relacionada a representa-ção artística simbólica, um entremeio que possibilita a reflexão sobre um espaço que se divide entre dois polos, entre o momento real e o passado, contentor de reflexões afetivas, muitas vezes perdido mediante a ação do tempo. 

A pós-memória

Fig 14 • Fruta da mão ( 2019) foto-grafia da autora projeto

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Memória é mediada, cultural, mas tem também escapado através da porta aberta da fotografia para assombrar as paisagens naturais do presente. Os Fantasmas tem se tornado parte da paisagem, configurando os ambiente privados e também os públicos da pós geração[…] (P18. HIRSCH, 2012,p. 18, tradução da autora2)

No trecho mencionado, Hirsch reafirma a relação entre memória geracional e fato histórico, que com o passar do tempo acaba por ocupar um lugar cultural na sociedade, a correlação entre um acontecimento e a fotografia e como esta acaba tornando-se um instrumento de denúncia e um registro com credibilidade, que permite arquivar e contar uma his-tória e ao mesmo tempo explicá-la( HIRSCH, P. 18-19), neste contexto esta congrega diretamente com a forma como é percebida a memória na atualidade. A série fotográfica produzida a partir das divagações coloca-das nesta recensão teórica, busca por dialogar justamente com a paisa-gem urbana a partir de uma contextualização histórica engendrada na paisagem e no comportamento social dos que nela permeiam e atuam, a noção de memória geracional transmitida ao longo dos acontecimentos históricos dialoga com os nomes em comuns das cidades presentes nesta análise.

Ao relacionar uma fotografia do passado à uma forma de contar sobre este passado, se produz nova memória, no caso da geração do pós memória, busca-se sustentar o debate acerca da memória transmitida entre gerações que somente absorveram uma história, sem sequer a te-rem vivido, ou visto. Uma foto histórica neste momento assume papel de peso, não só como forma de validar um evento ocorrido mas também de conectar o passado e o presente através da memória, a câmera fotográfica torna-se aqui em um objeto facilitador de reproduzir uma reconstrução de um momento vivido por uma geração, por carregar em si a aura de um momento em papel, como se fosse a observar o próprio momento a partir de sua reprodução. ( HIRSCH, 2012, p.37)

A fotografia tona-se uma autora ou como também, define a ter-minologia um ato de pós-memória, pois esta vai além da repetição de narrativas orais ou escritas, a partir da captação de um momento real reconstrói ou até mesmo recria uma narrativa, o que a torna um elemen-to de validação do passado. Uma imagem pode contar uma história ou várias, a reprodução de uma casa, através de uma foto tirada, fala mais do que somente a reprodução física do objeto em si, ela transporta o

2 Texto original em Inglês :

“ [….]Memory is mediated, cultural, but it has also escaped through the open doorway in the photograph to haunt the natural landscapes of the present. The ghosts have became part of our landscape, reconfiguring the domestic as well as the public spaces of postge-nertion. Despite these invasions, however, the woods themselves continue to replenish in the bright sunshine, the trees persist in reaching upward, indifferent witnesses to the layered connective histories projected onto them.” P18.HIRSCH,Marianne. ( 2012). The Generation of Postmemory Writing and Visual Culture After the Holocaust.Nº 1, Co-lumbia Press University. New York

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observador para dentro daquele momento, gerando reflexões questiona-doras sobre o que ocorreu naquele espaço, através destas é possível ver e tocar o passado( HIRSCH, 2012, p.36-38).

A necessidade de perceber as imagens, criticamente, entendê-las e absorver seus significados é algo que é independente unicamente da capacidade do ver, o letramento das imagens, ou melhor a capacidade cognitiva de ver-las não é o mesmo que as compreender.

A fotografia passa a ser, para a construção do conceito da pós-me-mória, uma espécie de trabalho cultural pós-memorial, o que leva à con-clusão de que fotografias que pertenceram a alguém, que compuseram um álbum familiar, tem um poder maior de assimilação e identificação. Memórias relacionadas a um passado são mais fáceis de causarem iden-tificação nos que as observam.fotos de família e aspectos familiares da pós-memória tenderiam a diminuir a distância, a separação de pontes, e facilitar a identificação e afiliação( HIRSCH, 2012, p38, tradução da autora)3. As memórias relacionadas a um passado são mais fáceis de

cau-sarem identificação nos que as observam.

A representação que o indivíduo pode fazer a partir de uma me-mória partilhada por outrem ou uma meme-mória própria, pode ser feita por uma imagem mental, levando assim as lembranças a uma forma de representação que beira o real. Uma das diversas formas de fruição esté-ticas possíveis a partir da imagem, podem ser encaradas como formas de representação artísticas, assim é possível que a captura de um momen-to ao longo da vida a partir de imagens, neste caso através do aparelho fotográfico, torne-se não puramente o que se vê mas sim de uma forma ampla uma representação do real, de uma ideia em torno de uma memó-ria, um simulacro4.

Os espaços são também um fator que contribuem à for-mação de memória e a transmissão da mesma, o modo como são percebidos e a forma como é dada a interação com o mesmo, no momento em que se adensa um local novo, gera uma troca entre as relações interpessoais construídas, estes são fatores que integram tais processos à construção de uma reminiscencia guardada que, dialogam diretamente com o indivíduo como agentes condiciona-dores de memória. ( HALBWACHS, 1992,p.26).

3-Trecho original em inglês “[...] family photos, and the familial aspects of pos-t-memory would tend to dimish distance, bridge separation, and facilitate identification as affiliation.”p.38.HIRSCH,Marianne. ( 2012). The Generation of Postmemory Writing and Visual Culture After the Holocaust.Nº 1, Columbia Press University. New York

4-Representação do real, reprodução da forma original, Texto o mito da caver-na. PLATÃO A alegoria da caverna – A República (514a-517c)

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A geografia do espaço social também comunica aos seus transeun-tes um pouco de sua história, que pode ser contada através do con-vívio com o espaço público de um ambiente urbano físico, as pra-ças, vias, paisagens, edifícios, quando relacionados à elementos que contribuem para uma abstração da matéria, como uma conversa em um parque, um batizado, um jogo de futebol, uma demissão, uma festa de aniversário, um monumento, acontecimentos históricos, si-tuações dialogam com o individuo e o ligam diretamente ao espaço, frutos de uma interação humana com um espaço físico, os fatores que integram uma memória comum sobre um local determinado, uma experiência vivida, um memorial, tudo o que identifica um espaço a partir da noção de constituição de identidade edifica um lugar de memória, este conceito é isento de uma temporalidade es-pecífica, fixando tal acontecimento em um paralelo entre momento vivido e uma lembrança ( NORA, 1984, p.23-27).

Uma das funções dos lugares de memória é opor-se a um pas-sado histórico formal e ao mesmo tempo percebê-lo correlacionar a ele uma experiência de contextação, e o refutar. Existe um para-lelo entre memória e história que precisa aqui ser observado, uma memória individual que pode derivar de um insconsciente coletivo ou não, acontece e é perpetuada pela história como fato histórico e forma de conhecimento a ser transmitida.

Entretanto, no momento global em que vivemos como identi-ficar se há uma real diferença entre memória e fato histórico?

A narrativa sobre memória e história andam em conjunto, po-rém, uma não necessariamente uma faz jus a outra, é fato que para se contar uma história é necessária a reunião de várias memórias individuais entretanto, as variantes que formam uma sociedade como sua identidade, seu território e o sentimento de nação podem remodelar a percepção de lugares de memória de acordo com uma visão especifica e sua perspectiva. Uma mistura de memória a partir de noção de espa-ço geográfico e tempo, que culminam diferentes interpretações.(NORA, 1984, p. 9)

O historiador Pierre Nora, analisa a construção dos lugares de memória a partir da noção de sociedade, o sujeito dotado de memórias privadas, passa a encarar a história não como uma reunião de vários mo-mentos privados, mas sim, como uma verdade absoluta. (NORA, 1984, p11-12)

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As possibilidades que a história possui de colaborar com esta análise, a partir da reunião de diversas memórias coletivas será de grande relevân-cia para a estruturação da dimensão de projeto derivante do presente texto, a série fotográfica Em Tradução, que visa a partir da perspectiva que envolve memória e noção histórica sobre espacialidade a partir da relação entre duas geografias e seus espaços públicos, perceber uma co--relação entre uma história comum que pode ser percebida de diferentes formas, pautadas em uma noção também de identidade e nação, que di-vide e também aproxima o Brasil de Portugal.

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, nota-riar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa, pe-las minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e en-ciumadamente guardados nada mais faz do que levar à in candescência a verdade de todos-os lugares de memória. Sem vigilância comemo rativa, a história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lem-branças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, - a história não se apoderasse deles para deformá-Ios, transfomá-los, so-vá-los e petrificá-los eles não se tomariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história arrancados do movi-mento da história, mas que Ihe são devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como as conchas na praia quando o mar se retira da memória viva. (NORA, 1984, p13, tradução Yara Aun Khoury:1993) 5

São por assim dizer os lugares de memórias, os frutos de uma so-ciedade produtora de pensamento particular a fim de identificar, delimi-tar, arquivar e até reproduzir as memórias constituintes de uma história comum sob o signo de preservação de uma nação e a constituição de sua identidade.

Os processos que delimitam o mundo a partir da noção de ter-ritório e o que absorvemos do mesmo como uma derivação histórica engendrada a partir de grandes acontecimentos ao longo do tempo, as diásporas, guerras, os colonialismos, as globalizações, faziam partes de um imaginário que adivinha de memórias individuais, entrelaçadas ao cotidiano de um povo em determinada época e transmitidas aos seus descendentes, porém em dado momento foram suprimidas devido ao curso da história e a necessidade do homem de explicar acontecimentos do passado até o momento presente (NORA,1984, p.14) .

Os estudos do sociólogo Pierre Nora levam a compreensão de que o conceito de uma explicação de cunho histórico era no passado relacio-nado ao conceito de nação, porém com o advento da modernidade, está

5- In Les lieux de mémoire. I La République, Paris, Gallimard, 1984, p. Fig 15 • Pitiú (2019) fotografia da

autora projeto Em Tradução

Fig 16 • Vermelho (2019) fotografia da autora projeto Em Tradução

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auto-sendo substituído por uma análise a partir do conceito de sociedade e o que esta almeja para explicar questões globais . Uma forma mais demo-crática de rever narrativas sobre momentos derivantes de memórias in-dividuais que reverberam no coletivo por um viés mais humano e menos condicionado.

O termo Lugares de memória, dialoga sobre a imaterialidade de um espaço onde aconteceu determinado fato, que fica registrado pelas memórias de quem o viveu, essa busca relaciona diretamente com a ten-tativa do presente projeto prático de desvincular o observador de uma narrativa engendrada à uma perspectiva a partir do território e adentrar na linha ficcional imagética que permita este a uma experiencia empírica pautada na memória e em seus lugares de trânsitos afetivos, que estão por uma questão de consciência histórica atrelados a um passado co-mum, porém sem identificá-lo geograficamente no viés fotográfico.

Quando é referenciado a busca por lugares de memórias, a corre-lação que é feita entre memória e história é discutida para uma melhor construção de tal conceito. Entende-se que desvincular memória de his-tória é uma tarefa quase impossível, e ao pensarmos nesses tais referidos lugares, como ja mencionado anteriormente, não se pode esquecer que estes derivam de processos temporais frutos da união de várias memó-rias individuais (NORA, 1984, pg.15-16). Os processos de retenção de memória, ao longo dos séculos, vão abrindo espaço para um arquiva-mento de memórias privadas e dando lugar aos aconteciarquiva-mentos históri-cos, como uma forma mais universal de narrar o curso do tempo. Fig 18 • Grande Amazonas (2019)

fotografia da autora projeto Em Tradução

Fig 19 • fotografia da autora Em Tradução

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Histórico

Faz-se necessária uma breve análise de um período da história que deri-va do início da globalização chamado de as grandes navegações, proces-so expansionista de anexação e conquista de território praticados pelas nações Européias sob diversas áreas do mundo incluindo América, Áfri-ca, Ásia e Oceania, atos colonizadores emergiram, algumas nações pra-ticavam a sobreposição de culturas em detrimento à outras, incluindo a língua, religião e cultura, da etinia dominante sob outra, este processo foi chamado de aculturamento que nada mais é que uma derivação do eurocentrismo6, prática que além de forma de coerção dos povos

anexa-dos, era também uma forma de demonstração de domínio e poder. No continente Americano entre os séculos XV até o final do sé-culo XIX, ao longo de 400 anos, houve dentre diversos processos, o de impérios ultramarinos, onde práticas exploratórias em larga escala fo-ram produzidas. As partes consideradas subjugadas à um determinado Império naquele período foram denominadas de colônias7. Para

enten-der o contexto da dimensão deste projeto analisado pelo presente texto e explicado na introdução, será necessário o debate sobre o processo colo-nial entre os dois Países Brasil e Portugal.

Após a data de 1755, uma nova era é estabelecida em Portugal o que os historiadores chamam de período Pombalino, sob direção do então dés-pota Marquês de Pombal, o representante oficial do panorama político e econômico do Estado Português, nesta época o Brasil ainda pertencia ao reino de Portugal, o que gerou impacto em sua administração política e territorial neste período, que foi marcado por diversos acordos e trata-dos ultramarinos, e por tensões entre Reinos.

Um pouco antes, em 1750, foi assinado um acordo em Madrid chamado Tratado Preliminar de Limites, que delimitava na América do Sul o que pertencia ao reino de Espanha e Portugal, algumas

competi-6.Padrão de poder através da estruturação de conhecimento racional onde culturas eram classificadas a partir do seu fenótipo e, subjulgadas a uma estrutura de conhecimento tendo como referencial primário o europeu que tinha a idéia/imagem da constituição da civilização humana como um percurso que parte de um estado de natu-reza e culmina na Europa ( QUIJANO, 2005,p.122).

7. Extensões territoriais anexados por reinos europeus durante o processo das grandes navegações, a partir de expedições entre os séculos XV-XIX ultramarinas e sub-jugados ao país sede do Império os quais pertenciam.

Fig 22 • (2019) fotografia da auto-ra projeto Em Tauto-radução

Fig 21 • fotografia da autora proje-to Em Tradução

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ções foram travadas a partir deste momento, principalmente no quesito território. Marquês de Pombal, percebendo a importância econômica que a demarcação territorial simbolizava, tomou várias medidas para a segurança do mesmo, dentre elas foram travadas algumas batalhas, prin-cipalmente contra os Espanhóes os Ingleses.(MENDONÇA, 1960, pg. 9-21)

Promulgou também um ato que consolidava a retirada da Com-panhia de Jesus8 da Amazônia em 1759. Estes até então foram os

princi-pais responsáveis pela colonização do espaço e catequização dos povos originários do Brasil, sendo eles quem permearam primeiro o território, absorvendo informações sobre a terra e a geografia. Era suposto que es-tes ensinassem a língua portuguesa e a fé cristã como forma de imposi-ção de cultura européia aos povos originários da região, entretanto em meados do século XVIII houve conflitos de interesses entre a coroa Por-tuguesa e os missionários por conta do território Amazônico que neste período não era amplamente integrado ao resto da colônia Brasil. Apesar de subjugado diretamente a coroa portuguesa, não falava o idioma de forma ampla, o que dificultava a exploração e dominação da região pelo império.

O motivo disto era o fato de o território amazônico além de ex-tremamente complexo, era adverso ao que os europeus conheciam até então e amplamente povoado, ao longo da bacia hidrográfica que corta a região de leste a oeste, existiam centenas de povos originários do Brasil, que tinham culturas e dialetos de matris Tupi e Guaraní distintos entre sí.(REIS, 1958, p. 492)

Após a retirada dos Jesuítas como forma de demonstrar auto-ridade da coroa na então colônia, Pombal estipulou a criação de fortes de proteção em locais estratégicos para a defesa do território e a criação de centros urbanos nos locais onde estavam situados as antigas missões aldeias indigenas, assim como a implementação do ensino do português obrigatório nas escolas locais, sendo esta a parte que nos interessa nesta história.

Uma das medidas adotadas como estratégias de integração do território ao Império foi a de renomear as antigas missões e locais onde ficavam as aldeias indígenas com nomes de cidades portuguesas, postu-ra colonialista pautada na tpostu-radição eurocentrista do despota regente do Estado português, tal tradição baseada em uma noção de conhecimento que adotou como referencial o padrão europeu leva ao povo látino-a-8.Representante oficial da Igreja Católica Apostólica Romana no período das grandes navegações, eram os responsáveis por expandir a fé cristã por entre os povos “descobertos” uma forma de afirmação do poder da Igreja perante os im-périos ultramarinos.

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mericano à ainda hoje, perceber a noção histórica de contrução de seu próprio continente por um padrão de estruturação europeu sem se dar conta disto, como um espelho cujo os quais foram induzidos crer sendo a verdade por conta da forma como a história é reproduzida ao longo dos tempos, o que impossibilita a América látina entender o curso de sua própria história frágil. Não perceber os problemas, pojectados por uma estrutura do passado, impossibilita-nos de resolver os danos acarretados no presente.(QUIJANO,2005, p. 129)

A explicação para na Amazônia existirem tamanha variedade de nomes de cidades Portuguesas ao longo do curso dos rios, o que era Tupi ou Guarani deu espaço à lusofonia, o trabalho fotográfico fruto deste projeto, mencionado anteriormente, busca entender a reverberação des-sa história que deixou traços de memórias envoltos por relações colo-niais entre os dois lados do atlântico. E como a construção toponímica dessas cidades no Brasil, variantes de outras homônimas em Portugal, reage a partir da ressignificação do espaço pelo viés da memória e da imagem pelo ato fotográfico.

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Fig • 25 Mapas Imaginários 1, desenho da autora

Imaterial

O conceito de território segundo o dicionário nada mais é que: grande extensão de terra, enquanto imaterialidade delimita-se ao que não se constitui de matéria, como relacionar estes tais significados semânticos ao presente projeto? Como um território consegue se misturar a outro a partir da memória e de afetos?

Na tentativa de responder tal pergunta analisaremos a dimen-são que um território, carregado de um passado histórico, pode absor-ver ao misturar-se a outro e como estas questões culturais integram-se por sua dimensão imaterial.

Segundo Deleuze e Guattari a partir de um pensamento que se inicia na obra Anti-édipo, o conceito de territorialização e desterrito-rialização irá suscitar aqui algumas explicações para o que é pretendido com a questão da imaterialidade do território, de uma forma simplista a resumir esta ampla teoria em algumas palavras e filtrar alguns racio-cínios, os autores relacionam o conceito de território a pensamento e desejo ( DELEUZE;GUATTARI, 1992)1.

Apropriando-se a partir desta afirmativa, que classifica o es-paço, o que interessa para a presente perspectiva relacionada a uma imaterialidade, ao analisar que o território absoluto é esta mistura de pensamento e desejo e que o homem agente deste território segundo os referidos autores carrega dentro de si, vários conjuntos de territórios (neste sentido suas referências, espaços sociais e memórias), busca-se caracterizar o homem como não somente agente do espaço mas como engrenagem fundamental do mesmo e facilitador a partir de suas emo-ções de uma construção e imaterialidade subjetiva no espaço. Desta forma quando retiramos o território de sua primeira e mais forte con-cepção atrelada a terra e o colocamos na volatilidade contida no ser, relativa aos afetos, pode-se entender assim sua dimensão imaterial. 

Ampliando aqui esse pensamento e o co-relacionado com o que foi explicado anteriormente sobre memórias coletivas por Halbwachs, é possível lançarmos o homem como representante do território a partir de sua materialidade e imaterialidade, segundo o conceito de constru-ído através do saber geográfico, que coloca como território tudo o que pode ser colocado no campo da visão, esta corrente teórica segundo a professora Ana Francisca Azevedo, vê como natural a isenção do

eu”-9. A partir das representações pelos agenciamentos maquínicos e agenciamen-tos coletivos que delimitam que são necessárias explicações que colocam o território como absoluto e relativo  Para maior entendimento Fig 26 • Mapas Imaginários 2,

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Fig 27• Lfc540_A4, Subtópia Paulo Catrica

Fig 28• Mfc316.2_A4, Subtópia Paulo Catrica

Fig 29• Lfc607_A4, Subtópia Paulo Catrica

no meio do processo de formação espacial, esta noção de conhecimento segue em paralelo às teorias cognitivas que relacionavam-se as noções culturais linguisticas e topográficas de forma hegemônica, através de uma supremacia imperial na qual os estudos ocidentais humanistas de-senvolveram, desta forma a partir da percepção do corpo como um fator social responsável diretamente pela noção do espaço e por conseguinte território e, partindo do princípio que este é matéria e apesar de sua ma-terialidade (AZEVEDO, 2009,p.32-33) carrega consigo traços psicológi-cos que permitem o armazenamento de experiências coletivas e assim a criação de memória (Halbwachs 1990).

Ao transformar o território em um espaço onde lhe podem ser atribuídas características de acordo com as experiencias afetivas dos indivíduos, um local livre de fronteiras e flexível em sua demarcações territoriais, na qual sua composição passa a ser feita a partir das caracte-rísticas atribuídas pelos que por ali transitam, fazendo um paralelo entre a realidade e a imaginação.

Contudo, a fotografia como objeto artístico pode exercer um papel de ferramenta remodelador de narrativas a partir de uma análise estética simbólica do que é apresentado pela imagem. A busca por uma liberdade espacial com relação as narrativas criadas pela fotografia como um lugar livre das amarras do tempo e do espaço e com uma vasta gama de possibilidades simbólicas é aqui uma constante.

O fotógrafo, Paulo Catrica em sua obra dialoga com tais repre-sentatividades quando coloca como foco de sua investigação e obra ob-jetos inanimados criados pelo homem que compõem a noção de paisa-gem urbana, representados a partir de uma câmera fotográfica de grande formato. A busca do referido autor de fazer um contraponto entre pai-sagem, ação humana e aparelho reprodutor de imagem que gere uma reflexão ao observador quanto ao espaço ao redor.

A escolha por colocar em foco formas estáticas e arquiteturas leva o público à observar de forma diferenciada a paisagem comum e ordinária do dia-a-dia através dos olhos do fotógrafo que traz sutileza e delicadeza ao concreto das edificações dispostas no ambiente urbano público. Em seu ensaio fotográfico Subtópia, (Guimarães, 2012) a busca do artista é gerar uma reflexão a partir de bairros sociais no reino unido que fizeram parte de um projeto financiado pelo governo, para moradias no subúrbio, e que hoje compõem parte expressiva da paisagem do país, ao todo foram 20 cidades que participaram de tal projeto (CATRICA, PAULO, 2016)

O fotografo elegeu 5 destas imagens, e durante a exibição do projeto preferiu praticar com o público uma possibilidade de imersão na narrativa a partir do convite a refletir sobre uma paisagem que está distante, sem identificar as imagens pelo nome das cidades elevando a dimensão território ao nível da imaterialidade, possibilitando ao públi-co um relacionamento genuíno públi-com a experiencia imersiva a partir do espaço, que questiona o a questão da economia do espaço a partir de uma integração social feita por moradia, gerando uma assimilação por

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Fig 30 • fotografia da autora proje-to Em tradução

Fig 31 • fotografia da autora proje-to Em tradução

Fig 32 • fotografia da autora proje-to Em tradução

semelhança de formas. Ou seja, ao olhar a representação de uma quadra esportiva sem identificação de forma, convida ao público à uma análise comparativa a partir de suas próprias realidades individuais. Ao formar uma espécie de utopias do real, para Catrica as imagens que são uma clara apresentação da poesia visual, clamam por uma desaceleração do espaço convidado o observador a transitar por essas janelas imaginarias do espaço com calma e sem pressa.

A fluidez apresentada pelo espaço pode ser encarada pela pró-pria noção de espacialidade ligada ao homem, segundo o teórico e geó-grafo Yi-Fu Tuam, o conceito que ligava o centro do mundo à um ponto fixo ao ser contestado, colocou o homem no centro da equação que en-volve o espaço devido à um meio sócio-cultural fruto de um ambiente espacial urbano, o referencial passa a ser dirigido pelo antropoceno, o meio torna-se o próprio homem em si e seu deslocamento ao longo dos tempos leva o espaço contido dentro de si mesmo, desta forma como este é um ser dotado de mobilidade pode-se afirmar que os espaços são móveis de acordo com o fluxo humano( Yi-Fu Tuam, 2005, p.150).

Essa percepção de imaterialidade do espaço a partir de um des-locamento, aliados a memória, materializa uma vivencia em um espaço fixo que converge com uma mobilidade simultaneamente, esta percep-ção é um dos elementos que visa mostrar a série fotográfica aqui retrata-da pelo projeto desta dissertação, aliaretrata-da a noção de fato histórico a partir do movimento de deriva interurbano feito pelo observador proponente de tal questão, o fotógrafo.

A representação do espaço tempo e de fluxos entre territórios como uma forma de materializar na dimensão do pensamento na esfera do real, uma fuga produzida pela imaginação através de decodificações de um momento presente, gerando em seu observador uma interpreta-ção intencional de uma realidade criada pela câmera escura, através do olhar do agente produtor da imagem( Flusser, 1985, p.7-8)

Entende-se assim uma busca pela criação da narrativa entre ter-ritórios ficcionais, proporcionados a partir do fluxo humano por entre lugares que podem ser ressignificados através das experiencias nele obti-das, paisagens, territórios e tempos .

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Capítulo 3.

A Fotografia como

Instrumento

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O Aparelho Fotográfico

Fig 33 • fotografia da autora

proje-O campo do estudo da imagem produzida pelo aparelho fotográfico, que vai de um registro temporal de um momento vivido à representação de caráter simbólico do que se vê, de reprodutora à armazenadora de me-mórias e arquivos de forma reflexiva, a prática documental fotográfica consolidou-se como expressão através da opção por retratar os oprimi-dos e os marginalizaoprimi-dos socialmente, os fotógrafos alcançaram notorie-dade por retratar a cruelnotorie-dade do então recém consolidado ambiente ur-bano pós revolução industrial.  Entender esse princípio do surgimento da fotografia como forma de documentar as realidades urbanas, a partir da consolidação burguesa dos ambientes das cidades, gera uma afirma-ção deste meio como forma de expressão artística contemporânea, me-diante a transmissão de um momento pelos olhos do artista(SONTAG, 1986, p.69-70).

A transgressão e o caráter vanguardista adquirido pela fotografia contemporânea em si, parte da iniciativa do próprio produtor da ima-gem, o agente por trás do aparelho fotográfico, denominado formalmen-te de fotógrafo, enformalmen-tender o processo que deriva em seu produto final na composição de um objeto artístico, seu referencial histórico, geográfico e temporal faz-se necessário para compreensão do conceito que é a fo-tografia expandida. Vive-se há algum tempo um processo de crise das artes plásticas tradicionais, levando estas a um esgotamento informal narrativo, abrindo assim espaço para novos suportes, em especial mul-timídia, dentro dos museus e galerias de arte(FERNANDES JUNIOR, 2006, p.4-5)

A fotografia expandida existe graças aos arrojos dos artistas mais inquie-tos, que desde as vanguardas históricas, deram início a esse percurso de superação dos paradigmas fortemente impostos pelos fabricantes de equipamentos e materiais, para aos poucos, fazer surgir exuberante uma outra fotografia, que não só questionava os padrões impostos pelos sis-temas de produção fotográficos, como também transgrediu a gramática do fazer fotográfico(FERNANDES JUNIOR, 2006, p.4)

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A reflexão sobre o aparelho produtor de imagens mecânicas é consolidada dentro do ambiente artístico e a câmera fotográfica torna-se reprodutora de conceitos, dando lugar para um entendimento de ima-gens representativas detentoras dos signos que expressam uma idéia, o objeto que antes era visto como puramente um artefato mecânico agora compreende o caráter de mistério e magia, que prolifera por meio de um debate crítico, o que esta forma estética produz. (FLUSSER, 1985, P.5-10) Entender a capacidade que a imagem, em especial a represen-tação fotográfica tem de misturar a cultura, ciência e tecnologia, e de transgredir o panorama das artes clássicas a partir da introdução des-ta ferramendes-ta como um novo meio produtor, coloca este objeto como representante de fruição estética: A fotografia hoje é produto cultural de rara complexidade que contribuiu e continua contribuindo de forma categórica para a transmissão das mais variadas experiências percepti-vas[…]( FERNANDES JR, 2006,p12-16).

O fotógrafo que produz uma fotografia expandida é um co-nhecedor técnico habilidoso, a necessidade da expansão da linguagem objetivista do meio fotográfico é o que leva este a explorar as inúmeras possibilidades técnicas oferecidas pelo meio e expandi-las ao máximo possível, dentro do caráter performático do material. Intervir no objeto produzido e desmistificar o signo da caixa-preta é o que leva um fotó-grafo a condição de artista: para quem trabalha na direção da fotografia expandida sempre existirá potencialidades dormentes, mesmo quando é submetido à lógica do instrumento, o que torna viável a destruição dos modelos consagrados. (FERNANDES JR, 2006,p14).

Referenciando também o pensamento do teórico Vilém Flus-ser sobre a filosofia da fotografia, o ato de rompimento com os padrões pré-estabelecidos é o que leva o indivíduo do papel de mero operante técnico à produtor de algo novo, romper com o mecanismo segundo o teórico é função da fotografia expandida.  

A arte contemporânea a partir da fotografia como instrumento coloca essa expressão como uma forma pós-moderna de estabelecer um diálogo entre arte e médium, ao misturar este reprodutor de memórias à um meio espacial, fruto de um momento histórico, é possível criar pro-jetos como o do fotógrafo brasileiro, André Penteado (São Paulo, 1970), rastros, traços e vestígios, que dialoga com um ponto relacionado a prá-tica fotográfica ao arquivo e memória, através da reconstrução de fatos históricos, ocorridos antes da invenção do aparelho fotográfico. A busca do artista aqui é entender como a história e o objeto fotográfico podem colaborar para a reconstrução de um passado histórico pouco conhecido pelas pessoas na atualidade e quais consequências este desconhecimento pode gerar.

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Fig 34• sem título, Cabanagem, André Penteado

Fig 35 • sem título,

Fig 36 •, sem título, Cabanagem, André Penteado.

A reunião de fatos que ajudaram na formação e construção nacional de países e que hoje não são amplamente estudados ou analisados ao longo do seu território, contudo fazem parte da formação étnica e da construção de uma identidade nacional. A busca do autor vai por um viés de entender o que é um documento, qual sua representação histó-rica, e quais os resquícios do passado no presente, e qual a relação do oficio e como este pode se relacionar ao de um historiador, expandido a imagem à um caráter simbólico pelo conteúdo que um projeto busca por concretizar.

Das narrativas abordadas pelo projeto, sobre estes momentos esquecidos no passado, uma que chama a atenção é a série fotográfica

Cabanagem (2015), uma das revoltas ocorridas pró-independência do Brasil do reino de Portugal no período da proclamação da república, durante o século XIX. Este movimento ocorreu em larga escala na re-gião Amazônica entre os períodos de 1835 à 1840, mais especificamen-te no estado do Pará e até hoje não muito conhecido pela população brasileira de forma geral. A busca representativa das imagens do artista segue o viés de como o arquivo e a história influenciam na atualidade e que acontecimentos recentes são pautados em um passado, quais as suas reverberações no presente? Como a fotografia pode ser uma facili-tadora na reconstrução de um passado histórico quase sem documen-tação? A busca do artista parte de uma imersão no imaginário local do fato ocorrido através de uma tentativa de reconstrução dos fatos, a partir da observação de documentos históricos, conversa com locais e personalidades do estado, como um historiador ele investiga os locais, fala com a comunidade local e produz uma reconstrução dos fatos atra-vés de imagem e texto( PENTEADO, André, 2015).

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Contudo a reunião de várias imagens em um dado momento produz narrativas visuais que exprimem um pensamento, uma temática especi-fica, a reunião destas e o conteúdo estimulado pela reunião das mesmas e sua materialização física geram um impacto. A veiculação da fotografia, a partir de um livro ou do espaço expositivo, carrega esta da força neces-sária para ser considerada um veículo com voz própria, deixando o lugar de coadjuvante de um pensamento para se tornar produtora de um.

O Fotógrafo Martin Parr e Gerry Badger no livro The photo-book: A History, volume I , debatem a temática do fotolivro para além de entendido deste como um objeto de arte, mas também um instrumen-to de liberdade artística, devido a sua rotatividade sem o vinculo direinstrumen-to com museus e instituições de arte, o colocando assim como uma possi-bilidade de livre expressão do pensamento do fotógrafo.

A princípio, os museus, galerias e instituições de arte não re-cebiam a fotografia em espaços expositivos, por isto um fotolivro tor-nou-se um medium democratizador por si só do fazer fotográfico, para além de elevar esse objeto como forma de arte, sem uma necessidade formal de atrelar este ao reconhecimento feito pelas instituições. Como mini galerias portáteis este meio de reprodução está entre as populares revistas e os eruditos museus, e que podem ser consultados a qualquer momento e ao mesmo tempo. Os primeiros fotolivros publicados foram os livros de viagens que de uma certa forma falavam sobre um percurso, com sua narrativa imersiva em uma história que pode ser linear ou não, porém contada sempre por imagens, similar ao que ambiciona também o projeto derivante desta pesquisa (PARR BADGER, 2004,p10-11).

O entendimento da imagem vai para além de mera representa-ção técnica decorativa, esta também é dotada de humanidade advinda da pessoa cuja a qual a opera, entendamos assim a câmera como a tinta, ou uma caneta, ela assume o papel de instrumento de criação artística e de catalogação de um momento perdido no tempo, operado pelo fo-tógrafo o artista responsável por colocar ou transmitir um pensamento a partir da captura de um momento. Tendo em vista que a imagem em suas diversas formas são fontes de arquivo, dentro da produção sobre a memória e a pós-memória, a relação com estes objetos vai para além de simples ferramentas, estes serão utilizados como forma de abstração reflexiva durante todo o processo(MACHADO, 2015, p19-25).

Desta forma a relação feita pelo instrumento escolhido para a representação estética apresentada e a narrativa compõem a busca refle-xiva pela fruição de uma ideia a partir do ato fotográfico em si. entender

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Vivia-se no Brasil a ditadura militar, momento em que a causa in-dígena sofreu abalo significativo devido aos pactos de desenvolvimento e integração do território amazônico ao resto do país. A observação e o ato fotográfico toram-se formas de dar visibilidade a causa indígena a partir da trasngreção artística de suas fotografias que retratou um povo, suas culturas e crenças, práticas cotidianas e a luta pela tentativa de viver em meio a modernidade de forma tradicional, respeitando seus costumes e

Fig 39•

Maloca próxima à missão católica do rio Catrimani, Rorai-ma, filme infravermelho, 1976. Foto © Claudia Andujar Fig 37•

Os Yanomami podem incendiar malocas quando migram, querem livrar-se de uma praga, ou quando um líder importante morre. Filme infravermelho, Catrimani, Roraima, 1976. Foto © Claudia Andujar

Fig 38•

A jovem Susi Korihana thëri em um igarapé, filme infravermelho. Catrimani, Roraima, 1972-1974, Foto © Claudia Andujar

a forma como este médium rompe com as vertentes formaisda concep-ção da arte em si, e a democratizaconcep-ção proposta pelo mesmo foi o fator decisivo para a eleição deste como ferramenta narrativa, para a repre-sentação do projeto Em Tradução. Falar sobre os percursos e as rever-berações históricas entre cidades homônimas fruto de um passado co-lonial comum em conjunto a representação fotográfica como médium formaram narrativas visuais que ambiciona produzir um novo contexto para uma memória.

O ato de Ir além dos modelos pré-estabelecidos, busca uma ex-perimentação de vanguarda, gerando uma nova linguagem para o ato fotográfico, como afirma o teórico Vilém Flusser, é um elemento crucial para esta observação, trabalhos que usam a linguagem fotográfica como representação expressiva do ato artístico aliando um referencial histó-rico como segmento de narrativa serão analisados a seguir. O trabalho da fotógrafa suíça erradicada no Brasil, Claudia Andujar, dialoga com tal perspectiva, em seu trabalho a Luta Yanomami ela relata a história desta tribo indígena do norte do Brasil, durante os anos de 1960 até 1980, o primeiro contato travado pela artista e o inicio do projeto foi, por motivo de uma reportagem para uma importante revista brasileira do período, até então esta tribo se encontrava isolada do resto do país, durante a década de 1950, ao serem integrados a sociedade moderna, os Yanomamis, foram tristemente dizimados por doenças endêmicas e pelo contato forçado com os trabalhadores dos garimpos da região.

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Fig 42 • Route 66 Motels. Un-titled.

© John Schott

Fig 41 • Route 66 Motels. Untitled.

© John Schott

O objeto fotográfi co atinge uma dimensão não somente de transmissor de um momento específi co, como também da aura deste, isto é o que desassocia a imagem do espaço tempo, e qualifi ca a ela uma representa-tividade única, de a partir dos olhos de quem a captura, ressignifi car um momento, contentora de traços de memórias, de forma a ressignifi car o olhar do outro a partir da obra de Arte ( BENJAMIM, 2013,p.228).

O espaço público, peça determinante de análise do presente texto tem a partir de sua representação fotográfi ca, um peso grande no debate de construção da paisagem com uma intervenção humana. O mo-vimento chamado New Topographics aborda estas inquietações, nasceu durante a década de 1970, nos Estados Unidos, como fruto de uma exi-bição que contemplou a vários fotógrafos que retratavam a paisagens a partir de suas modifi cações fi sico-espaciais, como forma de voltar o de-bate para a beleza no não óbvio, pelo viés de uma reinterpretação da pai-sagem natural. O ato fotográfi co assumiu um viés de denúncia, caráter inquisitivo sobre as urgências sociais do período, esta exposição atuou no papel de retratar o ambiente urbano Americano, como uma forma de paisagem natural devido ao extremo e excessiva intervenção deste no espaço.

A interação do homem, a representação do vazio feita pelas imagens a partir da tentativa de conexão com uma paisagem urbana, e como o homem atua nesta escala da paisagem são aqui representadas pelas estruturas; parques de estacionamentos vazios, casas de subúrbios, quadras de esportes, tudo o que leva o observador a intuir a presença humana no espaço de forma subliminar, a partir da exposição de objetos e da ausência.

A beleza retratada, a partir dos detalhes canalizados ao ambien-te urbano, foi uma das verambien-tenambien-tes assumidas pelo movimento, além da crítica feita pelo conceito que explora a questão do Homem/paisagem, como um agente político de modifi cação do espaço por conta dos adven-tos do movimento industrial e da globalização que levaram ao processo maciço de sub-urbanizações.

O fotógrafo e artista John Schott também pertencente ao pro-jeto do Th e New Topographics, em sua série Route 66 motels (1973-1974), explora a dimensão do trajeto feito por um observador ao longo da rodovia 66 que liga o meio oeste dos Estados Unidos e a California, o fotografo fez o percurso de automóvel, a série fotográfi ca consiste no registro dos motéis ao longo da rota, segundo a análise da obra o trajeto aqui conversa e faz referência ao próprio espaço de trânsito, a preferen-cia estética pela ausênpreferen-cia física de pessoas remonta ao observador uma dimensão de paisagem, com a presença da ação do homem, o que denota uma presença a partir da ausência, como se fossem a comunicar sobre um espaço físico, como cartões postais. A série fez parte da exposição New Topographics, feita no Th e George Eastman Museum, e relata um pouco da refl exão política sobre a paisagem norte-americana e sua topo-grafi a carregada pela ação do homem.

Fig 40 • Route 66 Motels. Untitled.

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Fig 45 • bar azul, 1996, Luiz Braga Fig 43 • Casa de Lata,

Luiz Braga

Fig 44 • Estrada Nova e Cão, 2007, Luiz Braga

Reunindo tais conceitos propostos pelo movimento explicado anterior-mente e a apreciação do ambiente urbano no interior do Brasil, um pro-jeto que é de grande relevância á essa pesquisa é o do fotografo Brasileiro Luíz Braga, que retrata o cotidiano dos conglomerados urbanos amazô-nicos a partir da periferia, nos trópicos a luz comunica nas imagens a sua potencia de ação, as narrativas contidas nas séries fotográficas possuem cores quentes que traduzem a atmosfera local.

O processo de observação da obra do fotógrafo leva o observador a olhar à população que vive na marginal dos rios, os ribeirinhos, que vivem em palafitas, casas com o pé direito alto fincadas dentro dos rios, casas inun-dadas pelas cheias, com sérios problemas de recursos e estrutura, nos bairros periféricos dos centros urbanos amazonicos a falta de estrutura e dificulta a mobilidade diária, retratar o imaginário do caboclo amazoni-co é o que busca Braga em suas fotografias.

Desta forma a partir da união do conceito de memória e pós-me-mória e do estudo sobre a fotografia como instrumento, validar o ato fotográfico em si como representação artística, através do conteúdo me-morial e afetivo e desta forma reproduzir e representar a aura das ima-gens como não somente um simulacro, mas sim representações estéticas artísticas, é o que busca como forma de validação da seguinte dimensão projectual da dissertação. 

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A conexão com o passado de forma coletiva, transmitida ou vivida se torna um alvo cada vez mais comentado entre artistas de diversas áreas deste universo de atuação, as práticas sociais e o retrato urbano são tam-bém fontes de material para a produção do projeto fotográfico que narra sobre cidades que se entrelaçam semelhantes nomenclaturas, em pontos geográficos opostos e com realidades divergentes, o que converge entre elas é um passado histórico, que deixou marcas nas narrativas de ambas.

Em tradução, narrativas entre os dois lados do Atlântico é um pro-jeto que busca através da composição de uma série fotográfica, mostrar que as diferenças entre a região Amazônica no Brasil e Portugal, são mui-tas, porém de acordo com o olhar do reprodutor de um momento podem não ser tão distintos assim, a narrativa é ditada pelas inquietações dos olhos de um observador atento que afinal busca a cada cena retratada em uma imagem, transmitir um pouco de si mesmo, um pouco de sua aura.

Fig 46 • fotografia da autora projeto Em tradu-ção

Referências

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