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Engenheiro Coelho, SP 1º Semestre de 2016 Volume 25 Número 1

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Academic year: 2021

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Editor: Rodrigo Follis Editor associado: Richard Valença

Conselho editorial: José Paulo Martini, Afonso Cardoso, Elizeu de Sousa, Adolfo Suárez, Emilson dos Reis, Rodrigo Follis, Ozeas C. Moura, Betânia Lopes, Martin Kuhn.

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EXPEDIENTE

Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho-SP, volume 25, número 1, Janeiro - Agosto de 2016.

ISSN: 1519-9800.

Criada em 2002, a Acta Científica. Ciências Humanas tem trazido semestralmente ao leitor, ao longo dos úl-timos 16 anos, conteúdo de qualidade e confiabilidade sempre com temáticas interdisciplinares. A revista continuará a honrar seus compromissos com a Ciência. Entretanto, uma mudança bastante interessante foi introduzida: a Acta Científica Ciências Humanas (ACCH) mudou de assunto. A partir daquele ano, todas as publicações da revista passaram a ser direcionadas apenas ao mundo do Direito! E os frutos já começaram a ser vistos: a revista foi avaliada como B5 em Direito na última avaliação Qualis/Capes em 2017.

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Apresentar publicações inéditas na forma de artigos, ensaios, relatos de pesquisas de campo, entrevistas e re-senhas, a fim de colaborar com a divulgação de trabalhos científicos relacionados com assuntos de Direito e suas nuances, e fomentar o debate sobre as questões atuais no cenário educacional no país. A Acta Científica.

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A Revista Acta Científica utiliza o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), software desenvolvido para a construção e gestão de publicações periódicas eletrônicas, traduzido e custo-mizado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT).

Esta revista se encontra sob a Licença Creative Commons Attribution 4.0.

O Conselho Editorial não assume a responsabilidade pelo material publicado nesta revista. Os trabalhos publicados representam o pensamento dos autores.

Acta Científica. Ciências Humanas — Centro Universitário Adventista de São Paulo, v. 25, n. 1. (Janeiro - Agosto de 2016). Engenheiro Coelho: Unaspress — Imprensa Universitária Adventista, 2016.

Semestral ISSN: 1519-9800. 1. Interdisciplinar 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Aplicadas

A1882

FICHA CATALOGRÁFICA

UNASPRESS

Editoração: Rodrigo Follis Projeto gráfico: Marcio Trinidade Diagramação: Kenny Zukowski Revisão e normatização: Nathália Lima

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Engenheiro Coelho, SP 1º Semestre de 2016 Volume 25 Número 1

SUMÁRIO

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A CRISE DO DEUTSCHTUM DECORRENTE DA RADICALIZAÇÃO DAS

MEDIDAS ESTADONOVISTAS

Melissa Pinheiro Almeida Fernanda Cristina Covolan

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A TRANSFUSÃO DE SANGUE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ:

LIBERDADE RELIGIOSA E FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA AS

DECISÕES JUDICIAIS

André de Carvalho Okano Igor Emanuel de Souza Marques Valdinea de Souza Gomes Caetano

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O PROTESTANTISMO NO CONTEXTO DA CRIAÇÃO DA CLÁUSULA DE

SEPARAÇÃO ENTRE ESTADO E IGREJA NO BRASIL

Dilson Cavalcanti Batista Neto Expedito Claudenilton Pereira Lima

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A CRISE DO DEUTSCHTUM DECORRENTE DA

RADICALIZAÇÃO DAS MEDIDAS ESTADONOVISTAS

Melissa Pinheiro Almeida1

Fernanda Cristina Covolan2 Resumo: A religião sempre foi elemento bem presente na vida dos alemães,

e estes ao imigrar para o Brasil não podiam deixar de trazer sua cultura consigo. Divididos entre católicos e luteranos, a busca da preservação das tradições possuía como pilar o idioma. Contudo, a Era Vargas foi um perío-do de grandes transformações, resultanperío-do, no campo religioso, em grande cerceamento das práticas cerimoniais dos teutos. A partir das Leis de Na-cionalização e tendo seu ápice na Segunda Guerra Mundial, o controle e a vigilância estatal implicaram em uma verdadeira crise de costumes.

Palavras-chave: Liberdade religiosa; Ritos religiosos; Era Vargas;

Imigran-tes; Alemães.

1 Graduanda em Direito no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: me-lissapinheiro@hotmail.com

2 Doutoranda em Direito Político e Econômico com bolsa Capes/Prosuc. Professora e coordena-dora de grupo de Iniciação Científica no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: fernanda.covolan@unasp.edu.br

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Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

THE DEUTSCHTUM CRISIS ARISING FROM

THE RADICALIZATION OF STADONOVIST MEASURES

Abstract: Religion was always a very present element in the life of the germans,

and these, when immigrating to Brazil, could not fail to bring their culture with them. Divided between Catholics and Lutherans, the quest for the preservation of traditions had as its pillar the language. However, the Era Vargas was a pe-riod of great transformation, meaning in the religious field a great limitation of the ceremonial practices of the germans. From the Laws of Nationalization and having its apex in World War II, state control and surveillance would imply a true crisis of customs.

Key Words: Religious freedom; Religious rites; Era Vargas; Immigrants;

Ger-mans.

Introdução

A colonização alemã entre o século 19 e 20 resultou, para o território bra-sileiro, na vinda de uma bagagem cultural farta de tradições e costumes que acompanhava os teutos aonde quer que fossem. Esses imigrantes supervalori-zavam sua cultura de origem, perseguindo em suas colônias o objetivo de pre-servação do Deutschtum3 (patrimônio cultural alemão/germanismo), por meio

de seus rituais religiosos, ensino nas escolas e, sobretudo, na prática do idioma nativo.

Praticamente todas as atividades na colônia se relacionavam com a fé cristã, sendo a igreja um verdadeiro referencial ditador de valores, e ainda o elemento presente em todas as festas celebradas no meio dos teutos, como por exemplo, o tradicional Kerb.

3 Seyferth (2004, p. 155) explica que há que se fazer distinção entre Deutschtum, Volkstum e

Kultur, cujo sentido, respectivamente, quer dizer germanismo, nacionalidade e

cultura/civili-zação. Ao fazer tal distinção, observa-se que conceito como o de Deutschtum, sem exclusão do

Volkstum, implica em uma ideia de “cultura popular apropriadamente germânica, construída

na longa duração, mas o significante nacional inclui também uma noção de pertencimento comunitário que, no discurso teuto-brasileiro, está mais próximo de uma representação "nativa" de etnicidade primordial".

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 7-21, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p7-21

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A CRISE DO DEUTSCHTUM DECORRENTE DA RADICALIZAÇÃO DAS MEDIDAS ESTADONOVISTAS

Contudo, todas as atividades das colônias passariam no Governo Vargas a contrapor objetivos políticos de desenvolvimento nacional, tornando o forte apego às tradições em ameaça ao plano de "louvor ao Brasil", sendo este o pon-tapé para crise que viria.

O estranhamento entre os imigrantes alemães e as políticas nacionais en-controu solo fértil com o posicionamento do Brasil em 1942 ao lado dos Aliados na segunda grande guerra, em que os teutos - assim como os italianos e japone-ses - foram postos sob verdadeiro controle e repressão.

O que este artigo propõe é compreender, diante do contexto apresentado, de que forma as restrições de direitos com justificativas nacionalistas impostas durante o Estado Novo afetaram o Deutschtum, principalmente no tocante à liberdade dos alemães para praticar suas crenças.

A pesquisa organizou-se a partir da demonstração de alguns costumes trazidos pelos germânicos ao Brasil, bem como da análise da postura legal ado-tada pelo Estado com fim de limitação e, por fim, como tal postura provocou transformação na cultura teuta. A pesquisa serviu-se do método dedutivo, va-lendo-se de fontes secundárias, por meio de revisão bibliográfica e trabalhos científicos de pesquisadores do período em comento.

A religiosidade alemã

Em uma coluna, Sacks (2016, p. 8, tradução livre) escreveu que "as grandes religiões do mundo oferecem significado, direção, um código de conduta e um conjunto de regras para a vida moral e espiritual",4 e essa era uma verdade no

meio alemão, em que a igreja possuía papel relevante em todos as esferas vida. No contexto teuto, a fé era fonte não apenas de conforto espiritual, exer-cendo ainda grande influência social ao ditar comportamentos e ideologias, possuindo, portanto, poder persuasivo e normativo (RANZI, 2000).

O sagrado foi ganhando força, principalmente no protestantismo germâ-nico, por razões que se podem encontrar na história, como se nota com Marti-nho Lutero, que introduziu a Reforma e traduziu a Bíblia Sagrada, disponibili-zando-a para o povo alemão, sendo ele ainda responsável por construir as bases para o Neuhochdeutsch (a modernização do idioma), implicando no século 16 no renascimento da religião e da língua (WILLENS, 1980).

Assim, ao imigrar para o Brasil séculos depois, uma grande preocupa-ção dos colonos era manter a religiosidade viva em seu meio. Segundo Hübner

4 Texto original: “The World’s great faiths offer meaning, direction, a code of conduct, and a set of

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(2010), da pátria mãe veio, além da fé cristã, todas as demais tradições vincu-ladas à cristandade. A igreja era tida como referência para os pioneiros e seus descendentes diretos, e ela se dividia entre comunidade católica e luterana.

Essas comunidades, embora compartilhassem o amor pela fé e ainda se propusessem a prestigiar as festividades umas das outras, possuíam alguns con-flitos ideológicos entre si.

Inicialmente, é possível dizer que os imigrantes luteranos possuíam maior influência como preservadores das tradições, enquanto que os imigrantes ca-tólicos, como informa Willens (1980), se integraram rapidamente ao sistema eclesiástico brasileiro devido à semelhança hierárquica.

A Católica não conseguia desempenhar o papel de mantenedora do Deutschtum tal qual a Luterana, mas, por sua vez, tentava minimizar essa ques-tão atendendo pelo menos a uma parte dos fiéis de maneira diferenciada, efe-tuando a prédica em língua alemã, incentivando a criação de instituições teu-to-católicas, formas concretas de dominação, uma vez que a língua, no início, representou uma barreira entre a Igreja e os alemães católicos (RANZI, 2000, p. 258).

Por não ver problema em se associar com o catolicismo brasileiro, os católi-cos germânicatóli-cos ouviam constantemente dos protestantes que "o catolicismo era o coveiro do germanismo no Brasil" (WILLENS, 1980, p. 489). Ainda de acordo com Willens (1980, p. 485), para os católicos germânicos, o idioma nativo seria usado enquanto fosse possível, mas que o propósito era "conquistar almas para Cristo seja lá em que língua for". Esse pensamento não agradava os protestantes, pelo que concentraram suas forças na defesa da manutenção da língua.

Desta forma, fica claro que os católicos germânicos trabalhavam menos no sentido étnico, enquanto que os evangélicos germânicos tinham o oposto como propósito (WILLENS, 1980). Por estas razões, a Igreja Católica brasileira não teve dificuldades em receber os estrangeiros que compartilhavam da mesma fé, visto que estes estavam dispostos a "abaixar o muro da nacionalidade" e integrar a Igreja como fiéis membros.

Uma grande tradição trazida da pátria mãe que importa mencionar é a do canto. Hübner (2010) afirma que os corais eram populares em celebrações como missas, casamentos, enterros etc, e eram encorajados visto que os mais idosos entendiam que os cantos transmitiam solenidade e sentimentalismo. Cultural-mente eram tidos como uma das mais importantes tradições, daí o cuidado em se repassar as músicas de pai para filho e de avô para neto.

Seja na cidade ou no campo, o desaparecimento do canto significaria per-da cultural tanto para os protestantes quanto para os católicos. Porém, algo curioso é que muitos cânticos religiosos alemães foram traduzidos para o por-tuguês e difundidos no país (WILLENS, 1980).

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 7-21, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p7-21

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Outra grande tradição trazida foi o Kerb. Como já mencionado, a maioria das festividades das colônias alemãs era ligada à religião, e uma das grandes comemorações era o Kerb, muito celebrado na colônia de Sampaio,5 e que

repre-sentava graças à padroeira Thereza Pikadd, ou traduzido, Santa Tereza (HÜB-NER, 2010).

No sábado e no domingo, participavam todos juntos de todo o cerimonial místico e espiritual, iniciando-se pela missa solene em homenagem à padroeira com a participação do coral, que se esmerava, cantando os hinos e as músicas em duas e até três vozes ou tonalidades diferentes. Todos participavam da comunhão, tendo para isso se preparado antecipadamente. Após o cerimonial, os familiares acompanhados de seus convidados, realizavam os seus banquetes em suas pro-priedades. À noite, todos os adultos compareciam ao baile, em que se oferecia a oportunidade para as moças conhecerem os jovens disponíveis para possíveis casamentos. No dia seguinte, os parentes se reuniam para juntos passarem o dia, de preferência, na casa da vovó, para conversar, reunir os netos e para aproveitar as sobras (nachKerb), regadas com café e chá (HÜBNER, 2010, p. 55).

A comunidade luterana, ainda segundo Hübner (2010), não comemorava o

Kerb porque não cultuava os santos, mas no meio evangélico se celebrava, por

exemplo, o dia da reforma e as datas que marcavam a luta para ascensão da igreja. Pode-se mencionar também o costume de arrecadar a Kirchensteuer (im-posto eclesiástico), prática observada como na cidade de Joinville, em Santa Ca-tarina. Esses fundos arrecadados serviriam para a remuneração dos ministros, como acontecia na Alemanha (WILLENS, 1980).

As escolas e as congregações religiosas possuíam forte vínculo entre si, e nas colônias eram mantidas sem auxílio do governo, tendo como característica mais marcante a predominância da língua materna e a indispensabilidade do ensino da história, cultura e geografia para preservar a identidade alemã (RENK, 2009).

Pode-se verificar então um elemento comum em tudo o que foi até ago-ra apresentado: a presença do idioma alemão. Willens (1980) ressalta que todo teuto evangélico que assimilasse a brasilidade era um elemento perdido para a igreja. A perda da língua implicaria consequentemente na impossibilidade de praticar a religião, e aquele que a isso se submete, se converte ao catolicismo.

Entretanto, foi justamente esse apego às origens que tornou as colônias em um alvo certo para as políticas estatais. Segundo Hübner (2010), o Deutschtum (patrimônio cultural alemão) foi sendo mais e mais diminuído a partir da

5 A comunidade de Sampaio é parte do Vale do Arroio Sampaio, localizado em uma região de colonização alemã, abrangendo parte dos municípios de Santa Clara do Sul, Mato Leitão, Ve-nâncio Aires, Cruzeiro do Sul e Sério.

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promulgação das Leis da Nacionalização e, portanto, transformações profun-das aconteceram no meio dos teutos.

As políticas do Governo Vargas

Muito da imigração para o Brasil foi motivada pela política de "branquea-mento", que supostamente teria o propósito de avançar a civilização do povo brasileiro. Esse processo teve especial predominância no período em que se planejava a substituição da mão de obra escrava pela remunerada, que deveria ser composta de imigrantes europeus, para o que houve incentivos econômicos tanto do governo central como dos governos estaduais, após a proclamação da república. A partir de 1930, no entanto, os incentivos imigratórios sofrem bai-xas significativas.

Uma nova conjuntura político-ideológica se iniciou com a Revolução de 1930, dando início a questionamentos que implicaram na suspensão da imi-gração subsidiada que se sustentava da política de branqueamento. A princípio, essa política não desapareceu, mas entrou em crise, alicerçada na mudança de paradigmas que agora não veem mais na mestiçagem um problema, porque o Brasil deveria se tornar um país que, através da diversidade, principalmente de cores, teria uma raça própria: a brasileira (GOMES, 2013).

Chaves (2003) afirma que o engrandecimento do país passou a ser ideia principal durante o Estado Novo, e o governo de Getúlio Vargas não poupou esforços para promover uma nação patriótica. Isso significava dizer que o que fosse contra este plano, não seria visto com bons olhos. Só seria tolerado o que louvasse o Brasil, assim, não havia espaço para o desenvolvimento de culturas estrangeiras. “A obra nacionalizadora deveria, portanto, destruir os ‘cupins’ que corroíam a brasilidade e, para tal, era necessário colocar em prática o projeto de assimilação voltado aos grupos étnicos” (CHAVES, 2003, p. 32).

De acordo com Seyferth (apud RENK, 2009), introduzir o sentimento de brasilidade nos imigrantes, principalmente dos três estados do Sul, era um ob-jetivo primordial do programa do governo para eliminar as influências de fora. Por meio de lei, as instituições estrangeiras foram tratadas como marginais e pretendia-se a assimilação compulsória.

Ora, a construção da identidade nacional, desta forma, ao invés de se fazer por meio da transferência de pertencimento, elemento importante de cidadania, far-se-ia obrigatoriamente, sob risco de perda de prerrogativas antes concedidas, quando na entrada no país.

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 7-21, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p7-21

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A CRISE DO DEUTSCHTUM DECORRENTE DA RADICALIZAÇÃO DAS MEDIDAS ESTADONOVISTAS

Para a construção do Estado idealizado, o Governo Vargas entendia que a língua e o sangue/raça eram parte dos elementos fundamentais da nacionalidade e, assim, a adoção do idioma nacional por todos era indispensável (RENK, 2009). Assim, os imigrantes poderiam ser bons para colonizar, mas representa-vam um perigo à nacionalidade, devido ao seu apego à cultura de origem. Os políticos e intelectuais consideravam que era preciso "abrasileirá-los, o que se faria por meio do ensino fundamental cujos conteúdos os instruiriam não ape-nas para o uso do idioma português, como também para o culto dos valores cívicos da nação a quem passariam a servir" (MAGALHÃES, 1993, p. 47).

Das instituições estrangeiras, as que mais sofreram foram as das comuni-dades teuto-brasileiras. A grande obra nacionalizadora começou oficialmente a partir de 1938, e se desenvolvia por meio de uma legislação que colocaria os imigrantes e seus descendentes em conformidade com a brasilidade. Isso seria possível por meio da supressão de qualquer atividade política estrangeira bem como do incentivo aos valores nacionalistas e autoritários (CHAVES, 2003).

O ano de 1938 foi um ano decisivo, assinalando, segundo Gomes (2013), o início da política de nacionalização do Estado Novo. Inúmeros decretos-lei foram gerados, como: a lei de extradição e expulsão de estrangeiros; lei para o controle da entrada de imigrantes e lei de nacionalidade.

A imigração, a partir do decreto-lei nº 1.532, de 23 de março de 1938, "pas-sou a ter status de problema político afeto à segurança nacional do Estado, fi-cando, portanto, subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores” (GOMES, 2013, p. 52).

Desta forma, como se viu, a combinação de uma redefinição sociológica das peculiaridades brasileiras, associada a políticas de reorientação quanto à imigração de europeus e, por fim, o fortalecimento do poder do governo central, quando da passagem para o regime ditatorial do Estado Novo, dando ao chefe de Estado os poderes legislativos, firmou-se uma política legislativa de supres-são de direitos de manifestação e controle mais agressivo dos imigrantes, em especial das colônias do sul do país.

A Segunda Guerra Mundial e seu reflexo na liberdade religiosa alemã

A crise na relação entre os brasileiros e os teuto-brasileiros se agravou com a entrada direta do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1942. Ao declarar a Alemanha como nação inimiga, intensificou-se a ação policial e militar, e a vigilância tornou-se constante. A guerra provocou mudanças na Campanha de Nacionalização e a ordem de abrasileiramento foi reforçada (CHAVES, 2003).

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A realidade era que, como afirma Castro (2007, p. 78), "a Segunda Guerra Mundial provocou no Brasil a proscrição de tudo que se relacionasse ou fizesse menção à Alemanha, Itália e Japão".

Durante o conflito mundial, os imigrantes e seus descendentes, principal-mente de nacionalidade alemã, foram forteprincipal-mente hostilizados, tendo a Igreja e a imprensa como alvos de ataques e arruaças. O fato era que tal desprezo fazia parte da concepção de segurança nacional que havia se levantado no período entre 1930 e 1945, em que era necessário conter a expansão estrangeira para evitar possíveis ataques inimigos (RENK, 2009).

A expressão "perigo alemão" não se referia unicamente à possibilidade de in-vasão e anexação de partes do território brasileiro pelo império alemão, mas tam-bém ao fato de que a existência daquilo que era conhecido como "quistos étnicos", isto é, "cânceres", supostamente representados pelas comunidades consideradas não integradas, não assimiladas ao conjunto da população brasileira, constituiria um fator de desagregação interna para a nacionalidade brasileira, um problema para a consolidação do país como uma unidade minimamente homogênea do ponto de vista político, étnico, cultural e religioso (GERTZ, 2015, p. 16).

Segundo Chaves (2003), não importava se os teuto-brasileiros se conside-ravam cidadãos do Brasil e fiéis à pátria brasileira; eles eram tidos como perten-centes ao povo alemão porque a nacionalidade era compreendida pela "comu-nidade étnica", logo seriam categorizados como "inimigos", "alemães", "nazistas", "integralistas" todos os descendentes alemães. Isso causou indignação entre os teuto-brasileiros, porque muitos se consideravam cidadãos brasileiros. Eram descendentes de estrangeiros, mas nascidos no Brasil, requisito legal da cida-dania brasileira.

Porém, nesse momento histórico, para o governo não bastava que o descen-dente de imigrante fosse legalmente um nacional brasileiro porque era nascido no Brasil, mas deveria pertencer, identificar-se com a nação brasileira. “Isso significa que o jus soli não era critério absoluto ou suficiente de cidadania, uma vez que para ser cidadão era preciso ser também um nacional: os alienígenas podiam nas-cer brasileiros, mas não pertenciam à nação brasileira" (SEYFERTH, 1997, p. 101). O Estado Novo associava política e discurso religioso cristão, construindo no imaginário popular a demonização dos alemães, tratados como discípulos de Hitler, fariam parte da satânica trama alemã, que teria o Mein Kampf como bíblia e seu autor como Messias. O nazismo é tido como pagão e consequente-mente, perigoso e subversivo. Até padres que falavam alemão ou italiano foram perseguidos, embora a Igreja responsabilizasse não o governo, mas a maço-naria, os comunistas e os seitistas norte-americanos. Tratamento mais severo

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 7-21, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p7-21

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A CRISE DO DEUTSCHTUM DECORRENTE DA RADICALIZAÇÃO DAS MEDIDAS ESTADONOVISTAS

recebiam os pastores evangélicos, presos no Campo de Concentração Trindade (SANTOS, 2004, p. 4).6

O poder público tomou medidas radicais a fim de prevenir que forças estrangeiras ameaçassem o Brasil. Os imigrantes que falavam sua língua de origem deviam ser controlados para proteção do país contra qualquer atitu-de hostil (HÜBNER, 2010). “Era uma guerra atitu-de atitu-denúncias e vigilância em um momento em que o não uso do idioma português era considerado um ato de traição à pátria brasileira" (FÁVERI, 2002, p. 76).

O pesquisador Gertz (2015, p. 17) assevera que foi, sobretudo, a partir de 1939 que se iniciou "outro tipo de nacionalização", implicando em maior intro-missão nas comunidades, passando gradativamente de vigilância à intervenção nas atividades culturais, recreativas e até eclesiásticas. Se o Brasil não se envol-vesse na guerra, é impossível pensar até onde teria ousado o governo em suas intervenções, porém, a realidade é que "com a eclosão da guerra, em setembro de 1939, e, sobretudo, a posterior entrada do Brasil, em 1942, essas medidas se potencializaram”.

Logo, é possível concluir que o posicionamento do país contra o Eixo foi fator determinante para conduzir as medidas ofensivas, mas de caráter "proteti-vo", contra os teutos e seus descendentes, que estavam sob o estigma de "Súditos do Eixo".

Liberdade religiosa e sua pauta na lei

Os ataques aos imigrantes eram justificados pelo momento, usando o go-verno diversas razões para a elaboração de decretos que cerceariam as práticas alemãs. Mas além dos decretos-lei e da legislação que tinha o imigrante como objeto, havia a Constituição Federal de 1937, cujo teor parece ter flexibilizado a liberdade religiosa.

Desde o preâmbulo, ressalta Scampini (1974), já se percebem mudanças em relação à Constituição anterior, onde encontrava-se um dispositivo que jus-tificava a postura discricionária de Vargas, em vez dos princípios de ordem po-lítica, filosófica e religiosa.

Dentre diversas mudanças, uma que se percebe é que a Constituição de 1937 certificava apenas a liberdade de culto, enquanto que a Constituição an-terior, a de 1934 (POLETTI, 2012), assegurava não apenas a liberdade de culto,

6 Trecho retirado do texto “Os silenciamentos impostos aos alemães durante o Estado Novo em Florianópolis", de Janaina Santos, de 2004. Disponível em: <https://bit.ly/2zVvpPo>. Acesso em: 23 jul. 2015.

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mas também a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. Assim, a Constituição de 1937 é tida como um retrocesso às constituições republicanas precedentes quanto ao tema da liberdade religiosa.

O que se percebe é que a Carta de 1937 não se interessava em garantir li-berdade religiosa, tendo em vista que, segundo Scampini (1974), é composta por três aspectos: liberdade de consciência, de crença e de culto. Como a referida Constituição se restringia apenas à liberdade de culto e se omitia quanto às ou-tras duas liberdades, é evidente que a preocupação estatal quanto a religiosidade era limitada.

Dizia a Constituição de 1937, artigo 122, §4º:

Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livre-mente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes (PORTO, 2012, p. 81).

Se todos os indivíduos eram livres para cultuar e praticar sua religião, por que esta garantia constitucional não era então invocada pelos alemães para pra-ticar livremente seus costumes? Por causa do que diz a parte final do dispositivo. Essa liberdade era dada se “observadas as […] exigências da ordem pública".

Então havia uma condição, e os que não se encaixassem na condição se-riam a exceção de "todos os indivíduos". Importa lembrar que no início da dé-cada de 1930, o plano de nacionalização já vigia, e com o posterior contexto beligerante os alemães passaram a ser um problema de segurança nacional.

Assim, não bastando a Constituição de 1937 ser muito limitada no que se refere à liberdade religiosa, no seu pouco ainda rejeitaria e hostilizaria as tentativas teutas de viver as tradições devido à sua não adaptação aos moldes brasileiros e, ainda, devido ao perfil de suspeitos recebido pelos praticantes.

A execução das políticas e suas consequências

Com a política de nacionalização, a assimilação deveria acontecer, e com o posicionamento do Brasil ao lado dos Aliados, a comoção no seio alemão se agravaria. Essas duas situações implicariam em grandes consequências na vida dos estrangeiros, o que inclui grande perturbação às práticas das tradições.

Para grande parte dos teutos, principalmente os mais velhos, assimilação era um mal. Para aqueles que consideravam a religião acima de tudo, o pior que poderia acontecer era a perda desta, e isso aconteceria ao entrar em contato com brasileiros (WILLENS, 1980).

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A CRISE DO DEUTSCHTUM DECORRENTE DA RADICALIZAÇÃO DAS MEDIDAS ESTADONOVISTAS

Um exemplo é o que aconteceu na Escola Luterana em São Paulo, lugar este que, diante o contexto de guerra, foi colocado como alvo da atenção poli-cial unicamente por ser ocupado por protestantes germânicos (CASTRO, 2007). Foi um período em que nos buscaram aniquilar: Tiraram nossas escolas, fecharam nossos templos, incendiaram nossas igrejas e casas pastorais. Fomos expostos a execração pública. Buscaram destruir nossa memória. Em nosso templo, escoltado por integrantes da Liga de Defesa Nacional, o pastor de na-cionalidade alemã, teve que solenemente instalar ao lado do altar a bandeira nacional […] (DREHER apud FILGUEIRA, 2007, p. 8).

Mas o problema maior para a religiosidade alemã veio com a proibição do idioma materno que, como foi dito anteriormente, era justamente o elemento essencial para a manutenção do Deutschtum e para as práticas religiosas.

Como consequência da proibição, Hübner (2010) afirma que, nas comuni-dades de Sampaio, por exemplo, houve o cancelamento de ações pastorais que envolviam a coletividade, porque a maioria dos fiéis só falava o idioma nativo. Não era mais possível a reunião de grupos, a menos que o povo conseguisse se expressar na língua nacional ou se suspendesse as restrições legais.

Devido a essa proibição da língua estrangeira e do advento da grande guerra, Hübner (2010) ainda completa que os tão estimados coros se enfraque-ceram e alguns até se extinguiram. Grande parte dos hinários foi destruída. Em todo lugar, qualquer contato com a língua de origem devia ser suspenso. Não havia lugar neutro, a restrição valia para locais públicos, privados, nos lares, nas escolas, igrejas, entre outros.

Filgueira (2007) informa que os "delitos" cometidos pelos estrangeiros se relacionavam quase sempre ao uso de hinos, cantos e saudações que lhe fossem peculiares e/ou praticados no alemão. Santos (2004)7 ainda completa que essas

práticas eram objeto de um Edital publicado em 28 de janeiro de 1942 pela Secretaria de Segurança Pública, efetivando, assim, a política de silenciamen-to. “Até mesmo prantear os mortos foi um problema, pois a denúncia de que as rezas e orações eram feitas em língua estrangeira levava a polícia a invadir velórios e levar presos os que acompanhavam este rito” (RENK, 2009, p. 11). Ainda "os cemitérios foram alvos da caçada à cultura germânica, tendo cruzes

com inscrições em idioma alemão arrancadas e epitáfios apagados ou quebra-dos" (FILGUEIRA, 2007).

A Igreja Luterana, maior representante da religiosidade da comunidade alemã no Brasil, foi alvo da "lógica da desconfiança". Um exemplo é o que aconteceu com um pastor alemão chamado Carlos João Jorge Mueller, que foi preso em 1943 na Casa de Detenção acusado de crime contra a segurança

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nacional e ficando à mercê do Tribunal de Segurança Nacional e das autori-dades (CASTRO, 2007).

Ocorria ainda que as perseguições aos pastores luteranos eram mais enér-gicas que aos clérigos católicos já que, aos serem denunciados de algum delito, sofreriam pela ação do Tribunal de Segurança Nacional ou até poderiam ser enviados aos campos de confinamento (GONÇALVES; ZANELATTO, 2013).

A prática de cultos religiosos à noite em escolas era comum, e essas insti-tuições, como aduz Castro (2007), eram alvo de buscas periódicas por inspe-tores. Um caso que pode ser citado é o do pastor alemão H. Klenke, que era responsável por um desses lugares e, ao ser inspecionado, o agente não hesitou em alegar que, considerando a situação do país, era melhor que o pastor alemão fosse substituído por um brasileiro.

Os inspetores eram rígidos ao avaliar, e tal conduta fechou vários centros culturais e de recreação, e os que permaneceram abertos pararam de funcionar por conta dos obstáculos para licença. Até 1945, as instalações e equipamentos que resistiram ficaram sob o controle do exército (CHAVES, 2003).

A intervenção policial em igrejas culminou ainda no confisco de livros e atas de registros em idioma alemão, como aconteceu nas igrejas de Campinas e Americana, em 1942, no estado de São Paulo. O país impôs exigências legais de que todos os registros deveriam ser feitos no idioma nacional por conta do momento beligerante (CASTRO, 2007).

Os excessos cometidos na repressão aos "ideais alienígenas" são reconhe-cidos por alguns participantes da campanha; mas, ao mesmo tempo, são de-bitados à repercussão dos acontecimentos internacionais. Prisões arbitrárias, policiamento ostensivo, humilhações públicas como castigo pelo uso de língua estrangeira, cerceamento de atividades produtivas, associações esportivas quisitadas para uso militar etc., marcaram o cotidiano tenso de algumas re-giões onde a maioria da população se enquadrava na categoria dos alienígenas (SEYFERTH, 1997, p. 97).

Hübner (2010) declara que os corais eram lembrados com saudade pelos moradores da comunidade de Sampaio, já que era um dos pontos mais fervo-rosos da liturgia solene das celebrações que traziam aos momentos um aspecto especial. Lembram os moradores que até se tentou continuar com os cantos na igreja, mas com a padronização das missas e dos cultos, não restou outro cami-nho senão a extinção dos tão admirados corais.

Desta forma, o colapso do Deutschtum foi inevitável, sofrendo as comuni-dades transformações que abriram suas tradições para o mundo exterior.

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Considerações finais

Diante de tudo o que foi apresentado, é evidente que os limites estatais impostos pelo Governo Vargas provocaram grandes impactos na cultura de fé alemã. Foi com o fim da imigração subsidiada que se aproximou o surgimento do plano de engrandecimento do Brasil, consequentemente nas Leis de Nacio-nalização, e esse foi um plano que incomodou e obrigou os alemães a mudarem sua postura com relação a muitos costumes.

Como se percebeu, os interesses políticos e econômicos do período anterior, pós abolição, justificaram a extensão de direitos e abertura de cidadania aos imi-grantes, além da concessão de terras para formação das colônias, o que levou ale-mães a se instalarem no país e formularem seus planos de vida para permanência, ainda que celebrando suas raízes, em especial pelas tradições religiosas.

Igualmente, mudanças nas teorias sociológicas que buscavam explicar o ho-mem brasileiro e a mestiçagem por um ângulo não desfavorável, aliadas às novas tendências nacionalistas predominantes no ocidente em geral, levaram a trans-formações paulatinas nos programas e políticas públicas do país, implicando, em especial após a entrada na Segunda Guerra Mundial, a uma legislação restritiva e persecutória aos estrangeiros, particularmente aos descendentes alemães.

A guerra, ao intensificar essas medidas persecutórias, obrigou as mudan-ças na vida religiosa teuta. O contexto trouxe grande convulsão social, dissemi-nando a cultura da delação em que vizinhos não podiam ouvir uma reza ou um hino em alemão que já denunciavam. O governo, ao instaurar a ideia do medo e tratar os imigrantes como caso de segurança nacional, cerceou drasticamente seus hábitos, invadindo seus espaços de culto e recolhendo seus materiais de adoração.

Percebe-se que o problema não era fazer culto, cantar ou rezar, mas fazer tudo isso em uma língua que não o português. A liberdade religiosa, embora li-mitada, existia constitucionalmente. Mas como visto no desenvolvimento deste trabalho, abrir mão do idioma para atender as vontades estatais era o mesmo que abrir mão da religião. Esta se tornava impraticável. E ao se considerar que era a fé que doutrinava a vida dos fiéis em todos os aspectos, estes se viam sim-plesmente desamparados diante de tanta vicissitude.

Assim, conclui-se que as mudanças na religiosidade alemã ocorreram por causa de medidas que, ainda que agora vistas como ilegítimas, alcançaram le-gitimidade naquele tempo, implicando, mesmo após o fim das restrições, em consequências que não se podiam mais conter. As ordens, as adaptações com-pulsórias e as invasões deformaram o Deutschtum, sendo para as seguintes ge-rações uma versão que não a anterior. O Deutschtum literalmente passou pela guerra, e saiu dela sequelado.

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A TRANSFUSÃO DE SANGUE E AS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: LIBERDADE RELIGIOSA E

FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA AS DECISÕES JUDICIAIS

André de Carvalho Okano1

Igor Emanuel de Souza Marques2

Valdinea de Souza Gomes Caetano3 Resumo: Este trabalho apresenta o desafio enfrentado pelas Testemunhas de

Jeová no que diz respeito à recusa da transfusão sanguínea como tratamento sob prescrição médica diante da liberdade religiosa garantida na Carta Magna de 1988. Tal situação causa insegurança aos profissionais de saúde que têm o dever legal de zelar pela manutenção da vida humana, bem como aos membros desse grupo religioso, de ter suas crenças e convicções religiosas respeitadas integralmente. Como o ordenamento jurídico contempla os dois direitos como fundamentais, é importante verificar como o Poder Judiciário tem decidido nos casos relacionados ao tema da pesquisa que lhe são submetidos. Para tanto, uti-lizou-se o método lógico dedutivo, partiu de uma premissa maior, a liberdade de consciência, para se chegar à premissa menor, o limite de tal direito perante

1 Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Advogado, mediador e conciliador judicial na Comarca de Artur Nogueira (SP). Professor do curso de Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho (Unasp). E-mail: andre.okano@unasp.edu.br

2 Doutorando em Direito na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp). Advogado, mediador e conciliador judicial na Comarca de Artur Nogueira (SP). Professor do curso de Di-reito no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: igor.marques@unasp. edu.br

3 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: neia_caetano@hotmail.com

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situações em que a vida corre risco. Perante essa discussão, espera-se que haja uma melhor definição dos limites e alcance da liberdade religiosa, e quais as formas possíveis de efetivação das mesmas.

Palavras-chave: Liberdade religiosa; Direito à vida; Transfusão de sangue;

Tes-temunhas de Jeová.

THE TRANSFUSION OF BLOOD AND

JEHOVAH’S WITNESSES: RELIGIOUS LIBERTY AND

ECONOMIC FOUNDATIONS FOR JUDICIAL DECISIONS

Abstract: This paper presents the challenge faced by Jehovah’s Witnesses

regar-ding the refusal of blood transfusion as a prescription treatment in the face of religious freedom guaranteed in the 1988 Constitution. Such a situation causes insecurity for health professionals who have a legal duty to care for the main-tenance of human life, as well as for the members of this religious group, to have their religious beliefs and convictions fully respected. As the legal system contemplates the two rights as fundamental, it is important to verify how the Judiciary has decided in the cases related to the subject of the research that are submitted to it. For that, the deductive logic method was used, it started from a bigger premise, the freedom of conscience to arrive at the minor premise, the limit of this right before situations in which life is at risk. Faced with this dis-cussion, it is hoped that there will be a better definition of the limits and scope of religious freedom, and the possible ways of effecting them.

Keywords: Religious freedom; Right to life; Blood transfusion; Jehovah’s

Wit-nesses.

Introdução

A presente pesquisa foi desenvolvida a partir do problema enfrentado pelo grupo religioso conhecido como “Testemunhas de Jeová” e sua recusa pela transfusão de sangue como manifestação de convicção religiosa. A problemática

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 23-50, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p23-50

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A TRANSFUSÃO DE SANGUE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: LIBERDADE RELIGIOSA E FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA AS DECISÕES JUDICIAIS

desta pesquisa é identificada pela busca em como garantir o direito à liberdade religiosa quando outro direito fundamental, a vida, está em perigo.

A temática esposada aqui é muito relevante, visto que o princípio da digni-dade humana é o principal vetor constitucional envolvido nessa questão, con-sistindo esta orientação constitucional em “um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar” (MORAES, 2004, p. 128). Interessante destacar que a dignidade hu-mana é o fundamento de todas as liberdades, inclusive a liberdade religiosa.

A produção sobre o tema é razoável, embora poucos tenham sido os dou-trinadores que se debruçaram com profundidade ao estudo deste assunto. Mui-tos escriMui-tos estão em artigos periódicos publicados em revistas especializadas no ramo do direito constitucional e do direito civil, mas em sua maioria não estudam diretamente o tema, de modo que esta pesquisa tem por propósito enriquecer o conteúdo já existente quanto ao assunto e, para tanto, está estru-turada em três bases a seguir apresentadas.

Noções conceituais e históricas da liberdade religiosa

Tratar o tema liberdade humana é tarefa árdua e imprescindível na socie-dade atual, tendo em vista o intenso anseio pela efetivação de seus direitos de liberdade, o que gera grandes discussões e se torna objeto de reflexão de estu-diosos das mais diversas áreas das ciências humanas. O tema é tão inerente-mente humano que, de acordo com Rousseau (2002, p. 10), o homem já nasceu livre, independentemente de reconhecimento legislativo.

E variadas são as definições de liberdade dadas pelas diversas áreas da ciência. Mas, segundo Teixeira (2013, p. 35), o Direito exerce um papel impor-tante, ao contribuir na tarefa de atribuir mais materialidade e concretude ao conceito de liberdade, visto que, em sua maioria, as outras áreas atribuem con-ceitos com alto grau de abstração.

Ainda nesse contexto, pode-se facilmente relacionar que o tema da liber-dade está intimamente ligado em sua essência jurídico-filosófica à ideia de dig-nidade, sendo a dignidade “o fundamento mais essencial” que justifica a liber-dade. Assim, pode-se perceber que, na ordem jurídica brasileira, a “liberdade foi estabelecida como um princípio-meio de afirmação do valor-fim da digni-dade humana, passando a ser, desta forma, um meio de efetivação dos valores fundantes” (TEIXEIRA, 2013, p. 53).

Diante desse esboço conceitual, é possível perceber que as ideias de tais autores se apresentam como eco do texto constitucional, que tem como um de seus fundamentos a dignidade humana (artigo 1º, inciso III) com vistas, entre outras coisas, à construção de uma sociedade livre (artigo 3º, inciso I). Enfim,

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é a liberdade que nos permite viver na condição de indivíduos, na acepção da palavra, e é essa característica que torna os seres eminentemente humanos.

A liberdade foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 enquanto princípio e assegurada constitucionalmente como se vê em seu artigo 5º caput, conforme se transcreve:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabi-lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes […] (BRASIL, 1988, p. 13).

Embora o legislador tenha estabelecido, no caput do mencionado artigo, a liberdade enquanto direito-gênero, nos incisos ele demonstrou a preocupação em destacar as espécies de liberdade, bem como suas esferas de aplicação, compreen-dendo: liberdade de autodeterminação (inciso II), liberdade de pensamento (in-ciso IV), liberdade de expressão (in(in-ciso IX), liberdade profissional (in(in-ciso XIII), liberdade de informação (incisos XIV e XXXIII), de locomoção (incisos XV, LIV e LXI), de reunião (inciso XVI) e, entre outras, a liberdade de religião (incisos VI, VII e VIII) que inclui Associação religiosa, culto, crença e consciência.

As espécies de liberdades acima mencionadas demonstram que a preocu-pação do Constituinte consistia em “garantir um ambiente normativo e instru-mental capaz de possibilitar o exercício efetivo da liberdade enquanto gênero, reconhecendo-a como meio essencial para se alcançar a dignidade humana”

(TEIXEIRA, 2013, p. 35).

Nesse sentido, vale destacar que, mais importante do que ter direitos de-clarados, é ter a garantia de que esses direitos serão concretizados e efetivados. Nesse contexto, importa então o estudo da liberdade ligada às crenças religiosas e o papel desempenhado pelo Estado na garantia dessa liberdade, com expressa previsão textual, mas sua concretização no plano prático por vezes ameaçada.

Nery Junior (2009, p. 15) observa que, em um Estado Democrático de Di-reito, a liberdade influencia, de modo positivo, pois retira do Estado a possibli-dade de somente mediar e restringir as liberpossibli-dades civis, devendo atuar de modo oposto sendo um realizador, prestador, garantidor, e criador de liberdades. Tal caracterização leva a concluir que o Estado Democrático de Direito não somen-te favorece a atuação positiva estatal consissomen-tensomen-te em regulamentar e assegurar a liberdade religiosa, mas cabe também a ele propiciar ao indivíduo a possibili-dade de praticar sua fé.

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 23-50, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p23-50

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A TRANSFUSÃO DE SANGUE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: LIBERDADE RELIGIOSA E FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA AS DECISÕES JUDICIAIS

Conceituação de liberdade religiosa

Segundo Ponte de Miranda (1979, p. 89), a liberdade na área religiosa e de crenças é tão fundamental que, na opinião de Georg Jellinek, a liberdade de re-ligião, que nasceu nas colônias anglo-americanas, teria sido a verdadeira causa da declaração dos direitos do homem (ONU, 1948).4

E na ordem jurídica brasileira, tal perspectiva fica clara já no preâmbulo do texto constitucional, quando a proteção de Deus5 é invocada na promulgação da

Constituição de 1988, fato que demonstra a compreensão da fundamentalidade do elemento religioso à vida humana. Tal assertiva preambular, todavia, não desqualifica a laicidade estatal anunciada no artigo 19 do texto constitucional, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.6

Para Martel (2007, p. 13), a liberdade religiosa é o “direito, que envolve o de crer e o de não crer, de manifestar o credo (culto) e de formar grupamentos religiosos”. Ou seja, seria a livre disposição dos seres humanos em crerem ou não em algo, não sendo obrigados a seguirem os paradigmas impostos pelo meio social que estejam inseridos.

A Constituição Federal garante que, independentemente de credo religioso ou até mesmo da falta dele, isso não será motivo para tratamento diferenciado entre os brasileiros, como vemos em seus artigos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi-lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (BRASIL, 1988, p. 13).

4 Disponível em: <https://bit.ly/1CVqinH>. Acesso em: 17 mai. 2015.

5 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e in-dividuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚ-BLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (BRASIL, 1988, ênfase acrescentada).

6 “Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força norma-tiva” [ADI 2.076, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-8-2002, P, DJ de 8-8-2003].

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No entendimento de Weingartner Neto (2007, p. 85), a Constituição bra-sileira trata a liberdade religiosa como um direito fundamental, que é abor-dado em diversos dispositivos capazes de abranger e acolher a multiplicidade de religiões do Brasil com flexibilidade ao fundamentalismo-crença e inibir o fundamentalismo-militante. No mesmo sentido, porém de modo mais incisivo, Miranda (2000, p. 409) afirma que:

A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Con-siste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir de-terminada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres.

Ao lado da liberdade religiosa, o texto constitucional apresenta caracterís-ticas de um estado laico, o qual não prejudica nem privilegia nenhuma repre-sentação religiosa, ainda que minoritária, nos termos do artigo 19, inciso I.7

Como decorrência natural de tal proteção, surgem situações em que o Estado, não obstante reconhecer a inviolabilidade da liberdade de consciência, “impõe conduta ao indivíduo que desafia o sistema de vida que as suas

con-vicções construíram” (MENDES; BRANCO, 2009, p. 313), ocasião que se abre espaço para os efeitos da objeção de consciência, nos termos do artigo 5º, inciso VIII da Constituição:

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obriga-ção legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestaobriga-ção alternativa, fixada em lei; (BRASIL, 1988, p. 13).

Objetar ou escusar significa, portanto, recusar-se a fazer algo. A expressão objeção (ou escusa) de consciência tem sido aplicada aos casos em que o indi-víduo, por alguma convicção essencial do seu próprio ser, recusa-se a praticar ou aceitar determinado ato por ofender convicção íntima protegida constitu-cionalmente, de modo que o Estado deverá oferecer prestações alternativas em determinados casos para que a igualdade de tratamento não seja prejudicada.

7 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na for-ma da lei, a colaboração de interesse público; (BRASIL, 1988, p. 25).

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 23-50, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p23-50

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A TRANSFUSÃO DE SANGUE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: LIBERDADE RELIGIOSA E FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA AS DECISÕES JUDICIAIS

A objeção de consciência é um dos fenômenos mais interessantes do direi-to e a escusa às transfusões de sangue é um dos temas mais instigantes, pois o grande desafio é garantir o direito do objetor de consciência a cuidados médicos de qualidade, mas que, por outro lado, sejam empregados tratamentos que pre-servem seu direito à vida sem violar a sua liberdade de consciência e de crença. O Estado, sendo laico como o Brasil, não deve embaraçar ou criar empecilhos ao exercício ou prática de qualquer fé ou crença.

Quem são as testemunhas de Jeová?

O grupo religioso conhecido como “Testemunhas de Jeová” teve sua ori-gem nos Estados Unidos da América, na década de 1870,8 e teve como seu

prin-cipal promotor Charles Taze Russel que foi sucedido após sua morte em 1916 por Joseph F. Rutherford.9

Testemunhas de Jeová é um nome descritivo, indicando que dão testemu-nho a respeito de Jeová, usando como referência o relato bíblico apresentado no livro de Isaías 43:10:10

Vocês são as minhas testemunhas, diz Jeová, Sim, meu servo a quem es-colhi, para que vocês me conheçam e tenham fé em mim, e entendam que eu sou o mesmo. Antes de mim não foi formado nenhum Deus e depois de mim continuou a não haver nenhum.

A sede mundial das Testemunhas de Jeová tem sua localização nos Es-tados Unidos da América e, através da Sociedade Torre de Vigia, a instituição responsável por confeccionar todo material de estudo como bíblias, livros, fo-lhetos, revistas e tratados acerca das doutrinas e ensinos, os fiéis distribuem gra-tuitamente para a população em diferentes países tudo em suas línguas locais.

Suas revistas mais conhecidas são Despertai e Sentinela,11 ambas com

tira-gem mensal, e distribuição gratuita nas visitas realizadas pelos seus membros. Tais práticas de visitação certamente viabilizam crescimento em número de membros e, consequentemente, o investimento em treinamentos para os an-ciãos congregacionais, responsáveis pelas congregações locais, são constantes a

8 Disponível em: <https://bit.ly/2wQUHbS>. Acesso em: 20 ago. 2015.

9 Rutherford faleceu em 1942 e assumiu então N.H. Knorr, que dividiu as responsabilidades administrativas a diversas comissões pouco antes de seu falecimento em 1977.

10 Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada. Watchtower Bible and Tract Society of New York. Isaías 43: 10-11. Edição de outubro de 2014.

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Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

fim de manter um padrão comum a seus associados (termo que utilizam para se identificar).

Atualmente, a denominação religiosa possui adeptos espalhados pelo mundo, que atualmente somam pouco mais de seis milhões de seguidores dis-tribuídos em quase cento e vinte mil congregações, em mais de 230 países.12

Sua doutrina está apresentada nas obras Estudos das Escrituras e Tradução do

Novo Mundo das Escrituras, sendo esta última uma versão da bíblia escrita pela

própria instituição.

O Brasil possui relevante presença dessa confissão religiosa em seu terri-tório. De acordo com dados do último censo demográfico realizado no Brasil, existem 1.393.208 Testemunhas de Jeová em território nacional, que se distri-buem em 11.802 congregações (IBGE, 2012).13 Vale ressaltar que tais números

se tornam significativos, tendo em vista que tal confissão religiosa chegou ao Brasil em 1922, pouco mais de meio século após a fundação nos Estados Unidos da América. Tais números colocam o Brasil como terceiro país do mundo em número de adeptos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América e do México.14

Importante observar que este grupo religioso, embora se autodeclare cris-tão, possui algumas crenças e práticas peculiares. Dentre as crenças mais desta-cadas, chama a atenção a restrição a que os membros se submetam a tratamen-tos que envolvam transfusão de sangue.

A crença sobre a transfusão de sangue

O ser humano é um complexo de alguns sistemas que se correlacionam en-tre si, proporcionando ao corpo humano intensos processos onde a vida acon-tece. Nesse ínterim, o sistema circulatório é responsável por irrigar todos os órgãos com o sangue, mantendo a “máquina” em funcionamento.

Ao tramitar pelo sistema circulatório, o sangue faz a liberação de nutrien-tes, dentre eles está o oxigênio, que além de levar nutrientes para as células, capta as substâncias tóxicas do organismo. “O sangue recebe os alimentos já assimilados e os transporta para as células. Recolhe também todos os resíduos

12 Disponível em: <https://bit.ly/2zUXDtz>. Acesso em: 23 ago. 2015.

13 Censo Demográfico 2010 – características gerais da população. Resultados da amostra. Dis-ponível em: <https://bit.ly/2wuqyyp>. Acesso em: 10 set. 2015.

14 Esse crescimento persiste. Segundo dados da denominação religiosa, em 2015, foram incor-porados 28.349 novos membros no Brasil, por meio do batismo. Disponível em: <https://bit. ly/2LawTdD>. Acesso em: 13 set. 2015.

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Acta Científica. Ciências Humanas, Engenheiro Coelho, SP, p. 23-50, 1º semestre de 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.19141/1519-9800.actacientifica.v25.n1.p23-50

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A TRANSFUSÃO DE SANGUE E AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: LIBERDADE RELIGIOSA E FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA AS DECISÕES JUDICIAIS

que se formam nos órgãos e os leva até os rins para serem eliminados através da urina” (USP, 2005).15

Precipuamente, o sistema circulatório se faz de sangue que circula nos vasos sanguíneos ejetados pelo coração, sendo constituído dos seguintes ele-mentos: “uma fase sólida, que compreende os elementos celulares, e uma fase líquida, que corresponde ao plasma. Os elementos celulares do sangue são as hemácias, os leucócitos e as plaquetas” (USP, 2005).

Nesse sentido, o procedimento de transfusão sanguínea pode ser traduzido como a introdução de sangue no corpo humano por meio de uma veia. Durante o processo, o paciente transfundido poderá receber todos os componentes do sangue ou apenas parte dele. Para exemplificar: glóbulos vermelhos, hemácias, plaquetas, leucócitos, fatores de coagulação ou plasma fresco congelado.

Com o intuito de restabelecer ou estabilizar o quadro clínico do paciente, a transfusão de sangue se faz necessária por diversos motivos, como perda ma-ciça de sangue em uma hemorragia, em cirurgias, traumatismos e hemorragias digestivas, ou em outras condições, como na hemofilia (USP, 2005).

Quanto à transfusão de sangue, como já indicado, uma das mais destacadas doutrinas das Testemunhas de Jeová é a proibição de se receber transfusão de san-gue total, de papas de hemácias e de plasma, bem como de leucócitos e plaquetas. Cabe aqui ressalvar que a proibição não é absoluta, pois alguns compo-nentes como albumina, imunoglobulinas e preparados hemofílicos podem ser transfundidos, cabendo nesses casos a cada Testemunha decidir individual-mente se deve ou não os aceitar.16 Porém, é vedado ao membro do grupo

religio-so que estoque o seu próprio sangue para, então, alguns dias depois, submeter--se à cirurgia eletiva.

Tais crenças se baseiam no fato de que, de acordo com essa compreensão religiosa, a vida do ser humano estaria no sangue, logo ela não poderá ser re-passada. Desse modo, caso isso aconteça, as Testemunhas de Jeová estariam em desobediência quanto ao mandamento de amar a Deus com toda a alma (Mt 22:37) e isso as impediria de herdar a terra transformada em paraíso, segundo as crenças do grupo religioso.

Segundo informações da própria denominação, algumas passagens bíbli-cas são consideradas como fundamento para a proibição de transfusão de san-gue por parte de seus membros, sendo a primeira delas encontrada no livro do Gênesis, onde afirma que “Todo animal movente que está vivo pode servi-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo. Somente a carne com a sua alma – seu sangue- não deveis comer” (Gn 9:3-4).

15 Disponível em: <https://bit.ly/2ND11et>. Acesso em: 06 set. 2015. 16 Disponível em: <https://bit.ly/2NDZ01A>. Acesso em: 06 set. 2015.

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