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Palavras Chave: Fugas Fronteira Capitão- do -Mato Tratado de Devolução de Escravos.

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Em busca da posse cativa: o Tratado de Devolução de Escravos entre a República Oriental do

Uruguai e o Império brasileiro a partir de uma relação nominal de escravos fugidos da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (1851)

Jônatas Marques Caratti Mestrando do PPG em História da UNISINOS (Bolsista CNPq) Resumo: É sabido da existência de cinco tratados firmados entre o Império brasileiro e a República Oriental do Uruguai em 1851, ao fim da Guerra Grande, conflito político-militar entre blancos e colorados. Um desses tratados referia-se ao reconhecimento pelas autoridades uruguaias da devolução de escravos que haviam fugido de senhores rio-grandenses desde o início da Guerra Farroupilha para o além-fronteira em busca da liberdade. Essa situação levou muitos capitães- do-mato e militares rio-grandenses a adentrar o Uruguai em busca desses cativos, através de pagamentos combinados com os próprios senhores, caso a propriedade fosse recuperada. Minha proposta é entender os diversos elementos em torno dessa prática – apreensão de escravos fugidos - e tentar inseri-la nos conflitos políticos entre a República Oriental do Uruguai e o Império brasileiro, especificamente na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Buscar-se-á, também, traçar um perfil dos cativos fugidos, a partir do relatório anexado ao processo, que contém cerca de 270 escravos listados, compreendendo suas diversas características, como cor, idade, altura, corpo, ofício, naturalidade e sinais.

Palavras – Chave: Fugas – Fronteira – Capitão- do -Mato – Tratado de Devolução de Escravos.

Para início de conversa...

Se existe dentro das relações entre Escravidão e Fronteira um tema conhecido de forma geral pela historiografia, esse tema são as fugas de escravos rio-grandenses para as terras da República Oriental do Uruguai. Tais fugas estão no imaginário social de forma muito presente, parte pela vinculação entre essas e as formações de quilombos, parte como forma de obtenção da liberdade através da ultrapassagem pela fronteira. Contudo, numa região específica de fronteira, essas fugas tomam significados muito próprios. Elas não ocorriam sem objetivos, nem eram escolhas influenciadas somente pela violência do sistema. As fugas para o além-fronteira, conforme demonstraram os estudos de Silmei Sant'Ana Petiz, tinham por finalidade a obtenção da liberdade, e, por que não, dar um novo rumo à difícil vida de cativo, que dali em diante seria mediada pela liberdade.1

Este artigo tem como objetivo abordar o tema das fugas, porém mais especificamente analisar como os senhores escravistas buscaram seus cativos fugidos após o Tratado de Devolução de Escravos de 1851. Esse Tratado foi assinado entre o Brasil e o Uruguai e pode ser considerado como uma forma de o Império ingerir na economia e na política republicanas. Em outras palavras, segundo Kuhn, foi um tratado desonesto, que apenas prejudicou o Uruguai e privilegiou os

1 PETIZ, 2006, p. 136.

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interesses brasileiros na sua antiga província Cisplatina.2

Ao fazer uma breve revisão historiográfica sobre o tema, algumas questões ficaram sem respostas. Diversos agentes, como por exemplo os capitães-do-mato, foram tidos como sujeitos conhecidos, já tomados de forma, sendo que muitos desses indivíduos não foram caracterizados de forma aprofundada pela historiografia, permanecendo a imagem do agarrador de escravos, galopando pelas matas e estâncias, como representou Rugendas em suas pinturas.3 Mas quem era esse indivíduo? O que o levou a essa atividade? O pagamento valia os infortúnios, as chuvas, e a resistência dos próprios cativos?

Além dessa questão, que por si só já nos permite um bom tempo de conversa, as fugas de que tratamos neste artigo são planejadas e realizadas em meados do século XIX, época em que o Uruguai vive um período de instabilidade política, e o Brasil expande suas fronteiras para o lado

castelhano. As fugas, então, tomam um contexto específico, e por isso mesmo é que o Tratado de

Devolução de Escravos foi formulado. As multidões de escravos de senhores rio-grandenses que viveram como libertos no Uruguai foram reconhecidas pelo governo uruguaio ainda como propriedade cativa de seus senhores. Isso levou o governo republicano a permitir a recuperação da posse perdida, deixando os senhores brasileiros de escravos à vontade para contratar capitães-do-mato com o fim de realizar tal empreitada.

O que queremos compreender é como funcionou essa “busca pela posse cativa”. De que forma os senhores escravistas foram atrás de seus preciosos e valiosos cativos? Alguém os representava? De que maneira os cativos eram encontrados no Uruguai? Qual o perfil dos cativos fugidos? O Tratado de Devolução de Escravos foi cumprido à risca, uma vez que autorizava somente a captura de escravos fugidos a partir de 1851? De fato, temos muito papo pela frente. Então é melhor nos apressarmos e começarmos logo a história.

Manoel Marques Noronha: experiências de um capitão do mato na fronteira rio-grandense Esta história poderia começar de muitas formas, mas vamos nos concentrar em apenas uma delas. Manoel Marques Noronha, em um dos processos em que foi julgado pelo crime de escravização ilegal de uma crioula livre, afirmou trabalhar como lavrador. Alguns meses depois, ainda nesse processo, o inquiridor lhe fez a mesma pergunta, tendo na resposta de Manoel Noronha

2 KUHN, 2002, p. 86.

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outro ofício: Capitão da Guarda Nacional. Finalmente, na última qualificação de Noronha, descrita pelo escrivão, ele ainda disse à Justiça ser “agarrador de negros fugidos”. Manoel Marques Noronha acabou sendo absolvido pelo Cartório Júri, mas suas variadas atividades nos deixaram um problema.

Durante os meses em que permaneceu preso em Pelotas, Manoel, que era morador em Jaguarão, na fronteira sul do Império brasileiro, disse estar envolvido em diversas atividades. Em nenhum momento ele negou essas três ocupações, mas ocultou, enquanto pôde, que “agarrava negros fugidos”. Como lavrador, Manoel Noronha não teria nenhum envolvimento no crime do qual era acusado. Quando precisou, usou seus títulos militares para tentar se sobrepor ao Juiz. E, finalmente, depois de inúmeras testemunhas terem afirmado que ele apreendia escravos que haviam fugidos de seus senhores rio-grandenses, Noronha não teve saída. Foi nesse momento, frente a seu desmascaramento, que ele apresentou ao Tribunal do Júri de Pelotas uma lista com informações a respeito de 266 escravos fugidos: seus senhores, nomes, idades, cores, naturalidades, ofícios, estaturas e sinais.

Essa lista extremamente interessante mostra empiricamente o interesse dos senhores de escravos rio-grandenses em recuperar sua posse cativa perdida para o além-fronteira, dado um pouco diferente do que a historiografia até o presente nos trouxe. Não teria sentido para um senhor recuperar um escravo fugido, pois para trazê-lo ele despenderia mais recursos do que o mesmo valia. Além disso, para muitos senhores, havia dúvidas quanto ao sucesso da apreensão, uma vez que, se o capitão-do-mato não encontrasse o escravo, teriam que pagar suas despesas de igual modo.

A lista apresentada como prova por Manoel Marques Noronha à Justiça, numa tentativa de escapulir da cadeia, vai ao encontro do que dizia explicitamente o Tratado de Devolução de Escravos (1851), artigo 6° e seus incisos:

6° El Gobierno de la República Oriental del Uruguay reconece el principio de la devolución respecto a los esclavos pertenecientes a súbtidos brasileiros, que contra la voluntad de sus Señores, fueren de cualquier manera al territorio de la dicha República, y allí se hallaren. Se observarán em devolución las seguientes reglas:

1° - Los referidos esclavos serán reclamados o directamente por el Gobierno Imperial, o por medio de su Representante em la República.

2° - Se admite que la reclamación pueda ser hecha por el Presidente de la Provincia de San Pedro de Rio Grande del Sur, en el caso en que el esclavo o esclavos pertenezcan a súbditos brasileiros residentes o establecidos en la miesma Provincia.

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3° - Se admite igualmente que la reclamación pueda se hecha por el Señor del esclavo y ante la autoridad del lugar en que él estuviere, cuando el Senõr del esclavo entrase en su seguimiento para capturarlo, al territorio Oriental, o cuando mande también en su seguimiento un agente especialmente autorizado para el dicho fin.

4° - La reclamación de que se trata deberá ser acompañada de título o documento que, según las leys del Brasil, sirva para probar la propriedad que se reclama.

5° - Los gastos que se hicieren para la aprehensión y devolución del esclavo o esclavos reclamados, correrán por cuenta del reclamante.4

Um primeiro elemento importante desse Tratado é que o governo uruguaio só se responsabilizaria em devolver os escravos que tivessem fugido “contra la voluntad de sus Señores”. Isso porque havia um costume entre os senhores de escravos rio-grandenses de mandar seus cativos para estâncias de suas propriedades do outro lado da fronteira. Isso era ilegal, já que a Republica Oriental do Uruguai havia decretado o fim da escravidão entre os anos de 1842 e 1846.

Esse elemento fica mais claro no inciso 2° do artigo 6° do decreto, o qual afirma que a reclamação de escravos fugidos só poderia ser feita por “súbditos brasileiros residentes o estabelecidos en la miesma Provincia”. Assim, os gaúchos que moravam definitivamente ou temporariamente no Uruguai não podiam reclamar ao governo uruguaio as fugas de seus escravos, já que eles mesmos, na prática, nem deveriam morar lá. Só seriam considerados escravos fugidos aqueles que tivessem ultrapassado a “linha demarcatória” e passado para o Uruguai.

Outro elemento importante está citado no inciso 3° do artigo 6°, no qual se autoriza que o senhor do cativo ou “un agente especialmente autorizado” pudesse recuperar o escravo, indo até o Uruguai buscá-lo. Aqui entra o papel do tão conhecido capitão-do-mato, que seria pago pelo senhor do escravo para agarrá-lo e trazê-lo novamente à sua estância, charqueada, ou até mesmo a regiões urbanas. Os incisos finais do artigo 6° explicam que todas as despesas para recuperar a posse serão pagas pelo senhor do cativo, assim retirando a responsabilidade do governo de qualquer apoio à propriedade privada.

Foi esse artigo 6° do Tratado de Devolução de Escravos que levou Manoel Marques Noronha ao Uruguai. Aliás, não era a primeira vez que ia a terras orientais. Noronha, enquanto Capitão da Guarda Nacional, esteve diversas vezes em Montevidéu e lutou a favor do apoio

4 Tivemos acesso a esta documentação por meio da dissertação de mestrado de Eliane Zabiela. Tratados celebrados em 12 de 10 de 1851. Tratados y convenios internacionales: Secretaria del Senado, documentación y antecedentes legislativos: registro alfabético por materias e indices. Montevideo: República Oriental del Uruguay, Cámara de Senadores, 1993. Tomo I, p.36. Conteúdo: Suscritos por el Uruguay em el período mayo de 1830 a diciembre de 1870,

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imperial com bravura. Talvez seja por isso que Manoel Marques Noronha recebeu tão grande incumbência. É possível que não houvesse homem melhor do que ele, conhecedor da região, experiente (ele contava 55 anos no ano do processo de 1854) e bem relacionado com os militares de ambos os lados da fronteira.

Documentos mil: perfil dos escravos fugidos em duas fontes primárias

Nossa primeira preocupação referente à relação de escravos fugidos encontrada foi a de identificar se os mesmos já haviam sido listados por Silmei Petiz. Petiz encontrou 944 registros de fugas de escravos no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS), no Fundo Polícia, a partir de cartas enviadas pelos senhores às delegacias. Municípios como Rio Grande, Pelotas, Rio Pardo e São José do Norte enviaram diversas correspondências às autoridades, informando a perda de seus escravos. Foi então que se produziram diversas listas de cativos fugidos nos anos de 1848 e 1849.

Não foi a nossa surpresa quando percebemos que, dos 266 escravos incluídos na relação que Manoel Marques Noronha entregou à Justiça, 262 deles não estavam listados por Silmei Petiz. Apenas quatro escravos constavam nas duas listas: Francisco, 60 anos, Cabinda, escravo de Ana Joaquina Dutra Martins; Zeferino, 24 anos, Crioulo, escravo do Coronel Procópio Gomes de Melo; Antônio, 30 anos, Crioulo, escravo do Visconde de Jagoari e Francisco, 60 anos, Mina, escravo de Francisco de Paula Silveira.5

Precisamos atentar, neste momento, às duas fontes que temos em mãos. A primeira, que se encontra no AHRS e que foi a base da dissertação de mestrado de Silmei Petiz, é um conjunto de listas escritas entre 1848 e 1849, de diversos municípios, já citados acima. Essas listagens foram produzidas pelos delegados de polícia, conforme tomavam conhecimento das fugas, anunciadas pelos senhores.

A segunda fonte, “a relação de escravos fugidos da província do Rio Grande”, anexada a um processo criminal que está subsidiado no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), foi produzida em 1852 por Manoel Marques Noronha, que ao seu cargo anotou outras fugas que ocorreram naquela época.

Algumas palavras de Noronha nos fazem compreender tal ato:

Foi este motivo porque me apresentei ao Chefe Político do Serro Largo, para ver se dava licença para agarrar naquele departamento os escravos que encontrasse e

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estivessem naquela lista; o tal Chefe Político no que viu esta lista, me respondeu que era muita negrada, que o melhor é que eu esperasse o Chefe Político que era o Coronel Manoel Aleman, que tinha ido para Montevidéu entender-se com o Governo mesmo acerca destes escravos. Esperei doze dias, vim a Jaguarão a levar mais cartas de ordens e no que voltei fui logo a casa do tal Bresques a saber se havia já alguma ordem para entregar os escravos dos brasileiros: ao que me respondeu que fazia três dias que tinha chegado um decreto do Governo em que se ordenava que só entregariam os escravos que tivessem fugidos de 4 de Setembro de 1851 em diante.6

Esse foi apenas um pedaço extraído da carta que Manoel Marques Noronha escreveu ao Júri de Pelotas no dia 17 de Agosto de 1854. Já se haviam passado alguns anos desde o evento, mas Noronha lembrou de detalhes importantes que podem nos sugerir algumas hipóteses. Tentando explicar que suas atividades eram autorizadas pelos delegados de polícia das cidades em que passava, o Capitão da Guarda Nacional revelou que estava profundamente envolvido com o resgate dos “escravos dos brasileiros”.

A lista não impressionou somente a nós, quando tivemos o primeiro contato, no verão de 2007. Nos idos de 1851, ano do próprio Tratado de Devolução de Escravos, o Chefe Político se surpreendeu com tamanho número de escravos brasileiros que viviam no Estado Oriental do Uruguai. Somando os registros encontrados por Silmei a esses apresentados, o número de fugas documentadas passa de 944 para 1206, e é possível que muitas mais tenham ocorrido.7

Mas parece que, o Tratado de Devolução não agradou muito a Noronha e a outros tantos brasileiros. Apesar de não sabermos exatamente quantos escravos fugiram antes e depois de 1851, é bem provável que o número de fugas anteriores a essa data fosse superior. Em alguns casos, o escravo ficava tanto tempo fugido, que restava aos herdeiros do finado senhor irem à sua procura.

Sabemos de algumas histórias, como a do crioulo Luciano, que fugiu em 1852, dando garantia ao seu senhor, o Coronel Tomas José de Campos, de recuperá-lo segundo o estipulado no Tratado. Não com a mesma sorte, Faustino Correia viu seu escravo africano João fugir em 1832, não sabendo notícias suas até 1851, quando passou seu nome a Noronha. De acordo com o Tratado, Correia não teria direitos de buscar seu escravo no Uruguai, mesmo com pistas de seu paradeiro.

Infelizmente, as listas eram limitadas e algumas informações jamais saberemos. Por exemplo, se a fonte apresentasse, de forma regular, o tempo da fuga dos escravos, saberíamos quantos deles fugiram antes e depois de 1851, como falamos anteriormente. Dos 266 indivíduos

6 APERS, Processo-Crime, Cartório Júri, Pelotas, Processo 442, 1854.

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listados na relação de escravos fugidos da província do Rio Grande (APERS), apenas em 11,2% dos casos há informação sobre o período que permaneceram desaparecidos. Esse é um índice muito baixo para podermos inferir com alguma propriedade; no entanto, ele nos diz algo importante.

Normalmente, a Guerra dos Farrapos é considerada como um evento que permitiu a fuga de escravos em massa. A desorganização da administração e as fronteiras mal vigiadas em tempo de guerra são alguns dos motivos que permitiram que escravos se engajassem nesse projeto. No entanto, o quadro abaixo mostra o seguinte:

Tabela 1

Anos que os escravos fugiram conforme a Relação de 1852 Ano N° Escravos Ano N° Escravos

1830 1 1843 2 1834 1 1844 3 1836 1 1845 3 1837 1 1846 2 1838 1 1848 1 1839 2 1849 1 1841 4 1851 2 1842 2 1852 3

Fonte: APERS, Processo-Crime, Cartório Júri, Pelotas, Processo 442, 1854.

Não estamos levando em conta, aqui, a lista de Silmei Petiz, pois como este trabalha com documentos que vão até 1849, consideramos que todos os 944 registros são anteriores ao Tratado de Devolução de Escravos Fugidos de 1851. O que nos interessa, nessa tabela, é justamente mostrar novas evidências de fugas de escravos, que não compunham a lista de Petiz.

Cerca de 30% desses escravos não fugiram durante o período da Guerra Farroupilha. Isso significa que havia outras motivações e interesses, que ultrapassavam as hipóteses já apresentadas. Apesar de a maioria das fugas desse documento terem ocorrido entre 1835 e 1845 (70%), não podemos descartar as demais, uma vez que as experiências de fugas entre os escravos foram variadas.

Outra questão levantada são os números de escravos que cada senhor perdia em fuga. Alguns tiveram o azar de perder praticamente todo o plantel numa fuga coletiva para o Estado Oriental do Uruguai. Outros escravos, de maneira mais espontânea, fugiram sozinhos. De acordo

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com a Tabela 2, a maior parte dos senhores perdeu apenas um cativo. Tabela 2

Número de escravos fugidos de um mesmo senhor

Senhores % Escravos % 1 123 78,3 123 46,2 2 16 10,1 32 12 3 10 6,3 30 11,2 4 4 2,5 16 6 6 1 0,6 6 2,2 8 1 0,6 8 3 9 1 0,6 9 3,3 10 1 0,6 10 3,7 14 1 0,6 14 5,2 18 1 0,6 18 6,7 Total 157 100 266 100

Fonte: APERS, Processo-Crime, Cartório Júri, Pelotas, Processo 442, 1854.

Isso demonstra que a fuga individual foi mais freqüente que a coletiva. Silmei Petiz verificou em seus dados que, das 944 fugas de sua pesquisa, 541 (57,3%) foram feitas de maneira espontânea e individual e 403 (42,6%) foram acompanhados por um ou mais escravos. A soma em percentagem das fugas coletivas em nossas pesquisas ficou em torno de 20%. É possível que vejamos esses dados de forma complementar, pois se tratam de fugas ocorridas praticamente no mesmo período.

No que se refere ao sexo dos senhores e dos escravos, as aproximações com os dados de Petiz são maiores. A superioridade masculina de escravos fugidos apareceu de forma empírica nas duas listas. Dos 157 senhores que avisaram sobre a fuga de seus escravos, 138 (87,8%) deles eram homens e somente 19 (12,2%), mulheres. Os dados se repetem na variável sexo dos escravos, na qual, dos 266 cativos listados, 239 (89,8) eram homens e 24 (9%), mulheres.8 Essas informações vão ao encontro de sensos, registros paroquiais e guias de entrada de escravos, que demonstram a predominância de escravos de sexo masculino nos plantéis9 na primeira metade do século XIX.

8 Dos 944 escravos fugidos, Silmei Petiz encontrou 894 homens (94,7%) e 50 mulheres (5,2%). PETIZ, 2006, p. 110. 9 BERUTE, 2006, p. 56.

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Tabela 3

Sexo de senhores e escravos

Sexo Senhores % Sexo Escravos %

M 138 87,8 M 239 89,8

F 19 12,2 F 24 9

Total 157 100 266 100

Fonte: APERS, Processo-Crime, Cartório Júri, Pelotas, Processo 442, 1854.

Na Tabela 4 é possível verificar a cor dos escravos fugidos. A maior parte deles eram negros, o que não significa afirmar que eram somente africanos. Encontramos nos registros uma expressão maior da cor negra para africanos, mas também identificamos crioulos designados assim. No entanto, os pretos todos eram africanos, de nações variadas, como Benguela (África Central-Atlântica), Nagô (África Ocidental), Congo e Angola (África Central-Atlântica).10 Os pardos e

cabras foram encontrados sempre como Crioulos, ou seja, nascidos no Brasil. Alguns pardos ainda

foram apresentados mais especificamente como da “Bahia” ou “Pernambuco”.

Tabela 4 Cor dos escravos

Cor % Negra 201 75,3 Mulata 33 12,5 Parda 12 4,5 Preta 10 3,7 Fula 5 1,8 Cabra 5 1,8 Total 266 100

Fonte: APERS, Processo-Crime, Cartório Júri, Pelotas, Processo 442, 1854.

Os mulatos, por sua vez, foram verificados de forma mista: na maioria dos casos, eles eram crioulos, mas em três casos foram encontrados como “Nação” ou “Cabinda”. Conforme Gabriel

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Aladrén, “a historiografia já observou que os designativos de cor, no Brasil escravista, estão relacionados não apenas com o fenótipo, mas também com a condição social de quem era assim identificado”.11 Portanto, não podemos deixar de levar em consideração esse excerto para pensar a questão da designação de cor. No entanto, no momento em que os senhores procuravam seus escravos fugidos, talvez tenham se valido principalmente dos próprios fenótipos, já que o objetivo de designá-los “pretos”, “pardos”, “fulas” e “mulatos” iria ajudar de forma significativa na captura.

Tabela 5

Nacionalidade dos escravos fugidos

Nacionalidade % Crioula 128 48,1 Bahia 25 Pernambuco 9 Rio de Janeiro 5 Ceará 2

Rio Grande do Sul 2

São Paulo 1 Santos 1 Porto Alegre 2 Pedras Altas 1 Campos 1 Pernanguá 1 Africana 127 47,7 Nação 25 Benguela 22 Cabinda 14 Mina 12 Congo 11 Moçambique 11 Nagô 7 Angola 6 Rebola 5 Cabo Verde 4 11 ALADRÉN, 2008, p. 112.

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Monjolo 3 Cassange 2 São Tomé 2 Carabá 1 Ojá 1 Camaeuam 1 Castelhana 1 0,3 Não Informa 10 Total 266 100

Fonte: APERS, Processo-Crime, Cartório Júri, Pelotas, Processo 442, 1854.

A longa Tabela 5 mostra a nacionalidade dos escravos conforme a Relação de Cativos Fugidos, que é a fonte base deste artigo. Nas pesquisas de Silmei Petiz, 52,5% dos escravos que fugiram para o além-fronteira eram africanos. No entanto, 22,3% dos escravos não puderam ter sua nacionalidade identificada, e somente 24,7% nasceram no Brasil. Em nossos dados não houve uma diferença importante entre Africanos (47,7%) e Crioulos (48,1%). O fato é que tivemos sorte, pois identificamos a nacionalidade de 256 escravos listados na relação, com apenas dez não informados. Com essas evidências, talvez se possa pensar que tanto escravos crioulos como africanos tiveram por plano, de forma aproximada, a fuga para a obtenção da liberdade em terras castelhanas.

O que se buscou nesta parte do artigo foi apresentar o perfil dos escravos fugidos, dialogando com os resultados de pesquisa de Silmei Petiz. Muitas outras variáveis poderiam ser possíveis de análise, como a idade, a estatura, os sinais etc. No entanto, nosso foco maior é a busca da posse cativa, tema que pretendemos trazer de forma mais clara a partir de agora.

Em busca da posse cativa: a africana Joaquina Maria

Manoel Marques Noronha, durante suas idas e vindas pela fronteira, acabou conhecendo Maria Duarte Nobre, moradora de Jaguarão. Essa cidade havia sido fundada para proteger as fronteiras da Coroa portuguesa contra os espanhóis. Sua população, em 1833, era de 5.457 almas, sendo que 2.720 desses habitantes eram brancos (homens e mulheres; estrangeiros e nacionais) e 2.531 pretos (homens e mulheres; escravos e livres).12 Maria Nobre procurava havia muitos anos

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uma escrava africana de nome Joaquina, que havia fugido em 1843 para o Estado Oriental do Uruguai.

Foi assim que se deu o negócio: Maria Duarte Nobre detalhou as características de sua escrava fugida, com boas promessas de recompensa, e Manoel Marques Noronha se encaminhou ao Uruguai mais uma vez. Não sabemos se essa história ocorreu no meio-tempo em que Noronha havia voltado do Uruguai à espera de uma confirmação para agarrar os escravos dos brasileiros. De qualquer forma, indica uma rede de contato importante entre militares e civis para a busca de escravos fugidos.

O fato é que Joaquina Maria, escrava de Maria Duarte Nobre, havia fugido muitos anos antes do Tratado de Devolução de Escravos, que naquela época estava a ser firmado. Mesmo assim, Noronha foi a cavalo a Serro Largo em busca de sua “encomenda” viva. Como a fronteira era um espaço dinâmico e cosmopolita, Manoel Noronha tratou de conseguir pistas sobre o paradeiro de Joaquina. E encontrou. Dois indivíduos, sobre os quais sabemos apenas que eram “espanhóis”, indicaram a Noronha um rancho nas imediações de Melo, onde vivia uma escrava fugida.

Manoel Marques Noronha, acompanhado por outros três homens fardados e armados, entrou na dita casa, onde encontrou uma africana com as mesmas características de Joaquina. Mas segundo os relatos do próprio Noronha, “ela não queria confessar” que era a escrava procurada. Foi por isso que Noronha, ao ver que a mesma tinha uma cria, agarrou a menina e a trouxe consigo, para desespero de Joaquina Maria e de Joaquim Antônio, africano com quem ela havia contraído matrimônio dois anos antes. Frente a tal acontecimento, Joaquina resolveu confessar e explicar que estava guardando dinheiro para oferecer à sua senhora em troca de sua alforria.

Isso, porém, não foi o bastante. Diante de uma guarda bem armada e uma coluna comandada pelo Barão do Jacuí nos arredores de seu rancho, os africanos Joaquina e Joaquim nada puderam fazer para evitar que sua filha Faustina fosse levada por Manoel Noronha. Ao chegar a Jaguarão, Noronha foi ao encontro de Maria Duarte Nobre, mas não conseguindo contatar com a mesma, soube por um sobrinho seu que não havia interesse da parte de Maria em ficar com Faustina. Foi então que Noronha ofereceu 200 patacões em prata pela “preta menor”, e por suas despesas pela apreensão, acabou comprando-a por 150 patacões, o equivalente a 350$ e 400$ (Moeda Nacional do Império).

Faustina acabou sendo vendida diversas vezes entre os anos de 1852 e 1853. O Capitão Noronha permaneceu pouco tempo com ela, o que dá a entender que o mesmo a comprou para

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negócio. Já seus outros senhores, Henrique Hockmann (Ferreiro) e José Maria Pinheiro (Capitão) a mantiveram por mais tempo em sua posse.

Foi somente em 1854, por meio de um bilhete anônimo vindo de Pelotas, que o africano Joaquim Antônio soube notícias de sua filha Faustina. Ao se iniciarem as investigações, Manoel Noronha foi indiciado como réu e, na tentativa de sair livre das punições da Justiça, ele entregou a dita lista, que se tornou peça importante tanto para a defesa do réu, em meados do século XIX, como para nossa defesa, no ano de 2009.

Maria Duarte Nobre não conseguiu buscar sua escrava no Estado Oriental do Uruguai. Nas duas vezes em que tentou recuperá-la, entrou em apuros, sendo que, na segunda vez, quase parou na cadeia por vender Faustina, filha de Joaquina, mas nascida livre no Uruguai, a Manoel Marques Noronha. Suas tentativas se tornaram infrutíferas, e não temos conhecimento de um documento posterior que informe se Joaquina foi recuperada.

Manoel Marques Noronha continuou com seu trabalho de “apreender escravos fugidos dos brasileiros” e em 1856 teve novamente que dar explicações à Justiça por vender um “escravo” que mostrava evidências de ser livre. A história se repetia: a mãe do mulatinho Fermino, vítima do processo, era escrava no Rio Grande do Sul, mas havia vivido muitos anos no Estado Oriental do Uruguai.13

Noronha recebia ordens expressas do subdelegado de Pelotas “para prender todos os que desconfiasse ser escravo”. No entanto, com as leis abolicionistas uruguaias de 1842 e 1846, essa situação se tornava delicada. Não era mais tão fácil identificar um escravo pela cor ou por parecer fugido. Perante os tribunais, dezenas de indivíduos negros foram reconhecidos como livres pela Justiça, apesar de muitas vezes serem perseguidos pelos delegados como escravos. Essa é a especificidade de que falamos no início do texto.

Ser escravo ou livre no Rio Grande do Sul passava por um reconhecimento social, que muitas vezes era definido a partir das averiguações das autoridades judiciais. Neste sentido, a busca pela posse cativa autorizada claramente pelo Tratado de Devolução de Escravos de 1851 tornou-se ineficiente, pois não podia ir contra o que era decidido pela Justiça Imperial do Brasil. Compreendemos que, apesar de muitos senhores terem direito à posse de seus escravos, as desavenças entre o Império e a República não possibilitaram que isso ocorresse de fato.

Da mesma forma que muitos senhores rio-grandenses conseguiram capturar seus escravos,

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mesmo tendo eles praticado a fuga anos antes de 1851 (o que iria contra o Tratado), outros tantos senhores também viram seus escravos serem libertados na Justiça em prol de um conflito diplomático entre os Brasil e Uruguai, que perduraria até meados da década de 1860.

Referências Bibliográficas

ALADRÉN, Gabriel. Liberdades negras nas paragens do Sul: alforria e inserção social de libertos em Porto Alegre, 1800-1835. PPGH Universidade Federal Fluminense, 2008. Dissertação (mestrado em História)

BORUCKI, Alex; CHAGAS, Karla e STALLA, Natalia. Esclavitud y trabajo: un estudio sobre los

afrodescendentes en la frontera uruguaya (1835-1855). Montevideo: Pulmón Ediciones, 2004.

BERUTE, Gabriel. Dos escravos que partem para os Portos do Sul: características do tráfico

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