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Linguagem, arte e educação ético-estética em perspectiva hermenêutica filosófica

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

LINHA DE PESQUISA: TEORIAS PEDAGÓGICAS E DIMENSÕES ÉTICAS E POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO

LINGUAGEM, ARTE E EDUCAÇÃO ÉTICO-ESTÉTICA EM

PERSPECTIVA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

MARIA REGINA JOHANN

Ijuí – RS 2015

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MARIA REGINA JOHANN

LINGUAGEM, ARTE E EDUCAÇÃO ÉTICO-ESTÉTICA EM

PERSPECTIVA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí – como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. Dr. José Pedro Boufleuer

Ijuí – RS 2015

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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências

Área de Concentração: Educação nas Ciências

Linha de Pesquisa: Teorias Pedagógicas e Dimensões Éticas e Políticas da Educação

A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a tese:

Linguagem, Arte e Educação Ético-Estética em Perspectiva Hermenêutica Filosófica

de

Maria Regina Johann

como requisito para a obtenção do título de doutor em Educação nas Ciências

____________________________________

Ireno Antônio Berticelli (Universidade de Chapecó – Unochapecó)

____________________________________ Prof. Dr. José Pedro Boufleuer (Unijuí)

____________________________________

Prof. Dr. Hans-Georg Flickinger (Universidade de Kassel e PUCRS)

____________________________________ Profa. Dra. Marilda Oliveira de Oliveira (UFSM)

____________________________________ Prof. Dr. Paulo Rudi Schneider (Unijuí)

____________________________________ Prof. Dr. Sidinei Pithan da Silva (Unijuí)

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Ao Paulo, à Maria e ao Francisco, pelo amor que ilumina minha vida e preenche meu cotidiano de sentido. À minha mãe e meu pai pelo testemunho do amor, da sabedoria e da coragem...

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AGRADECIMENTOS

Deixo meu agradecimento carinhoso às minhas irmãs Iliane, Maísa, Ester, Dione e Tânia, porque compreenderam minhas angústias e souberam me ajudar nesse tempo de escrita e recolhimento.

Aos demais familiares meu reconhecimento ao incentivo e apoio nesse processo de recolhimento e criação.

Às minhas amigas e companheiras Rosana e Marlene, por permanecerem amigas, mesmo na ausência...

À amiga e professora Simone, que me incentivou e ajudou a sonhar com esta Tese em um momento em que isso parecia algo distante.

Aos que foram meus alunos e me constituíram professora ensinando-me a delicadeza da docência; vocês espreitaram esta escrita mais do que podem imaginar.

Aos arte-educadores, colegas e parceiros de aprendizagens, dedico esta reflexão com consideração e carinho.

Aos queridos professores, Paulo Fensterseifer, Cláudio B. Garcia, José Pedro Boufleuer, Maria Simone Schwengber, Paulo Schneider, Ana Santiago, Otávio Maldaner, Cristina Araújo, Lenir Zanon, Catia Nehring, Helena Callai e Walter Frantz, meu agradecimento por tudo que me ensinaram... Vocês foram vozes de um diálogo amoroso que alargou meus horizontes e preparou o caminho desta escrita.

Aos amigos e colegas de curso, especialmente o Luciano, a Fabiana, a Marta e a Maria Helena, pela parceria e força quando “o chão se abria”...

À Unijuí e ao Departamento de Humanidades e Educação – DHE – pelo apoio institucional.

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À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, professora Helena C. Callai, e às secretárias Ligia e Carmem, pelo carinho e atenção.

Ao professor Hans-Georg Flickinger, pelos caminhos abertos em textos nos quais encontrei ideias e perguntas que desafiaram minha compreensão, qualificando minhas reflexões hermenêuticas.

À professora Marilda Oliveira, pela carinhosa acolhida de sempre e por me ajudar a pensar a arte na educação na inconstância da arte-educação brasileira.

Ao professor Ireno Antônio Berticelli meu agradecimento carinhoso por aceitar participar deste momento tão importante da minha formação acadêmica, qualificando minha pesquisa.

Ao professor Paulo Schneider o agradecimento pela disposição amorosa em nos apresentar o pensamento de Heidegger com encantamento e sabedoria de um grande mestre.

Ao professor Sidinei Pithan da Silva agradeço os diálogos entusiasmados, que me animavam e apontavam caminhos, disposição somente vista em quem tem a educação como paixão.

A vocês, professores, deixo a minha gratidão por outrora lerem com paciência um texto que tateava uma ideia e se debatia com conceitos e fundamentos filosóficos e, agora, reconfigurado, busca sua revalidação. O olhar atento e as sábias contribuições animaram o prosseguimento da escrita, qualificando-a.

Ao professor e orientador José Pedro Boufleuer agradeço por me ajudar a entender a hermenêutica filosófica e seu sentido na educação, possibilitando o diálogo e a reflexão sobre autores e suas ideias, fomentando minha escrita e não deixando meu pensamento dormir... Talvez este texto não preencha todas as suas expectativas, mas nesse tortuoso e cocriativo acontecimento compreendi que o pensamento festeja na compreensão e a alma se embriaga de palavras colhidas dos que sabem compartilhar...

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RESUMO

A Tese Linguagem, Arte e Educação Ético-Estética em Perspectiva Hermenêutica Filosófica trata da plausibilidade de um ensino (educação) que considera os fundamentos de uma hermenêutica filosófica e do que se expressa na reflexão acerca da especificidade da arte como dimensões próprias do aprender. Argumento, por isso, que é interpretando algum componente simbólico da tradição em perspectiva própria, traduzindo-o em um dizer, ou seja, alçando-o ao âmbito da linguagem posta no horizonte cocriativo de cada um, que se configura a aprendizagem. Reivindico, portanto, uma abordagem hermenêutica não somente para o ensino da arte, mas, inclusive, para as demais áreas do saber que também precisam contemplar no seu ensino esse modo humano de apreender, justificando que todo aprendizado, seja ao modo de visões, comportamentos, inclusive o que poderíamos chamar de habilidades, somente se efetiva, tornando-se uma realidade para o sujeito, quando se constitui em formas simbólicas, em regra, em expressões linguísticas. Para tanto, recorro a Heidegger e Gadamer para tematizar a linguagem como uma dimensão constituinte do humano evidenciando que por ela temos um mundo. Destaco, porém, o pensamento de Gadamer, afirmando que o homem interpreta a si e aos outros em um horizonte histórico, em que a tradição se constitui em herança pela qual sabemo-nos parte de um todo, sendo ela um patrimônio do mundo humano. Também, que a linguagem é o modo pelo qual o homem compreende e compreende-se em um jogo dialógico intersubjetivo, em que se expressa a relação essencial entre pensamento e linguagem, interpretação e compreensão. Essa noção nos leva à arte e sua possibilidade inesgotável de nos colocar diante de verdades, pois, como algo irredutível ao cotidiano, nós a interpretamos a cada vez que a trouxermos em nosso horizonte interrogativo. Essa verdade que a arte nos permite conhecer se dá ao modo de sua própria especificidade poética, sendo ela um jogo de velamento e desvelamento do ser, que garante sempre novos sentidos, ficando, desse modo, impedida de tornar-se uma verdade absolutizada. A partir dessa ideia, apresento a arte como uma linguagem estética e proponho pensar a possibilidade de um ensino de arte que permita ao aluno viver a experiência da sua inesgotabilidade, posto que na relação com a arte ordenamos cada vez mais aquilo que nos compõe, o nosso mundo. Recorro, para tanto, à noção de educação ético-estética, apresentada por Nadja Hermann, por ver nela um horizonte de ampliação da abordagem da arte na educação e, por isso, uma possibilidade da sua ressignificação escolar, propondo que seu sentido esteja atravessado pela especificidade de ser uma linguagem ético-estética. Isso significa, por sua vez, que os conteúdos de seu ensino são de natureza ético-estética, pois a arte traz em seu próprio modo de ser a abertura ao outro. Desse modo, destaco a noção de experiência estética na qual Gadamer afirma ser ela a possibilidade de viver a experiência como experiência e, no caso do ensino da arte, seria um vivenciar as linguagens artísticas como um modo de acesso e compreensão das questões da arte e, ainda, de uma compreensão e autocompreensão das questões referidas à condição humana. Assim, pergunto pela legitimidade de uma educação que considere o diálogo como a oportunidade de o aluno emitir a sua palavra em vista de ressignificar o conhecimento e os conceitos, tornando-os próprios, tendo no professor um hermeneuta que comunica um patrimônio, transmitindo uma herança e, ao fazê-lo não somente permite aos alunos a noção de pertencimento a uma tradição, mas, ainda, as condições para aprender a aprender visando a uma formação para a singularidade. Por isso, a noção de que a arte sempre exigirá de nós que a trazemos em nosso próprio horizonte intersubjetivo, no qual os sentidos necessitam ser construídos, constitui uma tônica deste trabalho, posto que essa especificidade da arte leva-nos a pensar na própria dimensão do aprender. Nesse sentido, apresentamos as noções heideggerianas de uma educação que visa à autonomia por meio de um ensinar/aprender em que, juntos, alunos e professores se percebem parte de um fenômeno de educação, que, no meu entender, se coaduna com a visão gadameriana de que educar é se educar, pois, ambas, visam à força do humano na realização de sua própria autoeducação em um mundo historicamente constituído.

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ABSTRACT

The Language, Art and Ethical and Aesthetic Education in Philosophical Hermeneutics Perspective Thesis deals with the plausibility of a teaching (education) that considers the foundations of a philosophical hermeneutics and that is expressed in reflection on art specificity as their own dimensions of learning. Argument, so, that is playing some symbolic component of the tradition on its own perspective, translating it into a mean, i.e., raising it to a scope of language in each co-creative horizon, which constitutes learning. Claim, therefore, a hermeneutic approach not only for art education, but even to other areas of knowledge that also need to consider in their teaching this human way of grasping, justifying that all learning, in a way of views, behaviors, including what we might call skills, only becomes effective, turning into a reality for the subject when it is in symbolic forms, as a rule, in linguistic expressions. For this, we turn to Heidegger and Gadamer to develop the subjecct of language as a constituent dimension of human by showing that we have a world through it. I emphasize, however, the thought of Gadamer, saying the man interprets himself and others in a historical horizon, where the tradition is a heritage in which we know we are part of a whole, it being a patrimony of the human world. Also, that language is the way in which man understands and comprises in an intersubjective dialogic game, in which is expressed the essential relationship between thought and language, interpretation and understanding. This notion leads us to the art and its endless possibility of putting in front of truths, therefore, as something irreducible to daily life, we interpret it each time that we bring in our questioning horizon. This truth that art allows us to know is given to the way of its own poetic specificity, it being a veiling and unveiling of being game, that guarantees always new directions, getting, thereby, prevented from becoming an absolute truth. From this idea, I present art as an aesthetic language and propose to think the possibility of art teaching that allows the student experience its inexhaustibility, since that in the relationship with art we order increasingly what makes us up, our world. I appeal, therefore, to the notion of ethical and aesthetic education, presented by Nadja Hermann, for seeing on in it an expansion of the horizon of the approach on art in education and, therefore, a possibility of educational reframing, proposing that its meaning is crossed by specificity of being an ethical and aesthetic language. This means, on the other hand, that the contents of its teaching comes from an ethical and aesthetic nature, because art brings in its own way the opening to the other. Thus, it highlights the notion of aesthetic experience in which Gadamer says that it is the chance to live the experience as experience and, in the case of art education, it would be an artistic language mode of access and understanding of art issues and, furthermore, an understanding and self-understanding of the issues referred to the human condition. So I ask for the legitimacy of an education that considers the dialogue as an opportunity for the student to open his word in order to reframe the knowledge and concepts, making it their own, taking the teacher as a hermeneut that communicates a heritage, passing on an inheritance and, in doing so, not only allows students to the notion of belonging to a tradition, but also the conditions for learning to learn, aimed at training for uniqueness. So the notion that art always requires us to bring it in our own intersubjective horizon, in which the senses need to be built, is a keynote of this work, since this specificity of art leads us to think about the sheer size of learning. On this way, we present the Heideggerian notions of an education that aims the autonomy through a teaching / learning in which, together, students and teachers perceive themselves part of an educational phenomenon, which, in my view, is consistent with the Gadamerian vision that education is to educate, because both aim the human force in carrying out their own selfeducation in a world historically constituted.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

LINGUAGEM, ARTE E EDUCAÇÃO ÉTICO-ESTÉTICA PELOS CAMINHOS

DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA ... 11

CAPÍTULO 1 – A LINGUAGEM NA CONSTITUIÇÃO DO MUNDO HUMANO .... 24

1.1 SER HUMANO É ESTAR MERGULHADO NA LINGUAGEM ... 24

1.2 DEIXAR QUE SEJA VISTO O QUE SE MOSTRA: DIÁLOGO, INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO ... 38

1.3 DIÁLOGO E PERGUNTA: ÂMBITOS DA COMPREENSÃO ... 49

CAPÍTULO 2 – A LINGUAGEM DA ARTE ... 56

2.1 ARTE: ORIGEM E INSTAURAÇÃO DE MUNDO ... 56

2.2 MUNDO E VERDADE NA OBRA DE ARTE ... 65

2.3 ORIGEM, POESIA E VERDADE HISTÓRICA: CAMINHOS ABERTOS PELO SABER DO ARTISTA ... 69

2.4 ARTE, JOGO E VERDADE ... 77

CAPÍTULO 3 – O ENSINO DA ARTE À LUZ DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E DO ENTENDIMENTO DE ARTE COMO LINGUAGEM: EXPERIÊNCIA E TRADUÇÃO ... 93

3.1 A EXPERIÊNCIA DA ARTE COMO COMPREENSÃO E AUTOCOMPREENSÃO: APRENDIZAGEM EM PERSPECTIVA PRÓPRIA ... 93

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3.2 A LEITURA DA OBRA: EXPERIÊNCIA E TRADUÇÃO ... 113

CAPÍTULO 4 – A DIMENSÃO ÉTICO-ESTÉTICA DO ENSINO DE ARTE

NOS MARCOS DE UMA ESCOLA REPUBLICANA ... 123

4.1 ENSINAR E EDUCAR: DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO REPUBLICANA ... 123 4.2 EDUCAÇÃO ÉTICO-ESTÉTICA E O ENSINO DE ARTE: DESAFIOS E

PROPOSIÇÕES ... 129 4.3 A DIMENSÃO ÉTICA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: UMA PERSPECTIVA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA ... 143

CAPÍTULO 5 – A ESPECIFICIDADE DA ARTE E A MERMENÊUTICA

FILOSÓFICA: DIMENSÕES PARA PENSAR A EDUCAÇÃO ... 151

5.1 APRENDER É EDUCAR-SE ... 151 5.2 ARTE, EDUCAÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDOS ... 154 5.3 O CONHECIMENTO COMO REPRESENTAÇÃO, A EPISTEME COMO

VERDADE E O RISCO DO ESQUECIMENTO DO SER ... 155 5.4 A ARTE E A PRESENÇA DO OUTRO ... 161 5.5 A LINGUAGEM COMO POSSIBILIDADE DE RECONSTRUÇÃO E

COCRIAÇÃO DO MUNDO COMUM ... 172

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 183

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INTRODUÇÃO

LINGUAGEM, ARTE E EDUCAÇÃO ÉTICO-ESTÉTICA PELOS

CAMINHOS

DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

A Tese aqui apresentada é a de que a noção de arte como linguagem amplia as possibilidades da abordagem da arte escolar, pois permite uma experiência de acesso à verdade ético-estética em perspectiva própria e, esse acesso, ao modo específico da arte, é o próprio modo da aprendizagem dos homens, uma vez que aprender exige a mobilização e o pôr-se no horizonte da aprendizagem. Assim, Linguagem, Arte e Educação Ético-Estética em

Perspectiva Hermenêutica Filosófica nasce de uma pergunta, a princípio, simples: Em que

medida a arte é uma linguagem e o que isso permite pensar em relação ao seu lugar na educação escolar? Essa ideia inicial foi o mote para a elaboração da pesquisa que ora compartilho, que tem como principal referência teórica a hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer.

A pesquisa trata da arte como uma linguagem estética e propõe pensar a possibilidade de um ensino que permita viver a experiência da inesgotabilidade da obra a partir da ideia gadameriana de que na relação com a arte ordenamos cada vez mais o nosso mundo.

Essa perspectiva, que tem na hermenêutica filosófica sua inspiração, toma a arte como uma linguagem e a obra como um construto que tem uma objetividade manifesta na linguagem e que, ao se apresentar, expõe as suas questões. Pela sua especificidade estética, a arte apresenta um mundo que não está constrangido pela racionalidade instrumental; isso porque sua verdade não é científica, mas estética, ficando, desse modo, sempre aberta, na dependência de uma tradução, de uma interpretação. Isso significa que a sua verdade é sempre provisória porque é constituída no horizonte singular de cada intérprete, pois o que a obra mostra ao modo estético, mostra a cada um de um modo especial.

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Se esse é o modo de ser da arte, então a sua especificidade, enquanto linguagem estética deveria assumir um lugar relevante no Ensino de Arte, pois, do meu ponto de vista, reside aí uma possibilidade de uma educação ético-estética; isso porque essa perspectiva permite o conhecimento da especificidade artística – o conhecimento universal, bem como a reflexão sobre a dimensão ética do mundo humano pelo viés da arte e das questões do próprio aluno. Ainda, se a arte tem a possibilidade de nos colocar diante do mundo como um espelho, multifacetado talvez, que reflete nossa própria humanidade, ela tem uma dimensão reflexiva que não deveria ser negligenciada como um âmbito educativo e autotransformador.

Por isso, inclusive, a especificidade da arte pode desesclerosar aqueles hábitos cristalizados na cultura escolar que estabelecem uma relação objetificadora de ensino e aprendizagem, uma vez que ela exige a participação no seu desvelamento, haja vista que a sua natureza estética não se deixa apreender de vez ou instrumentalizar-se. Desta forma, a relação com a arte é sempre ao modo de um jogo estabelecido em uma tensão entre ela, a obra e o sujeito.

Para vivenciar a arte nessa perspectiva é preciso aceitar as regras de seu jogo. Isso significa que na relação entre obra e intérprete ambos são afetados mutuamente, uma vez que, nesse jogo, se estabelece a relação dialética entre sujeito e obra. O encontro com a obra pode gerar uma experiência de autoconhecimento, posto que algo nos acontece, vindo ao nosso horizonte de modo arrebatador e desconcertante. Com isto, a arte permite, inclusive, o viver de um acontecimento que modifica nossa relação com o mundo, considerando que o que nela se materializa e se desvela evidencia as diversas dimensões do mundo dos homens desde a ontológica, a linguística, a histórica, a política, a social e, também, a transcendental.

A hermenêutica filosófica recolocou o dilema da compreensão, assumindo-a como algo que está sempre na dependência da linguagem, da intersubjetividade e da historicidade. Fez isso tomando a arte como referência ao evidenciar que a sua verdade não é a mesma da ciência, mas que nem por isso é menos relevante. Deste modo, colocou uma questão radical sobre a interpretação: Que verdade é essa que pode assumir diferentes contornos, que não se chega por intermédio de um método e que está sustentada em criações estéticas?

Ao tratar do método como algo que contorna a verdade, Gadamer mostrou que não se trata de desqualificar o modo como a ciência constrói suas respostas, mas de admitir que elas também sejam construções históricas, estando, de certo modo, condicionadas a uma visão de história, de ciência e ao recorte que se faz do objeto. A constatação de que as objetivações da

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ciência estão na dependência da linguagem, do método e do contexto histórico, exige, por parte da comunidade científica, o aceite de que suas verdades dependem de uma comunidade argumentativa, ou seja, de um acordo na linguagem. Desse modo, a perspectiva hermenêutica filosófica permite compreender que não é possível dizer algo de modo absoluto e conclui, por isso, que as verdades estão na dependência dos acordos da linguagem e, ainda, que elas necessitam ser trazidas ao horizonte de cada um e assumidas na intransparência da linguagem como verdades acordadas e, portanto, provisórias.

Estes pressupostos conduzem ao entendimento de que é na abertura ao diálogo que os acordos são construídos e, assim, a hermenêutica filosófica lança um desafio também para a educação, na medida em que evidencia a linguagem como o modo pelo qual temos um mundo e nele compreendemos e nos autocompreendemos. Por isso, minha reflexão busca evidências que permitam afirmar a plausibilidade de um ensino que considera os fundamentos de uma hermenêutica filosófica e do que se expressa na reflexão acerca da especificidade da arte como dimensão própria do aprender. Isso significa que é interpretando algum componente simbólico da tradição (dialogando com ele) em perspectiva própria, traduzindo isso em um dizer, ou seja, alçando isso ao âmbito da linguagem posta em perspectiva de cada sujeito, que se configura a aprendizagem. Por isso, reivindico uma abordagem hermenêutica não somente para o ensino da arte, mas também para as demais áreas do saber que igualmente precisam contemplar no seu ensino esse modo humano de apreender. Isso porque todo aprendizado, seja ao modo de visões, comportamentos, inclusive o que poderíamos chamar de habilidades somente se efetiva, somente se torna uma realidade para o sujeito quando se constitui em formas simbólicas, em regra, em expressões linguísticas.

Deste modo, a pergunta inicial sobre a validade de um ensino de arte alicerçado na perspectiva da linguagem estética evidenciou a dimensão de abertura da obra de arte, apontando para a relevância dos aspectos da estética e da ética que, inter-relacionados, permitem a instauração de perguntas e a perspectiva da cocriação de sentidos. Essa noção levou à reflexão sobre o caráter ético da experiência estética e suas implicações para a formação do aluno e para a ação futura do exercício da cidadania. Estes aspectos conduziram à noção de política e suas implicações na educação. Com essas questões aceno para as considerações finais de um tema abrindo horizontes para continuar pensando sobre as relações entre a arte, a ética, a estética, a educação e os desafios disso para o ensino da arte.

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A partir destas questões é importante destacar que os caminhos desta pesquisa não se definiram a priori, mas foram se dando na medida em que a escuta atenta dos textos apontava direções e ideias, e também porque a própria hermenêutica filosófica não se apresenta como uma metodologia, mas como uma experiência de pensamento em que a entrega ao texto, em relação a uma pergunta ou ideia, move o pesquisador. Esta foi a pista que segui, deixada pelo próprio Gadamer, que sugere uma atitude de busca ante a um problema a ser estudado, lançando uma escuta que possibilite compreender as perguntas das quais a construção teórica do autor é a resposta. Assim, a pesquisa se situa nesse horizonte hermenêutico filosófico e não tem, portanto, pretensões de chegar às verdades absolutas ou encontrar respostas para as questões que se propõe compreender, desvelando, dos autores estudados, possíveis propostas para serem aplicadas à educação. Distante destas pretensões, a tarefa a que me coloquei foi a de tencionar ideias e concepções próprias em relação às dos autores estudados e verificar de que modo elas ajudam a pensar de maneira mais qualificada e alargada a questão da arte e seu sentido na educação. Por isso, a experiência hermenêutica com as obras de Gadamer e também de alguns de seus comentadores, permitiu-me a escuta daquilo que o texto dizia, trazendo-o em meu próprio horizonte de interrogações, pois viver o diálogo hermenêutico é permitir-se, e abrir-se ao texto é aceitar que o outro também venha e nos modifique. Essa intersubjetividade vivida de modo sincero é a vida do diálogo e, por isso mesmo, a garantia da presença do outro na realização da pesquisa.

Permitir-se a escuta do outro (dos textos, de diferentes autores, de parceiros de diálogos) é tomado aqui como um pressuposto da pesquisa baseada na hermenêutica filosófica, posto que uma das suas questões é justamente a de nos fazer pensar acerca dos limites de uma pesquisa que objetifica o outro, ignorando o que vem ao nosso encontro. Neste caso específico, em que a arte e a linguagem são os elementos estruturantes da pesquisa, a noção de experiência como experiência e de linguagem como algo vivo e não instrumento ou pura comunicação, se destacam e impõem-se como cenários da investigação. Esse percurso permitiu-me viver um dos aspectos enfatizados por Gadamer em Verdade e método, de que a força de uma pergunta não está somente nas respostas que encontramos, talvez, antes, naquilo que nos abre em sua própria realização. Com isso, apresento os temas desenvolvidos nessa pesquisa a partir de alguns termos próprios da hermenêutica filosófica, entendendo-os como um modo de estruturar um caminho investigativo a partir de um projeto inicial que lança uma pergunta e segue as implicações disso.

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Inicialmente destaco que esta pesquisa tem uma natureza teórica e está estruturada, especialmente, a partir do referencial hermenêutico filosófico de Hans-Georg Gadamer, principalmente as obras Verdade e método I (1999), Verdade e método II (2004) e

Hermenêutica da obra de arte (2010). Esta escolha se deu pela necessidade de ampliar a

compreensão da noção de linguagem, buscando evidências das razões de por que ela se constitui um medium da condição compreensiva dos homens. Nessa perspectiva, procurei entender em que medida a arte é uma linguagem, qual é a sua natureza, e no que implica, ainda, para pensarmos seu lugar no contexto de seu ensino.

A noção de linguagem e de arte em Gadamer, porém, levou-me a verificar como o pensamento de seu mestre, o filósofo Martin Heidegger, o havia influenciado e porque, para ambos, a arte se apresenta como uma possibilidade de acesso à verdade do ser. Recorri, então, ao texto A origem da obra de arte (1990), em busca da noção de arte como origem, como obra e verdade, uma vez que ali Heidegger mostra a arte como um fenômeno e uma origem e, como tal, um velar e desvelar da verdade do ser. Também apresenta ideias acerca do ente,

ser, mundo e terra como elementos fundamentais para a compreensão da obra de arte. Por

conta disso, busquei os textos Ser e tempo I (1988) e Ser e tempo II (1989) para ampliar a noção de ente, ser e Dasein e, ainda, compreender de que modo o pensamento de Heidegger inspirou a obra de Gadamer. Essas leituras foram elucidativas porque o filósofo trata da linguagem como um âmbito inerente aos homens, ou seja, o seu modo de habitar o mundo, qualificando, assim, minhas compreensões sobre o próprio pensamento de Gadamer.

A busca da compreensão sobre as noções de linguagem e arte como linguagem, então, conduziu a pesquisa para novos enfoques, que se apresentaram pelos interlocutores (ou comentadores) da obra de Gadamer. Desse modo, aspectos como ética, política e educação republicana1 começaram a se constituir em temas importantes para este contexto. Por isso a escolha da obra de Gadamer não foi desinteressada, mas motivada por aquilo que ela já indicava como convergência às minhas inquietações e pelos próprios pré-conceitos sobre hermenêutica. Dessa forma, esse autor passou a orientar meu olhar sobre o universo da arte e da educação. As experiências de leituras dos textos gadamerianos permitiram-me um encontro de horizontes! A cada releitura dos textos novos horizontes se descortinam, mas isso não significa tomar o pensamento de Gadamer como um dogma, pois significaria ir contra a própria ideia que atravessa suas obras, a de que devemos trazer algo em nossa perspectiva e, assim, continuar pensando.

1 Do latim “res publica” (a coisa pública; aquilo que é de domínio público; que pertence a todos). “A república é

uma invenção romana para dar o máximo peso ao bem comum, à res publica, ou coisa pública” (RIBEIRO, 2013, p. 75).

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Lidando com as noções de linguagem e compreensão, especialmente em Gadamer, fui em busca de autores que se debruçaram sobre suas ideias e destaco, principalmente, as obras de Manfredo A. de Oliveira (1993, 1995, 1996), Richard E. Palmer (1989), Gianni Vattimo (1996, 1999), Benedito Nunes (2004, 2007, 2010); Hans-Georg Flickinger (2000, 2003, 2009, 2010, 2014a, b), Luiz Rohden (2002, 2012), Ernildo Stein (2002), Ernildo Stein e Lenio Streck (2011), Lawrence Schmidt (2013), Nadja Hermann (2003, 2005, 2006, 2009, 2010, 2014a, b), Mara Dulce Critelli (1980, 1981); Claudius B. G. Waddington (2002), Flávio Brayner (2008, 2010) e Mario Osorio Marques (1992, 2002, 1999, 2006a, b).

Assim, os pré-conceitos que eu tinha foram se ampliando na medida em que a escuta atenta aos textos ampliava a compreensão inicial sobre linguagem e arte. Desse modo, configura-se o caminho hermenêutico da pesquisa, ou seja, o movimento de compreensão de algo sobre o qual já nos reconhecemos, que nos permite dizer e seguir as implicações do dizer. Assumo, por isso, que é na intransparência da linguagem que proponho esta reflexão.

Um caminho hermenêutico exige, segundo Gadamer (1999), um projeto, pois aquele que quer compreender algo realiza um projeto prévio de compreensão, no qual a opinião prévia, a visão prévia e a concepção prévia do pesquisador confrontam-se com o que se pretende compreender e, ainda, se atualizam e se reelaboram permanentemente. Por isso, estar aberto à escuta do outro é próprio do diálogo vivo, o que, pela natureza de abertura e ocultamento da linguagem, nos obriga a ultrapassar as dimensões da lógica enunciativa e

alcançar horizontes mais amplos. Assim, no percurso desta pesquisa experimentei aquilo que

Gadamer afirma ser o pôr-se de acordo sobre as coisas deslocando-se em sua direção, pois, por meio dos textos houve encontros com diferentes autores que se constituíram em importantes interlocutores do entendimento sobre linguagem, arte e educação.

Foi, então, de dentro de um horizonte hermenêutico-filosófico que encontrei respostas e também elementos para (re)formular o pensamento, pois fiz o exercício de trazer para o contexto atual do ensino da arte minha visão prévia na perspectiva das questões propostas por Gadamer sobre o valor da experiência da arte como uma possibilidade de compreensão e autocompreensão. Quando entendi o sentido desta proposição e relacionei com as percepções que tinha quanto às propostas de ensino de arte, ampliei a noção sobre uma das minhas primeiras questões, ou seja, a opinião prévia de que a arte poderia oferecer algo a mais no âmbito da educação escolar se entendida (tratada) como linguagem. A partir daí, então, o projeto de pesquisa foi se esclarecendo, pois encontrei algumas respostas para o projeto

prévio (minha hipótese) de que a relação com a arte poderia ser algo mais rico (diversificado);

ela foi se afirmando pela própria compreensão da arte e sua natureza poética, ou seja, de ser ela uma origem e uma Poesia.

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Adiante, meus pré-conceitos se ampliaram pelo entendimento da arte como linguagem estética e de que a experiência com ela transforma aquele que nela se lança. Deste modo, minhas motivações cresceram e os convidados para o diálogo da tese foram se ampliando cada vez mais. Fui vivenciando a questão trazida por Gadamer de que a compreensão acontece dentro de um horizonte histórico-efeitual, que é circular; isso porque o processo de escrita não é algo mecânico, mas visceral, e nos modifica a cada ideia arranjada, a cada acontecimento compreensivo.

A compreensão da dimensão da linguagem e da arte como linguagem levou-me a pensar que se a arte é uma linguagem específica que, ao seu modo, nos permite ter um mundo e nele nos conhecer melhor. Então qual é a “força estranha” que a constitui tão diferente das demais dimensões compreensivas do mundo humano? Que encantamento, para usar as palavras de Gadamer, a arte tem que nos mostra o mundo como um espelho que reflete nossa própria humanidade histórica e nos faz entender que o mundo é uma proposição? Ainda, se podemos afirmar algo sobre o mundo, isso é tão somente uma interpretação, um acordo de linguagem? O que ela abre, ou mostra, que nos permite tomá-la como uma perspectiva tão diferente da ciência, da religião e da própria História? Foi em razão dessas questões tencionadas à ideia de Gadamer de que a arte permite uma experiência autotransformadora que cheguei ao tema da

educação ético-estética proposta por Nadja Hermann.

A noção de educação ético-estética enfatiza que, além das questões específicas da poética do artista, a obra também nos põe diante do assombro da existência humana, da perplexidade de nos darmos conta que somos um acontecimento, um diálogo. Ainda, o fato de a arte não pretender afirmar nenhuma verdade absoluta nos coloca em um dilema ético: precisamos entrar em um acordo acerca da verdade da arte, e isso requer uma disposição de entendimento e universalidade, garantida na linguagem de certas proposições e valores. Desta forma, a ética e o juízo se posicionam como dimensões próprias ao acesso da verdade da obra de arte.

Por essa perspectiva, vislumbro um horizonte rico para a cocriação da arte na educação escolar. Apresentam-se, assim, a ética e a estética como dimensões interligadas e constitutivas da arte e que se põem como âmbitos importantes para o ensino da arte e, por isso, afirmo que elas necessitam ganhar mais visibilidade no projeto escolar, sendo evidenciadas na proposta curricular do ensino da arte. Assim, a experiência com a arte também tem relevância pela sua dimensão ético-estética, além do entendimento de linguagem e patrimônio artístico, histórico e cultural dos homens.

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Se a arte, porém, não é um objeto com o qual lidamos de modo instrumental, pois não é coisa nem apetrecho, conforme nos mostrou a obra de Heidegger (1990), mas antes uma manifestação do mundo da vida (GADAMER, 2010) que permite acessar uma verdade por meio do jogo no qual estamos implicados enquanto intérpretes, então é possível outra verdade na educação que não seja aquela da ciência, dos fundamentos epistemológicos. Já vimos que a arte exige que consideremos as suas questões e não somente aquilo que o intérprete lhe pergunta. Isso significa que ela tem uma verdade que está na dependência de um jogo que tem suas próprias regras; isso quer dizer que também estamos “sendo jogados”. O que se desvela, então, depende de acordos entre os jogadores. Na perspectiva da hermenêutica filosófica a verdade se desvela no encontro dos horizontes de sentido da obra e do intérprete e, sendo assim, a verdade que emerge estará sempre na dependência das motivações dos que “se encontram” (obra e intérprete) em tensionamento com os sentidos já instituídos pela tradição: o que abre a possibilidade da verdade é a pergunta dirigida à obra, bem como a escuta de seus recados. A opinião prévia vai desencadear um diálogo no qual o intérprete interroga a obra e inicia um projeto de compreensão que, se for vivo, aberto, poderá ser cocriativo.

Trazendo essa noção de fusão de horizontes para o âmbito da educação, penso na plausibilidade de ela ser uma chave para o próprio modo da aprendizagem escolar e, por isso, proponho que a aprendizagem está na dependência das perguntas, do mobilizar-se para algo, do pôr-se em movimento de compreender, ou seja, de um projeto prévio de compreensão. Isso significa que é preciso ter um patrimônio, uma tradição, e inquirir, perguntar, refletir, sendo esse, então, o modo próprio de acesso à compreensão de algo. A pergunta move a compreensão e ela acontece na linguagem. Gadamer e também seus intérpretes enfatizavam a dimensão da pergunta, ou seja, que somente compreendemos algo quando estamos dispostos a compreender. Do contrário, sem disposição e mobilização, qualquer tarefa de compreensão será incompleta. Essa noção levou-me a entender o lugar da pergunta como parte significativa do processo de compreensão, quer dizer, daquilo que configura um dos elementos essenciais da própria aprendizagem. Além de Gadamer, também Flickinger vai insistir nessa questão ao afirmar que a pergunta é abertura, que ela nos desloca e nos põe em uma relação dinâmica com o conhecimento. Se isso é factível, então é possível afirmar que não há aprendizagem sem a formulação da pergunta, ou seja, sem o pôr-se em direção de algo. Claro está porque a hermenêutica de Gadamer carrega o adjetivo filosófica, pois quer garantir a abertura ao diálogo e à pergunta, destacando a reflexão como algo inerente ao conhecer.

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A partir desta chave de que não há aprendizagem sem a formulação da pergunta, sem reflexividade, a circularidade da pesquisa se ampliou novamente, pois se é possível uma verdade “ao modo da arte” também para a educação de um modo geral. Então, como isso se legitima em relação, por exemplo, à verdade da ciência? Com esta interrogação proponho que a educação pode permitir o acesso a outras verdades, além das construídas pela epistemologia. A aposta é de que a educação escolar alargue as experiências de verdade dos alunos, possibilitando noções construídas nos acordos de linguagem e, com isto, permitindo a reflexão, inclusive, sobre os limites da pretensão de verdade da própria ciência: a questão que se coloca não é a de duvidar por duvidar da ciência, mas a de compreender porque em determinados momentos algo é posto de modo inquestionável até que as pesquisas apontam evidências contrárias. As verdades mudam conforme a comunidade, o contexto e o método, ou seja, conforme o olhar e os pré-conceitos da comunidade científica. A questão, agora, porém, não é a de negar a verdade científica, pois isso seria uma arrogância, mas, antes, de permitir ao aluno outras experiências de verdade, como as possíveis mediante acordos na linguagem e, aqui, evidencio a dimensão da ética e dos juízos. Assim, volto aos fundamentos da hermenêutica e busco referências para pensar a noção de verdade como um acordo na linguagem.

Realizo, nesta perspectiva, no conjunto da pesquisa, um movimento hermenêutico de

circularidade prévia que foi se configurando em circularidade concêntrica, pois algo me

mobilizou e gerou a abertura de novas possibilidades compreensivas permitindo que voltasse para a questão inicial da pesquisa e percebesse que ela foi, nos limites da linguagem e da capacidade de compreensão própria, se complexificando e abrindo novas perguntas. A questão inicial sobre o ensino da arte remeteu-me a um olhar geral sobre a própria educação, e as respostas construídas contemplam igualmente a arte e seu ensino.

Acredito, com isso, ter desenvolvido aquilo que Gadamer chamou de regra da

hermenêutica, segundo a qual devemos compreender o todo a partir do singular e o singular a partir do todo, ampliando, em círculos concêntricos, a unidade de sentido compreendido.

Desvelou-se, deste modo, o significado gadameriano de que temos de deixar o texto falar, vir ao nosso encontro e permitir que ele se apresente em toda a sua alteridade, pois o objetivo de

todo entendimento e compreensão é o acordo quanto à coisa. Assim, lancei-me na pesquisa

disposta a compartilhar caminhos já trilhados, reconhecendo a tradição de uma comunidade de saberes e, com conceitos ingênuos, dispus-me à presença dos textos hermenêuticos. Puxei fios, fiz muitas perguntas, retomei várias vezes os conceitos, sistematizei ideias, resenhei

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textos e fui ao encontro de interlocutores. Encontrei muitos amigos e parceiros de diálogo que me ajudaram a entender aspectos que se embaralhavam na minha linguagem, ao modo de grupos de estudos, de conversas informais, de leitores atentos de minhas escritas. Alçando conceitos mais adequados, pude projetar novas perguntas e, de acordo com Gadamer, esse

constante projetar de novo é o que perfaz o movimento semântico de compreender e de interpretar. Por isso, a pesquisa que compartilho não tem pretensões de ser uma saída para o

ensino de arte; é, antes, mais uma proposição visando a enriquecer o diálogo.

Assim, este trabalho tem como questão central a linguagem e, pelos referenciais dos quais se vale, apresenta questões sobre: condição humana, compreensão, diálogo, intersubjetividade, historicidade, tradição. Ainda, arte como linguagem estética (origem e fundação), experiência, verdade como um acordo de linguagem, a dimensão ética das verdades acordadas, ética e educação, educação e mundo comum, educação e produção de sentidos. Com esse movimento, de fundo hermenêutico, chego ao tema da educação

ético-estética como uma possibilidade de ampliar as perspectivas da arte no Ensino de Arte, uma

vez que entendo que ela alarga a noção de experiência estética vinculando-a à ética. Essa inter-relação entre estética e ética tem implicações para se pensar a questão da verdade e do fazer mundo comum. A compreensão do modo específico de acesso à verdade, possibilitada pela experiência artística, permitiu-me chegar ao entendimento de que esse é o próprio modo de a aprendizagem acontecer, pois ela requer que o sujeito entre em relação com o objeto de conhecimento, sem torná-lo uma coisa objetificada, mas, antes, um ir e vir, um falar e deixar falar.

Esta pesquisa foi desenvolvida articulando o tema da linguagem, da arte e da educação mediante cinco Capítulos que versam sobre: 1º) a linguagem na constituição do mundo humano; 2º) a linguagem da arte; 3º) o ensino da arte à luz da hermenêutica filosófica e do entendimento de arte como linguagem: experiência e tradução; 4º) a dimensão ético-estética do ensino de arte nos marcos de uma escola republicana; 5º) a especificidade da arte e a hermenêutica filosófica: dimensões para pensar a educação.

O primeiro Capítulo trata da linguagem como o modo de os homens habitarem seu mundo e, por isso, a metáfora gadameriana de que “a linguagem é a morada dos homens” vai ser destacada nesse tópico, pois se argumenta que sem linguagem não temos mundo. Essa noção de linguagem como um medium da experiência de mundo dos homens é sustentada pelo pensamento de Heidegger e de Gadamer.

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Para desenvolver este tema recorro principalmente às obras Ser e tempo I (1988), e Ser e tempo II (1989), de Martin Heidegger, e Verdade e método I (1999) e Verdade e método II (2004), de Hans-Georg Gadamer. Por meio deles apresento a perspectiva não metafísica de mundo, na qual o homem não tem uma verdade absoluta que norteia seu destino, necessitando, por isso, assumir que é na intransparência da linguagem que sua vida se articula ao conjunto das coisas que configuram seu mundo.

Ao assumir a perspectiva da linguagem como o modo de estruturação do mundo humano, explicito porque ela exige dos homens a disposição ao diálogo e a construção de acordos razoáveis para viver juntos. Também mostro que é na linguagem que os homens dão sentido a sua existência compreendendo seu entorno e, desse modo, se compreendendo.

Na medida em que se trata do homem como aquele que já tem linguagem, ou seja, que homem e linguagem não podem ser compreendidos um separado do outro, é preciso, então, recorrer à noção de ente, ser e Dasein, propostos por Heidegger, para compreender o que torna os homens diferentes das demais espécies que compõem o mundo, como as coisas e a natureza. Isso significa assumir que a linguagem é um medium pela qual o Dasein, ser-aí, constitui-se e compreende-se como ser-no-mundo.

Na perspectiva não metafísica de mundo, a linguagem é um existencial ontológico e não um instrumento de comunicação. A fala é, então, o modo existentivo de o homem configurar seu mundo, pois “[...] a palavra doa ser às coisas” (HEIDEGGER, 1988). Essa ideia terá prosseguimento em Gadamer (1999), para quem a linguagem abre os caminhos da compreensão e requer disposição e acolhimento, sustentando que o diálogo é a vida da linguagem e, por meio dele, nos entendemos no mundo. O filósofo, porém, vai insistir na questão de que realizamos um projeto de compreensão que se dá situado historicamente e que a tradição que herdamos ao vir ao mundo é a base de nossa compreensão nele. Desse modo, temos os elementos básicos daquilo que se configurou como a virada linguística, para a qual o homem é hermeneuta de si mesmo, necessitando assumir-se na finitude da linguagem e dos acordos intersubjetivos, historicamente construídos.

Esta pesquisa objetiva compreender, entre outros aspectos, em que medida a arte se configura uma linguagem estética e, por isso, esse é o tema do segundo Capítulo. Para tratá-lo, recorri, especialmente, às obras A origem da obra de arte, de Heidegger (1990), e

Hermenêutica da obra de arte, de Gadamer (2010), em busca de evidências dos aspectos que

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pois nele há um conjunto de argumentos que evidenciam a arte como uma criação e, por isso, uma origem e um fundamento. Já o segundo texto nos ajuda a compreender porque a arte pode ser tomada como uma linguagem e de que modo a experiência com ela nos permite um encontro conosco mesmo e de que forma a arte permite viver uma experiência como

experiência. Ambos os textos, porém, tratam de uma questão importante para esta pesquisa,

que é a noção de que a arte nos permite um desvelamento da verdade do ser que, ao modo de um jogo específico, nos põe diante da possibilidade de inquirir a obra e permitir ser inquirido por ela também. Dessa maneira, experienciamos uma relação de conhecimento em que a verdade a ser desvelada está na dependência dos horizontes que se encontram, ou seja, do intérprete e da própria obra. Assim, a verdade encontrada será sempre singular e histórica e estará na dependência do dizer e do ouvir, portanto, da finitude da própria linguagem.

O terceiro Capítulo amplia a noção de experiência artística por intermédio da ideia gadameriana de que, ao trazermos a obra em nossa direção, fazemos isso ao modo de uma tradução. Assim, vamos tratar da experiência da arte como uma “experiência de traduzibilidade”, na medida em que necessitamos participar de suas questões em um horizonte histórico-efeitual, ou seja, cada um articula as suas próprias compreensões a partir de seus

pré-conceitos, subjetividade e historicidade; por isso, a experiência com a arte nos abre um

mundo a cada vez que a ela nos entregarmos. Essa questão passa, então, a assumir um aspecto relevante para pensarmos na ressignificação da arte no contexto escolar em que a experiência assume um lugar fundamental de aprendizagem pela especificidade da própria arte. Ao evidenciarmos seu caráter de linguagem, a experiência se torna possível e, com isso, a possibilidade de autoconhecimento.

Já, para o quarto Capítulo, recorri à noção de educação ético-estética apresentada por Nadja Hermann (2010), uma vez que há interesse em dar visibilidade ao aspecto da experiência artística como uma dimensão para além da compreensão da especificidade da linguagem artística, mas, inclusive, pela potencialidade da arte como um modo de educar-se. A experiência estética é caracterizada por Gadamer como uma possibilidade de autocompreensão e um alargamento da nossa relação com o mundo, uma vez que por ela ampliamos nossas visões e possibilidades de um agir no mundo. Ela potencializa e alarga nossa capacidade de fazer escolhas.

Com base em Hermann (2010), esta tematização destaca a inter-relação entre ética e estética, em contraposição às perspectivas que as separaram, evidenciando as potencialidades desta noção à formação dos homens. Se a arte é uma possibilidade de nos colocar diante do

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estranho, ela é, por isso, um âmbito inovador, não somente porque coloca a questão da alteridade, mas, inclusive, porque permite questionar as normas do viver humano. Isso abre a novas perspectivas de pensar a relação entre ética e educação, exigindo que pensemos na importância de uma discussão mais ampla acerca da ética na educação. Esse aspecto será tencionado à noção de educação republicana, evidenciando que a escola é uma instância pré-política e necessita ter como horizonte a dimensão da tarefa que a sociedade lhe atribui: educar e ensinar.

Por fim, o quinto Capítulo investe na verificação da plausibilidade de a educação considerar os fundamentos de uma hermenêutica filosófica e da especificidade da arte como possibilidade de garantir a dialogicidade e a aprendizagem em perspectiva própria, como um modo específico de aprendermos. Assim como a compreensão da arte requer que reconhecemos sua maneira própria de ser, ou seja, seu jogo de velamento e desvelamento, também a aprendizagem escolar requer que se entre em relação com o objeto (conhecimento), ao modo de um jogo em que não objetificamos o conteúdo, mas trazemos ao nosso horizonte intersubjetivo e histórico. Com isso, retornamos a dimensão da linguagem como um âmbito sobre o qual toda a aprendizagem se dá.

Para tanto, recorro à noção heideggeriana de educação como fenômeno em que sua oportunidade está justamente na ideia de que somos-uns-com-os-outros e, ainda, que ensinar/aprender é uma ação em busca da autonomia e da singularização do sujeito, aspectos tratados no texto Que é uma coisa? (1987). Já La educación es educarse (2000a) é uma aposta de Gadamer de que a força dos homens está na palavra, e isso nos permite reafirmar que se abrir ao outro é experimentar o estranhamento daquilo que nos vem ao modo de uma alteridade consentida. Nesta mesma perspectiva, me valho de Marques (1992, 2006a, b) para reafirmar que a interlocução é um dos desafios à educação e que temos a tarefa de revalidar a tradição, reconfigurando-a naqueles aspectos que o tempo presente exige a todos que ainda se importam e se ocupam com a educação e o bem comum.

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CAPÍTULO 1

A LINGUAGEM NA CONSTITUIÇÃO DO MUNDO HUMANO

1.1 SER HUMANO É ESTAR MERGULHADO NA LINGUAGEM

“O homem deve assumir-se na finitude” (HEIDEGGER, 1988). “Sempre fica algo de não dito [...].” (GADAMER, 1999). Afirmar que o humano é dotado de linguagem e que por ela se constitui em sua humanidade, é assumir que fora dela não há mundo para o homem. Essa perspectiva não metafísica assume que a linguagem é um medium pela qual o Dasein, ser-aí, compreende-se como ser-no-mundo.2 A presença, ou seja, o aí (Dasein) trabalha com a compreensão; é por ela que desvela o ser. A compreensão é um existencial, constitui o ser, e isso significa que somente o humano possui a capacidade de compreender o ser que é. Dessa noção heideggeriana, a linguagem é um existencial ontológico e não um instrumento de comunicação e, por isso, a fala é o modo existentivo de o homem configurar seu mundo. Para

2

Conforme Chris Lawn (2007, p. 188), Dasein é “[...] um termo técnico encontrado nos trabalhos de Heidegger. Muitas vezes mantido sem tradução, porém equivalente a algo como existência humana. [...] o termo de Heidegger para esta forma essencial é o Dasein. A tradução mais comum do Dasein, do alemão, é o ‘aí-doser’. Contudo, apesar de sein certamente significar ‘ser’, Da nem sempre significa ‘aí-do’. Da pode significar ‘nem aqui e nem lá, mas algumas vezes entre’. Dasein tem sido traduzido como ‘aí-do-ser’, mas esta formulação não é tão exata, pois ignora o aspecto ‘aí’ do Da. A preocupação excessiva e minuciosa com o significado exato do Da é útil, pois revela o ser do Dasein, como aquele que não está aqui nem lá. O Dasein é essencialmente indeterminado”. Para Giacoia Junior (2006, p. 54-55), Dasein, que também é referido como pre-sença, refere-se ao refere-ser. “A questão sobre o refere-sentido do refere-ser só é possível quando refere-se dá uma compreensão do refere-ser. A compreensão de ser pertence ao modo de ser deste ente que denominamos presença. Quanto mais originária e adequadamente se conseguir explicar esse ente, maior a segurança do alcance na caminhada rumo à elaboração do problema ontológico fundamental” (HEIDEGGER, 1988, p. 266). Para Vattimo (1996, p. 26), “O ser do homem consiste em estar referido a possibilidades; mas concretamente este referir-se efectua-se não num colóquio abstracto consigo mesmo, mas como existir concretamente num mundo de coisas e de outras pessoas. O modo de ser médio e quotidiano do homem, de que decidimos partir, apresenta-se antes de mais nada como ser-no-mundo. O termo alemão para designar ‘existência’ é Dasein, literalmente estar-aí. O termo expressa bem o fato de que existência não se define apenas como ultrapassagem que transcende a realidade dada na direção da possibilidade, mas que esta ultrapassagem é sempre ultrapassagem de algo, está sempre situado, está aqui. Existência, Dasein, ser-no-mundo, são, pois sinônimos. Os três conceitos indicam o facto de o homem estar ‘situado’ de maneira dinâmica, a saber, no modo de poder ser ou também [...], na forma de ‘projecto’”.

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Martin Heidegger3 (1988), a palavra doa ser às coisas; isso significa que a linguagem abre os caminhos da compreensão e requer disposição e acolhimento, sugerindo que nós somos um

diálogo. Essa noção é acolhida por Hans-Georg Gadamer15 (1999), para quem a compreensão

é essencialmente um evento efetuado historicamente. Desse modo, temos os elementos

básicos daquilo que se configurou como a virada linguística, para a qual o homem é hermeneuta de si mesmo, necessitando assumir-se na finitude da linguagem e dos acordos intersubjetivos, historicamente construídos.4

A radicalidade da afirmação heideggeriana (1988) de que “o homem mora nas raízes do humano”, exige que olhemos para nossa existência sem a bengala metafísica que a explica fora da mundanidade do homem.5 Gadamer também vai nessa direção, mas sugerindo aos homens que se empenhem na apropriação viva de tradições que os determinam, indicando que aquilo que somos está situado na historicidade e depende de nossas deliberações. O Dasein, então, é uma acontecência participante de uma totalidade que configura nossa existência, que

3 O filósofo Martin Heidegger (1889-1976) nasceu na Alemanha; foi professor da Universidade de Freiburg im Brisgau e seu reitor de 1933 a 1934. É considerado um filósofo polêmico em virtude da complexidade de sua teoria e de sua proximidade com o Partido Nazista quando reitor. Uma das fases mais importantes de seu pensamento foi “virada” ou “viravolta” (Kehre) (GIACOIA JUNIOR, 2006), reconhecida como a virada linguística.

15 O filósofo Hans-Georg Gadamer, que ficou conhecido como o autor de “Verdade e método – Esboços de uma Hermenêutica Filosófica”, morreu aos 102 anos de idade (1900- 2002), 42 anos após a publicação de sua obra-prima Verdade e método, publicado no Brasil pela Editora Vozes. Nasceu em Marburgo e foi aluno de Heidegger, “[...] é famosos por sua investigação sobre a teoria da interpretação e por defender o que veio a ser conhecido como a ‘teoria da resposta do leitor’. De acordo com essa teoria, o significado de um texto nunca é determinado apenas por fatos acerca do autor e de seu público original; é, de igual modo, determinado pela situação histórica do intérprete” (BLACKBURN, 1997, p. 165).

4 A linguagem como âmbito constitutivo do mundo humano é uma perspectiva filosófica referida à tradição

hermenêutica que têm na filosofia fenomenológica hermenêutica de Martin Heidegger e na hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer seus principais pensadores. Ao propor que o ser aí, Dasein, é constituído pela linguagem, Martin Heidegger inaugura uma concepção filosófica que coloca a linguagem como o modo pelo qual o ser se dá, constituindo, assim, a ontologia hermenêutica que compreende que o homem constrói sentidos para sua vida num horizonte circular de compreensão, encaldado pela tonalidade afetiva. Na hermenêutica heideggeriana, a linguagem é a casa do ser onde o homem mora nas raízes do humano, pois ele é o momento fundamental do evento do desvelamento do ser, uma vez que o mesmo se constituiu no problema central do pensamento do filósofo. Heidegger busca pela linguagem autêntica, minimizando o valor da linguagem cotidiana, pois entende, inclusive, que ela abre o acesso ao ser e, por isso, também nos tem.

5 Ao tematizar que a linguagem não é acrescentada ao homem, mas “[...] ela é a essência original da verdade

como aí” (1988, p. 64), Heidegger evidenciou que o homem tem um mundo que munda, e a terra é sua estranha morada! Se perguntando por essa dimensão fáctica, o filósofo possibilitou tomar a história da metafísica como a história do próprio ser a partir do desafio de pensar como é possível uma compreensão não metafísica do ser, uma vez que, por ela (a metafísica), a explicação do ser se dá fora do plano da linguagem, sedimentando a pergunta pelo ser das coisas. Heidegger recoloca o problema do ser, mas agora na dimensão do mundo que temos e não na perspectiva de algo fora dele. Ele problematiza essa dimensão para que a verdade do ser não fique cristalizada. Não problematizada, a pergunta pelo ser reduz a possibilidade de continuá-la e dá por encerrado o entendimento sobre o âmbito da existência, solidificando uma perspectiva que não se sustenta, a não ser pelo plano da fé e da crença em Deus.

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Gadamer situa em uma tradição herdada e configurada pela intersubjetividade dialógica.6 Decorre disso o entendimento de que o homem é um ser linguístico, histórico e cultural que necessita da vida da linguagem para compreender, se autocompreender e agir.7

A ideia heideggeriana de que a linguagem é a abertura original do Dasein, significa que ela se antecipa a nós e abre as possibilidades da compreensão, ou seja, a linguagem sempre chega antes, pois o pensamento e a fala configuram-se em algo de que dispomos e também dispõem de nós, posto que não há linguagem sem pensamento. Para Heidegger (1988), a fala é o fundamento ontológico-existencial da linguagem. Ideia evidenciada também por Gadamer (1999), ao destacar que nascemos num mundo de fala; falar e ouvir são dimensões constitutivas do humano.8

A partir do exposto é possível afirmar que o homem é constituído de linguagem e por ela significa seu mundo. Os significados construídos na linguagem nada mais são do que interpretações que o homem faz de si e de seu entorno; interpretações que estão sempre na dependência da linguagem situada historicamente.

Por isso, o dizer não é caracterizado aqui como a manifestação fonética de um conteúdo, mas como evento, como um fazer aparecer, pois, para Heidegger (1988), é na força da palavra que o homem, ser histórico, vem ao ser. A noção de linguagem como abertura original e não código ou instrumento, significa que ela não está reduzida a conceitos estabelecidos, que não absolutiza o dizer, mas está na dependência dos acordos e da disposição ao entendimento. Assim, o Dasein, ou seja, aquilo que somos, está na dependência da linguagem e, como ela, é finito e não dono de si mesmo (NUNES, 2010).

6 Acontecência é uma tradução de Geschichtlichkeit. Refere-se ao sentido do ser compreendido como um

acontecer.

7 Stein (2002) observa que Gadamer pretende salvar a substância da tradição por meio de uma apropriação

hermenêutica. É assim que a filosofia hermenêutica de Gadamer encontra na força civilizatória da tradição a autoridade de uma razão diluída do ponto de vista da história efetiva. Gadamer, portanto, não traz de volta a metafísica nem mesmo uma ontologia salvadora; o que lhe importa é mostrar como a razão deve ser recuperada na historicidade do sentido, e essa tarefa se constitui na autocompreensão que o ser humano alcança como participante e intérprete da tradição histórica. Já Heidegger alia-se ao “[...] pensamento grego antigo, e de modo particular a Aristóteles, reinterpretando a descrição fenomenológica enquanto intuição das essências como logos, phainomenon e alétheia” (NUNES, 2004, p. 13). Para Aristóteles, as essências estão nas próprias coisas, nos próprios homens, nas próprias ações e tarefas.

8 Para Heidegger, o ser que se dá como evento “[...] nunca é outra coisa senão o seu modo de se dar histórico aos

homens de uma determinada época, os quais estão determinados por este seu dar-se na própria essência, entendida como o projecto que os constitui” (VATTIMO, 1996, p. 118). A humanidade é sua própria memória e história! Desse entendimento, o filósofo elaborou a hermenêutica da facticidade a partir da noção de “[...] que a existência humana é fáctica, constatável” (ROHDEN, 2012, p. 4).

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A linguagem é um dizer, dizer no sentido original da palavra, isto é, mostrar, deixar aparecer, ver, ouvir. A linguagem deixa aparecer o ser como, sentido; ela é, por isso, a casa do ser. Se o ser emerge enquanto linguagem, a linguagem é o caminho necessário de nosso encontro com o mundo, já que é o sentido que funda e instaura todo o sentido. Agora se manifesta, com mais clareza ainda, que linguagem não pode ser reduzida a puro instrumento, pois, em todo saber de nós mesmos, como em todo saber do mundo, já sempre estamos envolvidos pela linguagem, em que se dá a clareira do ser, onde se manifesta a compreensão do ser e onde fala a “voz do ser”. O evento do ser, segundo Heidegger, é entendido como um evento linguístico, o que significa dizer que nosso ser-no-mundo é sempre mediado por um “mundo lingüístico” determinado (OLIVEIRA, 1996, p. 215- 216).

Libertando a linguagem da objetificação, Heidegger colocou-nos um dilema: Se ela não diz algo de modo absoluto, ou seja, “de vez”, como chegar a um entendimento acerca de um texto, de uma obra, de uma conversa? Por essa intransparência da linguagem, sempre na dependência da interpretação, é que Heidegger e Gadamer vão chamar a atenção para a importância do diálogo e, nele, a disposição de ouvir e acolher a voz do outro.

O entendimento de linguagem como “diálogo vivo” se dá no âmbito do círculo hermenêutico, noção heideggeriana para o modo como buscamos a compreensão de algo e não objetificamos o texto ou o outro, permitindo-nos dialogar em uma circularidade compreensiva que também nos têm e nos envolve. Essa circularidade – inspirada no antigo discurso sobre o círculo hermenêutico – é reivindicada por Heidegger para sua análise crítica e polêmica da compreensão como um círculo positivo e, em sua analítica da pre-sença, foi elevado a conceito, permitindo à hermenêutica fenomenológica tomar o âmbito da compreensão sem a pretensão de deduzir uma coisa da outra, superando a relação sujeito-objeto admitida pelo pensamento moderno. Essa noção heideggeriana permitiu a Gadamer superar o debate metodológico e ampliar a problemática da hermenêutica contemplando todo tipo de ciência, mas também a experiência da arte e da história. A hermenêutica é, agora,

filosófica porque, para Gadamer, a verdade buscada não se submete a regras metódicas das

ciências humanas, pois o ser acessível à compreensão é linguagem. Desse modo, a ideia heideggeriana de que a compreensão é um fenômeno da linguagem, um existencial constitutivo do Dasein, permitiu a Gadamer propor três modos de, fenomenologicamente, explicar o acontecer da verdade: o acontecer na linguagem, na arte e na história.

O ser, visto como evento na linguagem, jamais pode ser apreendido em sua totalidade porque a linguagem remete sempre além dela mesma, ou seja, deixa sempre a possibilidade de novos sentidos, posto que sua presença se dá no tempo, na história. A verdade ocorre no âmbito do círculo hermenêutico, quando os pré-conceitos são pressupostos para a compreensão, na medida em que somente podemos compreender aquilo que, de certo modo,

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já sabemos, ou seja, re-conhecemos.9 Para Gadamer, herdamos os pré-conceitos prévios da própria tradição, geralmente encontrados nos clássicos (SCHMIDT, 2013).

A tradição ocupa um lugar relevante no pensamento de Gadamer que a tem como uma herança que nos acompanha desde sempre. Ele dá esse lugar à tradição, pois compreende que ela exerce um efeito sobre nós e, desse modo, nossa compreensão é determinada pelos feitos da história. Isso significa que, tenhamos consciência ou não, “[...] os nossos preconceitos herdados sempre constituem o pano de fundo e a base a partir da qual compreendemos” (SCHMIDT, 2013, p. 153).

A tarefa da hermenêutica – que é a tarefa da aplicação – trata de como o texto é levado a falar no horizonte de sentidos do intérprete. Gadamer recorre à ideia de “encontros de horizontes de sentidos”, ou seja, a compreensão ocorre quando o horizonte do texto (da obra) se funde com o do intérprete.

Estar aberto ao outro é, por isso, um aspecto imprescindível do círculo hermenêutico, de tal modo que Gadamer adverte para a necessidade de confiarmos no outro. Um verdadeiro diálogo não pressupõe hierarquias, submissões ou desconfianças, pois “[...] se desconfiássemos o tempo todo não haveria comunicação” (apud SCHMIDT, 2013, p. 225).

Nesta perspectiva, a linguagem é disposta como intransparente porque acontece em um contexto de fala e, desse modo, estará sempre na dependência desse contexto e dos sujeitos ali envolvidos. Por esse viés, os significados variam, mesmo que o signo ou símbolo tenha um sentido linguístico predeterminado. A questão que se coloca para os hermeneutas é de como é possível o entendimento nesse contexto poroso, uma vez que, mesmo sem o “dizer absoluto”, as pessoas se entendem, se comunicam, constroem um mundo comum. Para responder esta questão, Gadamer reivindica a noção de “diálogo vivo”, estar aberto ao outro, disposto a ouvir e compreender, para o qual os aspectos da abertura e confiança são fundamentais.

Por outro lado, como reconstruir sentidos e objetificações acerca do mundo da vida sendo a linguagem “insuficiente” e, ao mesmo tempo, tudo o que nos resta como possibilidade de compreensão? Essa é a condição da linguagem e do próprio homem; estar em uma interdependência, inacabados e sempre necessitados de interpretação. Nesse panorama, a linguagem ocupa uma dimensão fundante para Heidegger (1989); ela é a essência do Dasein

9 Gadamer “[...] relaciona sua ideia de “tradição” à re-elaborada noção de “preconceito”, [...] como aquilo que

torna possível qualquer tipo de discriminação. [...] os preconceitos estão presentes em todos os entendimentos [...]” (LAWN, 2007, p. 11-12).

Referências

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