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O Governo de Ronald Reagan (1981-1989) e a Consolidação da Nova Ordem Econômica Internacional

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VICTOR AUGUSTO FERRAZ YOUNG

O Governo de Ronald Reagan (1981-1989) e a

Consolidação da Nova Ordem Econômica Internacional

Campinas

2018

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VICTOR AUGUSTO FERRAZ YOUNG

O Governo de Ronald Reagan (1981-1989) e a

Consolidação da Nova Ordem Econômica Internacional

Prof. Dr. Pedro Paulo Zahluth Bastos – orientador

Prof. Dr. Bruno Martarello de Conti – coorientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico na área de História Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO VICTOR AUGUSTO FERRAZ YOUNG, ORIENTADA PELO PROF. DR. PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS E COORIENTADA PELO PROF. DR. BRUNO MARTARELLO DE CONTI.

Campinas

2018

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VICTOR AUGUSTO FERRAZ YOUNG

O Governo de Ronald Reagan (1981-1989) e a

Consolidação da Nova Ordem Econômica Internacional

Prof. Dr. Pedro Paulo Zahluth Bastos – orientador

Prof. Dr. Bruno Martarello de Conti – coorientador

Defendida em 28/05/2018

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Bruno Martarello de Conti - PRESIDENTE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Geraldo Biasoto Junior

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Giuliano Contento de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Mauricio Medici Metri

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Prof. Dr. Raphael Padula

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Agradeço primeiramente ao amigo e professor, Pedro Paulo, em quem deposito grande respeito, tanto pelo apoio que sempre me deu, quanto por sua trajetória profissional e intelectual. Também sou muito grato ao também amigo e professor, Bruno De Conti. Sua atenção e capacidade intelectual muito me ajudaram na conclusão deste trabalho. Agradeço, além disso, aos professores Giuliano Contento e Geraldo Biasotto, o primeiro por promover uma reunião no CERI para discussão de parte desta tese e o segundo pela valiosa contribuição durante o processo de qualificação.

Agradeço aos meus pais pelo apoio incondicional em todos os momentos. Faço um agradecimento especial ao amigo, Ulisses Rubio, que durante todo o doutorado esteve próximo, auxiliando nos caminhos que escolhi durante a confecção deste trabalho. Dos amigos, foi aquele que me ajudou, revisando o texto, participando de minha qualificação e escutando todas minhas dúvidas.

Sou grato também pela amizade e paciência por parte dos funcionários da Secretária de Pós-graduação que para mim é grupo de pessoas competentes, delicadas e atenciosas. Não poderia jamais deixar de lembrar dos amigos da Biblioteca do IE, Alexandra, Cleyton, Dora, Lurdinha, Miriam e Kely. Pessoas a quem prezo como amigos e admiro como profissionais. Manifesto, ademais, minha graditão a todos professores e funcionários do Instituto de Economia que de alguma forma contribuíram para a conclusão deste trabalho.

Também sou grato aos funcionários da Biblioteca Ronald Reagan pela atenção especial com que me atenderam, assim como à Rutie e Jay que me receberam em sua casa e me trataram muito bem durante minha estadia em Simi Valley. Agradeço, da mesma forma, o apoio financeiro para esta empreitada por parte do Instituto de Economia e do FAEPEX da Unicamp, assim como aos anos de bolsa de estudos de doutorado fornecidos pela CAPES.

Por fim, não tenho como deixar de mencionar os grandes amigos que fiz durante o período em que estudei no IE-Unicamp. Desde o curso de mestrado até o

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Fundamentando-se em uma ampla pesquisa sobre documentos presidenciais recém-desclassificados nos Estados Unidos, este trabalho retoma o debate sobre a atual articulação do sistema financeiro e produtivo internacional e enfatiza que o governo presidencial de Ronald Reagan (jan. 1981 – jan. 1989) foi aquele que melhor ajustou os interesses políticos e econômicos norte-americanos a uma proposta ideológica e de dominação global que, em seus fundamentos básicos, há muito vinha sendo perseguida pelas elites governantes daquele país. Para tanto, buscamos fundamentar nossa argumentação em uma breve contextualização do período pós-guerra, para, a partir do momento em que o arranjo financeiro de Bretton Woods é extinto (1971), explicarmos como a nova ordem internacional foi sendo constituida por iniciativas dos Estados Unidos em um conturbado processo de acomodação que foi se desdobrando em meio a uma longa crise econômica de estagflação. A nosso ver, a ordem econômica internacional pós-Bretton Woods consolidou-se a partir do governo Reagan com a implementação de uma política econômica internacional de corte neoliberal concebida para ajustar todo o sistema financeiro e de comércio. O principal objetivo era o de ampliar o espaço de acumulação dos capitais financeiros e produtivos - estes financeirizados - multinacionais, principalmente norte-americanos. Isso foi realizado, em grande medida, por meio do poder de coação dos EUA obtido com a reafirmação do dólar em 1979 e com a manutenção de uma elevada taxa de juros ao longo dos anos que se seguiram. Além disso, como consideramos que o Estados Unidos, desde sua fundação, é um estado movido por uma lógica de constante expansão política e econômica, atualmente para fora de seu território, durante a administração Reagan, este país mobilizou de forma intensa seu aparato político internacional e o complexo industrial-militar no sentido de eliminar, de uma vez por todas, o único obstáculo que ainda restringia a expansão da influência norte-americana para outras áreas do planeta, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em função disso, o governo americano, sob a gestão de Ronald Reagan, buscou promover uma nova corrida armamentista ao mesmo tempo em que articulava um estrangulamento financeiro internacional do bloco soviético. Consideravam aquele o momento oportuno para forçar uma bancarrota econômica e enfraquecer ainda mais a coesão política interna da URSS e do conjunto de países satélites. Dessa maneira, considerando dois eixos explicativos, um econômico e outro geopolítico, buscamos apresentar como a reafirmação econômica e política da hegemonia estadunidense sobre o bloco capitalista se consolidou durante o governo de Ronald Reagan e adquiriu elementos finais para sua expansão global no pós-Guerra Fria.

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Based on extensive research on newly declassified presidential documents in the United States, this thesis resumes the debate over the present international financial and productive system and emphasizes that Ronald Reagan's presidential government (Jan. 1981 - Jan. 1989) was the one who best adjusted American political and economic interests to an ideological and global domination that, in its basic foundations, had long been pursued by the ruling elites of that country.In order to do so, we sought to base our discussion on a brief contextualization of the postwar period, so that, once the Bretton Woods financial arrangement is extinguished (1971), we explain how the new international order was constituted by initiatives of the States United in a troubled housing process that was unfolding amid a long economic crisis of stagflation. In our view, the post-Bretton Woods international economic order was consolidated during the Reagan administration with the implementation of a neoliberal international economic policy designed to adjust the entire financial and trade system. The main objective was to open more space for capital amassment of multinational financial and productive capitals, mainly American. This was done largely through the US coercive power obtained with the reaffirmation of the dollar in 1979 and the maintenance of a high interest rate over the ensuing years. In addition, as we consider the United States, since its foundation, a state moved by a logic of constant political and economic expansion, currently outside its territory, during the Reagan administration, this country mobilized its international political apparatus and the industrial-military complex to eliminate, once and for all, the only obstacle that still restrained the expansion of its influence over other areas of the planet: the Union of Soviet Socialist Republics. As a result, the American government, under the administration of Ronald Reagan, sought to promote a new arms race while orchestrating an international financial blockade to the Soviet bloc. They considered this was the opportune moment to force an economic bankruptcy and further weaken the internal political cohesion of the USSR and the set of satellite countries.Thus, considering these two explanatory lines, one economic and another geopolitical, we sought to present how the economic and political reaffirmation of US hegemony over the capitalist bloc was consolidated during the Ronald Reagan administration and acquired the final elements for its global expansion in the post-Cold War period.

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Gráficos

1.1 - Média do Crescimento do PIB per capita

2.1 - Lucro Privado depois dos Impostos – EUA – 1955-1970 2.2 - Saldo da Balança Comercial dos Estados Unidos

2.3 - Média anual do Déficit Fiscal / PIB - EUA 2.4 - Balanço de Pagamentos dos EUA

2.5 - Lucro Privado depois dos Impostos – EUA – 1965-1988 2.6 - Inflação Anual nos EUA

2.7 - Inflação Anual nos países centrais e outros europeus - 1956-1988 2.8 - Evolução do câmbio do dólar

II.1 - PIB Real dos EUA - evolução anual II.2 - Taxa de Desemprego - EUA (%)

II.3 - Índices de Produtividade do Trabalho e Salários - EUA

3.1 - Valor médio dos ativos financeiros detidos pelas famílias por percentil de renda - EUA - 1989

3.2 - Population Age 65 and Over: 1900 to 2000 3.3 - Déficit Fiscal - Estados Unidos

3.4 - Receita e Gasto Totais - Governo dos EUA 3.5 - Importações e Exportações – EUA

4.1 - Balanço de Pagamentos dos EUA (1979 – 2009) 4.2 - Taxas de Câmbio em relação ao dólar

5.1 - U. S. and Soviet Defense Spending, Fiscal Years 1946-1997 5.2 - Produto Bruto Industrial por Setor - EUA

5.3 - Gastos do Governo no Setor Militar 1980-1988 5.4 - Gasto Anual com Defesa 1980-2015

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2.1 - Prime Rate - Taxa média anual (%)

3.1 - Simulação do Impacto na Redução do Imposto de Renda em 1981 3.2 - Orçamento Federal dos Estados Unidos - 1977-1988

4.1 – Exposição como percentagem do capital dos maiores bancos norte-americanos - 1982

Quadros

4.1 - Política Comercial Estadunidense durante o Governo Ronald Reagan 5.1 - A ‘Política Industrial’ durante o Governo Ronald Reagan

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BEA – Bureau of Economic Analysis

BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BM – Banco Mundial

BIS – Banco de Compensações Internacionais BLS – Bureau of Labor Statistics

CEA – Council of Economic Advisors CIA – Central Inteligency Agency EC – European Community ECU – European Currency Unit EUA – Estados Unidos da América Fed – Federal Reserve System FMI – Fundo Monetário Internacional FOMC – Federal Open Market Committee

G-7 – Grupo dos Sete (Estados Unidos, República Federal Alemã, França, Japão, Reino Unido, Itália e Canadá)

ICU – International Compensation Union IDE – Investimento Direto Externo

LDC – Less-Developed Countries

NAC – National Advisory Council on International Monetary and Financial Policies NARA – National Archives and Records Admnistration

NSC – National Security Council

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA – Organização dos Estados Americanos

ONU – Organização das Nações Unidas

OMB – Office of Management and Budget (The White House) OMC – Organização Mundial de Comércio

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URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USTR – United States Trade Representative

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PARTE I – Advento e Crise da Ordem Econômica de Bretton Woods ... 25

Capítulo 1 – A Reconstrução da Ordem Capitalista sob a Hegemonia dos Estados Unidos ... 26

O reordenamento do sistema financeiro internacional sob a égide do dólar ... 30

O reordenamento da concorrência oligopolista industrial ... 35

Conclusão ... 42

Capítulo 2 - A Crise do Dólar, Ajuste Financeiro e Reorganização do Capital Industrial ... 45

A Crise dos Anos 1970 e o Ajuste Financeiro Internacional... 46

A Rearticulação do Capital Industrial Multinacional durante a Crise dos Anos 1970 ... 68

Conclusão ... 75

PARTE II – Estabilização Monetária Internacional e Retomada do Projeto Hegemônico Global: o governo de Ronald Reagan (1981-1989) ... 78

Capítulo 3 - Redução de Impostos, “Equilíbrio” Orçamentário e Desregulação das Atividades Econômicas ... 86

Conclusão ... 108

Capítulo 4 - A Retomada da Liderança Econômica Internacional ... 110

A Caminho de uma Nova Ordem ... 113

O Enquadramento Monetário: 1982 a 1983 ... 143

O Tratamento para a Crise da Dívida Internacional ... 159

Os ajustes do dólar depois da grande alta de juros: os acordos Plaza 1985 e Louvre 1987 ... 168

Conclusão ... 179

Capítulo 5 - A Oportunidade de dar cabo do Comunismo Soviético ... 181

Conclusão ... 194

Considerações Finais ... 197

Referências Bibliográficas ... 202

Referências em Fontes Primárias ... 209

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Introdução

Antes de introduzirmos o leitor diretamente no assunto desta tese, gostaríamos de suscintamente esclarecer alguns fatos sobre a realização deste trabalho. Ao iniciarmos nosso curso de doutorado, tínhamos bem definido nosso recorte de pesquisa, ou seja, buscávamos uma resposta para a seguinte pergunta: quais fatores teriam determinado a submissão da política econômica do Brasil às imposições de organismos e agentes financeiros internacionais nos anos 1980 durante a crise da dívida externa? Com base na experiência bem-sucedida que tivemos em nossa dissertação de mestrado - publicada na forma de livro financiado pela FAPESP - e considerando a notícia de que poderíamos ter acesso a novos documentos desclassificados norte-americanos referentes ao Brasil, estabelecemos como meta encontrar material empírico que nos fosse suficiente para revisar o assunto e quiçá fazer uma nova e significativa contribuição para seu debate.

Nosso pressuposto era o de que o encaminhamento para a resolução do problema da dívida brasileria havia passado por importantes interesses financeiros de origem norte-americana, conforme vinhamos verificando em estudos bibliográficos preliminares. Dessa forma, dadas as intrincadas relações entre Estado e interesses financeiros privados, para nós, não era estranha a ideia de examinar documentos de Estado norte-americanos relativos ao Brasil naqueles anos (pensamos primeiramente nos papéis da Embaixada dos EUA em nosso país). Diferentemente do acesso a informações privadas, nos Estados Unidos, conforme as leis de desclassificação de documentos oficiais de governo, boa parte dos arquivos diplomáticos referentes aos anos 1980 já poderia ser examinada pelo público em geral. Contudo, após inúmeros contatos a partir do Brasil, somente pudemos ter certeza de que haveria à nossa disposição algum material proveitoso, quando entramos em contato com a Biblioteca Ronald Reagan na Califórnia. Para lá foram destinados a maioria dos documentos que passaram pela presidência no período do referido mandatário (jan. 1981 à jan. 1989). Trata-se, portanto, de instância superior à representação diplomática e ao próprio Departamento de Estado.

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Considerando, dessa maneira, a disponibilidade de recursos, de tempo e o fato de que somente junto a Biblioteca Reagan confirmamos a disponibilidade de arquivos que poderiam nos ajudar em nosso objetivo, realizamos a segunda etapa da pesquisa - sendo a primeira a revisão bibliográfica preliminar. Fomos aos Estados Unidos e, por meio de captação fotográfica in loco, coletamos uma infinidade de documentos do Staff do mais alto nível da Casa Branca, deixando para outra ocasião a papelada proveniente da embaixada norte-americana no Brasil. Apesar do prazo de classificação dos papéis diplomáticos ter expirado, o Departamento de Estado (Department of State) e o Arquivo Nacional (National Archives Records Administration – NARA) norte-americanos ainda não sabiam informar com precisão onde estariam os documentos que desejávamos: se ainda naquele Departamento ou se já encaminhados ao NARA.

Na Biblioteca Ronald Reagan, pudemos fotografar e levar para casa cerca de 9.000 fotos, abrangendo registros do gabinete executivo e das mais diversas instâncias diretamente vinculadas à Presidência. Com o tempo que dispunhamos, trouxemos aquilo que se referia ao Brasil, América do Sul, dívida externa latino-americana, organizações financeiras internacionais, fóruns econômicos multilaterais e uma diversidade de outros temas vinculados a estes como comércio, ajuda bilateral, bloco soviético, relações Norte-Sul, etc (ver item Fontes Primárias ao final deste trabalho). Todo o conjunto documental foi varrido criteriosamente e fichado, foto por foto, com menção ao tipo de documento, data, assunto, referências e reprodução de trechos considerados pertinentes. Depois de confeccionarmos 172 páginas somente sobre o que coletamos, passamos ao trabalho de classificação por assunto, buscando identificar os elementos que mais se repetiam ao longo do tempo, em meio a toda a equipe da Casa Branca, Secretarias do Executivo e Agências Nacionais. Demos maior atenção aos temas considerados da mais alta relevância por aqueles que produziam tais papéis, tendo em conta sua recorrência e a esfera burocrática em que foram tratados. Entendemos ter constituído, dessa forma, a parte ou a integralidade da pauta econômica internacional do governo Reagan, dadas as limitações da fração documental que havia disponível (muitos documentos, considerados altamente sigilosos são vetados de desclassificação comum, sendo só liberados para o público em período bastante posterior). Dados estatísticos e desdobramentos históricos analisados na revisão bibliográfica foram

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posteriormente comparados a esse material empírico no sentido de aproveitá-lo ao máximo.

No decorrer do trabalho, esperávamos encontrar papéis que se referissem exclusivamente à questão da dívida brasileira e de suas negociações, contudo, nos deparamos com muitos documentos que tratavam do tema, mas não de forma isolada. Verificamos que o problema da dívida latino-americana foi conduzido dentro de uma agenda de assuntos já em andamento e que a estratégia para lidar com a questão foi concebida em meio ao próprio processo de reorganização das finanças internacionais que já se desenvolvia desde os anos 1970. Isto não significou que os gestores de Estado americanos não dessem a devida importância às negociações da dívida e ao potencial de crise que um default generalizado poderia provocar em um sistema financeiro internacional que vinha finalmente se consolidando depois do fim dos acordos de Bretton Woods em 1971.

O que pretendemos enfatizar é o fato de que nosso trabalho percorreu o caminho que foi se revelando conforme a documentação selecionada foi sendo estudada. Encontramos material sobre a crise da dívida externa latino-americana nos anos 1980 que foi incluído neste texto. Porém, acabamos nos deparando com um movimento, em nível superior, por parte do governo estadunidense, que visava, antes de tudo, manter a hegemonia dos EUA e consolidar um sistema político e econômico internacional dentro de uma ordem que lhes interessava. Nos papéis do governo de Ronald Reagan isso se apresentou de forma bastante clara e repetitiva. Resolvemos, portanto, apostar no estudo do material que tínhamos em maior quantidade e, nesse sentido, colocá-lo no centro da nossa pesquisa. Chegamos também à conclusão de que para uma melhor compreensão da inserção periférica brasileira dos últimos anos seria fundamental entender o exercício da hegemonia norte-americana. Foi dessa maneira que, por fim, decidimos compreender o sentido de expansão do poder americano. Dessa forma, buscamos trazer algumas indicações do início desse movimento, introduzindo finalmente ao leitor o assunto de que trataremos neste trabalho.

Na última década do século XX, os Estados Unidos e seus aliados dariam por consumado seu embate com o socialismo real. Da chamada Guerra Fria entre os distintos blocos ideológicos, capitalista e comunista, os EUA foram aqueles que

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emergiram preponderantes, militar e economicamente. Detinham, além disso, poder suficiente para atuar, nas relações econômicas internacionais, sobre as principais potências industriais no sentido de influir sobre as condições para a valorização do capital – sem contar com a sempre poderosa ascendência cultural americana que se espraiaria ainda mais sobre as diversas sociedades ao redor do globo. Assim, em 1992, o então presidente dos Estados Unidos, George H. W. Bush, pai, proferiria o seguinte discurso:

Muito pode ser feito com o uso prudente da força. E muitas coisas boas podem vir a partir disso: Um mundo antes dividido em campos armados agora reconhece uma única e preeminente superpotência, os Estados Unidos da América. E considera essa condição sem medo. Pois o mundo confia o poder a nós e o mundo está certo. Eles confiam em que sejamos justos e moderados. Eles confiam em que estejamos ao lado da decência. Eles confiam em que faremos o que é certo1.

Extinto então o comunismo soviético, o governo estadunidense tinha como certa sua liderança frente a uma nova ordem capitalista agora global, manteria sua conduta de suporte a renovados padrões de acumulação que nesse momento visavam expansão ainda maior do que aquela que já vinha ocorrendo em período imediatamente anterior. Devemos salientar, entretanto, que a posição internacional dos Estados Unidos, que permitia tal desenvoltura ao discurso do presidente Bush (gestão: 1989-1993), não se constituiu com a implosão do bloco socialista ou mesmo por ação daquele governo de um só mandato.

A hegemonia norte-americana no mundo capitalista, instituída de fato com o fim da Segunda Guerra Mundial, exigiu das sucessivas administrações presidenciais, principalmente a partir dos anos 1970, contínuas intervenções políticas e econômicas para sua manutenção. Nesse período, os EUA, frente ao desafio de um capitalismo reformado na Europa e no Japão, agiram no sentido de manterem-se preponderantes dentro do sistema financeiro internacional, rearticularem os interesses monopolistas internos, ao mesmo tempo em que estruturavam uma desproporcional capacidade militar. Assim, depois de praticamente uma década de instabilidade e incertezas (1971-1983), perpassando inúmeros impasses para um adequado ajuste de interesses, o rearranjo entre a burocracia de Estado e os grandes capitais norte-americanos teria sua forma mais

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bem acabada nas iniciativas neoliberais e militaristas da gestão do presidente Ronald Reagan (1981-1989)2.

Devemos, entretanto, ter em mente que esta retomada de prestígio, a partir dos anos 1980, com a ideia de se estabelecer de uma vez por todas uma almejada Pax Americana3, não é uma concepção que, conforme o senso comum, teria aparecido somente depois da Segunda Guerra Mundial4. A liderança política, intelectual e moral do mundo a que se propôs o governo americano a partir dos anos 19405 - eliminada a ampla resistência doméstica depois do ataque a Pearl Harbor6 - é em realidade uma ideia que remonta ao período de fundação dos Estados Unidos da América como Estado nacional, estabelecida em paralelo ao desenvolvimento capitalista norte-americano. De acordo com Perry Anderson (2015: 13):

Aos privilégios objetivos de uma economia e geografia sem paralelos foram acrescentados dois potentes legados subjetivos, um de cultura, outro de política: a ideia (oriunda da colonização puritana inicial) de uma nação que gozava de privilégio divino, imbuída de uma vocação sagrada; e a crença (oriunda da Guerra da Independência) de que uma república dotada de uma constituição de liberdade eterna havia surgido no Novo Mundo.

Assim uma nação concebida sob tais premissas seria o modelo para outros povos e, portanto, teria a missão de libertá-los das misérias do despotismo absolutista do Velho Mundo7. Nas palavras de John Adams a Thomas Jefferson, em 1813: “Nossa república federativa pura, virtuosa e dotada de espírito público

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Como veremos ao longo deste trabalho, para nós, é nesta administração que a burocracia estatal vislumbra com maior clareza a oportunidade de aniquilação dos regimes socialistas e é nela também que passará a se firmar para o mundo, com o apoio ostensivo dos EUA, um padrão praticamente universal de conduta econômica para os outros Estados que fosse adequado às reemergidas formas de acumulação dominadas, em grande medida, pelas finanças internacionais.

3 Conceito a partir do qual se estabeleceria um domínio político e econômico estadunidense sobre todas as regiões do planeta.

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Conforme Arrighi (1996: 27): “O conceito de hegemonia mundial [...] refere-se especificamente à capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas”.

5 Arrighi (ibidem: 65-66) considera ainda que: “Tal como o Reino Unido no início do século XIX, os Estados Unidos tornaram-se hegemônicos, primeiramente, por conduzir o sistema interestatal à restauração dos princípios, normas e regras do Sistema de Vestfália; depois, passaram a governar e a reformular o sistema interestatal que haviam restabelecido”.

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Referimo-nos ao ataque japonês à base da marinha americana em Pearl Harbor no Avaí em 7 de dezembro de 1941. Esta investida do Japão eliminou uma forte oposição política doméstica à interferência americana em questões europeias e à entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, ou seja, tornou diminuta a corrente política denominada isolacionista.

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De acordo com Katznelson (2002: 104): “[...] the United States, by creating a liberal state of light mobilization

but effective sovereignty and protection of commerce, became the archetype for a new, post absolutist pattern of state formation”.

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perdurará para sempre, governará o globo e introduzirá a perfeição do homem” (Apud. ANDERSON, op. cit.: 14)8.

Do nascimento da república até o início do século XX, o que se observaria nos Estados Unidos, dessa maneira, é um movimento de expansão, a princípio territorial, concatenado a um amplo crescimento produtivo da indústria e da agricultura que, na medida do seu avanço, solicitaria com mais frequência o apoio do Estado, reforçando-o burocrática e militarmente. De acordo com Zakaria (1999: 3), em seu estudo sobre os Estados Unidos:

Over the course of the history, states that have experienced significant growth in their material resources have relatively soon redefined and expanded their political interests abroad, measured by their increases in military spending, initiation of wars, acquisition of territory, posting of soldiers and diplomats, and participating in great-power decision-making.

Assim, após sua fundação e ao longo do século XIX, o governo americano passou a concentrar-se nesse objetivo. O Poder Executivo foi, por sua vez, a instância decisória mais apta para a tarefa, ampliando, no decorrer dos anos, sua estrutura administrativa, reforçando suas prerrogativas internas e dominando as definições de política externa (ibidem: 106-122; ANDERSON, op. cit.: 11-12). A partir de 1880, no âmbito militar, um exército regular e centralizado seria mais bem concebido e uma nova marinha seria reestruturada e ampliada marcando o ponto de inflexão em direção a uma projeção político-militar internacional em apoio aos interesses econômicos domésticos no exterior (ZAKARIA, op. cit.: 122-128; KATZNELSON, 2002: 90)9. Katznelson (ibidem: 82) assinala ainda que as forças armadas foram a instituição-chave para o desenvolvimento da ação política internacional norte-americana:

In modern sovereignty states, the military is the most important buckle fastening international to domestic affairs. As effects and causes of international relations, as key symbols and guardians of national sovereignty, and as crucial links joining a state’s international

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O Secretário de Estado dos governos Abraham Lincoln e Andrew Johnson (1861-1869), William H. Seward, manifestou ante o público norte-americano: “Vocês já são a grande potência continental da América. Mas será que isso os contenta? Eu acredito que não. Vocês querem o comércio do mundo. Isso é algo que deve ser buscado no Pacífico. A nação que extrai o máximo da terra e fabrica mais, e mais vende a nações estrangeiras, deve ser e será a grande potência da Terra. Depois disso, foram adquiridos o Alasca, as Ilhas Midway e buscava-se a obtenção do Avaí (ANDERSON, op. cit.: 14).

9 “The new navy was, for [Benjamin F.] Tracy [Secretário da Marinha 1889-1893], the means by which the

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role to civil society and the economy, armies and navies are basic instruments of political development.

Intervenções nas Américas Central e do Sul, no Pacífico e na China, a partir de então, marcariam a emergência dos EUA como uma nova grande potência na disputa pelo comércio e pelo poder político internacionais. Conforme Zakaria (op. cit.: 174), no início do século XX, o governo americano já se preparava mesmo para um eventual conflito com potências europeias.

Devemos assinalar, no entanto, que nesta expansão para o exterior os EUA mantiveram uma atitude racional e utilitária, medindo riscos e benefícios e, quando chegaram a um ponto em que as vantagens esperadas diminuíam, recuaram (ibidem: 170-180). Apesar de terem sido o fiel da balança durante a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos não avançaram de imediato para um protagonismo internacional mais efetivo, tomando a decisão de não participar da Liga das Nações depois de 191910. Também restringiram a si mesmos no estabelecimento de regras para a rearticulação do sistema financeiro internacional (EICHENGREEN, 2000, Cap. 3). Tal fato se daria por não haver ainda um amplo e necessário respaldo do conjunto das elites ou mesmo da população em geral aos projetos expansionistas. Os recursos internos e um mercado doméstico por demais extensos eram ainda suficientes para a manutenção de um isolamento “seguro” entre dois oceanos. Conforme Anderson (op. cit.: 19), haveria por um certo tempo a existência de um hiato entre a ideologia americanista e a realidade de seus interesses.

Como já dissemos, o advento da dominância americana entre os países capitalistas somente se configuraria depois da Segunda Guerra. Nesse outro conflito, os estados que compunham o Eixo saíram da contenda política e economicamente arrasados, enquanto a maioria dos países Aliados enfrentava sérias dificuldades financeiras, de infraestrutura e de abastecimento. O fato de o território americano estar afastado dos enfrentamentos bélicos permitiu que esse país preservasse e ampliasse sua capacidade industrial e recuperasse plenamente sua economia após a severa depressão econômica dos anos 1930. Os EUA eram,

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Apesar das iniciativas do presidente Woodrow Wilson no sentido de se estabelecer uma ordem em que os EUA teriam grande peso, o Congresso americano rejeitou a entrada daquele país na Liga das Nações, fundada após a Primeira Guerra Mundial com o intuito de assegurar a paz depois de 1918.

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além disso, os maiores credores do planeta e, naquele momento, suas forças armadas se projetavam por praticamente todo o globo11.

A vitória concomitante da União Soviética na Segunda Guerra e sua expansão para dentro da Europa limitaram, contudo, a intenção dos EUA de estabelecerem a desejada ordem internacional liberal de comércio e de segurança sobre a qual exerceriam a primazia. Conforme Anderson (op. cit.: 33):

Depois que o Exército Vermelho se entrincheirou na Europa oriental e os regimes comunistas o apoiaram, com partidos comunistas de massa ativos para o Oeste e o Norte, na França, Itália e Finlândia, as prioridades em Washington se inverteram.

A incompatibilidade entre o capitalismo e o comunismo, dada a negação de um pelo outro, fez com que aquele primeiro objetivo americano de fazer o mundo a sua imagem e semelhança fosse relegado a um segundo plano. Eliminar a ameaça comunista passou a ser a prioridade dos Estados Unidos. Tal fato exigia a recomposição do sistema capitalista de maneira a legitimá-lo de forma mais sólida, já que, após a catástrofe das duas guerras mundiais entremeada por uma profunda depressão econômica, o ensejo mais imediato das populações afetadas era a paz política e maior segurança econômica do que aquelas que os países dentro do sistema capitalista haviam proporcionado até então.

Os EUA adotaram, dessa maneira, uma estratégia geopolítica composta por dois objetivos: por um lado, conter, dissuadir e pressionar o bloco comunista pela via militar - baseando-se no avanço tecnológico armamentista e no cerco armado ao inimigo12 -, e, por outro, eliminar em países-chave as insatisfações políticas e materiais por meio da ajuda econômica13. Visaram, dessa maneira, conter qualquer avanço territorial pela dissuasão bélica ao mesmo tempo em que buscavam recuperar a produção e o nível de emprego nas principais potências industriais capitalistas de antes da Segunda Guerra, principalmente Alemanha e Japão.

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Além do poder em terra, os Estados Unidos estabeleceram o domínio oceânico e eram os únicos a possuírem e já terem usado armas nucleares. Não é de admirar que alguns autores como Katznelson (op. cit.: 90), consideram que é somente no século XX que os EUA terão condições para projetar seu poder político sobre o mundo.

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A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi a aliança constituída (1949) de modo mais significativo e bem estruturado nesse sentido.

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Sendo bem-sucedidos nos dois objetivos até o início dos anos 1970, chegamos ao ponto em que os Estados Unidos, a partir dessa década, passaram a enfrentar uma crise de liderança política e econômica, dada principalmente pela perda de prestígio no Vietnã, pela emergência dos mercados financeiros internacionais e pela nova estrutura competitiva industrial que se consolidava dentro do capitalismo. Como veremos ao longo desse trabalho, a rearticulação buscada pelo governo americano em um cenário já diferente do imediato pós-guerra atravessou um período de conturbados ajustes até que se chegasse a uma determinada acomodação com o advento da presidência de Ronald Reagan em 1981. De acordo com nossa hipótese, como já afirmamos, é nesta gestão que uma política mais harmonizada ao novo padrão de acumulação, que veio a se configurar no último quarto de século, se apresentou de maneira mais transparente, ou seja, fez os últimos reparos para a afirmação de um sistema capitalista mais vinculado às finanças internacionais e a um novo modelo de produção transnacional financeirizado.

O objetivo de nosso trabalho, portanto, é o de demonstrar que a nova ordem econômica internacional depois do fim dos acordos de Bretton Woods foi consolidada durante o governo de Ronald Reagan. Buscaremos, para tanto, estabelecer nossa explicação com base nos principais determinantes da política econômica e geopolítica da administração Reagan, pois entendemos que, para uma melhor apreensão do capitalismo recente, reconstruir historicamente os desdobramentos da política econômica e da projeção militar da nação hegemônica seria uma forma de se atingir tal objetivo. Os documentos que coletamos na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan nos ajudarão como base para a mediação entre as ações do Estado e os desdobramentos históricos verificados. Concebemos nossa explanação, dessa maneira, em duas partes, a primeira de contextualização, com dois capítulos, e a segunda, com a nova base documental, com outros três capítulos. Em seguida, apresentamos nossas considerações finais. Na primeira parte, buscamos apresentar a ordem econômica em que vigoraram os acordos de Bretton Woods, sua crise e os ajustes para uma nova estruturação.

Assim sendo, no primeiro capítulo, visamos oferecer uma contextualização mais detida quanto à ordem internacional econômica estabelecida no pós-guerra até o momento imediatamente anterior à própria crise desse

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modelo14. No capítulo dois, buscamos tratar dos elementos da crise financeira enfrentada pelos Estados Unidos nos anos 1970, dos desdobramentos nos padrões de acumulação e das ações adotadas pelo governo americano no sentido de refazer o arranjo econômico internacional e contrarrestar as ameaças a sua dominância.

Na segunda parte de nosso trabalho, tendo em conta as mudanças econômicas que a partir daí se processaram no cenário internacional, fazemos uma análise do advento da presidência de Ronald Reagan (jan. 1981 – jan. 1989), buscando compreender o significado de suas políticas em meio ao movimento de reafirmação do poder dos Estados Unidos que vinha ocorrendo neste momento. Dessa maneira, no terceiro capítulo, analisamos no que consistiu seu programa de política econômica oficial, encaminhado pouco tempo depois da posse presidencial. No capítulo quatro, com base em documentos recém-desclassificados que coletamos nos arquivos oficiais daquela presidência, analisamos como aquele governo desenvolveu sua abordagem de política econômica internacional junto aos países centrais e periféricos. Pretendemos, neste trecho, atingir uma de nossas metas principais que é a de compreender, em meio a um processo histórico recente, quais fatores teriam sido preponderantes na determinação das iniciativas econômicas adotadas por aquela gestão. No quinto e último capítulo, analisamos as razões para a emblemática política militarista de Reagan e quais suas relações com a esfera econômica de sua administração. Dessa forma, a hipótese que apresentamos é a de que houve uma iniciativa deliberada por parte do governo americano de reafirmar e ampliar a hegemonia econômica e política dos Estados Unidos da América por meio de uma rearticulação do sistema econômico internacional que ao mesmo tempo permitiu uma projeção militar norte-americana sem paralelos no âmbito das relações internacionais.

14 O marco final que elegemos para este período será o exato momento que antecede o rompimento dos acordos de Bretton Woods em 1971.

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PARTE I – Advento e Crise da Ordem Econômica de Bretton Woods

Nesta primeira parte de nosso trabalho, temos por objetivo apresentar os principais elementos que estruturaram a ordem econômica internacional após a Segunda Guerra Mundial para, em seguida, mostrarmos como foram posteriormente reorganizados depois de uma profunda crise no processo de acumulação capitalista, essencialmente nos Estados Unidos. Nossa ideia é, para ser mais exato, mostrar ao leitor sobre que bases o arranjo econômico de Bretton Woods foi configurado para, logo depois, analisar por que este foi definitivamente extinto em 1971 e substituído por uma estrutura com base no dólar flexível.

Dado que aqui tratamos de uma pesquisa na área de História Econômica, nos concentramos nos elementos mais vinculados à reprodução da vida material nos moldes do capitalismo contemporâneo. Ou seja, concentramos nossa análise sobre a estrutura e o funcionamento do sistema financeiro internacional e sobre a configuração global das estruturas produtivas industriais oligopolistas ao longo dos dois momentos ora mencionados.

É com base neste contexto que pretendemos explicar, posteriormente, na PARTE II deste trabalho, o movimento político e econômico desfechado pelo governo presidencial de Ronald Reagan no sentido de projetar a hegemonia norte-americana sobre todo o globo terrestre.

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Capítulo 1 – A Reconstrução da Ordem Capitalista sob a Hegemonia dos Estados Unidos

Como a proposta de nosso trabalho é a de explicar os fatores que em grande medida determinaram as políticas econômicas adotadas pelo governo do presidente Ronald Reagan, com base no entendimento de que estas estariam alinhadas a uma rearticulação do sistema capitalista e teriam como objetivo final a própria manutenção da hegemonia norte-americana, neste capítulo, pretendemos apresentar de maneira sucinta a ordem internacional estabelecida sob a liderança dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para podermos, em seguida, melhor compreender seu rearranjo posterior. Retomaremos, portanto, questões relacionadas à reconstrução do capitalismo no pós-guerra, considerando que nessa época o principal eixo político girava em torno da rivalidade entre os EUA e a União Soviética, e o eixo econômico em torno do desenvolvimento e expansão dos capitais produtivo e financeiro no mundo. Como estamos realizando um trabalho de história econômica, daremos foco um tanto maior à análise das decisões políticas mais vinculadas aos desdobramentos econômicos do que puramente políticos.

Como discutimos anteriormente, a ideia de estabelecer uma ordem internacional sob a liderança dos Estados Unidos permeou, desde as origens desse estado, os objetivos de expansão econômica de suas elites15. Com o advento da

Segunda Guerra Mundial, as condições políticas e econômicas para o desfecho desse movimento passam a se apresentar de maneira mais clara e objetiva. Korten (1995: 134-135), por exemplo, elenca documentos de Estado em que grupos de interesse americanos e a burocracia de governo, ainda no início das hostilidades bélicas da Segunda Guerra, já conjecturavam resultados vantajosos para os Estados Unidos:

The planners anticipated that the defeat of Germany and Japan and the wartime devastation of Europe would leave the United States in an undisputed position to dominate the postwar economy. They believed the more open that economy was to trade and for

15 No caso da América Latina, por exemplo, Bastos (2015a) salienta que a política externa norte-americana para a região, a chamada ‘Política de Boa Vizinhança’, não tinha como objetivo primordial a questão da segurança militar do hemisfério americano, mas sim considerações econômicas. Estas, conforme o autor, haviam assumido, nesse período, um papel mais estratégico do que antes por causa das necessidades de abertura de mercados para exportações e da garantia de importação de minerais essenciais e outros bens.

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investment, the more readily the United States would be able to dominate it.

O resultado final do conflito, entretanto, constituiu um cenário distinto. Os soviéticos sobreviveram ao ataque da máquina de guerra nazista, sendo capazes inclusive de expulsá-los, mudando o curso da guerra para um desfecho diferente daquele que era esperado16. Mesmo antes de uma entrada mais significativa por parte dos norte-americanos no teatro de operações europeu, abrindo a Frente Ocidental pela Normandia17, o Exército Vermelho deu início a uma contraofensiva que passou a avançar progressivamente em direção à Alemanha18. Na primavera de 1944, seus exércitos entraram nos países do leste europeu, permitindo que a URSS estabelecesse influência direta sobre esses estados e apoiasse a instituição de regimes de esquerda comunista. Mazzucchelli (2013: 6), considera racional o movimento da URSS para dentro da Europa já que:

Uma vez expulsos os invasores, ao custo de milhões e milhões de vidas, de sacrifícios inenarráveis da população e da total desorganização da atividade econômica, não surpreende que o regime soviético viesse estabelecer um cordão de proteção ao longo de seu território e concedesse prioridade absoluta aos gastos militares.

Assim, com o fim do conflito e chegada a hora da afirmação do poder americano, a constituição de um bloco de países sob o sistema político marxista-leninista passou a ser visto pelos Estados Unidos como uma ameaça vital a seus interesses e até mesmo à sua própria existência (MEAD, 2002: 264) 19. Conforme Anderson (op. cit.: 27), no quadro mental dos funcionários de Estado americanos, tratava-se não apenas de uma forma alternativa de governo, mas da negação do capitalismo – sendo, portanto, um inimigo muito mais radical que o nazi-fascismo, já

16

Devemos salientar que a própria invasão da União Soviética não era um movimento totalmente previsto pelos EUA. Quando o nazi-fascismo aliado ao Japão ameaçou obter controle sobre parte substancial do território europeu e de seus mercados, os EUA forneceram apoio material substancial aos esforços de guerra da URSS. A luta desesperada do Exército Vermelho também dava tempo aos EUA para organizarem sua produção e suas forças militares, poupando ainda o derramamento de sangue americano. Robert Sherwood (1998) faz um detalhamento minucioso dessa ajuda à URSS e das relações entre Roosevelt e Stalin.

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Depois de operações de menor escala na África (1942) e na Itália (1943), em conjunto com os ingleses, a frente definitiva para a derrota do Eixo na Europa Ocidental, aberta sob a liderança dos EUA, ocorreu somente em junho de 1944. Quase três anos após a invasão da Rússia pelos alemães e do ataque a Pearl Harbor. A guerra na Europa acabou em abril de 1945.

18

Depois da derrota dos alemães em Stalingrado em fevereiro de 1943, os soviéticos passam para a posição ofensiva até o final da guerra no teatro europeu.

19 A criação da República Popular da China depois da revolução comunista de 1949 ampliou ainda mais os receios americanos quanto à expansão do comunismo no mundo.

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que não respeitava a propriedade privada dos meios de produção, tencionando inclusive pelo fim do capitalismo de maneira universal.

Assim sendo, na perspectiva norte-americana, as condições que se apresentavam não eram propícias para se tentar a consecução do objetivo principal dos EUA de estabelecer um sistema de livre iniciativa, comércio e investimentos com base tão só na preponderância financeira e industrial estadunidense adquirida ao fim do conflito (ANDERSON, op. cit.: 33). A destruição causada pela guerra e a desmobilização militar fizeram com que o governo daquele país levasse em consideração o risco de uma nova depressão econômica mundial (KORTEN, op. cit.: 134; HOBSBAWM, op. cit.: 228), assim como conjecturasse a possibilidade de que os países arrasados pudessem mergulhar em revoluções e cair nas mãos de comunistas (MAZZUCCHELLI, op. cit.: 12)20. A elaboração de uma estratégia distinta que mantivesse o objetivo primordial de hegemonia americana exigia, portanto, uma reordenação de prioridades e um tratamento mais detido das ameaças. Era necessário, dessa forma, primeiro enfrentar o comunismo antes de cumprir com o propósito de constituir um poder político global com base nas forças de mercado21. A reconstrução de um capitalismo seguro econômica e militarmente, com a intenção de conter, enfraquecer e precipitar o comunismo passaria a ser, dessa forma, a prioridade número um.

A rápida recuperação econômica da Europa – principalmente da Alemanha – e do Japão nos anos que se seguiram decorreria, em grande medida, dessa intenção dos Estados Unidos de reerguer o sistema capitalista sobre bases mais sólidas do que aquelas do pós-Primeira Guerra Mundial. Durante o período de reconstrução, os EUA passaram a oferecer ajuda material e financeira à Europa, através do Plano Marshall22, e ao Japão por meio de um volumoso apoio direto23. Supririam assim as prementes necessidades de liquidez que tinham estas nações,

20 “A destruição foi particularmente dramática na produção agrícola, nas redes de transportes e comunicações, na oferta de combustíveis, no provisionamento de bens de consumo essenciais e na infraestrutura urbana (habitações e serviços básicos). Em alguns casos, a guerra tornou simplesmente inutilizável parcela relevante dos ativos industriais preexistentes” (MAZZUCCHELLI, op. cit.: 4).

21

Conforme o governo americano: “Opor-se à ameaça soviética era mais urgente do que o ajuste fino da Pax

Americana: alguns de seus princípios teriam de ser protelados na resistência a ela. Ganhar aquilo que viria a ser

a Guerra Fria teria de vir em primeiro lugar” (ANDERSON, op. cit.: 33). 22

“O aporte de recursos – US$ 13 bilhões entre 1948 e 1952 – permitiu, de início, que os países europeus superassem a fase crítica da escassez de divisas” (MAZZUCCHELLI, op. cit.: 11).

23 As maciças compras americanas do Japão para o esforço de guerra na Coreia seriam também um forte impulsionador da economia japonesa naquele período (TORRES, 2000: 34).

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permitindo uma rápida recomposição econômica pela reconstituição da infraestrutura civil e produtiva. Os EUA, além disso, complementaram tais medidas com a abertura do próprio mercado interno às exportações do Japão e com o apoio ao regionalismo econômico europeu. (ARRIGHI, op. cit.: 305; GILPIN, op. cit.: 106-111; FIORI, 1997: 102-107).

O apoio dos EUA ao fim das barreiras comerciais entre países europeus baseava-se na premissa de se consolidar a economia de mercado em toda a Europa Ocidental. As empresas multinacionais norte-americanas, por seu turno, saíram beneficiadas pelos acordos regionais europeus, pois, tendo suas filiais ali estabelecidas, puderam usufruir o que veio a se constituir, posteriormente, Mercado Comum Europeu. No Japão, todavia, não tiveram essa possibilidade. Tal tolerância americana deveu-se principalmente ao peso da URSS e da China comunista no balanço de poder do Pacífico, principalmente com o advento da Guerra da Coreia nos anos 1950 (GILPIN, op. cit.: 108-110).

No plano militar, Gilpin (op. cit.: 104-105) salienta que os estadistas norte-americanos, no sentido de efetivar a “contenção comunista”, tiveram a necessidade de organizar e financiar, em paralelo aos planos de ajuda econômica, um monumental sistema de defesa no entorno do mundo socialista, enquanto a União Soviética e a República Popular da China tinham a vantagem geográfica de proteger seu território continental sem que fosse preciso fazer grandes mobilizações armadas e/ou comprar alianças estratégicas junto aos mais diversos países para obter apoio e espaço para a instalação de bases militares24. Os gastos estadunidenses em armamentos, conforme Coutinho (1975: 52-53), tornaram-se, contudo, bastante convenientes tanto no sentido de atender aos objetivos de tecnocratas e militares, quanto no de suportar financeiramente os interesses de grandes grupos industriais que compunham o denominado “complexo industrial-militar” 25

.

24

A União Soviética, apesar de um vasto exército e superioridade em equipamento de guerra convencional na Europa, foi inferior militarmente aos Estados Unidos durante todo o período da Guerra Fria, principalmente naquilo que se referia ao aparato nuclear. Tinha capacidade de dissuasão de menor porte, contudo, o gasto militar do que era em realidade uma potência regional economicamente atrasada, como era a URSS, foi muito maior proporcionalmente ao seu PIB do que no caso dos EUA (ANDERSON, op. cit.: 63).

25 Termo cunhado pelo então presidente norte-americano, Dwight Eisenhower, como advertência ao gasto militar excessivo, em seu discurso de despedida como presidente em janeiro de 1961.

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Assim, se, por um lado, os Estados Unidos estavam alarmados com o advento de um bloco comunista expandido, sendo condescendentes na reconstrução das frágeis estruturas herdadas do capitalismo pós-guerra, por outro, não deixariam de favorecer a expansão de seus capitais e de sua influência na recomposição das regras de comércio, investimento e do sistema financeiro internacional. Dessa maneira, dentro daquilo que os norte-americanos convencionaram chamar de “mundo livre” 26

, uma nova ordem econômica internacional seria estabelecida sobre bases financeiras dominadas principalmente por seu governo em prol de um novo ciclo de expansão centrado no capital produtivo industrial. Para tanto, seguiremos nossa exposição sobre a institucionalização do sistema financeiro internacional centrado no dólar para, posteriormente tratarmos do desenvolvimento dos capitais monopolistas industriais.

O reordenamento do sistema financeiro internacional sob a égide do dólar

O dólar já era importante para os fluxos internacionais de capital e comércio em fins do século XIX e início do século XX, entretanto adquiriu maior preponderância somente depois da Segunda Guerra Mundial27. Como salientamos acima, os Estados Unidos saíram deste conflito em posição amplamente favorável. Além de contarem com capacidade industrial renovada e projeção militar global, desfrutavam da categoria de maiores credores das principais potências econômicas sobreviventes28. Possuíam ainda um estoque de ouro correspondente a 70% das reservas mundiais de então. Dessa maneira, não é possível subestimar a vantajosa condição política que o governo norte-americano tinha para impor a moeda que este mesmo emitia como meio de troca universal e referência para as outras do mesmo gênero durante as negociações dos Acordos de Bretton Woods em 1944.

26

Nos discursos oficiais, o governo americano evitava o uso da palavra capitalismo. 27

Conforme Eichengreen (2000: cap.3-4), o sistema financeiro internacional, até a Primeira Guerra Mundial baseava-se no padrão ouro, sendo a libra esterlina a principal referência entre as principais moedas no mundo, tendo o marco alemão e o franco francês um papel não menos importante, porém secundário, nos circuitos financeiro e comercial. Tais moedas lastreavam-se em contrapartidas metálicas, havendo entre os principais bancos de cada país coordenação para a manutenção adequada de reservas de ouro no sentido de manter a confiança no sistema.

28

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Naquela Convenção, a proposta de Harry Dexter White, em que se estabeleceria o dólar lastreado em ouro como divisa balizadora para o valor fixo (mas ajustável) de outras moedas, preponderou ante a ideia de uma unidade monetária internacional alternativa, o bancor, sugerida então pelo economista inglês, John Maynard Keynes29. Naquele momento, os EUA fizeram valer sua força política e econômica e ficou estabelecido o padrão dólar-ouro, com o dólar como moeda chave tanto para a gestão do sistema financeiro internacional quanto para as trocas comerciais entre os países. De acordo com Varoufakis (2016: 99-100), os Estados Unidos não tinham interesse em estabelecer um sistema cooperativo global para a reciclagem dos saldos comerciais que vinham obtendo naquele período. Não desejavam que sua capacidade de administrar esses grandes e sistemáticos excedentes fosse restringida por meio de uma União Internacional de Compensações (ICU, ou International Compensation Union), apresentada na proposta de Keynes durante as negociações da referida conferência30:

A ideia era que os Estados Unidos manteriam seu grande superávit comercial do pós-guerra, mas, em troca, exportariam seu excedente de capital (ou lucros) para que os países sob sua proteção continuassem a comprar produtos norte-americanos. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos garantiriam que Japão e Alemanha pudessem manter uma posição superavitária similar em nível regional, mesmo às custas da própria linha de fundo norte americana (ibidem: 117).

Ou seja, o governo norte-americano tinha por objetivo aproveitar-se de sua capacidade operacional preponderante para fazer a recomposição da infraestrutura econômica de seus antigos inimigos (Alemanha e Japão) para dentro

29

Nos acordos da Conferência de Bretton Woods (jul. 1944), 35 dólares equivaleriam a uma onça troy de ouro que corresponde a 31,104 gramas do metal precioso. Harry Dexter White era o principal representante norte-americano e John Maynard Keynes o representante da Grã-Bretanha durante tais negociações.

30

De acordo com Varoufakis (2016: 99): “[...] Keynes desenvolveu e propôs a União Internacional de Compensações (ICU) de modo a lidar com os dois potenciais problemas de uma só vez: evitar o desequilíbrio comercial sistemático e dotar a Comunidade de Nações capitalistas de uma flexibilidade necessária para lidar com futuras crises catastróficas (como aquela de 1929). A proposta era simultaneamente simples e audaciosa: o ICU concederia a cada país membro uma linha de crédito, ou seja, o direito para tomar empréstimos do Banco Central Internacional a juros zero. Empréstimos acima de 50% da média do valor do volume comercial de um país deficitário (medido em bancors) também seriam feitos, mas ao custo de uma taxa de juros fixa. Desta maneira, países deficitários teriam flexibilidade para impulsionar a procura de modo a estancar qualquer ciclo de deflação-dívida, sem ter que desvalorizar a moeda. Ao mesmo tempo, haveria uma penalidade para o excesso de superávits comerciais. [...] a proposta de Keynes estipulava que qualquer país com um superávit comercial que excedesse uma determinada porcentagem de seu volume comercial deveria sofrer uma cobrança de juros que forçaria sua moeda a se valorizar. Estas penalidades iriam, por sua vez, financiar os empréstimos aos países deficitários, agindo como um MGRE (Mecanismo Global de Reciclagem de Excedentes) automático”.

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do capitalismo e sob sua tutela, não só em nome daquele mencionado interesse estratégico militar da Guerra Fria, mas também com o objetivo de expandir seus mercados e estabelecer no mundo capitalista o dólar como a moeda universal. Isso implicaria tanto um custo em termos de ajuda, como foi no caso do Plano Marshall e do apoio econômico ao Japão, quanto em termos de perda de mercado, como explicamos com a sucedida permissão para entrada de mercadorias japonesas e o suporte à integração econômica europeia31.

Dessa forma, outros organismos financeiros internacionais, diferentes daqueles propostos por Keynes, seriam criados em Bretton Woods e fariam uma proteção de caráter mais emergencial junto ao novo sistema baseado no dólar: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) 32, sob a batuta norte-americana, exerceriam a função de guarda costas do renovado sistema financeiro. O FMI foi instituído no sentido de socorrer com empréstimos compensatórios os países que estivessem com problemas de déficit no balanço de pagamentos, principalmente em virtude dos desequilíbrios comerciais recorrentes dentro de um sistema de trocas estruturalmente desigual. As condicionalidades para tais empréstimos, todavia, mostraram-se draconianas, exigindo daqueles que recorressem a seus programas a realização de ajustes sobre a demanda que na maioria das vezes levavam as respectivas economias a processos recessivos profundos (DELAMAIDE, 1984: 222-226). As prescrições econômicas do Fundo para a “recuperação” dos estados requerentes escondem, por meio de uma aparência técnica e multilateral, a determinação norte-americana de se ter um organismo de assistência controlado que pudesse conter crises localizadas por meio do contingenciamento de recursos e do enquadramento das políticas locais aos requerimentos do novo sistema. O Banco Mundial, por seu turno, foi instituído no sentido de fornecer empréstimos de menor porte para a recuperação de países, principalmente fora da área de influência soviética, atingidos pela destruição da Segunda Guerra. Sua função secundária e posteriormente predominante foi a de barganhar veladamente tais empréstimos

31

De 1950 a 1972, apesar do crescimento econômico registrado, os Estados Unidos perderam quase 20% de sua participação na renda mundial, enquanto a Alemanha viu aumentar 18% e o Japão inusitados 156,7% (VAROUFAKIS, op. cit.: 119).

32

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mediante a exigência de políticas domésticas que atendessem ao interesse hegemônico estadunidense tanto em termos políticos como econômicos33.

No âmbito das relações financeiras internacionais privadas, o programa concebido pelo governo norte-americano para a consolidação e perpetuação de sua recém-estabelecida hegemonia assentou-se sobre um modelo que privilegiava a acumulação de capital dentro da esfera produtiva industrial, em que os superávits comerciais cumpririam um importante papel para a manutenção de seu poder. A lembrança da severa crise financeira dos anos 1930, não totalmente resolvida pelas políticas domésticas do New Deal34, mas por via do monumental esforço industrial militar para a guerra, permitiu que a fração de classe industrialista saísse politicamente fortalecida e desejasse uma expansão sobre bases comerciais e pela exportação de seus capitais35. Assim, apesar de forte oposição por parte de banqueiros privados americanos, ficaram estabelecidos em Bretton Woods controles unilaterais sobre os fluxos internacionais de capitais financeiros. Isso não significou que os Estados Unidos ampliariam de imediato os controles já existentes (HELLEINER, 1994: 28; 61-62) – o que seria feito um pouco mais tarde –, mas reservariam àqueles outro papel importante no financiamento do Plano Marshall (idem), do investimento industrial e do consumo36. Neste sentido, cabe a assertiva de que a primeira afirmação do dólar não prescindiu propriamente do setor financeiro norte-americano, mas também não se fez sendo este o principal articulador do novo sistema.

33 Apesar de terem sido instituídas com o intuito de protegerem o sistema financeiro internacional, tais instituições nunca tiveram força suficiente para determinar regras para todos ou assegurar a solidez de todo o sistema. De acordo com Arrighi (1996: 68): “[...] durante todo o período das décadas de 1950 e 1960, o FMI e o Banco Mundial desempenharam um papel secundário ou nulo na regulamentação do dinheiro mundial, comparados e relacionados com o seleto conjunto de bancos centrais nacionais, liderados pelo Sistema da Reserva Federal dos Estados Unidos [Fed]”.

34 Programa de políticas públicas proposto e implementado pelo presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt, para a recuperação do emprego e da atividade econômica nos Estados Unidos durante o período da Grande Depressão nos anos 1930.

35 “Como observou Robert Gilpin (1975, p.11), a essência do investimento direto das empresas multinacionais norte-americanas tem sido a transferência do controle administrativo de setores substanciais das economias estrangeiras para cidadãos norte-americanos” (ARRIGHI, op. cit.: 73).

36

De acordo com Mazzucchelli (op. cit.: 25): “Tratou-se, em verdade, da sustentação da chamada ‘repressão financeira’: os sistemas nacionais de crédito foram direcionados para o financiamento da acumulação e do consumo, o que implicou a segmentação e especialização das instituições financeiras (implantadas, no caso dos EUA, com o New Deal); a fixação de tetos para as taxas de captação e empréstimos; o controle sobre os fluxos internacionais de capitais de curto prazo; a supervisão estrita sobre as operações dos mercados de valores e a imposição de requisitos prudenciais rígidos sobre a operação dos bancos”.

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Havia, além disso, dúvidas relacionadas à capacidade dos países em reconstrução de sustentarem a convertibilidade pelo câmbio fixo de suas respectivas moedas, pois durante sua recuperação estes registravam enormes déficits comerciais e o valor fixo do câmbio jamais resistiria em meio a um livre fluxo de capitais especulativos, como desejavam os financistas. A tentativa destes no sentido de liberar controles em 1947 provocou uma séria fuga de capitais da Inglaterra para os EUA. Esta curta crise trouxe à tona a lembrança de 1929 e fez com que os interesses liberalizantes dos banqueiros ficassem em compasso de espera por um período um tanto mais longo (ibidem: 6, 58-62). Ademais, naquela época, os new-dealers - a favor de maior intervencionismo estatal - tinham presença predominante no aparato de governo norte-americano e se posicionavam a favor dos controles de capital (ibidem: 76).

Podemos afirmar, portanto, que o estabelecimento do dólar como divisa universal no mundo capitalista se fez mediante o exercício de um poder hegemônico emergido imediatamente após a vitória militar. O governo dos Estados Unidos tomou para si a tarefa de recompor o sistema capitalista e colocá-lo sob sua liderança o mais rápido possível. Os acordos de Bretton Woods lançaram, por um lado, a pedra fundamental da estrutura de câmbio fixo sustentada pelo lastro dólar-ouro, sendo o FMI e o Banco Mundial - com o respaldo do Federal Reserve - as instituições eleitas para vigiar a nova estrutura. Por outro, os EUA deram o suporte para a recomposição dos capitais industriais e mercados regionais, ajudando no reerguimento de pilares importantes do capitalismo mundial como as economias da Alemanha e do Japão37. Estavam, desse modo, preparando o terreno para que o capitalismo sob dominância da acumulação industrial e com o dólar no centro estivesse seguro das ameaças socialistas sobre países centrais e pudesse ainda estender-se para as zonas periféricas que, naquele momento, em determinadas áreas, alcançavam novo patamar de desenvolvimento econômico38.

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“Neste contexto, a noção de que a integração europeia nasceu de uma vontade europeia de criar algum baluarte contra o domínio norte-americano parece nada mais que um “mito da criação” da União Europeia. Do mesmo modo, a ideia de que a economia japonesa cresceu inexoravelmente contra os interesses dos Estados Unidos não sobrevive a uma análise séria” (VAROUFAKIS, op. cit.: 120). Ver também Arrighi (op. cit.: 305) e Gilpin (1975: 106-111).

38 Consideramos, nesse sentido, as áreas já sob influência norte-americana, como por exemplo, América Central e América do Sul - que durante a guerra tinham constituído certo grau de industrialização pela

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