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"Aurora caiu adormecida...": considerações sobre a adolescência

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CAMILA CAVALHEIRO BORTOLINI

“AURORA CAIU ADORMECIDA...”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A

ADOLESCÊNCIA

Ijuí - RS 2014

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CAMILA CAVALHEIRO BORTOLINI

“AURORA CAIU ADORMECIDA...”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOLESCÊNCIA

Trabalho de pesquisa supervisionado apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo na UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Kenia Spolti Freire

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2014

CAMILA CAVALHEIRO BORTOLINI

“AURORA CAIU ADORMECIDA...”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A

ADOLESCÊNCIA

Trabalho de pesquisa supervisionado apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo na UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Banca Examinadora:

______________________________________________________ Kenia Spolti Freire

Docente do Departamento de Humanidades e Educação, Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ)

______________________________________________________ Elisiane Felzke Schonardie

Docente do Departamento de Humanidades e Educação.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus pela proteção nessa caminhada.

Agradeço meu pai João, por acreditar em mim e possibilitar que esse sonho se tornasse realidade, não medindo esforços para viabilizar a concretização dessa etapa.

De modo especial, agradeço meus tios Sandro e Silvana que me acolheram nesse período, por me fornecer força, apoio e principalmente amor nos momentos que mais precisei.

Agradeço o meu amor Fausto, pela paciência, companheirismo e incentivo que sempre me proporcionou, e por estar ao meu lado me acompanhando em todos os momentos.

Agradeço minha orientadora Kênia Spolti Freire, por toda dedicação e atenção que teve comigo nesse percurso, por me fornecer auxílio e subsídios para a realização deste trabalho.

Agradeço minhas amigas que souberam me entender, me acalmar e acima de tudo encorajar-me a enfrentar as dificuldades postas nesse percurso, reiterando a importância de cada uma em especial na minha vida.

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RESUMO

O presente trabalho aborda a constituição da adolescência segundo a abordagem psicanalítica, levantando elementos fundamentais nesse processo. O tema envolve a posição dos pais frente ao adolescer dos filhos e as elaborações psíquicas necessárias nesse processo. A metodologia utilizada para o aprofundamento de tal problemática a ser investigada pressupõe uma abordagem essencialmente bibliográfica.

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ABSTRACT

This paper discusses the creation of the second adolescence psychoanalytic approach , raising fundamental elements in this process. The issue involves the position of the parents against the adolescent children and the necessary psychic elaboration in this process. The methodology used for the deeper exploration of this issue to be investigated, assumes an essentially bibliographic approach.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 7

1. DE QUE SE “TRATA” A ADOLESCÊNCIA?... 9 2. O PAI, A MÃE, O ADOLESCENTE: LUGAR, TEMPO E

ESPAÇO... 17

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 27

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INTRODUÇÃO

Sabemos que a constituição psíquica se dá através do encontro da “cria” humana com o Outro, sendo que as experiências intersubjetivas são determinantes neste processo. Neste contexto, a adolescência constitui-se como uma posição psíquica com características bem peculiares, sendo um tempo em que o sujeito tem sua vida atravessada por experiências que inauguram e são vividas com um turbilhão de emoções.

O interesse para a pesquisa desse tema decorre da realização do Estágio Básico no Projeto de “Orientação Profissional”, em que trabalhamos com adolescentes dos segundos e terceiros anos do Ensino Médio. Por meio de oficinas, estudos e palestras, percebe-se a importância de compreender essa fase e a curiosidade de ir à busca de mais elementos para um estudo mais aperfeiçoado.

Várias questões subjetivas tentam explicar dificuldades vividas e/ou relatadas pelos adolescentes. Uma das situações que mais se apresenta é a ambivalência de amor e ódio vivida pelo adolescente nas suas relações, entre elas as relações familiares. Esta ambivalência, própria da constituição vivida, já fora experienciada na infância e retorna na adolescência como possibilidade de elaborações e re-significações sobre a própria existência, sobre o corpo, sobre os vínculos familiares e sobre a representação deste sujeito na esfera social. Este é um tempo conflitivo ao adolescente, pois ele não é mais uma criança e é convocado a abandonar esta posição. Porém, ainda não é um adulto independente. Desse modo, vivencia um período de moratória, acompanhado de descobertas e novas identificações. O abandono da posição infantil requer uma elaboração por parte do sujeito. Assim, o adolescente deve fazer o luto dos objetos infantis para investir em novos objetos, então ele precisa elaborar este luto para fazer novos investimentos.

O respectivo trabalho se apresenta em dois capítulos. O primeiro refere-se à constituição do adolescente segundo a psicanálise. Aborda como ocorre o processo de estruturação dessa fase, como implica essa passagem na vida do sujeito. Esse momento em que o sujeito faz uma reedição dos seus conflitos infantis,

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apresentando-se diante de uma nova crise por se encontrar na posição de não lugar, e pelas modificações corporais que também causam certa estranheza.

Nessa perspectiva, compreendem-se como os laços psíquicos se estabeleceram nas relações que o sujeito construiu ao longo da vida e como isso interferiu na família e no adolescente. Assim, o segundo capítulo traz a importância dos vínculos familiares no processo de adolescer. Como os adolescentes vivem essa passagem na família e que lugar os pais ocupam para os filhos nesse processo? Trata-se também de pensar o lugar dos pais nesse processo, como eles vivenciam a adolescência dos filhos.

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CAPÍTULO I

DE QUE SE “TRATA” A ADOLESCÊNCIA?

“A adolescência é um tempo ao qual as crianças almejam chegar, ao qual os adultos sonham em voltar, e do qual os adolescentes só querem sair.” (Jesuralinsky, 2004)

Conhecida por uma fase transitória de diversos conflitos, a adolescência corresponde a um tempo indefinido, sendo que uma condição de interrogação que permanece durante esta posição psíquica. Nesse momento o sujeito necessita de um novo olhar sobre ele, pois não se reconhece mais como uma criança amada e protegida, tampouco como um adulto. Dada esta condição, a insegurança, então, torna-se um traço próprio desse processo de adolescer.

Segundo Aberastury e Konobel (1990), a adolescência não é apenas uma passagem para a vida adulta. A entrada na adolescência é repleta de incertezas e conflitos. Segundo Aberastury (1990) “A conseqüência final da adolescência seria um conhecimento de si mesmo como entidade biológica no mundo, o todo biopsicossocial de cada ser nesse momento de vida” (pág. 30).

A adolescência constitui-se por uma fase permeada de mudanças e ressignificações, sendo que o sujeito necessita reeditar sentimentos e vínculos estabelecidos até então nas relações parentais e, através deste processo, ressignificar seus ideais para constituir mais um movimento de articulação da sua identidade. É o momento em que se sente “perdido”, pois precisa ser reconhecido fora do contexto familiar, ou seja, momento pelo qual precisará posicionar-se subjetivamente.

Calligaris (2009) caracteriza a adolescência como um período de moratória. Para melhor explicar este tempo de moratória, apresenta uma possibilidade de experiência de vida:

“Imagine que, por algum acidente, você seja transportado, de uma hora para outra, a uma sociedade totalmente diferente. Digamos que o

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avião no qual você estava sobrevoando um canto recôndito da Amazônia teve uma dificuldade técnica. O piloto conseguiu aterrissar, mas o aparelho está destruído. Não há como esperar socorro, nem como sair do fundo selvagem da floresta. Por sorte, uma tribo de índios que nunca encontraram homens modernos, mas que são relativamente bem-humorados,adota você e seus amigos. Será necessário, imaginemos, doze anos para que vocês se entrosem com os usos e costumes de sua nova tribo – desde a linguagem até o entendimento dos valores da sociedade em que aparentemente vocês viverão o resto de seus dias”. (pág. 12)

No mito, passam-se doze anos, e o sujeito agora fala corretamente a língua, conhece as leis e regras dessa nova tribo, enfim sente-se um membro dela. Nessa tribo aprende-se que é necessário ganhar destaque, seja homem ou mulher, é preciso ser um bom pescador e saber tocar berimbau de boca. Quem melhor os fizer se sobressairão.

No decorrer desse tempo o sujeito aprendeu e imitou seus anciões. Sentia-se preparado para qualquer desafio. Entretanto, eles chegam e comunicam que é melhor esperar mais dez anos para poder fazer parte propriamente da tribo, competindo de igual para igual com os outros membros. Evidentemente, os anciões explicam que esse atraso é para seu bem, que eles o amam, e que querem protegê-lo. Com esse tempo estará mais bem preparado para ser reconhecido como membro da tribo.

Com o comunicado dessa espera, o sujeito se encontra frente aos sentimentos de raiva, desprezo e rebeldia, considerando que fora traído. Procura juntar-se aos outros membros do avião, talvez perdidos, para formar uma pequena tribo e lidar com essa imposição da moratória. Ainda, se afasta da família, que no caso da tribo é adotiva, e vivem em grupos, onde podem sentir-se homens e mulheres de verdade, impondo sua presença muitas vezes de rebeldia, causando preocupações aos outros.

O que acontece com os adolescentes se assemelha ao mito da moratória enfatizada por Calligaris (2009). Pois durante doze anos, as crianças se integram em nossa cultura e aprendem que precisam se destacar em dois campos para alcançar a felicidade e o reconhecimento da sociedade; que são as relações amorosas, e o poder social, ou seja, ser desejável e invejável. Quando se tornam adolescentes,

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seu corpo e espírito estão preparados para a competição, porém ainda não é reconhecido como adulto.

Na modernidade ainda há o ideal de independência instituído ao jovem. Visto que, ele só será um sujeito reconhecido como adulto, a partir do momento que se afirma como independente responsável e autônomo de seus próprios atos. Todavia essa moratória imposta ao adolescente é problemática, pois há esse tempo em que se espera a maturidade do sujeito, ele se mantém inadaptado e imaturo. Podemos observar que essa moratória delega ao jovem ao mesmo tempo, o ideal de autonomia e a continuação de sua dependência. A adolescência é, portanto, uma moratória mal legitimada, onde há uma contradição de valores, um tempo de transição no qual sua duração é um enigma.

Atrelada à situação de reconhecimento de um lugar mediante a relação com o Outro social, sustentado, neste momento, ainda que parcialmente, através da identificação ao grupo; o adolescente também há que re-significar sua apreensão corporal, mediante sua condição de púbere, lançado à relação com o Outro sexo. Para que a imagem do corpo seja internalizada pelo jovem, esse corpo precisa ser visto como um todo, o que acontece após ter acesso à genitalidade. O ambiente e as emoções que o adolescente vive influenciam na construção dessa imagem. Logo esse corpo se tornará um “Outro” e será investido para provocar olhar de outro enquanto semelhante.

Para Rassial (1990), o adolescente faz uma repetição da fase do espelho, reeditando suas identificações para construir sua própria identidade. Nesse período há uma busca de novos pares e construção de novos ideais. A adolescência surge como um período de intervalo e ruptura, provocando uma crise de identidade nos adolescentes e também nos pais.

Esse processo pode ser tomado como a passagem do eu especular para o eu social. Portanto o sujeito terá que haver-se com a diferença entre o que ele é na realidade e o que ele vê na sua relação com o outro especular. É nos primeiros cuidados, na relação primordial do bebê com a mãe, que este corpo vai se constituindo, enquanto corpo, imagem e significante.

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É um momento de o adolescente assimilar a posição que ele se encontra no desejo dos pais, e então enfrentar sua própria responsabilidade sexual. Há uma grande desconfiança em relação ao mundo adulto, entretanto, há também uma forte tentativa de inscrição de algo que possa funcionar como semblante àquela segurança da infância. A desconfiança existe através das transformações estruturais dos três registros. (...) “nesse tempo, entre o passado, entre a infância e a maturidade, o sujeito deve realizar um trabalho psíquico que envolve os três registros

• Real- ao lidar com a puberdade não simbolizada e com a “não relação sexual” que “não cessa de não se escrever”.

• Simbólico – ressituar-se frente à filiação e á cadeia significante, construindo novos Nomes-do-pai e fazendo novos laços sociais;

• Imaginário – modificação do estatuto e do valor do corpo num aprés-coup14 do estádio do espelho.” (Gutierra, 2003, p.72).

Esse período da adolescência compreende uma amarração que implica o adolescente situar-se como sujeito, assumindo então uma nomeação própria. Por meio dessas transformações estruturais é possível pensar, como citado acima, os “grupos de pares” ou “melhor amigo”, exemplo de um aspecto da adolescência na modernidade. Uma dinâmica em que eles vivem a semelhança e a alteridade.

No decorrer desse período, o adolescente vivenciará atividades que possibilitem se colocar como objeto de desejo do Outro. Trata-se do retorno do narcisismo, pois vivem dramas amorosos e paixões impossíveis: “(...) na adolescência, um busca no outro um ideal narcísico, e daí as grandes e intensas paixões e as trágicas desilusões”. (RAPPAPORT, 1993, p.21).

O adolescente se apropria do olhar e da voz da mãe, enquanto na infância o olhar do sujeito era sustentado pelo Outro. Essa apropriação pode explicar um pouco os conflitos entre o adolescente e seus pais, pois a imagem e o tom que ele toma para se dirigir a eles perturbam o que na infância estava organizado.

Rassial (1997) em seu livro A passagem Adolescente enfatiza esse período como a espera da vida adulta, para poder enfim abandonar a posição infantil e se

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considerar adulto; “Não totalmente criança, não totalmente adulto, devido ao seu estatuto social entre menoridade e maioridade, o adolescente freqüentemente tem a tendência em generalizar esse estado de não totalmente”. (p. 21)

Seu corpo, que até então se faz significado pelos códigos familiares, passa ao reconhecimento sexuado na relação com os pares. O adolescente precisa reconstruir a imagem de seu corpo ao qual não havia sido atribuído um saber sexual; “(...) o que garante essa imagem do corpo não são mais o olhar e a voz dos pais, em particular da mãe, mas o que verão e dirão os seus pares, sobretudo os eventuais parceiros do outro sexo”. (RASSIAL, 1997, p.77).

As mudanças corporais atingem de forma diferente meninos e meninas. As meninas buscam se assemelhar aos padrões de beleza apresentados no social, buscando a confirmação que algo mudou em seu corpo. Para a moça a puberdade aponta o que pode ser visto pelos outros. No que se refere às modificações do corpo, como o crescimento dos seios, a imagem do corpo fica comprometida por dois olhares: por um lado, a busca pela harmonia de um corpo definido, em que procuram identificações através de revistas femininas; por outro lado vem a demanda de uma confirmação pelos outros de que seu corpo mudou. Uma característica própria que acontece nesse período é o sangramento da menina, a menstruação, este vem juntamente com sentimentos de vergonha ou de orgulho. Já para os meninos a principal mudança é acentuação da voz, além de ser um ponto importante na paquera, traz uma questão com a semelhança com a voz do pai, impulsionando a comparação e confronto com a imagem paterna.

“Se a puberdade inicialmente perturba a imagem do corpo construída na infância e que deverá ser reconstruída, genitalizada, quer dizer, não mais sustentada pelo olhar e voz da mãe e pelo falo materno, mas implicada na relação ao outro sexo, como uma renúncia definitiva e difícil da bissexualidade (os riscos homossexuais e perversos na adolescência jogam-se aí), é nesse mesmo movimento que o remanejo dos ideais impõem-se”. (RASSIAL, 1997, p.72).

Em decorrência da puberdade fisiológica e da operação psíquica própria do adolescer, o corpo passa por modificações que causam um conflito incidindo na imagem do corpo do Estádio do Espelho. “Esta imagem é uma matriz, um primeiro

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momento de constituição do sujeito (entre os seis e os dezoito meses de idade, aproximadamente) quando a criança reconhece a sua imagem no espelho.” (Rappaport, 1993. p.12).

No Estádio do Espelho o bebê humano vivencia um impulso interno que se precipita da insuficiência à antecipação. A imagem dissociada do seu corpo adquire uma forma chamada de ortopédica e de totalidade, marcando com a sua estrutura rígida a constituição psíquica e construção da imagem corporal. Uma das conseqüências do estádio do espelho é a passagem da identificação subjetiva e corporal com a imago do semelhante.

Nesse processo do Estádio do Espelho, a mãe transmite à criança a possibilidade de posicionar-se diante das frustrações e perceber ao mesmo tempo a diferença que existe entre a realidade e a ilusão. Esta diferença só se instala por via de uma desilusão quando de tempos em tempos a realidade não coincide com a alucinação surgida do desejo. Trata-se de uma condição em que o bebê só conseguirá encontrar uma solução para seu estado de desamparo por intermédio de uma “precipitação” pela qual ele “antecipará” o amadurecimento de seu próprio corpo, graças ao fato de que o Outro projeta nele a imagem de um sujeito antecipado e ele – o bebê – lança-se à apreensão desta imagem.

Segundo Lacan, (1998, p. 10) a função do Estádio do Espelho é de estabelecer uma relação do organismo com a realidade. O eu constrói-se à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que lhe é devolvida pelo espelho. O bebê olha para a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico. Lacan também enfatizou que o investimento da mãe, o olhar relacionado à imagem do filho que gostaria de ter, antecipa um sujeito que está por se constituir. Por meio desse investimento externo sobre o psiquismo vai ocorrer um estado em que a criança investe toda sua libido em si mesma. A criança vai poder reconhecer-se diante da relação de gozo estabelecida através da inscrição do desejo materno.

Diante desta situação psíquica inaugural, o pai enquanto função deve se presentificar perante o filho para garantir a este um deslizamento de saída da condição totalizante do desejo materno. A função paterna possibilita a inserção do sujeito às insígnias ordenadoras do enlace às leis da cultura, numa condição

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ampliada e diferenciada do desejo materno. No desejo de relação dual entre a mãe e o bebê, o acolhimento e o vínculo instauram esta posição de um ser do outro:

“O pai priva alguém daquilo que, afinal de contas, ele não tem, isto é, de algo que só tem existência na medida em que se faz com que surja na existência como símbolo. O pai não castra a mãe de uma coisa que ela não tem. Para que fique postulado que ela não o tem, é preciso que isso de que se trata já esteja projetado no plano simbólico como símbolo. Mas há de fato uma privação, uma vez que toda privação real exige simbolização. Assim é o plano da privação da mãe que, num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor de significação a essa privação da qual a mãe ser objeto. ‘Essa privação, o sujeito infantil a assume ou não, aceita ou recusa’”. (Lacan, 1999, p 191)

O bebê antes do Estádio do Espelho não se reconhece em um corpo unificado, sua imagem mental condiz com uma condição de esfacelamento. Através do princípio do prazer/desprazer o bebê se lança ao através do encontro com o “seio materno”, ou seja, através da libido oral que nasce em decorrência deste encontro. Entretanto, ao perder seu objeto de desejo, o seio materno, o bebê passa a perceber que a mãe não é completa e que ele não faz parte dela. Essa separação acontece com o significante Nome-do-Pai, que vem para introduzir a lei e fazer o corte no desejo de uma relação dual, preponderante no vínculo estabelecido entre a mãe e seu filho.

A operação de interdição da realização de acesso “totalizante” ao desejo é desempenhada pela função paterna e abre a experiência psíquica diante do Complexo de Édipo, em seu corolário de castração, privação e frustração. A castração, a privação e a frustração encontram-se nos três tempos do Édipo. A frustração é definida por Lacan como uma operação imaginária. A perda de objeto visada na frustração concerne algo relativo à imagem do próprio corpo do sujeito ou do corpo do outro. Por outro lado, a frustração resulta da demanda. A demanda da criança junto à mãe toma a forma de uma exigência sem limite de um objeto real extraído do corpo do Outro. A privação, por sua vez, implica na experiência da perda do objeto outra dimensão do Outro, que é real, isto acontece quando a mãe não responde mais da mesma forma ao apelo da criança. Enquanto a experiência de frustração era correlativa de uma resposta do real ao significante, a privação resulta de uma não-resposta do real ao significante.

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O Complexo de Castração apresenta-se como uma criação imaginária da criança, "pênis materno" - que podemos chamar de falo para diferenciá-lo do pênis real, tendo como agente interditor o pai real. Não se deve confundir este pai e o genitor da criança. O pai operador da castração é um pai que depende da estrutura significante. A castração se deduz então como uma renúncia ao gozo incestuoso que engaja o sujeito a reconhecer uma Lei, a lei de proibição do incesto nesse caso, e a depender do pai para a obtenção do título fálico. O falo então vai operar no Complexo de Castração como um dom que o pai pode outorgar ou não à criança, para uma investidura futura do sujeito.

As operações subjetivas concernentes ao Estádio do Espelho e ao Complexo de Édipo, seguidas do período de Latência são originárias de uma posição psíquica e de uma armadura corporal constituídas durante a infância; possuindo as representações simbólicas que são próprias deste tempo de vida. Condição diferente se esboça na adolescência, quando o corpo e as questões de representação fálica não mais são articulados exclusivamente à rede desejante familiar, mas estendidos e legitimados à esfera social e do Outro sexo. Diante desta nova “realidade”, como é possível pensar o vínculo entre o adolescente e os seus pais, ou ainda, entre os pais e o adolescente? Quais questionamentos podem emergir nesta problemática?

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CAPÍTULO II

O PAI, A MÃE, O ADLESCENTE: LUGAR, TEMPO E ESPAÇO

A família é primeira instituição que proporciona vínculo humano à criança, desempenhando função de organizadora primária da sociabilidade e sexualidade. Pode ser concebida como unidade básica da interação social, sendo que na dependência das características desta família surgem determinadas características do adolescente. Consideram-se estas não só a nível intrasubjetivo do adolescente, mas também ao nível do seu relacionamento com o meio externo. É perceptível a referência do adolescente em relação ao Outro parental, porém esta condição remete à relação com o Outro social.

O adolescente, ao viver essa resolução, acaba por desestabilizar o meio familiar, seja questionando seus valores e opiniões, seja porque os pais também terão de vivenciar o luto pelo corpo do filho pequeno, pela dependência que se esvai. Aberastury (1990) aponta para a dupla vertente dos problemas peculiares à adolescência, que dizem respeito ao adolescente e aos seus pais, que devem fazer renúncias para se relacionar com um filho que não é mais criança, além de aceitar as implicações disto, ou seja, a efemeridade do tempo e do sentimento de plenitude gerado pela imagem idealizada criado pelo filho na infância.

É possível articular esta condição de vida à experiência narcísica, na medida em que a constituição do narcisismo primário destaca-se com a posição dos pais diante dos filhos. Os pais se reconhecem através dos filhos, como se esses filhos pudessem ser os realizadores dos seus sonhos, daquilo que eles possivelmente não conseguiram alcançar. Escreve Freud (1914) em “Introdução ao Narcisismo”: “No ponto mais sensível do sistema narcisista a segurança é alcançada por meio do refúgio na criança. O amor dos pais nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido.” (p.98).

A fim de observar alguns elementos desencadeantes da experiência narcísica originária do psiquismo, pode-se inferir que o narcisismo se esboça já como primeiro

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modo de satisfação da libido através da experiência do auto-erotismo. Nesta, as pulsões buscam satisfação no próprio corpo. Neste período ainda não existe uma unidade do ego, nem uma diferenciação real do mundo. No narcisismo secundário há dois momentos: primeiramente o investimento nos objetos e depois esse investimento retorna para seu ego. Após o bebê conseguir diferenciar seu próprio corpo do mundo externo, ele terá a capacidade de identificar suas necessidades e o que as satisfaz. Com o tempo, a criança vai percebendo que ela não é o único desejo da mãe, que ela não é tudo para ela; “sua majestade, o bebê começa a ser destronado. Essa é a ferida infligida no narcisismo primário da criança. A partir daí, o objetivo consistirá em fazer-se amar pelo outro, em agradá-lo para reconquistar o seu amor; mas isso só pode ser feito através da satisfação de certas exigências; a do ideal do seu eu.” (Nasio, 1988, pág. 59).

A escolha objetal narcísica é segundo Freud, amar a si mesmo através de semelhante; e todo amor objetal comporta uma parcela de narcisismo. O eu representa um reflexo do objeto. O ideal sexual tem uma relação auxiliar com o ideal de ego. Segundo Freud (1914) pode ser empregada para satisfação substituta, em que a satisfação narcisista encontra reais entraves. A pessoa amará segundo o tipo narcisista de escolha objetal.

Pode-se afirmar que o adolescente e os seus pais estão inseridos nesta problemática narcísica perpassada pela relação de objeto que a caracteriza; tanto no que se refere a uma condição de alteridade, como também à relação transgeracional que determina o vínculo parental.

Neste processo pelo qual passa o adolescente, ele elege sistemas de valores, que via de regras, contrários aos eleitos pelos pais, encontra um objeto para projetar sua ansiedade diante da ambivalência do desejo de cortar o cordão umbilical que o liga a pais idealizados e o desejo de a eles permanecer ligado. Encontra eventuais rotas de fuga apelando para a fantasia a fim de evitar a experiência desta crise. Isto se manifesta na hostilidade aos pais, na desconfiança, na idéia de não ser compreendido. Neste momento, de aceitação e de negação, os pares contraditórios que ajudam a caracterizar o adolescente, conviverão lado a lado, bem como dependência e independência.

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Se os vínculos e laços estabelecidos são fundamentais à estrutura da transição própria dessa fase, reconhece-se a família como referência primordial ao suporte subjetivo inerente à posição adolescente. São relançadas as problemáticas constitutivas do psiquismo, mediante a reedição das resoluções decorrentes estruturais frente à função materna e à função paterna.

Entende-se que há uma diferença além do biológico que perpassa a função materna e função paterna. Há um momento de reafirmação da função paterna que constitui a passagem adolescente, sendo que na adolescência a função do pai é colocar o adolescente frente à lei, para que ele possa ressignificar o seu lugar na cadeia significante.

A função paterna, em sua condição de Metáfora do Nome-do-Pai, exerce uma função simbólica extremamente importante na constituição psíquica. Ele é o portador da Lei do incesto, portanto marca o seu lugar e outorga ao sujeito um lugar desde o qual irá representar-se no mundo. Lacan, em (1957-58/1999) relaciona a metáfora paterna com a questão edipiana ao saber que o pai substitui a mãe como significante. Por meio das afirmativas de Lacan a respeito da metáfora paterna, ressalta-se a idéia de que esta metáfora se dá a nível inconsciente, tratando-se de uma substituição de um significante para outro significante, ou seja, há um deslocamento do significante materno em direção à alteridade que caracteriza uma posição desejante.

Segundo Freud (1914) para o menino a imagem à qual ele se identificará será o pai, e, ao mesmo tempo tomará a mãe como objeto sexual. Logo, se ligarão originando o Complexo de Édipo, e então, o pai passará a ser alem da imagem de magnitude, um rival a ser eliminado, pois será identificado como um obstáculo em relação à mãe. Com isso, o menino manifestará pelo pai uma ambivalência de sentimentos. A menina também atravessa esse processo, porém, de maneira diferente. Ela se identifica com a mãe e deseja o pai como objeto. Freud (1914) ainda coloca que já na segunda metade da infância, o menino passa a contemplar o mundo exterior, antecipando o desligamento com o pai; condição que acompanha o processo do adolescer e os vínculos que comporão a sublimação destes vínculos originários.

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Winnicott (1983) enfatiza em seus trabalhos a importância do vinculo familiar, em especial a relação mãe-bebê na constituição do sujeito. Afirma que o ser humano se estrutura através do agir, do desempenhar papéis, e através de estabelecer vínculos. O referido autor trabalha com a relação primordial mãe-bebê, e diante disso considera que o vínculo entre a mãe e o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das capacidades inatas do indivíduo. Considera que a mãe se coloca em um estado de preocupação materna primária dando ao bebê a possibilidade de se organizar e se sustentar física e psicologicamente, em um espaço ilusório, necessário, onde o bebê é onipotente e cria seus objetos internos.

Desse modo, compreende-se a importância dos vínculos estabelecidos na constituição do sujeito. Na passagem pela adolescência, estes vínculos caminham junto com seu processo de reconstituição, pois a adolescência delega ao sujeito uma mudança de lugar, a criação de sua própria identidade, e seus próprios desejos.

Na pretensão de se encontrar, de edificar sua própria identidade, os adolescentes criam suas próprias regras e estilos. Muitas vezes contra o desejo dos pais, num impulso de desafiá-los. Nesse sentido, muitos adolescentes fazem uso de certa rebeldia ora para chocar os adultos, ou mesmo por questões subjetivas. As tatuagens, alargadores, piercings são exemplos disso.

É preciso também compreender como os pais experienciam a passagem adolescente do filho, pois para eles não deixa de ser um momento angustiante já que se deparam com processos de alterações na dinâmica familiar, além de possíveis frustrações decorrentes das escolhas dos filhos. Aos pais também cabe a realização de uma elaboração psíquica, pois nesse momento os filhos reativam suas próprias histórias.

A adolescência causa uma ruptura na dinâmica familiar, provocando crises nos filhos e nos pais. Isso porque os pais perdem o posto de “pais perfeitos” que carregavam durante o período da infância dos filhos. Que lugar é este que se constrói no tempo do adolescer dos filhos?

Rassial (1997) questiona qual posição os pais passam a ocupar com o adolescer do filho: “Qual é, para os pais, o desafio da adolescência dos filhos? E eu

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darei imediatamente uma resposta: uma mudança de lugar” (pág. 75). A adolescência dos filhos desencadeia uma crise na organização familiar, fazendo com que os pais reconstruam seu lugar em relação aos membros da família e a eles mesmos, revendo seus investimentos. Por conseguinte é preciso que os pais realizem também um trabalho de luto, pois não é a mesma coisa ser pai e mãe de uma criança e depois ser pai e mãe de um adolescente. O reposicionamento é crucial, não apenas por questões sociais, mas principalmente por questões psíquicas próprias da crise adolescente.

Marcelli (2007) conceitua a palavra “crise”: “crise no campo psicopatológico trata-se de um momento temporário de desequilíbrio e de substituições rápidas que põe em questão o equilíbrio normal ou patológico do sujeito (p.42)”. O adolescente precisa construir sua própria identidade, esta não será dada pelos pais nem instituída pela sociedade, será adquirida por meio dos seus esforços.

A adolescência dos filhos propicia aos pais uma reedição das suas adolescências passadas. Seus conflitos esquecidos retomam como um espelho através dos filhos, reativando seus questionamentos. Aos pais também cabe a realização de uma elaboração psíquica, pois nesse momento os filhos reativam suas próprias histórias.

Pode-se considerar, então, que a passagem adolescente é uma crise não somente para o adolescente, mas também para os pais, que reflete na sociedade como um todo, causando todo esse conflito que observamos. Como observa Rassial, ele é um “sujeito em estado-limite”; devido a isso, é comum a ocorrência de tempestuosas crises e situações angustiantes que advêm desse processo de reconstrução imposta ao sujeito.

Corso (2006) ao tratar dos contos infantis, traz com exemplo a história da Bela Adormecida interpretando a passagem da infância para a adolescência, apontando a adolescência como período de adormecimento e exílio.

A história desse conto concede três momentos. Primeiramente por Giambattista Basile com o nome de Sol, Lua e Tália em 1634. Logo após em 1679 com a versão de Perrault na versão de A Bela Adormecida do Bosque. E em 1812,

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os irmãos Grimm nos legaram A Bela Adormecida, que até hoje é a versão mais conhecida dessa trama.

Essa fábula descreve a história de um casal real que geram uma menina, dando uma grande festa no seu nascimento. Nesta grandiosa festa, foram convidadas também as fadas, dentre as quais a décima terceira fora excluída. Cada fada deu um dom à princesa. Porém chega à festa a fada excluída e amaldiçoa a menina, dizendo-a que não viveria mais que 15 anos, ao completar essa idade estava condenada a espetar seu dedo em um fuso e morrer. Entretanto uma das fadas não havia dado seu dom ainda à princesa, e então converteu a morte em um sono profundo. Nessa versão todo o castelo adormece juntamente com a princesa, crescendo uma parede de espinhos em volta do castelo, que impedia a passagem de qualquer um que tentasse se aproximar. Até a chegada do príncipe escolhido, que ultrapassa a barreira e chega ao castelo apaixonando-se da princesa adormecida. Com um beijo de amor, todo o reino desperta, e eles vivem felizes para sempre.

Pode-se constatar que em diversas tradições, os ritos de passagem marcam a vida do sujeito. A adolescência em uma sociedade ritualizada é prevista como um ato de passagem, ou seja, antes da cerimônia o sujeito era criança, e depois já é adulto e passa a responder pelos seus atos de outra maneira.

Com a sociedade moderna, a adolescência consolida um período cada vez mais prolongado entre a infância e a vida adulta. Esse espaço é propiciador de um grande sono em que o sujeito se encontra, pois estão ausentes do mundo ao qual pertenciam, e ainda não despertaram no tempo que será seu próprio futuro. Assim sendo, a metáfora do sono, nos mostra um adolescente adormecido para o mundo dos adultos, mas em seu quarto ou espaço entrega-se freneticamente a qualquer atividade que o engate, ama profundamente, odeia ferozmente e dedica grande parte do seu tempo a seus amigos.

O sono da Bela Adormecida assegura de alguma forma que ela morra para sua família e renasça para o exercício da sexualidade em um tempo diferente daquele vivido por seus pais, o que é natural, pois os filhos jamais compreenderão o âmbito que seus pais vivenciaram suas infâncias e adolescências. Os pais, por sua vez, tampouco compreenderão o período de maturidade de seus filhos por estarem

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afetados pelas limitações da velhice. É importante que os pais consigam sobreviver o processo de transformação da criança para o adulto, isso não anula que algum tipo de morte simbólica aconteça nessa transição.

É fundamental o desprendimento com os pais, isso é efeito da entrada no campo do social, em que o sujeito vai à busca de condições para sustentar sua posição desejante. Ao invés de seguir o desejo dos pais, precisa apropriar-se de seus desejos para tornar-se proprietário do seu próprio sintoma.

O vínculo com o social também representa grande importância nesse período. O sujeito se depara com novos impasses, e deve aprender a responder por si próprio. Apropriar-se de sua posição desejante e de seus novos investimentos frente à sociedade.

Corso (2006) ainda apresenta o conto da Branca de Neve para referir a passagem adolescente e a relação transgeracional que acompanha esta passagem. No conto da Branca de Neve, o desenlace da história se dá com a entrada da adolescência. A mãe da Branca de Neve sonhava em ter uma filha com a pele “branca como a neve, vermelha como o sangue e negra como o caixilho da janela” (Corso, 2006, p.78). Seu sonho se concretizou, mas logo após o nascimento de sua filha ela morreu. O pai de Branca de Neve casou-se novamente com uma mulher tão bela quanto perversa, esta mulher ocupa o lugar de madrasta para Branca de Neve. A madrasta possuía um espelho falante e todo dia perguntava a ele: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” O espelho sempre respondia que a madrasta era a mais bela. Até o dia em que o espelho respondeu que havia alguém mais bela e essa pessoa era a Branca de Neve. Isso ocorre após a menina apresentar traços de feminilidade, dando alusão a uma jovem mulher. Então aí começa a trama do conto, no momento em que a beleza da madrasta é ameaçada pela Branca de Neve.

No decorrer da história, a madrasta pede a um caçador que mate a Branca de Neve e a traga o coração da menina como prova do crime. O caçador se compadece diante das súplicas da menina e a deixa fugir pela floresta, e em troca leva o coração de um animal para a madrasta. Branca de Neve se refugia em uma pequena cabana habitada por sete anões. Ao saber da sobrevivência de Branca de

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Neve através do espelho mágico, a madrasta vai à cabana disfarçada de velhinha oferecendo uma maça envenenada para matar a Branca de Neve.

Aí se coloca uma diferença entre o conto apresentado pelos irmãos Grimm, e a versão dos Estúdios Disney. Na primeira versão, a Branca de Neve morre e é colocada em um caixão de vidro pelos anões para ser venerada por eles, chega então um príncipe apaixona-se pela moça e pede para levá-la a seu castelo jurando honrá-la, ao transportá-la, com um solavanco no caixão, o pedaço da maça envenenada se solta da garganta da menina e ela desperta. Já na versão da Disney, enquanto é venerada no caixão de vidro, o príncipe a desperta com um beijo de amor pelo príncipe. Em ambas as versões a madrasta é condenada a morte.

Na narrativa dos imrãos Grimm, se enfatiza a importância da relação fraternal entre os anões. Isso não quer dizer que os anões sejam irmãos entre si, mas a relação de grupo. Os jovens hoje em dia, passam grande parte do tempo em grupos de pares e com a turma. Este serve como um lugar confortante e uma proteção diante dos conflitos familiares gerados pela adolescência. Nas experiências amorosas, os grupos servem como apoio, confidentes e encorajadores. No caso da Branca de Neve, ela se prepara juntamente com os anões, que são seus parceiros, para transitar do olhar de desejo do pai para o encontro com o príncipe.

No caso do disfarce de velha para enganar a Branca de Neve, é uma tentativa inteligente, pois os adolescentes não temem aos velhos. Ao contrário, reencontram um amor maternal perdido. Um abrigo para os conflitos resultantes do narcisismo ferido dos pais.

Questiona-se o fato da madrasta ir atrás da jovem, sendo que esta não a perturbava, pois estava longe de seu reinado. Apenas o fato de saber que sua beleza existia era o suficiente para barrá-la. Esse aspecto é comum no cotidiano de mães e filhas, pois muitas vezes a mãe fantasia a vida erótica da filha muito além do que acontece na realidade. Supondo acontecimentos que nem sequer passaram nos pensamentos da filha, principalmente no que se refere às próprias questões da sexualidade com a chegada da adolescência.

A morte da Branca de Neve pode ser interpretada como uma maneira de ser olhada, pois sua cor e expressão de vivacidade permanecem, provocando o desejo

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do príncipe. Então o feitiço da madrasta não se mostra totalmente nocivo, pois ela deixa que a beleza da jovem possa ser exibida e desejada, é como uma prova ou manifestação de inveja da madrasta pela beleza da menina. Essa inveja é uma confirmação das qualidades femininas, que não deixa de ser uma ferramenta da mulher.

Na cultura atual, a felicidade está muito ligada à juventude. Tem-se o dever de ser feliz por viver uma época idealizada por todos, em que as obrigações e preocupações são de curto prazo. Porém, em meio à insegurança e aos comportamentos reativos à rebeldia se lança uma interrogação, onde se questionam sobre o que esperam deles.

“Atualmente, a adolescência é a época de ser o que todos cobiçam: jovem, belo e com todas as possibilidades em aberto. Para nossa sociedade, o jovem parece ter o mundo a seus pés. O adolescente parece adormecido para o mundo dos adultos, mas ele não está nada parado: em seu retiro, seja o quarto, o grupo ou o hobby, praticará frenética e entusiasticamente qualquer coisa que o engate, dedicará a seus amigos mais tempo do que nunca, odiará ferozmente a todos os que dele discordarem. (CORSO, 2006, p.89)”.

Aberastury (1981) destaca como fundamental a elaboração de três lutos na adolescência. O luto pelo corpo infantil, o luto pela sua identidade infantil e o luto pelos pais da infância. No primeiro momento o sujeito vive a perda do corpo infantil, seu psiquismo ainda está na infância, porém seu corpo modificando-se. No luto pela identidade, há uma desordem nas posições, não se pode assumir um papel de adulto e suas responsabilidades, todavia, não cabe mais a posição de dependência infantil, ou seja, uma desorientação e incerteza na construção de sua personalidade. Quanto ao luto pelos pais da infância, ocorre o abandono da relação de dependência; apesar da complexidade, o adolescente vai tolerando a perda do seu corpo infantil e de sua identidade infantil. O adolescente precisa implicar-se nesses três lutos fundamentais, para a reestruturação do seu psiquismo, buscando a consolidação de uma identidade; sendo que aos pais cabe a sustentação de condições para que o adolescente elabore suas perdas e lutos.

Assim, neste contexto, fazem parte da adolescência dúvidas freqüentes, tais como: que escolhas realizar? Que profissão seguir? Será aquela almejada pelos

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pais, ou outra que ele próprio irá descobrir? A pressão sofrida pelos pais, o medo de decepcionar, a independência tão sonhada, são sentimentos presentes e ativos nesse período.

Calligaris (2009) aborda que a adolescência na modernidade se estabelece como uma forma de interpelação e interpretação ao adulto: “(...) A adolescência, assume assim a tarefa de interpretar o desejo inconsciente (ou simplesmente escondido, esquecido) dos adultos.” (p.26). Segundo ele, o adolescente é aquele que realiza o desejo inconsciente do adulto moderno. Diferentemente dos limites que os adultos tiveram que se submeterem, os adolescentes vivem uma fase de prazer marcada pela ausência desses limites. Mesmo através das regras impostas ao jovem, permanece o desejo da realização daquilo que os adultos foram impedidos de concretizar. Portanto, o adolescente carrega o dever do ideal recalcado pelo adulto, ideal esse de autonomia, liberdade e ausência de normas.

Calligaris (2009) ainda propõe: “O problema então não é: Quando começa a adolescência? Mas como se sai da adolescência?” (pag. 20) Percebe-se que não há um ponto fixo que define o momento em que o adolescente torna-se um adulto. Essa saída da adolescência é muito relativa, pois ninguém sabe como nem quando irá se elaborar um fechamento para esta posição psíquica que se abriu...

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste trabalho me proporcionou estudar como acontece a passagem da adolescência. Os percalços do seu processo são necessários e constitutivos, visto que, o sujeito precisa tomar novas posturas e reconhecer seu próprio desejo, pois ele está lidando com o luto do papel da identidade infantil, para enfim acessar a própria identidade. Neste momento ele é chamado a responder de outro lugar. É um momento determinante na estruturação psíquica.

A adolescência compreende processos psíquicos de desenvolvimento e elaboração. O sujeito está em um tempo de mudanças, tanto corporais como psíquicas, e isso provoca crises de identidade, tanto no adolescente quanto nos pais. Por isso, a importância da elaboração desse período não só por parte do filho, mas também dos pais. Pois o adolescer dos filhos reativam as lembranças e histórias da adolescência dos pais.

Foi possível também, fazer uma compreensão de como essa passagem se dava nos contos infantis. Expressada por um rito de passagem, onde a adolescência era vista como um momento de adormecimento, à espera da vida adulta. O conto ilustra com a personagem da Bela Adormecida, que o adolescente morra para família, e renasça para o exercício da sexualidade.

Com a modernidade a adolescência vem tomando mais espaço. Sua duração está cada vez mais longa, e esse processo é reconhecido hoje como parte fundamental na estruturação e desenvolvimento do sujeito. De modo que, essa transição delegue ao sujeito um posicionamento, em que ele mesmo responderá por seus desejos. Essa passagem implica em novas identificações, busca de novos pares e novos ideais.

A partir desta experiência de escrita não busco esgotar discussões ou trazer conclusões definitivas. Mas, sim, aguçar ainda mais as inquietações que surgem a respeito desse tema, possibilitando uma melhor compreensão desse desenvolvimento.

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