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O cuidado em saúde na unidade psiquiátrica de hospital geral : percepções de pacientes e familiares

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FACULDADE DE ENFERMAGEM

FERNANDA RIBEIRO SOBRAL

O CUIDADO EM SAÚDE NA UNIDADE PSIQUIÁTRICA DE HOSPITAL

GERAL: PERCEPÇÕES DE PACIENTES E FAMILIARES

CAMPINAS 2017

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O CUIDADO EM SAÚDE NA UNIDADE PSIQUIÁTRICA DE HOSPITAL GERAL: PERCEPÇÕES DE PACIENTES E FAMILIARES

Tese apresentada à Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ciências da Saúde, na Área de Concentração: Enfermagem e Trabalho.

ORIENTADOR: PROF. DR. CLAUDINEI JOSÉ GOMES CAMPOS

CAMPINAS 2017

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA FERNANDA RIBEIRO SOBRAL E ORIENTADA PELO PROF. DR. CLAUDINEI JOSÉ GOMES CAMPOS.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO FERNANDA RIBEIRO SOBRAL

ORIENTADOR: PROF. DR. CLAUDINEI JOSÉ GOMES CAMPOS COORIENTADOR: ----

MEMBROS:

1. PROF. DR. CLAUDINEI JOSÉ GOMES CAMPOS

2. PROFA. DRA. SONIA REGINA ZERBETTO

3. PROF. DR. ANTÔNIO CARLOS SIQUEIRA JÚNIOR

4. PROFA. DRA. ANTONIETA KEIKO KAKUDA SHIMO

5. PROFA. DRA. ANA MÁRCIA CHIARADIA MENDES CASTILLO

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha querida MÃE que sempre incentivou e acompanhou meus estudos, com muita dedicação, paciência e amor.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por iluminar este árduo caminho.

A minha mãe, Maísa, por sua constante presença em todos os momentos. A minha amada família, pelos incentivos: Gustavo, Maria Helena e Neide. Aos meus saudosos avós maternos: Antônio (in memoriam) e Maria Lourdes (in memoriam).

Às amigas inesquecíveis que, mesmo à distância, sempre me oferecem apoio, incentivo e muito carinho. Sou grata de coração por acompanharem toda esta trajetória desde o início da minha vida acadêmica: Thalyta, Viviane, Luiza.

Aos colegas que têm torcido por mim, compreendendo minha persistência em meio às dificuldades: Genoefa, Vanessa, Andrea.

Ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Unicamp, aos funcionários e aos professores.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo auxílio financeiro durante parte da pesquisa.

Aos colegas do grupo de pesquisa NUPEQS, por suas inestimáveis contribuições para a elaboração deste trabalho.

À equipe de saúde da Unidade Psiquiátrica do Hospital de Clínicas da Unicamp, principalmente, à equipe de enfermagem, que tanto me ensinou, e à Neila, pela disponibilidade de sempre.

Agradeço, especialmente, aos pacientes e familiares que, gentilmente, participaram desta pesquisa, fornecendo belíssimos depoimentos, sem os quais este trabalho não se realizaria.

E, sobretudo, agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Claudinei José Gomes Campos, por seu respeito, seu profissionalismo, sua competência, sua paciência e sua disponibilidade. Obrigada por sua brilhante e tranquila orientação. Obrigada por, mais uma vez, depositar em mim sua confiança. Obrigada pela honra de ter sido sua aluna nestes últimos anos; foi um prazer aprender um pouquinho sobre Saúde Mental e Pesquisa Qualitativa ao seu lado. Para terminar, gostaria de deixar registrado: para mim, você é o melhor exemplo de docente a se admirar, não só pelas qualidades que já assinalei, mas, também, pela sua postura ética e pelo

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RESUMO

A Reforma Psiquiátrica levou a um novo modelo de assistência em saúde mental que colocou as unidades psiquiátricas em hospitais gerais como um dos equipamentos substitutivos aos hospitais psiquiátricos tradicionais. Estas unidades são importantes para o tratamento especializado e intensivo dos pacientes quando se esgotam todas as alternativas de atendimento na rede substitutiva ao manicômio. Os objetivos deste estudo foram: compreender a percepção de cuidado em saúde dos pacientes internados numa unidade psiquiátrica e de seus familiares sobre o cuidado recebido; conhecer e analisar as percepções dessa população sobre suas necessidades de saúde. Esta é uma pesquisa clínico-qualitativa. O local de estudo foi uma Unidade de Internação Psiquiátrica de Hospital Geral, situada no interior do estado de São Paulo. A população foi composta por pacientes internados e por familiares. A amostra foi intencional e definida por saturação dos dados. Participaram deste estudo 15 sujeitos, sendo oito pacientes e sete familiares. A coleta foi realizada de fevereiro a junho de 2016. Foram realizadas entrevistas semidirigidas individuais e utilizou-se a análise de conteúdo temática. O referencial teórico foi baseado nos conceitos psicanalíticos básicos e no modelo teórico da Psicologia Médica e Psicossomática. A coleta de dados também incluiu a observação participante e a busca por informações adicionais no prontuário dos pacientes. Os resultados mostraram três categorias principais. A primeira, denominada “Percepções sobre o cuidado na unidade psiquiátrica”, aborda os entendimentos dos participantes sobre a perda do padrão de normalidade e sobre a perda do sentimento de liberdade – ambas manifestadas nas características do ambiente e na sensação de dependência em relação ao outro. A segunda categoria, nomeada “Percepções sobre a equipe de saúde”, apresenta como os participantes veem o trabalho da equipe e como estas ações correspondem às suas expectativas sobre o cuidado em saúde; mostra também a visão negativa do cuidado realizado, evidenciando as relações de poder presentes no relacionamento interpessoal. A terceira categoria, chamada “Percepções sobre as relações humanas num ambiente de dor”, mostra as relações estabelecidas num cenário marcado pelo sofrimento, destacando as ações solidárias entre pacientes e familiares e expondo as ações de cuidado recebidas da equipe de saúde e entendidas pelos sujeitos como práticas diferenciadas e libertadoras. Concluiu-se que são muitos os fatores que influenciam

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o cuidado de saúde e as necessidades de saúde dos pacientes e familiares numa unidade psiquiátrica. Contudo, a forma como estas necessidades, manifestadas ou desejadas, são recebidas e trabalhadas pelos profissionais precisa estar em discussão contínua, visando a renovação e o aperfeiçoamento das melhores maneiras de conduzir as práticas de cuidado e o tratamento das pessoas em sofrimento psíquico. Espera-se que a compreensão da percepção de pacientes e familiares sobre o cuidado recebido e o conhecimento sobre suas necessidades possam subsidiar o planejamento da assistência em enfermagem psiquiátrica, individuais ou coletivos, aprimorando o atendimento em saúde mental realizado nas unidades psiquiátricas de hospitais gerais.

Linha de Pesquisa: Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem.

Descritores: Cuidados de Enfermagem; Saúde Mental; Hospitais Gerais;

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ABSTRACT

The psychiatric reform prompted a new model of mental health care in which puts psychiatric units in general hospitals therefor replacing traditional psychiatric hospitals. These units are important for the specialized and intensive treatment of patients when all the alternatives of care in the substitute asylum network are exhausted. The objectives of this study were: to understand the perception of care at health of the hospitalized patients and their relatives in a psychiatric unit about the care received; to know and analyze their perceptions about their health needs. This is a clinical-qualitative research. The study site was a psychiatric hospitalization unit of a general hospital, located within the state of São Paulo. The population was composed of inpatients and relatives. The sample was intentional and defined by data saturation. Fifteen subjects participated in this study, eight patients and seven family members. Data collection was performed from February to June 2016. Individual semi-directed interviews were conducted and thematic content analysis was used. The theoretical framework was based on basic psychoanalytic concepts and in the theoretical model of Medical Psychology and Psychosomatic. Data collection also included participant observation and the search for additional information in patients' records. Results showed three main categories. The first one called "Perceptions about care in the psychiatric unit" which addresses the participants' understandings about the loss of a normality pattern, loss of the feeling of freedom manifested in the characteristics of the environment and the feeling of dependence on the other. The second category named "Perceptions about the health staff" shows how the participants see the work of the team and how these actions correspond to their expectations about health care and also shows the negative view of the care evidencing the relations of power present in the interpersonal relationship. And the third category called "Perceptions about human relations in an environment of pain" shows the relationships established in a scenario marked by suffering, highlighting the solidarity actions between patients and their families and exposing the care actions received from the health staff and understood by the subjects as differentiated and liberating practices. It was concluded that there are many factors that influence health care and the health needs of patients and their families in a psychiatric unit. However, how these desired or expressed needs are received and

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worked by professionals need to be in continuous discussion, aiming at the renewal and improvement of the best ways of conducting care practices and the treatment of people in psychological distress. It is expected that understanding the perception of patients and family members about care received and knowledge about their needs may support the planning of care in individual or collective psychiatric nursing, therefor improving the mental health care performed in the psychiatric units of general hospitals.

Key words: Nursing Care; Mental Health; General Hospitals; Psychiatric Nursing;

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição das características sociodemográficas dos pacientes...81 Tabela 2 – Distribuição das características sociodemográficas dos familiares...82 Tabela 3 – Distribuição dos dados clínicos dos pacientes internados...83 Tabela 4 – Distribuição da frequência de temas referentes às pré-categorias de

análise (Pacientes)...276

Tabela 5 – Distribuição da frequência de temas referentes às pré-categorias de

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Seleção de temas e pré-categorias da observação participante...77 Quadro 2 - Caracterização sociodemográfica dos pacientes...85 Quadro 3 - Caracterização sociodemográfica dos familiares e dos respectivos

pacientes...86

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AVD Atividade(s) de Vida Diária(s)

CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CEP Comitê de Ética e Pesquisa CNH Carteira Nacional de Habilitação CNS Conselho Nacional de Saúde CS Centros de Saúde

Def. Deficiência

ECT Eletroconvulsoterapia FEnf Faculdade de Enfermagem

HG Hospital Geral

HP Hospital Psiquiátrico (Tradicional) HD Hospital Dia

MS Ministério da Saúde

NUPEQS Núcleo de Pesquisa e Estudos Qualitativos em Saúde PS Pronto Socorro

PSF Programa de Saúde da Família PTI Projeto Terapêutico Individual RAPS Rede de Atenção Psicossocial RMC Região Metropolitana de Campinas Sd. Síndrome

SSCF Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira Sint. Sintomas

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SPA Substâncias Psicoativas SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TO Terapia Ocupacional

Tr. Transtorno TV Televisão

UBS Unidades Básicas de Saúde

UER Unidade de Emergência Referenciada UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UP Unidade Psiquiátrica

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LISTA DE SÍMBOLOS

a/e A Esclarecer a Ano(s) d Dia(s) EF Ensino Fundamental EM Ensino Médio ES Ensino Superior F Feminino km² Quilômetro quadrado M Masculino m Meses N Não S Sim

Sal. Min. Salário Mínimo

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO ... 18

2. INTRODUÇÃO ... 21

2.1OHOSPITALGERALESUAPARTICIPAÇÃONAREDEDEASSISTÊNCIAPSIQUIÁTRICA 22 2.2OSFAMILIARESDOPACIENTEPSIQUIÁTRICO ... 29

2.3ESCLARECIMENTOSDECONCEITOS ... 30

2.3.1 O Paciente ... 31

2.3.2 A família como cuidadora informal ... 32

2.3.3 Sofrimento mental ou psíquico ... 34

2.3.4 O Cuidado em Saúde ... 36

2.3.5 As Necessidades de Saúde Ampliadas ... 38

2.4OPROBLEMADEPESQUISAESUADELIMITAÇÃO ... 38

2.5JUSTIFICATIVAS ... 41 3. REFERENCIAL TEÓRICO ... 43 4. PRESSUPOSTOS ... 47 5. OBJETIVOS ... 49 5.1GERAL ... 50 5.2ESPECÍFICOS ... 50 6. METODOLOGIA ... 51 6.1MÉTODO ... 53 6.2LOCALDEESTUDO ... 55 6.3POPULAÇÃOEAMOSTRA ... 57

6.4TÉCNICASEINSTRUMENTOSDECOLETADEDADOS ... 60

6.5PROCEDIMENTOSDECOLETADEDADOS ... 65

6.6PROCEDIMENTOSPARAANÁLISEDOSDADOS... 70

6.7PROCEDIMENTOSÉTICOSRELACIONADOSÀPESQUISA ... 73

7. RESULTADOS ... 76

8. DISCUSSÃO ... 88

8.1PERCEPÇÕESSOBREOCUIDADONAUNIDADEPSIQUIÁTRICA ... 90

8.1.1 O cuidado de saúde voltado à reconquista da vida normal ... 91

8.1.2 O cuidado como prática libertadora ao desejo de independência ... 129

8.2PERCEPÇÕESSOBREAEQUIPEDESAÚDE ... 181

8.2.1 Relações que potencializam ou não a compreensão das necessidades desejadas ... 182

8.2.2 Relações de submissão à equipe ... 200

8.3PERCEPÇÕESSOBREASRELAÇÕESHUMANASNUMAMBIENTEDEDOR ... 216

8.3.1 Ações solidárias: a promoção do cuidado entre semelhantes ... 216

8.3.2 Ações diferenciadas no cuidado oferecido pela equipe de saúde ... 233

8.4LIMITAÇÕESDOESTUDO ... 251

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 255

10. REFERÊNCIAS ... 262

APÊNDICES ... 276

APÊNDICE1–DISTRIBUIÇÃO DA FREQUÊNCIA DE TEMAS REFERENTES ÀS PRÉ-CATEGORIAS DE ANÁLISE DE PACIENTES ... 277

APÊNDICE2–DISTRIBUIÇÃO DA FREQUÊNCIA DE TEMAS REFERENTES ÀS PRÉ-CATEGORIAS DE ANÁLISE DE FAMILIARES ... 279

APÊNDICE3–ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PACIENTE ... 281

APÊNDICE4–ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O FAMILIAR ... 282

APÊNDICE5–ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO ... 283

APÊNDICE6–ROTEIRO PARA COLETA DE DADOS NO PRONTUÁRIO DO PACIENTE ... 284

APÊNDICE7–TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PACIENTES ... 285

APÊNDICE8–TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA FAMILIARES... 288

ANEXO ... 291

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Penso ser importante iniciar este trabalho apresentando alguns dos motivos que me levaram ao desenvolvimento desta pesquisa.

A área da Saúde Mental sempre me encantou desde o início da graduação em Enfermagem; embora eu nunca tenha exercido atividade assistencial na área, como aluna, fiz alguns estágios disciplinares no Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira (SSCF) e realizei estágio supervisionado na unidade psiquiátrica de hospital geral (UPHG) – que é o local de estudo desta pesquisa.

Durante a pós-graduação, como discente de mestrado e doutorado, fiz parte do Programa de Estágio Docente da Unicamp por três oportunidades, auxiliando meu orientador nas mesmas disciplinas de saúde mental e enfermagem psiquiátrica que eu havia cursado e também o acompanhando nos estágios destas disciplinas que ocorriam no SSCF.

Entretanto, eu era aprendiz de docente e atuava como uma “docente aprendiz”, cambaleando na fronteira entre o ser discente e o ser docente. Foi um momento desafiador e de muito aprendizado, o que reforçou minha vontade de seguir nesta área e trabalhar nela – seja na assistência ou na pesquisa.

Enquanto a assistência não vinha, busquei a pesquisa. Na preparação do projeto para apresentar ao processo seletivo do Programa de Pós-graduação, tive vontade de fazer alguma pesquisa na UPHG – onde eu havia estagiado. Porém, a temática que latejava nos meus pensamentos não se encaixava ali e também acreditava que eu precisava explorar outros espaços de assistência à saúde mental. Então, no mestrado, trabalhei com as representações sociais dos enfermeiros sobre a educação em saúde mental na atenção básica. Tentei conciliar o tema da saúde mental com as ações de educação em saúde, voltadas às pessoas mentalmente adoecidas e realizadas nos Centros de Saúde (CS). Eu acreditava que estes locais eram essenciais para a prevenção da doença mental e a promoção da saúde mental – e ainda creio que sejam, apesar dos vários desafios.

Finalizado o mestrado, imaginei continuar no mesmo tema, mas na visão dos usuários dos CS. No entanto, desisti. Primeiro, porque os resultados encontrados na dissertação me desestimularam um pouco e achei que seria tarefa árdua “correr atrás” de usuários dos CS. Segundo, porque eu queria muito fazer uma pesquisa na UPHG que, durante meu estágio supervisionado, sacramentou meu encantamento pela Saúde Mental.

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Deste modo, a trajetória inicial desta pesquisa de doutorado partiu das seguintes questões: “Como os pacientes e os familiares percebem o atendimento em saúde mental recebido em uma unidade psiquiátrica em hospital geral (UPHG)?” e “O que eles pensam que é necessário para o seu cuidado neste ambiente?”.

Tais perguntas surgiram após eu visitar uma UPHG. A princípio, sem a certeza do tema a estudar, eu tinha apenas a vontade de realizar um trabalho de pesquisa num local que, desde a graduação, me instigava.

Ao conversar com alguns membros da equipe de enfermagem, emergiram vários assuntos relacionados aos próprios profissionais, principalmente às questões do trabalho: o processo; as relações entre as equipes multiprofissionais; algumas dificuldades no manejo de determinados casos clínicos; algumas queixas sobre a sobrecarga de trabalho; além de outros temas interessantes – contudo, a maioria focava nos profissionais.

Estas inúmeras possibilidades temáticas aumentaram minhas incertezas do que pesquisar, porém obrigaram-me a refletir sobre o que eu realmente gostaria de estudar. Em minhas divagações, indaguei-me: os profissionais têm várias demandas para si, mas eles também pensam muitas coisas sobre o que eles acreditam que os pacientes precisam. Ou seja, os profissionais parecem crer que sabem o que os pacientes necessitam no cenário de estudo.

Parece claro que as equipes de saúde, que convivem diariamente com os pacientes, possuem, não somente, conhecimentos teóricos e técnicos, mas também percepções sobre o que é necessário para os pacientes internados numa UPHG. Mas será que eles sabem mesmo? Será que suas percepções correspondem às dos pacientes? Por que não perguntar diretamente aos pacientes a respeito do que era preciso para os seus cuidados em saúde e sobre suas percepções acerca do atendimento recebido? E por que não incluir nesta discussão a percepção da família?

Eu acreditava que a percepção destes últimos seria tão importante quanto a opinião dos pacientes, pois, em muitos casos, os familiares atuam como seus principais cuidadores.

Depois de considerável tempo amadurecendo tais questionamentos e pesquisando sobre o assunto, convenci-me sobre o tema a desenvolver.

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Ao longo da história, os hospitais gerais (HG) apresentaram características diferentes de acordo com o processo histórico-social vigente. O espaço hospitalar foi importante no desenvolvimento das Ciências Médicas, principalmente a partir de meados do século XVIII, quando os hospitais se tornaram locais onde se curavam doenças por meio das ações médicas. Os profissionais partiam da observação dos sinais e sintomas apresentados pelos doentes para conhecer e classificar as doenças, propondo tratamentos padronizados a cada uma delas. Desta forma, o espaço hospitalar tornou-se importante no desenvolvimento das Ciências Médicas.1

Assim como as doenças físicas, no século XIX, a loucura também se tornou uma doença a ser tratada e curada; contudo, dentre as estratégias terapêuticas, estava o isolamento social. Surgiram, então, os manicômios onde se tratavam as doenças da mente, se contrapondo aos hospitais gerais – que tratavam as doenças do corpo. Esta dicotomia no tratamento do corpo e da mente permeou o modelo de assistência hospitalar biomédico: mecanizado e fragmentado, dividindo o corpo em partes, redistribuindo-as entre especialidades, com predomínio do tratamento medicamentoso e centrado na figura do médico.1-2

Em 1930, nos Estados Unidos, os HG passaram a ter unidades psiquiátricas para atender as doenças físicas e mentais de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Depois disso, a assistência psiquiátrica em HG passou a considerar, além das questões biológicas, os aspectos comportamentais, psíquicos, sociais e culturais dos enfermos.1

No cenário brasileiro, apenas em 1960 surgiram os primeiros leitos psiquiátricos em HG. Em 1970, o modelo manicomial começou a ser questionado, culminando no movimento da Reforma Psiquiátrica no país.1

2.1 O HOSPITAL GERAL E SUA PARTICIPAÇÃO NA REDE DE ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA

No contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira, novos modelos de assistência foram implantados na área da Saúde Mental. Para concretizar um atendimento psicossocial, cujo foco é a multidimensionalidade do ser humano, novos serviços foram criados. Desta forma, os hospitais psiquiátricos tradicionais (HP)

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seriam substituídos, lenta e gradativamente, por novos equipamentos de atenção psiquiátrica: centro de atenção psicossocial (CAPS), hospital dia (HD), unidades básicas de saúde (UBS), programas de saúde da família (PSF), ambulatórios de saúde mental, emergências psiquiátricas, residências terapêuticas, consultórios na rua, além das unidades psiquiátricas em hospital geral (UPHG).2-3

Estes serviços são essenciais para formar uma rede de atenção em saúde mental voltada para o cuidado contínuo ou eventual de pacientes e familiares.3

Para tanto, o cuidado deve considerar o princípio da integralidade, compreendendo o indivíduo em sua totalidade. Isto exige que a gestão do HG articule a integração da assistência de saúde a ser realizada por equipe multi e interprofissional, além de promover a participação das famílias, da sociedade e do portador de transtorno mental como corresponsáveis pelo seu tratamento e sua ressocialização.2

A internação hospitalar requer a presença de profissionais qualificados, pois, quando há um processo de saúde-doença instalado, há a necessidade de tratamento especializado e intensivo. Assim, a pessoa com sofrimento mental, ao apresentar uma condição grave da doença, em fase aguda ou não, pode necessitar de um lugar com assistência específica para seu tratamento.1,4-5

Os serviços especializados em saúde mental surgiram para substituir as instituições manicomiais, oferecendo várias opções de assistência no território onde o paciente vive. Entretanto, na ausência dos hospitais psiquiátricos tradicionais ou quando esgotadas todas as possibilidades de atendimento nesta rede de serviços (CAPS III, com atendimento contínuo ou de urgência), a unidade psiquiátrica (UP) ou enfermaria de psiquiatria é o espaço recomendado para oferecer internação de curta duração, a fim de tratar as pessoas em casos graves – relacionados aos transtornos mentais e ao uso de álcool, crack e outras drogas –, até sua estabilização clínica para depois se retomar o acompanhamento de saúde na comunidade.2,4-5

Importante ressaltar que, de acordo com a Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 3.088, de 2011, a internação em UPHG deve ser requerida com base em critérios clínicos e de gestão, com intermediação do CAPS de referência do paciente. Caso a procura por atendimento psiquiátrico de emergência no HG seja espontânea e direta, deve-se providenciar a vinculação do paciente ao CAPS de sua

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referência, para que assuma o caso. Enfatiza-se que o cuidado ofertado na UPHG deve estar articulado com o Projeto Terapêutico Individual desenvolvido pelo serviço de referência do paciente.5

O propósito das UPHG é evitar internações longas, o hospitalismo, a cronificação da doença, a perda de vínculos sociais e de cidadania – que eram gerados pelos hospitais psiquiátricos tradicionais.1-2

Um estudo mostrou que há diferença significativa entre pacientes internados em hospitais psiquiátricos (que podemos comparar às antigas instituições asilares do Brasil) e aqueles pacientes internados em hospitais gerais, havendo melhor prognóstico destes últimos. A pesquisa conclui que a transferência de leitos de hospitais psiquiátricos para hospitais gerais requer mudanças profundas em termos organizacionais, educacionais e financeiros.6

Resguardadas as devidas diferenças locais, no caso brasileiro, esta mudança parece mais complicada quando se pensa na substituição gradativa e total dos antigos manicômios para os serviços que compõem a rede de assistência à saúde mental, pois envolve a ação integrada de serviços de saúde com diferentes níveis de atenção – o que dificulta a implantação da Reforma Psiquiátrica almejada para o Brasil. Soma-se a isto a falta de políticas públicas claras para esta finalidade,1-2 visto que as políticas públicas oficiais estão distantes do que é construído no cenário da prática e sofrem grande influência das micropolíticas locais.7

Segundo a Portaria da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde, do Ministério da Saúde, nº 224, de 29 de janeiro de 1992, que estabeleceu as normas para o atendimento em Saúde Mental e para as UPHG, a quantidade de leitos psiquiátricos não deve ultrapassar 10% da capacidade hospitalar, podendo-se ter no máximo 30 leitos.8

Nos últimos anos, o MS adotou algumas medidas na tentativa de promover a rede de atenção à saúde mental e facilitar o acesso dos pacientes aos diversos serviços criados no Brasil. Formaram-se grupos de trabalho, compostos por representantes de diversos órgãos e entidades, para discutir estratégias de expansão da quantidade de leitos psiquiátricos em HG. Também o Plano Emergencial para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas no Sistema Único de Saúde (SUS) reajustou a remuneração dos procedimentos em

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saúde mental nos HG em detrimento do valor pago aos antigos hospitais psiquiátricos. Como consequência, houve aumento no número de leitos psiquiátricos em HG, bem como de serviços de emergência psiquiátrica.1,9-10

Em 2011, a Portaria do MS, nº 3.088, instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e destacou que o modelo assistencial à saúde mental daria ênfase à atenção comunitária, à participação social e ao usuário de substâncias psicoativas (crack, álcool e outras drogas), com o predomínio de uma gestão regional.7,5

Entretanto, a Portaria do MS, nº 1.616, de 26 de julho de 2012, estabeleceu alteração no número de leitos psiquiátricos, sendo que este não deveria exceder o percentual de 15% da capacidade total de leitos do HG, podendo-se ter no máximo 25 leitos. Também houve redução no financiamento de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.11

No país, atualmente, estão habilitados 3.910 leitos de psiquiatria em hospital geral, que estão distribuídos em 646 hospitais.4 Porém, esta quantidade de leitos está desigualmente distribuída, quando se comparam os hospitais públicos com os privados, e também é desigual entre as regiões do Brasil. Portanto, esta discrepância gera desassistência nos locais com baixa quantidade de leitos psiquiátricos em HG, principalmente nos hospitais que atendem pelo SUS, e com uma rede de atenção extra-hospitalar escassa.12

Estudo internacional apontou que não é possível haver um sistema de saúde mental sem leitos para a atenção à crise, mas ressaltou que a necessidade destas vagas deve ser equacionada entre os HG e os serviços comunitários. O número necessário de leitos em HG está condicionado à quantidade de outros serviços existentes no território e depende das características econômicas e socioculturais de cada local.13

Enfatiza-se, portanto, o árduo desafio encontrado no Brasil para fortalecer a rede de assistência em saúde mental, pois depende de fatores complementares: “profissionais (novas tecnologias clínicas, processo de formação, etc.), institucionais (criação de novos serviços, práticas de gestão, etc.) e sistêmicos (arcabouço legal, governança, financiamento e métodos de avaliação e controle)”.7

Qualquer alteração organizacional no âmbito sistêmico reflete na prática diária dos serviços de saúde. Além disso, a divisão de responsabilidades na gestão

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e no financiamento da saúde entre união, estados e municípios impõe maior complexidade na construção e na disseminação da política de saúde.7

No que concerne à estrutura física, a Portaria nº 224/MS, de 29 de janeiro de 1992, determinou que o espaço destinado para abrigar uma UPHG deve ter salas para trabalhos grupais e utilizar ambientes externos para lazer, educação física e atividades socioterapêuticas. As atividades propostas devem abranger: “avaliação médico-psicológica e social, atendimento individual e grupal, abordagem à família e preparação para a alta”. Cabe destacar que a abordagem à família envolve orientações sobre o diagnóstico, o programa de tratamento, a alta hospitalar e a continuidade do tratamento do paciente,8 sendo que não é considerada a necessidade de assistência ao cuidador informal.

Algumas vantagens das enfermarias de psiquiatria em HG são a diminuição dos estigmas e preconceitos da doença mental, a possibilidade de ter mais recursos diagnósticos e terapêuticos, a redução da exclusão social, o menor tempo de internação e as facilidades na reinserção social.1,14

As desvantagens estão, paradoxalmente, na exclusão ou no isolamento de pacientes mais graves; na arquitetura da unidade, cuja estrutura física inadequada não atende as regulamentações exigidas, considerando que a maioria dos pacientes psiquiátricos não é acamada, tendo maior liberdade para circular, tornando necessário haver espaços para esta circulação e para as atividades psicossociais e terapêuticas.1-2,14

As outras dificuldades estão na falta de qualificação dos profissionais; na limitação do modelo de assistência, baseado na visão biomédica e fragmentada do ser humano, restrito à abordagem farmacológica; no preconceito e no estigma sobre as pessoas com transtornos mentais, que geram resistência de alguns profissionais do HG; além de resistência organizacional, devido à posição contrária de alguns gestores para integrar a rede de assistência à saúde mental por meio da implantação de leitos psiquiátricos em HG.1-2,15-16

Mais uma vez, evidencia-se que “a realidade das unidades impõe alterações no modelo hegemônico, seja a partir de consensos dos atores envolvidos ou ascendência de grupos de interesse no processo político decisório”.7

Devido a estes problemas, no Brasil, ainda é insuficiente o número de leitos psiquiátricos em HG ou mesmo de UPHG, sendo que são poucos os hospitais

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do SUS que contam com enfermarias de psiquiatria. Além disso, a rede de apoio de serviços extra-hospitalares também é reduzida e precária, dificultando a assistência integral dos pacientes, principalmente quanto à continuidade do tratamento na comunidade local e a carência de serviços voltados também ao seu cuidador informal, geralmente composto por membros da família.1,12

Nas enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais, é necessário haver um trabalho multiprofissional e interdisciplinar, contando com a participação de enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, nutricionistas – dentre outros que se façam necessários para cada caso. Entretanto, a presença de profissionais e objetos de atenção e prática tão diversos pode levar a uma indefinição dos papéis e a diferentes prioridades de cuidado. Daí a importância de se buscar a integralidade na assistência visando melhorar a qualidade do cuidado

em saúde mental aos pacientes destes serviços.1-2,15 Outro estudo realizado com usuários de um CAPS, sobre as experiências

vividas por eles quando internados em hospitais psiquiátricos, mas não em UPHG, revelou que, durante a internação destes pacientes, não lhes era “permitida a voz”, sendo válido a eles apenas esperar o fim da internação, o qual era determinado por outra pessoa, sem a participação do paciente. Esta pesquisa também mostrou que a internação psiquiátrica ainda é significante para os pacientes da rede de saúde mental, reforçando para eles a condição existencial e social de ser “portador de transtorno mental”.17

Torna-se imprescindível elaborar formas de cuidado capazes de acolher e possibilitar a autonomia das pessoas adoecidas mentalmente. Para isso, é necessário haver efetividade nas ações de saúde intra e intersetoriais – situação distante da realidade brasileira.12,15

É nesse contexto que a enfermagem assume papel importante, pois, para prestar esta assistência, deve também se apropriar de conhecimentos em teorias terapêuticas e suas respectivas técnicas, como o relacionamento interpessoal, o intersubjetivo e outros. No entanto, vê-se uma enfermagem exercendo um trabalho restrito às interações individuais com o paciente, sem ação terapêutica definida.16-17

Nota-se que, geralmente, a rotina de enfermagem está mais voltada para as necessidades da unidade de internação psiquiátrica do que para os pacientes e menos ainda para os familiares. Nestes locais, existe grande preocupação com o

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cumprimento de horários, seguindo a lógica institucional de um hospital geral: os pacientes têm horários para acordar, tomar banho, para se alimentar e para participar das atividades terapêuticas. Tudo isso visa facilitar o funcionamento e o processo de trabalho dos profissionais.18-19

De modo geral, o trabalho da enfermagem em saúde mental ainda detém resquícios da ideia tradicional de organização e controle. A equipe de enfermagem oferece cuidados físicos como a higienização, a distribuição das refeições, o preparo e a administração de medicamentos, a verificação dos sinais vitais e a organização do local. São atividades desenvolvidas de forma automática e nem sempre atendem às necessidades dos pacientes, apenas cumprem as rotinas estabelecidas pelo setor de internação psiquiátrica.18-19

No cuidado de enfermagem em saúde mental ainda predomina uma forma de relação impessoal, evidenciando os resquícios da lógica manicomial, reproduzida por muitas equipes de enfermagem que atuam nesta área.17

O trabalho dos profissionais de saúde deve focar no cuidado à saúde tanto do indivíduo com transtorno mental quanto da sua família; portanto, a relação estabelecida entre eles deve ser mais humana, a fim de que a equipe se aproxime das necessidades destas pessoas, permitindo que elas também sejam agentes do seu próprio cuidado.2

A melhoria na qualidade dos serviços de psiquiatria depende de fatores como: clara definição dos objetivos do serviço, curto período de internação, avaliação sistemática da efetividade das ações de cuidado e do tratamento, estabelecimento de relacionamentos terapêuticos baseados em teorias e numa comunicação aberta e autêntica, ou seja, isenta de pré-julgamentos, preconceitos e ideias estereotipadas, buscando compreender verdadeiramente o outro. Também é essencial estabelecer uma equipe de trabalho efetivamente interdisciplinar. Todas estas questões perpassam a função do enfermeiro quanto à organização e à gestão do trabalho em saúde mental.16

(29)

2.2 OS FAMILIARES DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO

A família tende a reconhecer a importância dos serviços extra-hospitalares no atendimento às necessidades dos seus parentes em sofrimento psíquico. Tal reconhecimento se reflete na percepção que familiares e/ou cuidadores têm na diminuição do número de crises e reinternações psiquiátricas. Embora situações de crise em pessoas com diagnóstico de transtornos mentais severos e persistentes sejam esperadas durante o tratamento.18,20

Todavia, com a desinstitucionalização, transferiu-se à família uma condição de protagonista neste cuidado, exigindo-se dela uma atitude de compromisso e responsabilização, em conjunto com a equipe de saúde mental, na construção de espaços de negociação em que a família se sinta sujeito ativo de um plano de cuidado ao seu parente.2-3,20

O trabalho da equipe de saúde que assiste pacientes em sofrimento psíquico, quando realizado em conjunto com os membros da família ou os cuidadores informais, tem sido apontado como ponto principal para oferecer um cuidado de saúde adequado tanto aos pacientes quanto aos familiares.18,21

A assistência no modelo psicossocial preconiza a inclusão da família no tratamento, tentando evitar a culpabilização dos seus membros – tanto quanto a sua vitimização. Além disso, tal modelo não pode restringir o papel da família a de simples informante. Nota-se que a ênfase no cuidado e no tratamento dirige-se ao paciente; por isso, cabe aos serviços substitutivos repensarem e reformularem a abordagem familiar utilizada. Esses serviços devem permitir que o familiar seja não apenas sujeito ativo no plano terapêutico elaborado pela equipe para os pacientes, mas, também, alvo deste plano. É imperativo desconstruir a ideia de que a assistência em saúde mental é uma prática que está centrada no paciente e realizar intervenções que considerem seu contexto familiar.3,22

O familiar ou o cuidador informal, muitas vezes despreparado para o cuidado, sem apoio do serviço e pouco assistido pelo mesmo, fica sobrecarregado pela atenção e pelo cuidado despendidos ao paciente psiquiátrico, o que favorece seu adoecimento também. Deste modo, a atenção ao familiar e suas necessidades ainda requer melhor compreensão para que os profissionais e os serviços da área de Saúde Mental elaborem intervenções efetivas à prática.18,22

(30)

Além disso, os gestores também podem incentivar, entre os profissionais, a promoção de ações reflexivas e avaliadoras para o cotidiano institucional e a prática assistencial em saúde mental dentro de um HG, buscando novas maneiras de organizar e modificar os serviços e seus processos de trabalho.16,23-24

Um estudo observou que as famílias acreditam que algumas expectativas que possuem acerca do tratamento de seu familiar em sofrimento psíquico são atendidas pela equipe, principalmente quanto à remissão dos sintomas e à medicação. Tal pesquisa constatou ainda que as ações da equipe se voltam eminentemente para o paciente, deixando a família à margem desta atenção. Entretanto, é complicado dimensionar até que ponto os cuidados aos familiares têm sido efetivamente realizados e se as suas expectativas estão sendo satisfeitas.20

Cabe esclarecer que a desinstitucionalização não significa a desassistência, mas sim o resgate dos direitos das pessoas em sofrimento psíquico. Ela questiona as instituições, os saberes e as práticas psiquiátricas tradicionais. Estas práticas consideram o hospital psiquiátrico o principal local de tratamento, onde o indivíduo é visto somente como um doente que não participa de seu tratamento, sendo excluído do convívio familiar e social.20,25

Portanto, torna-se evidente que também a família precisa receber orientações e suporte para elaborar seus sentimentos, reorganizar e reordenar seus papéis diante da realidade de conviver com pessoas com transtornos mentais. Isso equivale a receber informações adequadas dos profissionais quanto à sintomatologia, às causas do sofrimento psíquico, aos modos de tratamento, de abordagem e convivência. O tratamento aliado aos espaços de socialização de experiências pode favorecer e melhorar a estabilidade emocional da família, sua compreensão acerca da complexidade do quadro psiquiátrico e restituir ou possibilitar o compartilhamento e a criação de estratégias eficazes de enfrentamento da situação que vivenciam diariamente.3,24

2.3 ESCLARECIMENTOS DE CONCEITOS

É importante definir previamente alguns conceitos que foram fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa e para a análise dos dados.

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2.3.1 O Paciente

Inicialmente, esclareço que neste trabalho utilizo a denominação paciente e não cliente ou usuário. Trata-se de uma preferência pessoal, uma vez que “não há consenso nas concepções dos termos cliente, paciente e usuário nas relações da pessoa que utiliza o serviço de saúde e o profissional da área”.26

A palavra paciente deriva do latim patiens, de patior, que significa sofrer. A utilização desse termo tem início do século XIV e designa uma pessoa que tem paciência e é conformada.26

Porém, minha concepção de paciente não é de um ser passivo, que deve ter paciência, ser obediente, sereno, conformado e cujas opiniões não têm importância. É exatamente – e explicitamente para mim – o contrário. O paciente é um ser ativo em seu cuidado, ele e sua família devem participar direta ou indiretamente na elaboração do plano de assistência destinado a ele. Suas opiniões e críticas são fundamentais para que os profissionais da saúde tenham alta performance na execução de seus papéis, o que implica maior resolutividade dos problemas e oferecimento de ações de cuidado mais efetivas e de qualidade. Portanto, deve prevalecer uma relação horizontalizada e as decisões precisam ser compartilhadas e acordadas entre todos.

Embora todos os termos (paciente, cliente, usuário) sejam formalmente aceitos, tenham suas especificidades semânticas e possam induzir (ou sugerir) diferentes modos de cuidar, é a forma como o profissional de saúde olha e compreende o sujeito que determina as relações estabelecidas com o outro e a prática do cuidado construída na realidade do serviço de saúde.26

O termo cliente denota, para mim, uma relação comercial, um negócio e, portanto, lembra-me dinheiro, capital e interesses financeiros. Não por acaso, cliente é um termo característico da economia liberal de mercado.26 Apesar de entender e reconhecer a importância das questões sobre gestão e financiamento em saúde, tanto no serviço público quanto no privado, ainda assim, não são os pontos principais que pretendo abordar nesta pesquisa; por isso, a preferência pela denominação paciente à cliente.

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Já o termo usuário é comumente empregado nos serviços extra-hospitalares – como UBS e CAPS.

Pelo fato de esta pesquisa ser realizada em um serviço de saúde público hospitalar e por envolver uma população socialmente vulnerável e estigmatizada, penso que utilizar a denominação paciente, no sentido que mencionei, esteja adequado à ênfase que pretendo conferir às relações humanas que envolvem o cuidado em saúde mental dentro de uma UPHG.

De qualquer modo, independentemente do termo utilizado e das diferentes conotações dadas a partir do imaginário de cada um, o importante é que, nas ações de cuidado, estejam presentes o respeito à autonomia das pessoas atendidas e o direito de acesso aos serviços de saúde. A relação dialógica entre profissionais da saúde e pacientes-clientes-usuários deve se alicerçar na humanização da assistência à saúde e na valorização da participação ativa e conjunta de todos os envolvidos nas práticas de cuidado.26

2.3.2 A família como cuidadora informal

Nesta pesquisa, a família foi compreendida como uma cuidadora informal, mas, para entender esta ideia, um tanto genérica no início, é necessário apreender as noções de família e de cuidador informal que norteiam este trabalho.

A família pode ser entendida como um grupo formado por dois ou mais indivíduos, que podem ou não ter laços de sangue ou legais, viver ou não em uma mesma casa. Seus membros se consideram uma família, pois possuem vínculo afetivo e desempenham tarefas sociais inter-relacionadas.27-28

Esta concepção enquadra-se na perspectiva sistêmica de família que afirma que qualquer vivência interfere e altera o funcionamento da mesma, que busca sempre uma forma de reestruturação para manter seus ideais.27

A família é formada por muitos subsistemas (mãe e filho, casal, irmãos), mas ela também faz parte de um supra-sistema (vizinhos, igreja, instituições de saúde e outros). As fronteiras entre esses sistemas estabelecem quais subsistemas e supra-sistemas são importantes para a família. Porém, um sistema pode mudar de acordo com sua dinâmica interna ou suas interações com o ambiente, que também

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muda continuamente.29 A mudança em um dos membros da família afeta todo o grupo familiar.28

A família é uma instituição social, baseada nas relações de parentesco cultural. O meio familiar, apesar dos seus possíveis conflitos, é o principal local de cuidado das pessoas com transtorno mental. É neste ambiente onde são definidas as decisões e as estratégias para lidar com o parente acometido pela doença. O papel da família é acolher este indivíduo, assumindo a responsabilidade de lhe garantir os meios e os recursos para a sua sobrevivência, proteção, socialização e afetividade. Todos estes fatores são indispensáveis ao seu bem-estar.30

Apesar de a família estar se modificando em sua estrutura ao longo da história, não se pode separar o contexto familiar da doença, pois é no núcleo familiar que os indivíduos iniciam seus processos de formação, constroem suas personalidades e consolidam o caráter, incorporando “padrões de comportamento, valores morais, sociais, éticos, espirituais, entre outros”. A família é compreendida como uma unidade de cuidado, pois cuida das situações de saúde de seu grupo, tentando prevenir e tolerar as doenças dos seus membros.31

Estudo revelou que quando um familiar percebe que não tem suporte suficiente da equipe de saúde para cuidar do parente doente, tende a recorrer ao apoio de outros membros da família, amigos ou outros grupos sociais. A maioria das pessoas que têm um transtorno mental grave quer que seus familiares participem dos seus cuidados. Sabe-se ainda que os pacientes que não têm o apoio de membros da família são mais insatisfeitos com os cuidados recebidos pela equipe de saúde do que os que recebem apoio familiar contínuo.24

Neste estudo, considerou-se cuidador informal alguém que, sendo um membro da família ou não, se dispõe a cuidar da pessoa doente, auxiliando-a a realizar atividades da vida cotidiana. O familiar comumente atua como um cuidador informal, sendo aquele que fornece assistência direta, apoio emocional e atua como defensor dos direitos do paciente.18

Os cuidadores informais, geralmente, são membros da família, são mulheres, não são remunerados e auxiliam o cuidado em saúde do paciente no local onde este mora.22 São pessoas que acompanham a trajetória de tratamento da pessoa com o transtorno mental e, portanto, detêm informações que podem ser relevantes para planejar as ações de cuidado dos profissionais de saúde.3

(34)

Assim, compreende-se o familiar como um cuidador informal, que pode ser membro da família ou não, porém é ele quem cuida da pessoa com sofrimento mental. O familiar e/ou o cuidador informal não precisa, necessariamente, morar com o paciente doente, mas é fundamental que ele tenha uma convivência diária com o indivíduo, fornecendo-lhe apoio nas atividades diárias, auxiliando no cuidado e no tratamento de forma regular e contínua.32

O familiar e/ou o cuidador informal deve ser um participante efetivo no processo de cuidado; portanto, ele deve não só participar, mas pertencer à vida cotidiana do indivíduo em sofrimento psíquico. O familiar que se apropria do papel de cuidador, ao assumir esta função, sofre uma mudança na sua situação biográfica, pois se torna responsável pelo cuidado da pessoa com transtorno mental, passando a mediar a relação entre serviço de saúde e paciente.2

2.3.3 Sofrimento mental ou psíquico

Neste trabalho, dou preferência ao emprego dos termos “sofrimento psíquico ou mental”, mas não deixo de lado outros termos que considero importantes para a área da saúde mental – como “transtorno mental” e “adoecimento mental”. Isto ocorre porque estas duas últimas terminologias estão contidas no conceito do termo apresentado no início deste parágrafo.

De qualquer modo, para evitar estranhamentos no decorrer da leitura, penso ser importante esclarecer que, para me referir aos pacientes internados na UPHG, utilizo os termos: “paciente”, “indivíduo”, “pessoa” ou “sujeito” com “sofrimento mental ou psíquico”, “adoecimento mental ou psíquico”, “portador de transtorno mental ou com transtorno mental”. Por isso, faz-se importante esclarecer algumas destas concepções.

De modo geral, o sofrimento pode ser uma reação do ser humano às ameaças externas ou internas, surgidas no decorrer da vida, e pode indiretamente desencadear vontades de transformação.33

O sofrimento psíquico ou mental é entendido como um conjunto de mal-estares que acometem as pessoas e incluem as dores manifestas de diversas

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formas: angústias, ansiedades, situações de perda (como morte, doenças e conflitos interpessoais), lutos mal resolvidos, violência diária das mais variadas.33-34

Este sofrimento expõe as dificuldades das pessoas de conviver com os significados múltiplos e contraditórios provenientes das situações antagônicas que envolvem a subjetividade e a objetividade da existência humana. Suas principais características são: a dificuldade de fazer planos, definir o sentido da vida, compreender os sentimentos de impotência e vazio interior.35

Entretanto, o sofrimento psíquico e mental, apesar de ser uma experiência individual, também se constrói socialmente, portanto, compreende o “sofrimento social”, cuja manifestação pode revelar os valores e as normas da sociedade onde vive o indivíduo que sofre – podendo ainda envolver condições precárias de vida.34,36

O sofrimento mental, por si só, também inclui o transtorno mental, com todas as suas patologias devidamente classificadas em diagnósticos médicos. O transtorno mental é um termo utilizado pelos sistemas de classificação da Psiquiatria para substituir as denominações genéricas de doença ou enfermidade e está atrelado ao discurso biomédico, que visa descrever diagnósticos, cujos sintomas ou comportamentos são conhecidos.33,37

Enquanto que adoecimento é o processo de construção da identidade de doente a partir da manifestação do sofrimento, independentemente da presença ou da ausência de uma doença, aqui, o sujeito se torna inerte às possibilidades de transformação diante de qualquer tipo de sofrimento.33 Deste modo, o adoecimento mental também pode comprometer os campos biológico e psicossocial.38

Portanto, reforço que utilizo no texto estas terminologias como “sinônimos”, pois todos, de algum modo, denotam um sofrimento psíquico ou mental. O uso destes termos, relacionados à saúde mental, tenta abarcar tanto os pacientes com diagnóstico já determinado quanto aqueles que não o têm bem definido, segundo as classificações psiquiátricas utilizadas pelos médicos; contudo, são pessoas que apresentam algum grau de sofrimento que os expõem ao adoecimento mental e, portanto, ao sofrimento psíquico – com ou sem transtorno mental classificado.

É oportuno salientar que o cuidado em saúde mental e, principalmente, o de enfermagem não precisa necessariamente vir acompanhado por diagnósticos

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específicos de transtornos mentais. A manifestação de sofrimento psíquico ou mental, por si só, já se mostra suficiente para iniciar o cuidado, de forma direta ou indireta, seja por meio da escuta seja por meio de outra ação de cuidado.

2.3.4 O Cuidado em Saúde

Outros termos recorrentes neste trabalho são: atendimento, cuidado e assistência. O atendimento significa “ato ou efeito de atender”; ou seja, “dar atenção” ou “cuidar de”. Já o cuidado significa desvelo, solicitude, precaução, atenção à pessoa ou à coisa objeto de desvelos. Assistência designa “ajuda, socorro, amparo”, é o “ato ou efeito de assistir”; isto é, assistir (acompanhar) alguém para “dar-lhe conforto moral ou material”, bem como “ajudar, favorecer, proteger, socorrer”.39

Assim, nesta pesquisa, os termos “cuidado” e “atendimento” são tratados como sinônimos, sendo que cuidado em saúde, ou atendimento em saúde, é compreendido como atos assistenciais humanizados e que se referem não apenas a um conjunto de recursos e ações terapêuticas de caráter técnico,40-41 mas que também:

[...] designa, simultaneamente, uma compreensão filosófica e uma atitude prática frente ao sentido que as ações de saúde adquirem nas diversas situações em que se reclama uma ação terapêutica, isto é, uma interação entre dois ou mais sujeitos visando o alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, sempre mediada por saberes especificamente voltado para essa finalidade.40

Sob tal perspectiva, na operacionalização das práticas de saúde, é possível considerar o cuidado como uma ação terapêutica que busca ativamente seu sentido existencial. No encontro terapêutico entre pacientes, familiares e profissionais da saúde, deve-se construir uma relação de cuidado que relacione os aspectos técnicos aos aspectos humanos da assistência à saúde.42

Um fator importante é que a ideia que pacientes e familiares têm sobre o cuidado deve coincidir ou, pelo menos, ser muito próxima com o cuidado em saúde oferecido pelo serviço. As diferenças entre o cuidado esperado por pacientes e familiares e aquele ofertado pelo serviço podem gerar conflitos e tensões na relação de cuidado entre pacientes e profissionais.41

(37)

É sabido que a assistência à saúde, atualmente, está vinculada à aplicação de tecnologias para buscar ou auxiliar o bem-estar físico e mental das pessoas. Essas tecnologias são recursos importantes, desenvolvidas para que os profissionais produzam saúde. Mas a forma de construir e aplicar estas tecnologias e os conhecimentos científicos, por vezes, limita a visão dos profissionais de saúde para buscar, inventar e elaborar outras intervenções que atendam às necessidades que não são verbalmente explicitadas por pacientes e familiares.40

O cuidado em saúde não se limita às técnicas, aos procedimentos e às diversas tecnologias disponíveis. De fato, “nem tudo que é importante para o bem-estar pode ser imediatamente traduzido e operado como conhecimento técnico”; este deve articular-se com aspectos não técnicos e não tecnológicos. Usar uma tecnologia exige uma decisão sobre o que pode e deve ser realizado, porém esta decisão depende das escolhas dos profissionais, sendo suas possibilidades limitadas e, às vezes, inflexíveis, que vão ao sentido oposto do que pacientes e familiares podem querer, ser e fazer.40

É neste contexto que o relacionamento terapêutico torna-se fundamental, pois ele deve ir além do suporte em teorias e tecnologias. É possível que alguns profissionais de saúde deem excessiva importância ao “objeto de intervenção” e tenham dificuldade de perceber e aproveitar outras possibilidades de cuidado que surgem durante as relações entre os sujeitos.40

Pacientes e familiares nem sempre expressam claramente suas necessidades de saúde, pois elas estão repletas de subjetividades e cabe aos profissionais traduzi-las. No entanto, a organização dos serviços de saúde e seus processos de trabalho seguem ações padronizadas e rotineiras, transformando as demandas dos usuários em necessidades comuns que modelam as ofertas dos serviços. Muitas das ações oferecidas pelos serviços de saúde são claramente percebidas pelos pacientes e familiares, como as consultas médicas, o oferecimento de medicamentos, a realização de exames e outros procedimentos.43

De modo geral, eles esperam receber algum desses atendimentos pré-estabelecidos e costumam manifestar esta demanda de forma explícita. Mas, por trás de demandas explícitas, podem haver outras necessidades bem diferentes, que são individuais e, por isso, às vezes, os protocolos assistenciais não conseguem atingir as especificidades de cada pessoa.44

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2.3.5 As Necessidades de Saúde Ampliadas

Outro conceito importante neste trabalho são as necessidades de saúde, aqui definidas como necessidades ampliadas, que são identificadas com os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença e também com as necessidades relacionadas ao aprimoramento da essência humana.45

Pode-se entender que necessidades ampliadas são aquelas que já vêm pré-moldadas pelo sistema de saúde para serem resolvidas (comumente chamadas de demanda ou demanda de saúde,41 sem enfatizar as necessidades que podem passar despercebidas pelos profissionais), somadas àquelas que são singulares de cada paciente e familiar.

Neste estudo, pesquiso, preferencialmente, as necessidades intrínsecas e idiossincráticas de cada paciente e familiar, mas sem desconsiderar as necessidades demandadas, ou comuns, para a maioria daqueles que procuram ou são encaminhados à UPHG.

Reforço que, neste trabalho, as necessidades ampliadas não são apenas aquelas consideradas comuns a todos os usuários e prontamente identificadas pelos profissionais e serviços de saúde, que buscam enquadrá-las em processos de trabalho tradicionais e pouco flexíveis.

As necessidades ampliadas incluem também aquelas que são singulares, específicas de cada usuário, aquelas que os profissionais não têm o hábito de buscar ou de atentar – e tampouco aplicar intervenções, pois dificilmente estão protocoladas. Toda necessidade de saúde exige um processo de trabalho correspondente, que tem o objetivo de satisfazer tal necessidade.45-46 Na Saúde Mental, muitas necessidades são subjetivas e manifestadas de modo individual – o que dificulta identificá-las.

2.4 O PROBLEMA DE PESQUISA E SUA DELIMITAÇÃO

No Ocidente, a loucura passou por um “processo de desqualificação de sua potencialidade de dizer a verdade”. A depreciação da loucura está relacionada à oposição radical entre razão e desrazão. Deste modo, a desqualificação da loucura

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representa a vitória da razão sobre a desrazão. A partir do momento em que a loucura é excluída do mundo racional, ela perde a possibilidade de ser escutada como uma verdade possível.47

Neste sentido, é importante estudar outros equipamentos da rede de Saúde Mental, como as UPHG, trazendo à luz e dando voz às percepções vivenciadas por pacientes de tais unidades e por familiares – enquanto ainda estão internados – e não após a internação.

A internação psiquiátrica destina-se, principalmente, aos casos de situações de crise para o paciente.48 Os profissionais de saúde, ao identificarem um problema, podem trabalhar adequadamente as necessidades apontadas por pacientes e familiares, ampliando as ações de promoção da saúde e desenvolvendo o processo de trabalho da unidade.

A opinião de pacientes e de seus familiares vem ganhando importância crescente na avaliação e no desenvolvimento dos serviços, pois, cada vez mais, eles são participantes ativos no tratamento em saúde mental. Portanto, as opiniões por eles relatadas têm sido cada vez mais utilizadas. Esta percepção subjetiva revela-se tão importante quanto os resultados clínicos objetivos que são obtidos com a assistência e o tratamento oferecido aos pacientes.49-50

A obtenção de opiniões subjetivas para analisar as necessidades de cuidado em saúde mental de pacientes e familiares fornece informações que a visão clínica e objetiva dos profissionais, às vezes, não consegue avaliar, como os reais efeitos do tratamento, as mudanças nos sintomas, nos sentimentos e na disposição desses pacientes, bem como no seu funcionamento e bem-estar.49-50

Às vezes, pode haver um descompasso entre o que os pacientes percebem como necessidade de cuidado desejável e os resultados objetivos obtidos com a assistência e o tratamento que estão disponíveis a eles. As pequenas mudanças proporcionadas pelo cuidado podem fazer grande diferença para os pacientes, enquanto que mudanças significativas do ponto de vista clínico podem ser irrelevantes na percepção dos mesmos.49-50

Os pacientes e familiares têm uma visão particular, que pode ser diferente da visão dos profissionais. Estas percepções subjetivas podem definir prioridades, redirecionando a assistência prestada pelo serviço de saúde mental.24,49 Estudar as necessidades de saúde sentidas e expressadas por pacientes e familiares durante a

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internação na UPHG pode indicar aspectos relativos às demandas de cuidado em saúde dessas pessoas.

Portanto, o profissional precisa realizar não somente o diálogo com o paciente e com a família, mas também deve realizar um “triálogo”; isto se deve porque nem sempre o profissional compreende a forma de comunicação do paciente, mas o familiar sim; ou pode ocorrer o contrário: é o familiar que não entende certas formas de comunicação de seu parente, enquanto que o profissional pode compreendê-las. Neste caso, há troca de conhecimentos entre todos, em prol da elaboração de um cuidado mais adequado, estendido a toda família.18

Para mudar esta forma de assistência, devem-se considerar as subjetividades de cada paciente, conhecendo suas vivências, experiências, valores e conceitos. A identificação das necessidades dos pacientes não se restringe à fala, que é a manifestação direta do que se quer; inclui também a possibilidade de eles serem ouvidos, compreendidos e aceitos como ser humano único.18-19

É comum a equipe de enfermagem permanecer tempo demasiado dentro do posto de enfermagem cumprindo formalidades burocráticas, preenchendo formulários e relatórios de sistematização da assistência. Estes profissionais desempenham pouco a função de ouvir e de auxiliar os pacientes em suas reais necessidades de cuidado. Quando o fazem, têm pouca capacidade ou possibilidades de intervenções com resultados efetivos para o tratamento do paciente.18-19

É imprescindível que a equipe estabeleça um relacionamento adequado com os familiares. E isto acontece quando há o desenvolvimento de um bom vínculo entre eles (equipe, família e paciente). Tal vínculo se estabelece por meio da empatia, da autenticidade e da genuinidade na atuação dos profissionais, favorecendo a estes reconhecer as necessidades da família, uma vez que, frequentemente, estas necessidades aparecem de formas distintas daquelas pensadas pela equipe de saúde mental.20

Faz-se importante repensar e buscar novas formas de assistir o paciente e sua família, tornando-os mais participativos no processo de tratamento psiquiátrico, em que suas necessidades sejam não apenas consideradas durante a elaboração do planejamento de assistência, mas, principalmente, que sejam

(41)

atendidas na medida em que tais necessidades se mostrem pertinentes ao bom prognóstico do tratamento.

Os profissionais devem utilizar não apenas os conhecimentos técnicos em higiene, alimentação, administração de medicamentos, mas também realizar ações planejadas, investir no desenvolvimento de vínculo e da empatia; ou seja, estabelecer uma relação terapêutica efetiva, visando o atendimento em saúde mental adequado e de qualidade.16,18-19.

Neste contexto, o relacionamento terapêutico é a base das ações em saúde mental realizadas pelos profissionais de saúde, mas, na prática, tem sido um recurso pouco utilizado. A atuação da equipe de saúde, ainda baseada predominantemente no modelo biológico de cuidado, necessita de uma contextualização prático-teórica para realizar a assistência também fundamentada em cuidados subjetivos.18-19

2.5 JUSTIFICATIVAS

Ao pesquisar sobre o tema deste trabalho na literatura, percebi que havia poucos estudos que abordavam este assunto do ponto de vista dos próprios pacientes psiquiátricos e de seus familiares.

Estudo de revisão recente não encontrou pesquisas que considerassem a experiência do cuidado prestado no hospital geral a partir do olhar do paciente com transtorno mental.51

É importante ampliar os conhecimentos dos profissionais de saúde, principalmente da equipe de enfermagem, sobre o cuidado em saúde mental desenvolvido em uma UPHG,18,48 mas com ênfase na ótica daqueles que recebem tal assistência.

Este estudo é relevante porque dá voz a pacientes e familiares que vivenciam o cuidado em saúde mental realizado por uma equipe de saúde de UPHG. O trabalho permite compreender algumas percepções de pacientes e familiares neste contexto.

A compreensão sobre o “olhar do outro”, que recebe o cuidado em saúde, pode subsidiar reflexões da equipe de saúde mental sobre o seu trabalho, buscando

Referências

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