Cap´ıtulo 2
A Matem´
atica do Espa¸co-tempo
Curvo
2.1
Introdu¸c˜
ao `
as variedades diferenci´
aveis
´
E dif´ıcil imaginar um problema f´ısico que n˜ao esteja, de algum modo, ligado a um espa¸co cont´ınuo. S˜ao exemplos o espa¸co f´ısico 3-D, o espa¸co de configura¸c˜ao e o espa¸co das fases da Mecˆanica Anal´ıtica, o espa¸co de todos os estados de equil´ıbrio termodinˆamico de um sistema f´ısico, os espa¸cos de Hilbert da mecˆanica quˆantica, etc. Estes espa¸cos tˆem diferentes propriedades geom´etricas, mas todos tˆem qual-quer coisa em comum, qualqual-quer coisa que tem a ver com o facto de todos serem espa¸cos cont´ınuos e n˜ao, por exemplo, espa¸cos tipo esponja (espa¸cos com buracos) ou espa¸cos tipo rede cristalina ou qualquer outro conjunto de pontos discretos. A importˆancia da geometria diferencial para a f´ısica te´orica moderna reside na possibilidade de realizar o estudo das propriedades comuns a todos esses espa¸cos. Isso poder´a permitir encontrar estruturas b´asicas semelhantes em ´areas muito dis-tintas da f´ısica. De todas as propriedades dos espa¸cos cont´ınuos, as mais b´asicas s˜ao as que conduzem `a defini¸c˜ao de variedade (diferenci´avel), que ´e a designa¸c˜ao matem´atica precisa que substitui a palavra “espa¸co”.
Em relatividade n˜ao h´a nada t˜ao vital como a realidade f´ısica de um “aconteci-mento”ou ponto do espa¸co-tempo. Trata-se de um conceito completamente inde-pendente do sistema de coordenadas escolhido para o descrever. O conceito de variedade atende a esta separa¸c˜ao essencial. Como primeira tentativa de introdu-zir o conceito de variedade diremos que um conjunto (de pontos abstractos) M ´e uma variedade se na vizinhan¸ca de cada ponto de M se define uma aplica¸c˜ao 1–1, cont´ınua, que admite uma inversa tamb´em cont´ınua, sobre uma vizinhan¸ca
do espa¸co euclideano Rn,
ϕ : U ⊂ M → V ⊂ Rn,
e diz-se que ϕ ´e um homeomorfismo, isto ´e, uma aplica¸c˜ao bijectiva e bi-cont´ınua.
A Variedade Espa¸co-Tempo
Em relatividade, o espa¸co-tempo, constitu´ıdo pelo conjunto de todos os aconte-cimentos f´ısicos, forma a variedade base. Um ponto da variedade espa¸co-tempo ´e pois um acontecimento f´ısico. Um exemplo de acontecimento f´ısico ´e a colis˜ao de dois ve´ıculos. Todos os observadores tˆem de estar de acordo sobre este facto. Daqui se percebe porque ´e que um ponto do espa¸co-tempo dever´a ser indepen-dente de qualquer sistema de coordenadas. O acontecimento “colis˜ao”entre dois ve´ıculos ´e uma coincidˆencia no espa¸co e no tempo para todos os observadores. Se um observador quiser tirar uma fotografia ao acontecimento, n˜ao interessa a veloci-dade com que viaja relativamente aos ve´ıculos que colidem, ou a distˆancia focal da objectiva da cˆamara (que determina a amplia¸c˜ao da imagem), estes acontecimen-tos s´o produzem efeiacontecimen-tos coordenados e n˜ao afectam a natureza do acontecimento. Este ´e o exemplo mais simples de um objecto geom´etrico, ou seja uma entidade que existe independentemente dos sistemas de coordenadas e referenciais. Todas as quantidades f´ısicas s˜ao represent´aveis por diferentes objectos geom´etricos, os quais d˜ao origem a novas variedades em cada ponto da variedade espa¸co-tempo. Quase todos estes objectos s˜ao imediatamente generalizados quando se passa do espa¸co-tempo plano para o espa¸co-tempo curvo da relatividade geral.
Para dar exemplo de outros objectos geom´etricos, al´em dos acontecimentos f´ısicos, consideremos um segmento orientado entre dois pontos vizinhos. Obtemos assim um vector do espa¸co-tempo plano. A sua generaliza¸c˜ao, o vector tangente, ´e um objecto geom´etrico mesmo no espa¸co-tempo curvo. A m´etrica, que ´e uma aplica¸c˜ao bi-linear que a cada vector faz corresponder o quadrado do seu comprimento, ´e ou-tro exemplo de um objecto geom´etrico. Existem muitos ouou-tros exemplos, que ser˜ao introduzidos em devido tempo, de modo a permitir-nos tratar geometricamente as leis f´ısicas que nos interessam.
Defini¸c˜
ao de Variedade. Exemplos
Da defini¸c˜ao anterior de M como variedade ressalta que M ´e um conjunto que se assemelha, localmente, a Rn. Historicamente, a ideia de variedade surge como uma
generaliza¸c˜ao dos espa¸cos de configura¸c˜ao da mecˆanica anal´ıtica e das superf´ıcies da geometria elementar. A possibilidade de introduzir coordenadas generalizadas num
espa¸co de configura¸c˜ao ou de parametrizar uma superf´ıcie, pode ser entendida como uma consequˆencia da hip´otese da variedade poder ser coberta por sub-conjuntos homeom´orficos a conjuntos abertos em Rn. ´E importante que a defini¸c˜ao envolva
unicamente conjuntos abertos e n˜ao a totalidade de M e de Rn, pois n˜ao estamos
interessados em restringir a topologia global de M. Admitamos que a topologia local de M seja a mesma (i.e., induzida por ϕ−1) que a topologia de Rn.
Nota: A topologia local permite precisar o conceito de continuidade; e a topologia global caracteriza o espa¸co `a larga escala permitindo, por exemplo, distinguir uma esfera dum cilindro.
Na Relatividade Geral (RG) o espa¸co-tempo M ´e a variedade (base), solu¸c˜ao das equa¸c˜oes de Einstein; cada ponto p ∈ M ´e um acontecimento f´ısico, o qual deve ser independente do sistema de coordenadas. Sobre a variedade base constroem-se outros espa¸cos onde vivem os diferentes objectos geom´etricos que representam as grandezas f´ısicas (curvas, fun¸c˜oes, campos vectoriais, m´etrica, formas diferenciais, etc.). (A identifica¸c˜ao de um acontecimento com um ponto matem´atico ´e devida a Newton).
A defini¸c˜ao de variedade ´e dada de forma independente da escolha de coordenadas particulares e da possibilidade da variedade ser um sub-conjunto de um espa¸co espa¸co euclideano de dimens˜ao superior. Para poder formul´a-la rigorosa e efici-entemente necessitamos de algumas no¸c˜oes matem´aticas que ser˜ao introduzidas a seguir.
Chamamos espa¸co topol´ogico ao par (M, τ ), onde M ´e um conjunto e τ ´e uma colec¸c˜ao de sub-conjuntos abertos de M com as seguintes propriedades:
1. M ∈ τ e o conjunto ϕ ∈ τ .
2. A uni˜ao de qualquer n´umero de subconjuntos de τ tamb´em pertence a τ . 3. A intersec¸c˜ao de qualquer n´umero de subconjuntos de τ tamb´em pertence a
τ .
A colec¸c˜ao de subconjuntos τ ´e uma topologia para M e os membros de τ s˜ao conhecidos por conjuntos abertos de M.
Em resumo: um Espa¸co Topol´ogico ´e um par (M, τ ) onde M ´e um conjunto de pontos (vectores, matrizes, formas diferenciais, etc.) e τ ´e uma colec¸c˜ao de subconjuntos de M tais que:
1. ϕ, M ∈ τ 2. Sα∈IVα ∈ τ
3. Tα∈IVα ∈ τ
Posto isto, podemos dar a defini¸c˜ao precisa de variedade. Diz-se que um conjunto de “pontos” M ´e uma variedade se:
1. M ´e um espa¸co topol´ogico (de Hausdorff).
2. Em torno de cada ponto p de M existe pelo menos uma vizinhan¸ca V (p) (conjunto aberto) onde ´e poss´ıvel definir um sistema de coordenadas (um homeomorfismo local entre pontos de V e os pontos de um espa¸co euclideano Rn).
Uma vizinhan¸ca de p ∈ M, V (p), ´e um conjunto aberto que cont´em p.
M diz-se um espa¸co de Hausdorff se pontos diferentes possuem sempre vizinhan¸cas disjuntas.
Um conjunto aberto juntamente com um sistema de coordenadas forma uma carta ou vizinhan¸ca coordenada. O n´umero de cartas necess´arias para cobrir a variedade M pode ser maior que um.
Um sub-colec¸c˜ao B de τ ´e designada uma base de τ se todo o conjunto aberto de M ´e uma uni˜ao de membros de B.
Sejam (M, τ ) e (N, σ) dois espa¸cos topol´ogicos e f : M → N uma aplica¸c˜ao. Ent˜ao f ´e cont´ınua em p ∈ M se para toda a vizinhan¸ca V de f (p) existe uma vizinhan¸ca U de p tal que f (U) ⊂ V . Uma aplica¸c˜ao diz-se cont´ınua se ´e cont´ınua em todos os pontos.
Se f ´e injectiva (1–1) e sobrejectiva , ou seja bijectiva, e se f e f−1 s˜ao ambas
cont´ınuas, diz-se que f ´e um homeomorfismo e (M, τ ) e (N, σ) dizem-se homeom´or-ficos.
Escreve-se muitas vezes M em vez de (M, τ ) quando a topologia est´a subenten-dida. Se N ´e um subconjunto de M a topologia induzida de N ´e a colec¸c˜ao de subconjuntos U ∩ N, onde U ´e um (sub)conjunto aberto de M. Se (M, τ ) e (N, σ) s˜ao espa¸cos topol´ogicos e M × N ´e o produto cartesiano, a topologia produto ´e a topologia cuja base ´e dada por
B = U × V : U ∈ τ eV ∈ σ.
Seja o conjunto dos n´umeros reais. A topologia usual sobre R tem os intervalos abertos como base. A topologia usual sobre Rn ´e a topologia produto sobre R ×
Variedade Diferenci´
avel
Seja M um espa¸co de Hausdorff com uma base cont´avel. M diz-se uma variedade topol´ogica (ou simplesmente, uma variedade) se todo o ponto p ∈ M tem uma vizinhan¸ca V homeom´orfica a (um subconjunto aberto de) Rn. Isto basta para
assegurar que M se “assemelha” localmente a Rn. Mas por si s´o n˜ao acarreta
nenhuma no¸c˜ao de regularidade, isto ´e, de diferenciabilidade das fun¸c˜oes. Isto pode obter-se do seguinte modo.
Definimos primeiro uma carta sobre M, i.e., um par (U, ϕ), onde 1. U ´e um subconjunto aberto de M,
2. ϕ : U → Rn´e um homeomorfismo de conjuntos abertos.
A aplica¸c˜ao ϕ pode ser usada para estabelecer um sistema de coordenadas sobre U duma maneira ´obvia: Sejam xk(k = 1, 2, , n) n fun¸c˜oes coordenadas sobre Rn
—se a = (a1, . . . , an) ∈ Rn ent˜ao xk(a) = ak. Ent˜ao a coordenada de ordem k de
p ∈ U ´e Xk(p) := xk◦ ϕ(p).
Notas
1. Em geral n˜ao ´e suficiente uma ´unica carta. Se s˜ao dadas duas cartas so-bre um conjunto M, deve haver intersec¸c˜ao dos seus dom´ınios. ´e aqui que entra a quest˜ao da regularidade (ou diferenciabilidade): as propriedades de regularidade das variedades v˜ao ser deduzidas a partir das propriedades de regularidade das fun¸c˜oes que definem mudan¸cas de coordenadas nas regi˜oes de intersec¸c˜ao dos dom´ınios das cartas.
2. A ideia a ser desenvolvida aqui baseia-se no facto de sabermos lidar com fun¸c˜oes em Rn, e de podermos usar este conhecimento, com a ajuda de
cartas, para lidar com fun¸c˜oes definidas sobre a variedade M.
Suponhamos agora que (U1, ϕ1) e (U2, ϕ2) s˜ao duas cartas n-dimensionais sobre M,
cujos dom´ınios se sobrep˜oem. Na regi˜ao de intersec¸c˜ao U1 ∩ U2 podem definir-se
duas aplica¸c˜oes de M em Rn. Como as aplica¸c˜oes ϕ
i s˜ao 1–1, podem ser invertidas,
logo podem ser dadas as seguintes aplica¸c˜oes de Rn em Rn
χ = ϕ2◦ ϕ−11
χ−1 = ϕ1◦ ϕ−12
As cartas (U1, ϕ1) e (U2, ϕ2) dizem-se Ck–relacionadas se χ ´e uma aplica¸c˜ao Ck
Figura 2.1: Introdu¸c˜ao de coordenadas xa ≡ πa◦ φ num ponto p da variedade M.
Para a maioria das aplica¸c˜oes n˜ao ser´a uma restri¸c˜ao significativa supˆor que todas as fun¸c˜oes s˜ao C∞, isto ´e, infinitamente diferenci´aveis. Usaremos o termo regular
como sin´onimo de Ck; s´o consideraremos cartas regularmente relacionadas.
A chave para o passo seguinte baseia-se no facto de uma fun¸c˜ao regular duma outra fun¸c˜ao regular ser ainda uma fun¸c˜ao regular. Portanto, faz sentido considerar todas as cartas que est˜ao regularmente relacionadas —assim se traduz matem´aticamente a vaga exigˆencia f´ısica: todos os sistemas de coordenadas s˜ao igualmente bons (Princ´ıpio da Covariˆancia Geral).
Um atlas para M ´e uma colec¸c˜ao de cartas regularmente relacionadas que cobrem M. Um atlas diz-se completo se n˜ao ´e uma subcolec¸c˜ao pr´opria de qualquer outro atlas. (Isto significa que n˜ao existe nehuma carta, compat´ıvel (=regularmente relacionada) com todas as outras cartas do atlas, que n˜ao perten¸ca ao atlas). Qualquer atlas pode ser completado pela adi¸c˜ao de todas as cartas compat´ıveis com as nele contidas. Um conjunto M juntamente com um atlas completo de cartas n-dimensionais designa-se por variedade diferenci´avel n-dimensional. Um atlas completo ´e tamb´em designado uma estrutura diferenci´avel para M. Podia-se pensar que a estrutura diferenci´avel ´e ´unica, mas existem exemplos que mostram que isso n˜ao ´e assim. Os livros cl´assicos discutem v´arias esp´ecies de pa-tologias que podem surgir. Mas aqui o nosso interesse foca-se naquilo que funciona e n˜ao naquilo que n˜ao funciona.
Exemplos de Variedades Diferenci´aveis:
• M = qualquer subconjunto aberto de Rn, com um atlas constituido por
uma ´unica carta U = M, ϕ = idU (a aplica¸c˜ao idˆentica sobre Rn, restrita a
U). Este ´e um exemplo trivial, no entanto, suficiente para introduzir todo o c´alculo tensorial, com excep¸c˜ao das opera¸c˜oes que envolvam integra¸c˜ao. O pr´oprio Rn ´e um exemplo de variedade. Logo (para n=1) a recta real ´e uma
variedade [Sternberg, p. 36].
• A n-esfera Sn = {(x1, . . . , xn) ∈ Rn:P∞
a=1(xa)2 = 1}. S˜ao necess´arias pelo
menos duas cartas para cobrir a variedade (digamos para S2, projec¸c˜oes
estereogr´aficas a partir dos dois polos). [Sternberg p. 36]
• O grupo geral linear GL(n, R) ´e o conjunto das matrizes n×n n˜ao singulares. Pode ser visto como um subconjunto aberto de Rn2
. Como veremos mais adiante, este ´e um exemplo de um grupo de Lie e como tal ´e tamb´em uma variedade diferenci´avel.
2.2
Objectos Geom´
etricos
A diferenciabilidade duma variedade dota-a de uma estrutura suficientemente rica para podermos definir um grande n´umero de objectos geom´etricos como sejam: curvas, fun¸c˜oes, vectores tangentes, covectores, tensores, etc.
Fun¸c˜
oes definidas numa variedade
Tal como vimos no estudo do espa¸co-tempo de Minkowski, uma fun¸c˜ao definida numa variedade M ´e a aplica¸c˜ao
f : M → R.
A fun¸c˜ao ´e diferenci´avel em M se f ◦ ϕ−1 ´e diferenci´avel em Rn, onde ϕ ´e um
homomeomorfismo de M em Rn. Como ϕ associa a cada ponto p ∈ M um ponto de Rn, ficam implicitamente definidas n aplica¸c˜oes (projec¸c˜oes coordenadas) em Rn,
πa: Rn → R,
com as quais podemos construir n aplica¸c˜oes compostas xa≡ πa◦ ϕ : Mn→ R1.
Trata-se de n fun¸c˜oes diferenci´aveis definidas num aberto U ⊂ M. Os n´umeros reais x1(p), . . . , xn(p) s˜ao as coordenadas de p com respeito a ϕ. Admitimos em
geral que as coordenadas xa s˜ao fun¸c˜oes C∞. Evitaremos muitas vezes
referirmo-nos directamente `a aplica¸c˜ao ϕ de M em Rn.
Assumimos que ´e sempre poss´ıvel definir coordenadas {xa} num aberto U ⊂ M,
e que qualquer conjunto de fun¸c˜oes suficientemente diferenci´aveis ya = ya(xb),
definidas num aberto V ⊂ M : V , e que seja localmente invert´ıvel (J 6= 0, o Jacobiano da transforma¸c˜ao ´e diferente de zero em todos os pontos onde U ∩V 6= 0) constitui um novo sistema de coordenadas {ya, a = 1, . . . , n}.
Vector tangente a uma curva
A defini¸c˜ao de vector em relatividade geral inspira-se no conceito de velocidade, o vector tangente `a traject´oria da part´ıcula. Assim, define-se o vector tangente Y `a curva Γ(λ) como o operador de deriva¸c˜ao ao longo daquela curva. Quando nos referimos a uma curva pensamos sempre numa curva diferenci´avel, isto ´e, uma aplica¸c˜ao cont´ınua Γ(λ) que aplica um intervalo (a, b) da recta real no espa¸co-tempo M (de modo que para cada valor do parˆametro λ ∈ (a, b), Γ(λ) ´e um ponto de M) e que ´e tal que as fun¸c˜oes x0(Γ(λ)) , . . . , x3(Γ(λ)), isto ´e, xa(Γ(λ)), com
a = 0, 1, 2, 3, s˜ao fun¸c˜oes diferenci´aveis de λ para qualquer sistema de coordenadas Γ : (a, b) ⊂ R1 −→ U ⊂ M
λ0 7−→ Γ(λ0) = p
onde o λ ´e o parˆametro da curva.
Na nossa defini¸c˜ao de curva diferenci´avel, a cada ponto imagem corresponde um ´unico valor do parˆametro λ. Assim, duas curvas s˜ao consideradas diferentes mesmo que tenham a mesma imagem em M, se s˜ao parametrizadas por parˆametros dife-rentes, ou seja, se associamos um valor diferente do parˆametro ao mesmo ponto imagem.
Seja f (xa) uma fun¸c˜ao suficientemente diferenci´avel em M. Em cada ponto da
curva Γ(λ), cuja representa¸c˜ao coordenada escrevemos simplesmente xa = xa(λ),
a fun¸c˜ao f tem um valor. Assim, ao longo da curva existe uma fun¸c˜ao g(λ) de R1 em R1 definida por
g(λ) = f (xa(λ)) = f ◦ Γ(λ)
A varia¸c˜ao ao longo da curva Γ(λ) ´e dada por dg dλ = X a dxa dλ ∂f ∂xa,
Figura 2.2: Curva diferenci´avel Γ(λ) passando pelo ponto p = Γ(λ0) da variedade
M.
Defini¸c˜ao 1 O vector tangente a uma curva diferenci´avel Γ(λ) no ponto Γ(λ0)
da curva ´e dado por
à d dλΓ(λ) ! λ0 = ˙Γ(λ0) = lim h→0 1 h[Γ(λ0+ h) − Γ(λ0)] , ou mais simplesmente, à d dλ ! λ0 =X a à dxa dλ ! λ0 ∂ ∂xa, (2.1) onde {dxa
dλ} s˜ao as componentes do vector tangente `a curva xa(λ) no ponto p =
xa(λ
0).
Como cada curva tem um ´unico parˆametro, a cada curva que passa por p cor-responde um ´unico conjunto {dxa
dλ}p que designamos pelas componentes do vector
tangente `a curva no ponto p.
Duas curvas Γ1(λ) e Γ2(λ) : Γ1(λ0) = Γ2(λ0) = p de M dizem-se equivalentes se
satisfazem
d
dλ(f ◦ Γ1)λ0 =
d
dλ(f ◦ Γ2)λ0,
com uma fun¸c˜ao f arbitr´aria. A classe de equivalˆencia das curvas que satisfazem a equa¸c˜ao anterior define o vector tangente no ponto p que podemos representar
por ˙Γp(λ) = Ã d dλ ! p = Up,
sendo Γp(λ) o elemento representativo da classe de equivalˆencia. Isto ´e, tal como
acontece num espa¸co plano, onde cada classe de equivalˆencia de pares de pontos define um vector, tamb´em numa variedade curva existe uma classe de equivalˆencia de curvas diferenci´aveis que passam em p associada a cada vector tangente. Se a curva caracter´ıstica dessa classe ´e parametrizada pelo parˆametro λ ent˜ao o vector tangente pode identificar-se com o operador de deriva¸c˜ao
Up = à d dλ ! λ0 =X a à dxa dλ ! λ0 ∂ ∂xa, (2.2)
O conjunto de todos os vectores tangentes num ponto p de M gera um espa¸co vectorial que se representa por Tp(M), uma vez definidas as opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e
multiplica¸c˜ao por um escalar das respectivas componentes. Assim, se X e Y s˜ao vectores de Tp(M), difinimos o vector X +Y como sendo aquele cujas componentes
s˜ao dadas por Xa+Ya. De modo semelhante se definiria o vector aX, onde a ∈ R1.
Note-se que, embora tenhamos recorrido `as componentes para definir vectores e adi¸c˜ao de vectores, estas defini¸c˜oes n˜ao dependem de um sistema de coordenadas particular, e s˜ao portanto independentes das coordenadas.
A Eq. (2.2) apresenta o vector tangente Up como uma combina¸c˜ao linear dos
vectores base: e(a)= ∂/∂xa, e com componentes dadas por
Ua= Ã dxa dλ ! λ0 .
Habitualmente representam-se os vectores e(a) simplesmente por ea, mas o ´ındice
a aqui n˜ao deve entender-se como representando uma componente mas sim como um r´otulo para distinguir os 4 vectores tangentes `as 4 linhas coordenadas.
Se fizermos uma transforma¸c˜ao geral de coordenadas, a curva Γ(λ) passa a ter outra representa¸c˜ao coordenada: xa0
= xa0
(λ), e o vector tangente `a curva Γ em p pode ent˜ao apresentar duas diferentes combina¸c˜oes lineares, a saber
Up = Ã dxa0 dλ ! λ0 ∂ ∂xa0 = Ã dxa dλ ! λ0 ∂ ∂xa,
isto ´e, cada sistema de coordenadas permite definir uma base diferente e o vector tangent Up tem diferentes componentes em cada base, mas que se relacionam pela
transforma¸c˜ao dxa0 dλ = ∂xa0 ∂xb dxb dλ. (2.3)
Por sua vez as bases tamb´em est˜ao relacionadas entre si, mas atrav´es da trans-forma¸c˜ao inversa ∂ ∂xa = ∂xc0 ∂xa ∂ ∂xc0. (2.4)
Campos Vectoriais sobre uma Variedade
Seja f uma fun¸c˜ao diferenci´avel de M, isto ´e, um elemento de F(M), o anel de fun¸c˜oes diferenci´aveis da variedade, e suponhamos que f est´a definida numa vizinhan¸ca do ponto p, Vp. Ent˜ao qualquer vector tangente em p, Up ∈ Tp(M) ´e
uma aplica¸c˜ao linear de F(M) em R1,
Up : F(M) → R1 f 7→ Up(f ) = Ã d dλf ! p .
Note que esta ´e uma outra maneira, equivalente `a anterior, de definir um vector tangente. Se em lugar de um vector tangente em p tiv´essemos um campo vectorial, U era evidente que
U : F(M) → F(M),
a ac¸c˜ao de um campo vectorial sobre uma fun¸c˜ao produz outra fun¸c˜ao (dife-renci´avel): U(f ) = Ua∂
af .
O conceito de campo vectorial est´a implicitamente ligado ao conceito de diferenci-abilidade: um campo vectorial ´e um operador diferencial. Podemos assim usar este facto para definir um campo vectorial de um modo independente das coordena-das: ´e um operador V que transforma fun¸c˜oes diferenci´aveis sobre M em fun¸c˜oes diferenci´aveis sobre M.
Exige-se de V que satisfa¸ca as seguintes propriedades: (i) linearidade: V [f + g] = V (f ) + V (g).
(ii) regra de Leibnitz: V (f g) = gV (f ) + f V (g).
As bases coordenadas ea= ∂/∂xa s˜ao campos vectoriais tangentes `as linhas
coor-denadas. E portanto, quando escrevemos
V = Va ∂
∂xa,
as fun¸c˜oes Va s˜ao as componentes do campo vectorial tangente V .
Nem todas as bases s˜ao coordenadas. Qualquer conjunto de n campos vectoriais linearmente independentes, e1, . . . , endefinidos num conjunto aberto de M, podem
ser usados como uma base,
e1 = E11∂1+ E12∂2 + . . . + E1n∂n
...
en = En1∂1+ En2∂2 + . . . + Enn∂n
O conjunto {ea} ´e uma base se a matriz das suas componentes Enm(p) tem um
determinante diferente de zero em todos os pontos do conjunto aberto.
Exemplo 1 Base n˜ao coordenada em R3: Utilizemos em R3 um sistema de co-ordenadas esf´ericas e a correspondente base coordenada: {∂r, ∂θ, ∂ϕ}. O vector
velocidade de uma part´ıcula escreve-se nesta base como V = Vr∂r+ Vθ∂θ+ Vϕ∂ϕ,
cujas componentes s˜ao respectivamente, Vr = dr dt, V θ = dθ dt, V ϕ = dϕ dt.
Por´em estas n˜ao s˜ao as componentes “f´ısicas”da velocidade, mas sim as seguintes ¯ Vr = dr dt, V¯ θ = rdθ dt, V¯ ϕ = r sin θdϕ dt,
as quais podem ser entendidas como resultantes da decomposi¸c˜ao de V numa base n˜ao coordenada atrav´es de
V = ¯Vre r+ ¯Vθeθ+ Vϕeϕ, onde er= ∂r, eθ = 1 r∂θ, eϕ = 1 r sin θ∂ϕ.
J´a vimos na RR que os vectores de Tp(M) s˜ao geralmente chamados vectores
con-travariantes para os distinguir dos seus duais que foram designados covectores ou 1-formas.
Tal como na RR, um covector ´e uma aplica¸c˜ao linear de Tp(M) em R; o conjunto
dos covectores forma um espa¸co vectorial, T∗
p(M), que ´e dual de Tp(M) e se designa
por espa¸co co-tangente. Se α ∈ T∗
p(M), ent˜ao
α : Tp(M) −→ R
Isto ´e, se α ´e um covector ent˜ao α(Y ) =< α, Y >, ´e um n´umero real para todo o Y ∈ Tp(M) e
α (aX + bY ) = a < α, X > +b < α, Y >, ´e tamb´em um n´umero real para todos os X, Y ∈ Tp(M) e a, b ∈ R.
O espa¸co dual T∗
p(M), constituido por todos os covectores, ´e um espa¸co vectorial
de dimens˜ao igual `a dimens˜ao de Tp(M). Assim,
dim³Tp∗(M)´= dim (Tp(M)) = dim(M).
Sendo um espa¸co vectorial, devem estar definidas em T∗
p(M) duas leis de
com-posi¸c˜ao, a adi¸c˜ao entre covectores e a multiplica¸c˜ao por um real [i] < w1+ w2, X >≡< w1, X > + < w2, X >
[ii] < aw, X >≡ a < w, X >
Podemos dar uma defini¸c˜ao semelhante `a que demos anteriormente para vector tangente. Tal como o conceito de vector tangente no ponto p est´a associado `a classe de equivalˆencia de curvas que passam por p, tamb´em podemos falar de uma classe de equivalˆencia de fun¸c˜oes e associ´a-la ao conceito de 1-forma ou covector. A rela¸c˜ao de equivalˆencia ´e definida do seguinte modo.
As fun¸c˜oes f1 e f2 s˜ao equivalentes se
d
dλ(f1◦ Γ)λ0 =
d
dλ(f2◦ Γ)λ0,
para todas as curvas Γ(λ) que passam em p = Γ(λ0).
Num dado sistema de coordenadas, a rela¸c˜ao anterior implica que as derivadas parciais das duas fun¸c˜oes sejam iguais,
à ∂f1 ∂xa ! = à ∂f2 ∂xa ! .
Designemos por (df )p a classe de equivalˆencia a que pertence f , tal que (df )p ∈
T∗
p(M). Ao definirmos df como um covector estamos implicitamente a afirmar a
existˆencia da aplica¸c˜ao linear,
df : Tp(M) −→ R,
o que equivale a definir
df (Yp) =< df, Yp >,
ou seja, a imagem de Yp por interm´edio da aplica¸c˜ao linear df (o valor df sobre
Trata-se de um n´umero real igual `a derivada dirigida da fun¸c˜ao f segundo o vector Yp.
Se quisermos obter as componentes de df numa base cujo sistema de coordenadas s˜ao {xa}, calculamos
< df, ∂ ∂xa >=
∂f ∂xa,
e escremos df na base dual {dxa}
df = ∂f
∂xadx a.
Note que as componentes de {dxa} tamb´em s˜ao dadas de modo semelhante,
(dxa)b =< dxa, ∂b >= ∂x a
∂xb = δ a
b.
Voltando `a no¸c˜ao de campo vectorial, vimos que ´e uma regra que associa um vector tangente em cada ponto de M. Cada ponto tem o seu espa¸co vectorial tangente, portanto um campo vectorial selecciona um vector de cada espa¸co. Ora, cada curva tem um vector tangente em cada ponto. A quest˜ao que se coloca agora ´e saber se a inversa tamb´em ´e verdadeira: dado um campo vectorial arbitr´ario, ser´a poss´ıvel come¸car num ponto p e encontrar uma curva cujo vector tangente ´e o campo vectorial em causa, qualquer que seja o ponto por onde passa a curva? A resposta ´e afirmativa para campos vectoriais de classe C1 e tais curvas designam-se
curvas integrais do campo vectorial. Se as componentes de V , num dado sistema de coordenadas {xa}, s˜ao Va(xc(p)), fun¸c˜oes do ponto p, ent˜ao V ´e um vector
tangente `a curva Γ(λ) se
Va(xc) = dx
a
dλ .
Trata-se de um conjunto de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias de primeira ordem para xa(λ) e existe sempre uma solu¸c˜ao ´unica numa dada vizinhan¸ca do ponto
inicial p.1
Os caminhos das diferentes curvas integrais correspondentes a um dado campo vectorial nunca se cruzam, com uma poss´ıvel excep¸c˜ao no ponto onde Va = 0 para
todos o a, devido `a unicidade das solu¸c˜oes.
Vimos tamb´em na RR que para um campo tensorial T de valˆencia (r, s) se podia definir uma derivada dirigida segundo um vector U como
(∇UT )a...bc...d= Ue∂eTa...bc...d
sendo ainda um tensor de tipo (r, s).
1Para uma prova do teorema da existˆencia e unicidade de solu¸c˜ao deste sistema de equa¸c˜oes
Aplicando esta defini¸c˜ao ao caso particular de um campo vectorial Y temos (∇UY )b = Ua ∂Yb ∂xa = U a∂ aYb.
Se Y ´e um campo vectorial, ent˜ao ∇UY tamb´em dever´a ser um campo vectorial.
Por´em, num novo sistema de coordenadas {xa0
} temos Uc0∂Yd 0 ∂xc0 = à ∂xc0 ∂xaU a ! ∂xm ∂xc0 ∂ ∂xm à ∂xd0 ∂xbY b ! = Uaδam à ∂xd0 ∂xb ∂Yb ∂xm + ∂2xd0 ∂xb∂xmY b ! = à Um∂Yb ∂xm ! ∂xd0 ∂xb + ∂2xd0 ∂xb∂xmY bUm. (2.5)
O segundo termo do segundo membro da ´ultima equa¸c˜ao, envolvendo a segunda derivada, mostra que Ua∂
aYb n˜ao se transforma, numa transforma¸c˜ao geral de
coordenadas, como as componentes de um vector.
Daqui podemos concluir que (∇UY )b = Ua∂aYb n˜ao define as componentes de um
vector em geral, embora se transforme realmente como um vector numa trans-forma¸c˜ao linear como ´e o caso da transtrans-forma¸c˜ao de Lorentz. Ou seja, embora esta express˜ao defina as componentes de um vector em RR, n˜ao define nenhum objecto geom´etrico bem em RG.
Para encontrar uma express˜ao apropriada somos obrigados a generalizar o conceito de derivada dirigida. Vamos construir uma derivada que permite um comporta-mento covariante dos dois membros de uma equa¸c˜ao contendo derivadas dirigidas. Para isso, vamos enunciar um conjunto de regras abstractas, capazes de caracteri-zar qualquer operador de deriva¸c˜ao. Veremos depois mais adiante como calcul´a-lo.
2.3
Conex˜
oes
A defini¸c˜ao da derivada covariante, ou conex˜ao, numa variedade diferenci´avel cor-responde `a introdu¸c˜ao de uma estrutura adicional, i.e., a variedade adquire uma estrutura mais rica que lhe confere enormes potencialidades do ponto de vista das aplica¸c˜oes f´ısicas. As conex˜oes est˜ao adquirir grande popularidade em f´ısica te´orica, particularmente nas teorias de “gauge”das part´ıculas elementares. Mas s´o discutiremos as conex˜oes afins ou lineares, que s˜ao as conex˜oes apropriadas `as variedades Riemannianas.
Come¸camos por assumir que a quantidade ∇UY tem a mesma natureza tensorial
Universo de trˆes observadores com vectores tangente U, V e aU + bV , onde a e b s˜ao n´umeros reais, ent˜ao
∇aU +bVY = a∇UY + b∇VY, (2.6)
bem como linear em Y , tal como acontecia em RR,
∇U(aY + bZ) = a∇UY + b∇UZ, (2.7)
e como ∇U ´e um operador de deriva¸c˜ao deve tamb´em satisfazer a regra de Leibnitz
∇U(f Y ) = (∇Uf )Y + f ∇UY
= < df, U > +f ∇UY (2.8)
Ao operador que acab´amos de definir chamamos derivada covariante, mas ainda n˜ao sabemos como calcul´a-lo. Sabemos simplesmente que deve verificar as propri-edades traduzidas nas Eqs. (2.6-2.8). Veremos que estrutura adicional que agora foi introduzida na variedade espa¸co-tempo, i.e., a derivada covariante, vai ser de grande utilidade em Relatividade Geral, pois vai permitir definir as curvas ou linhas do Universo dos observadores ou part´ıculas em queda livre.
Para calcular ∇UY num sistema de coordenadas arbitr´ario, teremos que definir
como variam os vectores de uma base coordenada {ea}. Se admitirmos que os
vectores derivados continuam a exprimir-se como uma combina¸c˜ao linear dos {ea}
temos ent˜ao
∇eb(ea) = Γcabec, (2.9)
e aos coeficientes das combina¸c˜oes lineares, Γc
ab, chamamos conex˜oes. Veremos
mais adiante, que numa variedade Riemanniana ou pseudo-Riemanniana, como s˜ao os espa¸cos-tempo da RG, as conex˜oes s˜ao integralmente definidas em termos de primeiras derivadas das componentes do tensor m´etrico gab. Neste caso, estas
conex˜oes adquirem a designa¸c˜ao de s´ımbolos de Christoffel de segunda esp´ecie. Podemos agora calcular as componentes de ∇UY com Y = Yaea, sendo Y um
campo vectorial e ea = ∂a uma base coordenada
∇UY = Ub∇b(Yaea) = Ub[∇bYc+ YaΓcab]ec,
onde ∇a≡ ∇ea e ∇bYc= ∂bYcporque as componentes Yas˜ao fun¸c˜oes, e a derivada
covariante actua sobre fun¸c˜oes exactamente como o operador de deriva¸c˜ao partial ∂a≡ ∂/∂xa.
Podemos escrever finalmente,
∇UY = Ub[∂bYc+ YaΓcab]ec (2.10)
ou mais simplesmente,
com Yc ; b = ∂Yc ∂xb + Y aΓc ab. Os coeficientes de conex˜ao Γc
ab que determinam a opera¸c˜ao de diferencia¸c˜ao
cova-riante n˜ao devem ser confundidos com as componentes de um tensor. Na verdade, numa transforma¸c˜ao geral de coordenadas os Γc
ab transformam-se de uma forma
n˜ao homog´enea, aparecendo um segundo termo na lei de transforma¸c˜ao que envolve derivadas de segunda ordem das coordenadas e que compensa o termo extra que aparece em (2.5). Nem Ub∂
bYanem UbYaΓcabse comportam isoladamente como as
componentes de um vector, numa transforma¸c˜ao geral de coordenadas. Portanto, as componentes do campo vectorial ∇UY s˜ao UbY; ba e as derivadas covariantes Ya; b
formam as componentes de um tensor de tipo (1, 1).
Para representar este tensor cujas componentes s˜ao as derivadas covariantes das componentes do campo vectorial Y podemos escrever ∇Y . E podemos escrevˆe-lo numa base coordenada como
∇Y = Ya
; bdxb⊗ ∂a, (2.11)
onde as componentes Ya
; b s˜ao dadas pela express˜ao anterior.
Nota sobre conven¸c˜oes e nota¸c˜oes:
N˜ao devemos confundir ∇bYc e (∇bY )c. A primeira express˜ao representa a
deri-vada covariante das fun¸c˜oes Yc, componentes do campo vectorial Y , e a segunda
representa as componentes do campo vectorial derivada covariante de Y . Em al-guns livros de texto n˜ao se faz esta distin¸c˜ao, porque se usa a nota¸c˜ao: ∇aYb ≡ Yb;a.
Por´em, neste curso n˜ao confundimos as duas nota¸c˜oes, pois de acordo com as nossas defini¸c˜oes a derivada covariante de uma fun¸c˜ao ´e diferente da derivada covariante de um campo vectorial. Assim,
∇bYc= ∂bYc, e (∇bY )c = ∂bYc+ YaΓcab.
´
E costume, mesmo quando ea n˜ao ´e um vector de uma base coordenada, usar a
nota¸c˜ao
∇af = ea(f ) := f,a,
para qualquer fun¸c˜ao. Se ea = ∂a ent˜ao a v´ırgula representa efectivamente uma
deriva¸c˜ao parcial. Podemos ent˜ao escrever (∇Y )a
Exemplo 2 Considere o caso do espa¸co euclideano 2-dimensional R2 em
coorde-nadas polares
ds2 = dx2+ dy2 = dr2+ r2dφ2, (2.12) sendo a transforma¸c˜ao de coordenadas e sua inversa dadas por
( x = r cos φ y = r sin φ ( φ = tan−1(y/x) r = √x2+ y2
A correspondente transforma¸c˜ao das bases ∂/∂xa e ∂/∂yb, onde os xarepresentam
as coordenadas cartesianas e os yb representam as coordenadas curvil´ıneas, ´e obtida
a partir da matriz Jacobiana e sua inversa, ∂ ∂yb = ∂xa ∂yb ∂ ∂xa, dy b = ∂yb ∂xadx a nomeadamente er = ∂x ∂r ex+ ∂y ∂r ey = cos φ ex+ sin φ ey eφ = ∂x ∂φex+ ∂y ∂φey = − r sin φ ex+ r cos φ ey (2.13)
onde exa = ∂xa e eyb = ∂yb. E igualmente se obt´em
dr = cos φ dx + sin φ dy dφ = −1 rsin φ dx + 1 rcos φ dy sendo a matriz Jacobiana e sua inversa, respectivamente
à ∂xa ∂yb ! = à cos φ −r sin φ sin φ r cos φ ! , à ∂yb ∂xa ! = cos φ sin φ −1 r sin φ 1 rcos φ .
Com estes dados ´e f´acil inverter o sistema de equa¸c˜oes (2.13) e obter ex = cos φ er− 1 r sin φ eφ ey = sin φ er+ 1 reφ.
Antes de prosseguir, aproveitemos para salientar que o tensor m´etrico se escreve numa base coordenada (natural) de tensores covariantes de segunda ordem e numa base qualquer
g = gαβdxα⊗ dxβ = gabωa⊗ ωb
as quais tomam a forma seguinte no caso particular de R2 em coordenadas
carte-sianas e coordenados polares
com ω1 = dr e ω2 = rdφ. As bases duais de {dr, dφ} e de {ω1, ω2} no espa¸co
tangente s˜ao, respectivamente, {er = ∂ ∂r, eφ= ∂ ∂φ}, { ∂ ∂r, 1 r ∂ ∂φ}. ´
E nesta segunda base que se escrevem as componentes f´ısicas de um vector (do espa¸co tangente) de R2. Mas seja ent˜ao um campo vectorial V = Vre
r+ Vφeφ. A
varia¸c˜ao de V segundo r ou segundo φ ´e dada genericamente por ∂V ∂yβ = ∂Vα ∂yβ eα+ V α∂eα ∂yβ = Ã ∂Vµ ∂yβ + V αΓµ αβ ! eµ, (2.14) com ∂eα ∂yβ = Γ µ αβeµ. Em particular, ∂er ∂r = 0 ⇒ Γ µ rr = 0 para todo o µ, ∂er ∂φ = − sin φ ex+ cos φ ey = 1 r eφ⇒ Γ r rφ= 0, Γφrφ= 1 r, ∂eφ ∂r = − sin φ ex+ cos φ ey = ∂er ∂φ ⇒ Γ r φr = 0, Γφφr = 1 r, (2.15) ∂eφ ∂φ = −r er ⇒ Γ r φφ = −r, Γφφφ = 0.
Voltando `a eq. (2.14) que define o campo vectorial resultante da deriva¸c˜ao covari-ante de V segundo as linhas coordenadas, ∂V/∂yβ, vemos que as componentes do
campo vectorial derivado s˜ao
∂Vµ
∂yβ + V αΓµ
αβ. (2.16)
Usando as nota¸c˜oes introduzidas anteriormente, podemos escrever as componentes desse campo vectorial como
Vµ;β = V,βµ + VαΓµ
αβ. (2.17)
Assim, a eq. (2.14) pode escrever-se de forma mais compacta ∂V
∂yβ = V µ
Divergˆencia e Laplaciano
Em coordenadas cartesianas a divergˆencia de um campo vectorial V ´e dada por Vµ
, µ, ou seja, deriva¸c˜ao parcial das componentes do campo vectorial seguida de
contrac¸c˜ao dos ´ındices, dando assim lugar `a forma¸c˜ao de um escalar em rela¸c˜ao grupo de Lorentz. Mas num espa¸co euclideano com coordenadas curvil´ıneas, como R2 com coordenadas polares, ou num espa¸co(-tempo) curvo, temos de ter em conta
as derivadas das bases e temos que proceder `a contrac¸c˜ao dos ´ındices do tensor ∇V. Esta opera¸c˜ao d´a origem a um escalar, a divergˆencia de V, ∇ · V, cujo valor ´e Vµ
;µ, visto que a contrac¸c˜ao ´e uma opera¸c˜ao independente do referencial.
Exemplo 3 Vamos calcular a divergˆencia do campo vectorial V em coordenadas polares. Com base nas equa¸c˜oes (2.15) vemos que
Γα rα = Γrrr+ Γrrφ= 1 r, Γα φα = Γrφr + Γφφφ = 0. (2.19) Portanto temos Vµ ;µ = Vµ,µ+ VαΓµαµ = ∂V r ∂r + ∂Vφ ∂φ + 1 rV r, = 1 r ∂ ∂r(rV r) + ∂ ∂φV φ (2.20)
Vejamos agora o c´alculo do laplaciano, isto ´e, a divergˆencia do gradiente de um campo escalar, Φ(yα). Como sabemos, o gradiente de Φ ´e um co-vector cujas
componentes s˜ao ∂ybΦ, ou seja neste caso
dΦ = ∂Φ ∂yady a= ∂Φ ∂rdr + ∂Φ ∂φdφ.
Para obter as componentes do vector gradiente, isto ´e, do dual do co-vector gradi-ente, usamos a m´etrica inversa para subir os ´ındices do co-vector,
(dΦ)a = gab∂Φ ∂yb , (2.21) ou em nota¸c˜ao matricial, Ã 1 0 0 r−2 ! Ã Φ,r Φ,φ ! = Ã Φ,r Φ,φ/r2 ! .
Usando estas componentes do campo vectorial gradiente podemos agora calcular a divergˆencia do gradiented de Φ, ∇ · ∇Φ ≡ ∇2Φ = 1 r ∂ ∂r à r∂Φ ∂r ! + 1 r2 ∂2Φ ∂φ2 .
Esta ´e a express˜ao de ∇2Φ em coordenadas polares, correspondente `a conhecida
express˜ao em coordenadas cartesianas ∇2Φ = ∂2Φ
∂x2 +
∂2Φ
∂y2 .
A derivada covariante pode estender-se a tensores de tipo arbitr´ario pelas regras de Leibnitz
∇Uhω, Xi = h∇Uω, Xi + hω, ∇UXi
∇U(T ⊗ S) = (∇UT ) ⊗ S + T ⊗ (∇US). (2.22)
As equa¸c˜oes (2.22) garantem a compatibilidade da derivada covariante com a es-trutura diferencial da variedade espa¸co-tempo.
Exemplo 4 Mostre que se ω ´e um campo de co-vectores ent˜ao (∇Uω)a= Ub[ωa,b− ωcΓcab].
Como < ω, X > ´e uma fun¸c˜ao, a sua derivada covariante segundo o campo vectorial U ´e simplesmente a derivada dirigida dessa fun¸c˜ao segundo U,
∇U < ω, X >= Ub∂b(ωaXa) = Ub(ωa,bXa+ ωaXa,b)
e a derivada covariante do co-vector ω segundo U pode obter-se a partir de < ∇Uω, X > = Ub(ωa,bXa+ ωaXa,b)− < ω, Ub(Xc,b+ XdΓcdb)ec>
ωa;bXaUb = (ωa,b− ωcΓcab)XaUb,
donde se obt´em a express˜ao solicitada.
Exerc´ıcio 1 Mostre que as componentes da derivada covariante de um campo tensorial T de tipo (1, 1) s˜ao dadas por
Para finalizar, voltemos `a derivada covariante de um campo vectorial segundo outro campo vectorial: ∇UY . Vimos que se tratava de outro campo vectorial.
Por´em, ∇Y (o “gradiente”de Y ) define um tensor de valˆencia (1, 1). Podemos ent˜ao escrever
∇aY = ea· ∇Y,
onde o segundo membro ´e uma contrac¸c˜ao (para cada valor do ´ındice a) do campo vectorial base eacom o tensor de tipo (1, 1), ∇Y . Esta contrac¸c˜ao define um campo
vectorial para cada valor de a. Portanto, se fixarmos o valor de a, ∇aY define um
campo vectorial, mas se a toma todos os valores poss´ıveis: a = 0, 1, 2, 3 ent˜ao (∇aY )b s˜ao as componentes de um tensor misto de tipo (1, 1).
Transporte paralelo e Derivada covariante
Numa variedade diferenci´avel n˜ao existe uma no¸c˜ao intr´ınseca de paralelismo entre vectores definido em pontos diferentes. A conex˜ao afim ´e no fundo uma regra que permite estabelecer uma certa no¸c˜ao de paralelismo. Para dar uma ideia como funciona esta regra, consideremos uma superf´ıcie esf´erica bi-dimensional.
A
B
C
Figura 2.3: Transporte paralelo de um vector ao longo do meridiano ABC. Na figura o vector, que representamos por V , ´e tangente ao meridiano que passa por ABC, entre o polo norte (A) e o polo sul (C). Supomos que transportamos V do ponto A ao ponto C, mantendo-o tangente `a esfera, pelo que se n˜ao rodar em torno do eixo normal ao plano de tangˆencia durante o transporte, V dever´a manter-se tangente `a curva ABC. Ao chegar ao ponto C o vector aponta no sentido
oposto ao vector inicial aplicado em A, embora mantendo-se na mesma direc¸c˜ao, de acordo com os nosso crit´erios de R3. Ser´a poss´ıvel que do ponto de vista da geometria da esfera os dois vectores, inicial e final, sejam paralelos?
Figura 2.4: Transporte paralelo de um vector ao longo do meridiano ADC. Antes de arriscarmos uma resposta a esta quest˜ao vamos agora imaginar o trans-porte de V de A a C segundo um outro caminho: ADC, que ´e tamb´em um meridiano da esfera que intersecta ABC nos polos A e C segundo ˆangulos rectos. Como V ´e perpendicular a ADC em A, por constru¸c˜ao, a maneira natural de o transportar ´e mantˆe-lo perpendicular a ADC e tangente `a esfera, como se mostra na fig. 2. Este transporte d´a origem a um vector V em C que, do ponto de vista de R3 ´e paralelo a V em A, e claramente anti-paralelo ao vector V transportado para C ao longo do caminho ABC. Qual dos dois vectores aplicados em C, obtidos `a custa dos dois transportes considerados, ´e realmente paralelo ao vector inicial? A verdade ´e que se os dois transportes continuarem fechando as curvas e voltando ao ponto A, os vectores transportados coincidem com o vector inicial em A. Por outro lado, se depois de transportar V ao longo de ABC, continuar o trans-porte ao longo do tro¸co CDA para fechar o caminho, verifico que o vector que
chega a A ´e anti-paralelo do vector que partiu de A. Com estes exemplos, somos levados a concluir que n˜ao existe uma no¸c˜ao global de paralelismo numa variedade curva. Mas podemos introduzir uma no¸c˜ao de transporte paralelo exigindo que nesse transporte o campo vectorial se mantenha constante no sentido da derivada covariante. ´E neste sentido que a conex˜ao afim funciona como uma regra para o transporte paralelo.
Estamos agora em condi¸c˜oes de compreender o significado da derivada covariante, definida anteriormente de modo abstracto. Consideremos uma curva C(λ) e o seu campo vectorial tangente U = d/dλ. No ponto p = C(λ0), tomemos um vector
arbitr´ario Yp ∈ Tp(M). A conex˜ao permite-nos definir um campo vectorial Y (λ)
ao longo de C(λ), o qual se obt´em transportanto Y paralelamente, i.e., mudando o menos poss´ıvel de direc¸c˜ao, ao mesmo tempo que obrigamos Y a pertencer aos sucessivos planos tangentes nos pontos da curva C(λ). At´e certo ponto podemos dizer que Y “n˜ao muda”ao longo de C(λ). Podemos ent˜ao definir uma derivada em rela¸c˜ao `a qual Y tem uma taxa de varia¸c˜ao nula. Esta derivada ´e a derivada covariante na direc¸c˜ao U, i.e., ∇U. Assim, se
∇UY = 0 (2.23)
diz-se que Y ´e transportado paralelamente ao longo de C(λ).
Sendo Y (xa) ´e um campo vectorial definido por toda a parte sobre C(λ), podemos
definir ∇UY em p da maneira como habitualmente se define uma taxa de varia¸c˜ao.
Para isso, seja p = C(λ0) e Yk(λ) um campo a ser transportado paralelamente e
que ´e a igual a Y (λ) no ponto C(λ0+ ²), i.e.,
∇UYk = 0, Yk(λ0+ ²) = Y (λ0+ ²),
ent˜ao a derivada pode ser calculada inteiramente no espa¸co vectorial Tp(M):
(∇UY )p = lim ²→0
Yk→p(λ0+ ²) − Y (λ0)
² . (2.24)
Em geral, a derivada covariante de um tensor T na direc¸c˜ao de U (i.e., ao longo da curva integral de U) e no ponto p ´e definida pela rela¸c˜ao
(∇UT )p = lim²→0
Tk→p(²) − T (0)
² .
onde Tk→p(²) ´e o valor do tensor T depois de ser transportado paralelamente de p
sobre a curva dado por λ = 0 para o ponto da curva infinitesimalmente pr´oximo e dado por λ = ². Sendo C(λ) a curva integral de U ent˜ao o seu vector tangente ´e por defini¸c˜ao U = d/dλ.
Num referencial em queda livre, tamb´em conhecido por referencial inercial local ou referencial de Lorentz local (RLL), a derivada covariante toma uma forma mais simples porque a m´etrica toma a forma de Minkowski e as conex˜oes anulam-se.
Figura 2.5: Derivada covariante do campo vectorial Y segundo U. Se representar a base do RLL por {eˆa}, ent˜ao
g(eˆa, eˆb) = gˆaˆb= ηab = diag(−1, 1, 1, 1),
e, portanto, neste referencial as conex˜oes s˜ao nulas: Γc
ab = 0. Logo
∇UY =
dYˆa
dλ eˆa,
e as componentes de ∇UY s˜ao simplesmente as derivadas derigidas das fun¸c˜oes Ya
segundo U.
Note que uma consequˆencia de Γc
ab = 0 ´e naturalmente
∇eˆa(eˆb) = 0, (2.25)
isto ´e, os vectores base s˜ao propagados ou transportados paralelamente segundo os eaˆ. Fazendo ˆa = ˆ0, vem
∇eˆ0(eˆb) = 0, (2.26)
onde eˆ0 = d/dτ ´e o vector tangente `a linha do Universo de um observador em
queda livre. Em particular, fazendo eˆ0 = U, vector tangente `a linha do Universo
do observador em queda livre (observador geod´esico), vem ∇eˆ0(eˆ0) = 0 em qualquer
sistema de coordenadas, e sendo
Ua= dxa
as componentes da 4-velocidade do observador em queda livre, a Eq.(2.25) pode escrever-se ∇eˆ0(eˆb) = d2xa dτ2 + Γ a bc dxb dτ dxc dτ = 0. (2.27)
Qualquer curva que seja solu¸c˜ao desta equa¸c˜ao chama-se uma geod´esica. Um observador em queda livre segue ent˜ao ao longo de uma geod´esica do espa¸co-tempo. Sendo dada a geod´esica de um observador em queda livre, ent˜ao a equa¸c˜ao (2.26) determina o RLL que acompanha o observador para os diferentes valores de τ , desde que sejam conhecidas as orienta¸c˜oes iniciais dos vectores base.
Podemos usar outra nota¸c˜ao para escrever a equa¸c˜ao das geod´esicas ∇UU =
DU
dτ = 0, (U = eˆ0),
que p˜oe em relevo o facto de um geod´esica ser uma curva cujo vector tangente ´e intrinsecamente constante (tem derivada intr´ınseca nula) ao longo da curva. Grosseiramente podemos dizer que quando nos deslocamos sobre um geod´esica caminhamos ao longo da “mesma direc¸c˜ao”. Neste sentido, as geod´esicas s˜ao a generaliza¸c˜ao das linhas rectas do espa¸co euclideano. Do ponto de vista da f´ısica percebe-se bem esta semelhan¸ca: um observador em queda livre sente localmente como se se deslocasse com velocidade uniforme numa linha recta ou, o que ´e o mesmo, como se permanecesse em repouso.
Contudo, do ponto de vista global a geometria do espa¸co-tempo mostra que as geod´esicas se comportam de modo bem diferente das linhas rectas da geometria euclideana.
Nem todas as geod´esicas s˜ao linhas do Universo de um observador em queda livre. Com a introdu¸c˜ao da m´etrica ser´a poss´ıvel distinguir geod´esicas temporais, nulas e espaciais. Mas s´o as primeiras poder˜ao ser linhas do Universo de um observador ou part´ıcula material.
J´a sabemos que o mesmo caminho de uma variedade pode corresponder a mais do que uma curva, cada uma das quais ´e parametrizada por um parˆametro dife-rente. Podemos ent˜ao caracterizar um caminho num espa¸co-tempo como sendo uma geod´esica se existe uma parametriza¸c˜ao tal que os vectores tangentes `a curva correspondente constituem um campo de vectores paralelos ao longo da curva:
U = ˙C(s) ⇒ ∇UU = 0.
Suponhamos que definimos ˜C(λ) = C(s) com s = aλ + b e a, b constantes. Fazendo xa(λ) = xahC(λ)˜ i
temos ent˜ao d2xa dλ2 + Γ a bc dxb dλ dxc dλ = ds dλ d ds( dxa ds ds dλ) + Γ a bc dxb ds dxc ds ( ds dλ) 2 = a2(d 2xa ds2 + Γ a bc dxb ds dxc ds ) = 0.
Portanto ˜C(λ) ´e tamb´em uma geod´esica. ´
E f´acil mostrar que s = aλ+b ´e a parametriza¸c˜ao mais geral que faz com ˜C(λ) ainda satisfa¸ca a equa¸c˜ao das geod´esicas. Chamam-se parˆametros afins os parˆametros com esta propriedade, ou seja, quaisquer dois parˆametros afins est˜ao relacionados por uma equa¸c˜ao linear: s = aλ + b.
Como o vector tangente a uma geod´esica C(λ), U = ˙C, ´e transportado paralela-mente: ∇UU = 0, temos ent˜ao para uma conex˜ao m´etrica (ver adiante)
g(U, U) = K = constante.
O valor desta constante pode ser alterado por uma reparametriza¸c˜ao da geod´esica. Fazendo ˜C(λ) = C(aλ + b), vem ˜U = aU e portanto g( ˜U, ˜U) = a2K.
Podemos distinguir trˆes situa¸c˜oes:
(i) K < 0, U ´e temporal por toda a parte e existe uma parametriza¸c˜ao tal que g(U, U ) = −1;
(ii) K = 0, U ´e um vector nulo por toda a parte e a geod´esica ´e do tipo luz; (iii) K > 0, U ´e espacial por toda a parte.
No primeiro caso mencionado, C ´e uma linha do Universo poss´ıvel de um observa-dor em queda livre. Neste caso a coordenada temporal deste observaobserva-dor ´e o seu parˆametro tempo pr´oprio porque se o usamos para parametrizar C temos
eˆ0 = U = ˙C ⇒ g(eˆ0, eˆ0) = −1.
Quanto `as geod´esicas nulas, podem ser consideradas como os caminhos de espa¸co-tempo da luz, mais precisamente, as superf´ıcies de igual fase das ondas electro-magn´eticas s˜ao atravessadas por geod´esicas nulas. Isto corresponde ao resultado da RR, onde as ondas planas electromagn´eticas propagam-se na direc¸c˜ao de um vector constante nulo.
Na verdade, c´alculos de relatividade geral mostram que, no limite dos pequenos comprimentos de onda (i.e., quando o comprimento de onda se torna bastante
pequeno quando comparado com as dimens˜oes espaciais do problema), em qualquer ponto de uma geod´esica nula que define o caminho de uma superf´ıcie de onda de luz, o vector tangente `a geod´esica corresponde exactamente ao vector nulo, Ka,
4-vector-onda, que est´a ligado `a frequˆencia das ondas.
Conex˜
ao m´
etrica
O Princ´ıpio da Equivalˆencia leva-nos a afirmar que a RR ´e v´alida localmente, isto ´e, na vizinhan¸ca de um observador em queda livre e, por conseguinte, o espa¸co-tempo da Relatividade Geral tambem deve ter uma estrutura m´etrica, que num referencial em queda livre toma a forma de Minkowski, como vimos. Mas nestes RLL’s a derivada covariante reduz-se `as derivadas dirigidas usuais, logo
gab;c = ∂cgab.
E num referencial em queda livre, como a m´etrica toma a forma de Minkowski, tem-se ∂cgˆaˆb= 0. Logo, para satisfazer o princ´ıpio da Equivalˆencia devemos exigir
que
∇Ug = 0,
qualquer que seja o campo vectorial U. Diz-se ent˜ao que a m´etrica ´e covariante-mente constante. Esta condi¸c˜ao ´e por sua vez equivalente a impˆor que se X(λ) e Y (λ) s˜ao dois campos vectoriais transportados paralelamente ao longo da curva C(λ), ent˜ao o produto interno
g (X(λ), Y (λ)) = constante. ´
E de esperar que isto seja assim se C(λ) ´e a linha do Universo de um observa-dor em queda livre, cujo referencial ´e definido pela condi¸c˜ao (2.26) e g(eˆa, eˆb) =
gˆaˆb=constante. Da mesma maneira, para o transporte sobre uma curva arbitr´aria exigimos g (X(λ), Y (λ)) = constante.
Diferenciando esta express˜ao segundo U vem Ua∂ a(gcd)XcYd+ gcd à dXc dλ Y d+ XcdYd dλ ! = 0. (2.28)
Como, por hip´otese, X(λ) e Y (λ) s˜ao transportados paralelamente, temos dXc
dλ = −Γ
c
abXaUb,
e uma equa¸c˜ao semelhante para Y . Assim, obtemos 0 = UaXcYd∂
Como este resultado deve verificar-se para qualquer U, X e Y conclu´ımos que ∂cgab− gdbΓdac− gadΓdbc= 0, (2.29)
ou seja,
∂cgab = Γb|ac+ Γa|bc = 2Γ(a|b)c. (2.30)
Da Eq. (2.29) chegamos a gab;c = 0 e, portanto, ∇Ug = 0, como j´a t´ınhamos
visto quando discutimos o princ´ıpio da equivalˆencia. Mas vemos agora tamb´em, que o facto da m´etrica ser covariantemente constante tem como resultado uma rela¸c˜ao estreita entre os coeficientes de conex˜ao lineares e a m´etrica. Da Eq. (2.30) podemos obter sucessivamente, por permuta¸c˜ao dos ´ındices,
1
2(gab,c+ gac,b− gbc,a) = Γ(a|b)c+ Γ(a|c)b− Γ(b|c)a = Γa|bc+
³
Γb|[ac]+ Γc|[ab]− Γa|[bc]
´
.
Veremos mais adiante que os s´ımbolos de conex˜ao utilizados em RG s˜ao sim´etricos nos dois ´ultimos ´ındices quando escritos numa base coordenada,
Γa|bc = Γa|(bc),
temos neste caso,
1
2(gab,c+ gac,b− gbc,a) = Γa|bc. (2.31) No ˆambito das geometrias Riemannianas era costume utilizar outras nota¸c˜oes e designa¸c˜oes para os s´ımbolos de conex˜ao. Assim, escrevia-se
[bc, a] em vez de Γa|bc,
e designavam-se por s´ımbolos de Christoffel de 1a esp´ecie. E escrevia-se
n d bc o em vez de Γd bc
e designavam-se por s´ımbolos de Christoffel de 2aesp´ecie, verificando-se as rela¸c˜oes
n d bc o = gda [bc, a] , Γd bc = gdaΓa|bc, ou seja Γd bc= 1 2g da(g
ab,c+ gac,b− gbc,a) , (2.32)
se estivermos a trabalhar numa base coordenada.
Ainda hoje ´e frequente reservar a designa¸c˜ao de s´ımbolos de Christoffel, embora se tenha passado a usar a nota¸c˜ao moderna, para as conex˜oes associadas `as geome-trias Riemannianas ou pseudo-Riemannianas da RG. Para concluir este assunto,
vamos definir uma conex˜ao m´etrica como aquela onde dois campos vectoriais transportados paralelamente segundo uma dada curva, tenham um produto in-terno constante ao longo dessa curva.
Exemplo 5 Mostrar que
Γaab = 1 2g ∂g ∂xb = ∂ ∂xb ln( √ −g) .
Comecemos por constatar que Γaab = gadΓd|ab = 1 2g ad∂gad ∂xb + 1 2g ad à ∂gbd ∂xa − ∂gba ∂xd ! .
O segundo termo do segundo membro anula-se devido `as propriedades de simetria. Temos ent˜ao, Γa ab = 1 2g ad ∂gad ∂xb (2.33)
Esta express˜ao pode ser escrita em termos do determinante g do tensor m´etrico gab.
Segundo o teorema de Laplace de expans˜ao de um determinante, este ´e igual `a soma alg´ebrica dos produtos dos elementos de uma fila pelos respectivos complementos alg´ebricos, logo
∂g ∂gab
= ∆ab,
onde ∆ab´e o complemento alg´ebrico do elemento g
ab do determinante g. E a partir
da regra de obten¸c˜ao da matriz inversa podemos escrever ∂g
∂gab
= g gab. (2.34)
Por consequˆencia temos
dg = g gabd g ab. (2.35) E como gabdg ab = −gabdgab, pois gabg
ab = δaa = 4, usando este resultado na Eq.(2.34), esta poder´a escrever-se
∂g
Usando as Eqs. (2.34), (2.35) e (2.36) podemos escrever ∂g ∂xc = g g ab∂gab ∂xc = −g gab ∂gab ∂xc .
A partir das quais se obt´em, finalmente, as express˜oes desejadas.
Sistema de Coordenadas Geod´esico
Para concluir esta sec¸c˜ao vamos enunciar o Lema seguinte sob a possibilidade de anulamento dos s´ımbolos de Christoffel em certas condi¸c˜oes.
Lema 1 ´E sempre poss´ıvel um sistema de coordenadas no qual todas as compo-nentes dos s´ımbolos de Christoffel se anulam num dado ponto. Um tal sistema ´e conhecido por sistema geod´esico.
A prova ´e simples. Suponha que os s´ımbolos de Christoffel se anulam num ponto p ∈ M estando definido um sistema de coordenadas, xa, numa certa vizinhan¸ca V
p.
Vamos ent˜ao introduzir um novo sistema atrav´es da transforma¸c˜ao de coordenadas xa0 = xa− xap+ 1
2Γ
a
bc(p)(xb− xbp)(xc− xcp) . (2.37)
Aqui o sub-´ındice indica o valor no ponto dado p. ´E com certeza poss´ıvel atribuir significado a este novo sistema de coordenadas pelo menos numa pequena regi˜ao em torno do ponto p, onde xa0
p = 0. Efectivamente, diferenciando em rela¸c˜ao a xd
d´a ∂xa0 ∂xd = δ a d+ 1 2Γ a bc(p)δbd(xc− xcp) + 1 2Γ a bc(p)(xb− xbp)δcd = δa d+ Γadc(p)(xc− xcp) , pelo que ³∂dxa 0´ p = δ a d e det[∂dxa 0
]p 6= 0. O que mostra que a equa¸c˜ao (2.37) define
um novo sistema de coordenadas numa vizinhan¸ca Vp.
Vamos agora calcular os s´ımbolos de Christoffel no novo sistema de coordenadas xa0
, usando a lei de transforma¸c˜ao (ver problema 2 no final do cap´ıtulo) entre s´ımbolos de Christoffel de segunda esp´ecie
Γa0 b0c0 = ∂xa0 ∂xs ∂xd ∂xb0 ∂xf ∂xc0Γ s df+ ∂xa0 ∂xs ∂2xs ∂xb0 ∂xc0 .
A transforma¸c˜ao de coordenadas (2.37), permite escrever ∂xa0 ∂xs |p= δ a s, ∂xs ∂xa0 |p= δ s a ∂2xs ∂xa0 ∂xb0 = −Γ s ab(p) .
Usando estes resultados na transforma¸c˜ao dos Γ, encontramos para os s´ımbolos de Christoffel no ponto p no novo sistemas de coordenadas,
Γa0
b0c0(p) = δsaδbdδcfΓsdf(p) − δasΓsbc(p)
= 0
2.4
Tensor Tors˜
ao
Dados os campos vectoriais X e Y , podemos definir dois novos objectos antis-sim´etricos em X e Y , concretamente
[X, Y ] e ∇XY − ∇YX,
os quais s˜ao ambos campos vectoriais. O primeiro deles, o comutador [X, Y ] = (XY − Y X), veremos j´a em seguida que se trata efectivamente de um campo vectorial. Mas quanto ao segundo, depois de ter sido definida a derivada covariante do campo vectorial Y ao longo da curva integral de X, ∇XY , n˜ao restam d´uvidas
de que se trata de um campo vectorial, e o mesmo se poder´a dizer de ∇YX, pelo
que a diferen¸ca ∇XY − ∇YX tamb´em dever´a ser um campo vectorial.
Comutadores de campos vectoriais
Dado um sistema de coordenadas {xa}, ´e muitas vezes conveniente adoptar {∂/∂xb}
como uma base para campos vectoriais. Contudo, qualquer conjunto de campos vectoriais linearmente independentes pode funcionar como base, e ´e f´acil mostrar que nem todos esses conjuntos podem derivar-se de sistemas de coordenadas. Quando aplicados a fun¸c˜oes cont´ınuas os operadores ∂/∂xae ∂/∂xb comutam pois:
[∂a, ∂b](f ) = ∂a∂bf − ∂b∂af = 0
para todos os valores de a e de b, mas o mesmo j´a n˜ao acontece com dois campos vectoriais arbitr´arios X e Y . Ou seja,
[X, Y ] = Xa∂ a(Yb∂b) − Yb∂bXa∂a = XaYb(∂ a∂b− ∂b∂a) + (Xa∂aYb)∂b− (Yb∂bXa)∂a = XaYb[∂a, ∂b] + (Xa∂aYc− Ya∂aXc) ∂c = (Xa∂aYc− Ya∂aXc) ∂c,
X = c
2X = a
1X = d
2X = b
1Figura 2.6: Linhas coordenadas numa variedade 2-dimensional. visto que [∂a, ∂b] = 0. Portanto o comutador
[X, Y ] = XY − Y X ´e um campo vectorial cujas componentes, (Xa∂
aYc− Ya∂aXc), n˜ao se anulam em
geral.
Sejam agora V = d/dλ e W = d/dµ dois campos vectoriais linearmente inde-pendentes e, que por isso poder˜ao ser dois elementos elementos de uma base. O comutador
[ d dλ,
d
dµ] = [V, W ] = LVW
´e chamado o parˆentesis de Lie de V e W ou derivada de Lie de W segundo V , em homenagem a Sophus Lie, o grande matem´atico dos finais do s´eculo XIX, o mesmo dos grupos de Lie. Em geral, n˜ao ser´a poss´ıvel representar os elementos dessa base como derivadas relativamente a um qualquer sistema de coordenadas. Embora os campos vectoriais V e W estejam definidos ao longo de curvas integrais parametri-zadas respectivamente por λ e µ, estes parˆametros n˜ao representam coordenadas independentes. Uma tal base diz-se n˜ao-coordenada ou n˜ao holon´omica.
´
E importante perceber que esta distin¸c˜ao entre bases coordenadas e n˜ao-coordenadas s´o pode ser feita sobre uma dada regi˜ao de uma variedade e n˜ao num ´unico ponto. As diferentes propriedades das bases coordenadas e n˜ao-coordenadas s´o ter˜ao im-portˆancia sobre regi˜oes de uma variedade, e ser˜ao irrelevantes em problemas que envolvem somente o espa¸co tangente Tp(M) de um ´unico ponto p.
Exerc´ıcio 2 Mostre que os campos vectoriais base, unit´arios, para as coordenadas polares no plano euclideano, definidos por
erˆ = cos θex+ sin θey
eθˆ = − sin θex+ cos θey
onde ex = ∂/∂x e ey = ∂/∂y, constituem uma base n˜ao-coordenada. Determine a
base dual correspondente para covectores.
Vejamos qual ´e a interpreta¸c˜ao geom´etrica do comutador de dois campos vectoriais. Na figura (2.6) desenh´amos as linhas coordenadas de uma variedade 2-dimensional. Note que, por defini¸c˜ao, x1 ´e constante ao longo das linhas coordenadas de x2, isto
´e, das curvas integrais de ∂/∂x2. Esta ´e a raz˜ao porque ∂/∂x1 e ∂/∂x2 comutam:
cada um destes campos vectoriais ´e uma derivada ao longo de uma linha sobre a qual o outro campo vectorial ´e fixo. Consideremos agora os dois campos vectoriais arbitr´arios V e W cujas curvas integrais est˜ao desenhadas na figura (2.7). Uma curva integral de W n˜ao ´e necessariamente uma curva de λ =constante, e vice-versa. O operador d/dµ n˜ao ´e uma derivada mantendo λ fixo, pelo que
[ d dλ,
d dµ] 6= 0
Embora as curvas integrais de V e W se assemelhem a curvas coordenadas, as respectivas parametriza¸c˜oes n˜ao s˜ao as de um sistema de coordenadas. Mesmo o facto de estas curvas se assemelharem a linhas coordenadas ´e um artif´ıcio das duas dimens˜oes: num espa¸co a 3-dimens˜oes pode acontecer que a curva (1) intersecta as curvas (α) e (β) mas (2) intersecta apenas (α).
Conex˜
oes sim´
etricas
Uma conex˜ao diz-se sim´etrica se as duas quantidades [X, Y ] e ∇XY − ∇YX,s˜ao
iguais:
∇XY − ∇YX = [X, Y ] . (2.38)
A designa¸c˜ao “sim´etrica”traduz o facto de, numa base coordenada, a rela¸c˜ao an-terior implicar a simetria dos coeficientes de conex˜ao:
Γdac = Γdca.
Na realidade, fazendo X = ea e Y = eb, sendo {ea= ∂a} uma base coordenada no
espa¸co tangente, vem