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O JUSCELINO KUBITSCHEK DA PENA AUTOBIOGRÁFICA: entre a memória e o mito político.

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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO COLÉGIO PEDRO II – RIO DE JANEIRO

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O JUSCELINO KUBITSCHEK DA PENA AUTOBIOGRÁFICA: entre a memória e o mito político.

Ana Maria Ribas1

Resumo: Sob uma abordagem teórico-metodológica que sublinha os vínculos ditos, não-ditos e interditos entre história, memória, política e cultura, a pesquisa investiga, pari passu a uma determinada leitura do

presente do passado, a autobiografia do homem e ex-chefe de Estado

Juscelino Kubitschek, e, a ela correlacionada, estratégias de afirmação da sua memória que, elaboradas desde a presidência da República, ampliadas e aprimoradas por força da ditadura militar e adornadas pela morte, confluem para a elaboração do mito político enquanto obra individual e coletiva.

Palavras-chave: história; memória; autobiografia; mito político; ditadura militar.

Abstract: Under a theoretical-methodological approach which underlines the bonds – said, unsaid and intersaid – linking history, memory, politics and culture, the research investigates, pari passu with a given reading of

present from past, the autobiography of the former statesman Juscelino

Kubitschek, correlatively to the assertive strategies of his memory that, elaborated since the presidency of the Republic, amplified and improved by force of the military dictatorship and adorned by the death, converge toward the working out of the political myth under the aspects of individual and collective work.

Keywords: history; memory; autobiography; political myth; military dictatorship.

1 Professora de História do Colégio Pedro II/Campus Humaitá II. Professora do Programa

de Residência Docente da PROPPGEC do Colégio Pedro II desde 2012. Colaboradora e Parecerista da Área de Humanas do Inep/MEC desde 2010. Doutora em História pela UERJ. Mestre em História pela UFRJ. Licenciada e Bacharel em História pela PUC-Rio. Esse artigo incorporou aspectos da análise que foi desenvolvida no capítulo 2 da tese de Doutorado intitulada “Juscelino Kubitschek de Oliveira – profeta da modernidade,

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23 “O retorno do passado nem sempre é um momento libertador da lembrança, mas um advento, uma captura do presente”.

Beatriz Sarlo, 2007.

O estudo problematiza, nos encontros entre memória, política e cultura, a autobiografia de Juscelino Kubitschek de Oliveira que, escrita nos enlaces de tantos tempos, converge à implantação e institucionalização do Estado autoritário. E oferece ao historiador possibilidades de investigar a história da República contemporânea brasileira, tendo como referência a construção da memória (em disputa) desse homem público e a configuração de uma mitologia política.

O historiador, sob outra perspectiva, não elabora narrativas do passado frente ao compromisso de reconstituí-lo? Indagação que coloca em pauta as seguintes questões: a autobiografia na dupla condição de fonte e objeto de estudo da história; os limites da escrita, autobiográfica, histórica, literária, qual seja, entre vivido/experienciado e narrado/reconstituído, e o aceite de temporalidades históricas que se entrecruzam, ao invés de supor uma hierarquia entre passado, presente e futuro que lê a história de forma conservadora (HARTOG, 2006, p. 15-25).

Indo de encontro a qualquer leitura baseada na vitimização e/ou na sedução do julgamento, o objetivo reside em compreender como a narrativa de Kubitschek, na intersecção de vínculos emocionais e processos políticos (ver HAROCHE, 2004, p. 333-349), desvela a

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24 trajetória de um homem que, apreendida sob a perspectiva histórica, põe a descoberto territórios que foram sacralizados no terreno movediço da memória, tangenciando inclusive modos de pensar da intelligentsia brasileira e colaborando à investigação do “presente do passado”.

Objetiva-se, pois, ampliar o entendimento desse tempo, porém não como corolário natural do processo histórico brasileiro, uma vez que a repetição do passado acaba engessando a vida social e impedindo o homem de ser leitor e transformador da realidade. Trata-se sim de entender certos mecanismos – nem sempre previsíveis e conscientes ou, ainda, previamente determinados – de construção e conservação da memória do homem público Juscelino Kubitschek, aos quais confluem a gestação, elaboração e difusão do mito político2 enquanto obra individual

e coletiva. Mito que sublinha a concordância, a unidade e o pertencimento no que, historicamente, resultara mais em tensão, contradição e radicalização.

Quando, como e por que a autobiografia foi escrita? Quais personagens, características e/ou acontecimentos a escritura selecionou e ordenou para definir o corpus identitário de Juscelino Kubitschek? Como a autobiografia reafirma o mito político JK? Qual Juscelino Kubitschek existe na memória coletiva?

2 Raoul Girardet (1987) propõe quatro constelações mitológicas: Salvador, Idade do

Ouro, Conspiração e Unidade. E, nessa mitologia política, destacam-se três elementos discursivos centrais à sua elaboração: estabilidade, pacificação e redenção. A articulação entre a imagem de um Salvador, a esperança de uma Idade de Ouro e a denúncia de uma Conspiração ofertam inteligibilidade à política sob a lupa da cultura e evidenciam uma representação síntese do jogo político, qual seja: o bem, o mal e o

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25 A autobiografia começou a ser delineada no exílio, quando a vida privada de Juscelino Kubitschek ressignificou-se pari passu o apagamento de sua presença no cenário público, por força da cassação decretada pelo Estado autoritário no dia 08 de junho de 1964 e seus desdobramentos. A volta definitiva ao país ocorreu a 9 de abril de 1967 quando JK, afastado da política, sentiu-se exilado em seu próprio país. Por seu turno, isso elucida uma dada visão de si naquele momento, indo além de uma questão meramente material, e permite, ao revés, perceber a “derrota” de um homem e de seu projeto pessoal no âmbito da nova conjuntura política e institucional do país.

No instante em que a iniqüidade se consuma e me obriga ao silêncio, cassando-me o mandato de senador conferido pelo bravo povo goiano e retirando-me os direitos políticos, quero pedir aos brasileiros que não se deixem um só momento impressionar com as calúnias e as mentiras que os inimigos jurados da democracia certamente hão de continuar atirando sobre mim. Saibam os brasileiros que daqui por diante só não lhes falarei, e só não me defenderei, se fizerem silenciar a minha voz. (...). Minha atitude diante da agressão a que me submetem é de serena tranqüilidade. Sei que o tempo confundirá os meus inimigos gratuitos, sufocará os ódios e restaurará a justiça, agora duramente espezinhada. (...). Não me arredarei da luta em favor da Democracia. (...). Esse ato não marcará o fim do arbítrio. Um por um, eles sentirão os efeitos da tirania que ajudaram a instalar no Poder.3

A decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), a 13 de dezembro de 1968, reinstitucionalizou o Estado autoritário e atingiu ainda mais o ex-presidente da República e cidadão proscrito Juscelino Kubitschek. Sem imunidade e além de proibido pisar em Brasília, JK foi preso, naquela

3 Cf. CONY, Carlos Heitor. JK – Memorial do exílio, op. cit., p. 172-3. Essa proclamação

de JK encontra-se transcrita no site PROJETO MEMÓRIA JUSCELINO KUBITSCHEK.

Biografia – o tempo da amargura (1961-1976). Disponível em:

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26 noite, após sair da formatura de uma turma de engenharia, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Levado por um oficial à paisana para o 3º Regimento de Infantaria, em São Gonçalo, lá permaneceu, em um pequeno quarto, por quase um mês. Ao sair da prisão, próximo aos festejos de Natal, com o estado de saúde abalado, JK foi levado para o seu apartamento, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, em regime de prisão domiciliar.

Considerando que Juscelino Kubitschek teve, discricionariamente, seu espaço público de atuação e expressão vetado por força da ditadura militar, restou-lhe exatamente o espaço privado enquanto locus de uma escrita de si ou “escrita autorreferencial” (GOMES, 2004, p.7-24). O que se concretizou com o projeto editorial da Bloch intitulado Memórias de

JK, composto de quatro livros4, dos quais três volumes foram dedicados

stricto sensu à autobiografia, assim nomeados: Meu caminho para Brasília

como título geral, que se subdivide em: Experiência de humildade, volume I (1974); A escalada política, volume II (1976), e 50 anos em 5, volume III (1978). Trabalho que acabou interrompido e, por conseguinte, o novo volume – que teria o título de “Mil Dias de Exílio” − foi apenas esboçado.

A publicização dos três volumes das Memórias de JK, sob o crivo da censura, aconteceu, não casualmente, durante o lento e conturbado processo de distensão política do regime militar e, a ele correlacionado, a

4 O quarto livro intitulado KUBITSCHEK, Juscelino. Por que construí Brasília? Rio de

Janeiro: Bloch Editores, 1975, representa uma síntese dos três volumes anteriores e foi elaborado visando a candidatura à Academia Brasileira de Letras. Esse livro foi digitalizado pela Biblioteca do Senado Federal e se encontra disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/1039.

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27 difícil transição democrática na sociedade brasileira, a partir de meados dos anos 1970. Sem dúvida, tal consideração reforça a relevância da obra autobiográfica para o conhecimento histórico. Os três volumes autobiográficos não seriam publicados de imediato. Juscelino Kubitschek obteve, com dificuldades, autorização para lançar o primeiro volume em 1975, em condições especiais; sendo que os dois últimos somente seriam publicados após a sua morte. Os primeiros exemplares do volume III foram autografados pela viúva Sarah Kubitschek, em solenidade no prédio da Manchete, na Praia do Russel. No diário, em 15 de agosto de 1974, o fato mereceu ser enfatizado por JK para tecer críticas ao autoritarismo reinante no país e mostrar (res)sentimentos políticos. Vejamos:

A conversa do Murilo (Mello Filho, jornalista) com (Armando) Falcão (ministro da Justiça) revela bem o estado policial em que vivemos. Este consultou o Presidente Geisel se podia autorizar a publicação do primeiro volume da minha biografia e, com surpresa para ele próprio, o Presidente vetou a publicação. (Diário de JK)5

Partindo da leitura dos três volumes autobiográficos, defrontamo-nos com os seguintes traços fundadores do corpus identitário de JK: o orfão aos dois anos e meio de idade; o “pobre menino descalço Nonô” da pequena cidade de Diamantina que galgou o mais alto cargo público da nação; a formação/educação exemplar do “grande homem” legada pela

5 O Diário de Juscelino Kubitschek integra uma reportagem de Policarpo Junior

intitulada “O grande amor de Juscelino – o diário secreto de JK” e foi publicada, em caráter exclusivo, na Revista Veja, edição 1495, 14/05/1997, p.108-118. A mesma reportagem, baseada em trechos do diário, encontra-se disponibilizada no acervo digital da Revista Veja, com o seguinte título: “O amor outonal de JK”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_14051997.shtml. Acesso em 15/12/2008.

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28 mãe Júlia Kubitschek, de ascendência tcheca e professora primária do interior mineiro; o adolescente seminarista estudioso; o jovem telegrafista audacioso; o médico urologista acadêmica e profissionalmente “brilhante”; o político por talento e vocação; o líder democrata pacificador e salvador; o exemplo de estadista da República contemporânea brasileira; o cidadão, ex-presidente da República e senador cassado pela ditadura militar. Convém apontar que esse último traço não se constituiu em tema abordado explicitamente na autobiografia6, porém tece e molda

a escritura, configurando um aspecto fundamental para entendê-la e problematizá-la.

Obviamente, a cassação política do homem público Juscelino Kubitschek de Oliveira no pós-1964 reforçou e nutriu a contrapelo o processo de mitologização. Porque era preciso manifestar o caráter de reconciliação que o ato de rememorar – em tempos de reclusão – poderia operar na vida de Juscelino Kubitschek. Reconciliar-se não representaria, pois, uma maneira oblíqua de JK sublimar revezes e mágoas, promover a trégua de si e testemunhar-se ao outro no tribunal da história? Como ele não obteve o perdão do novo regime, tal como no passado supôs comportar-se diante do que ele nomeou como seus adversários e/ou inimigos políticos, restava a ele escrever-se. E como a experiência da cassação e do isolamento, à frente das demais, precisou ir além de um lugar específico demarcado no tempo, escrever a si – ainda

6 Sobre esse tema, o volume – que teria o título de “Mil Dias de Exílio” – ficou apenas

esboçado. Carlos Heitor Cony lançou JK: memorial do exílio (1976), que foi publicado após a morte do ex-presidente.

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29 que aponte à incompletude – instituiu uma subjetividade, expressou o desejo de elaborar o luto e materializou o “espaço autobiográfico” (cf. ARFUCH, 2009, p. 370-382) como instância construtora (e, também, legitimadora) do homem público-mito político.

Logo inventariar a memória pela lupa da história pressupõe − em meio aos deslocamentos e rupturas do tempo − revolver a trama do “arquivo JK”, sob o crivo de sua assinatura (DERRIDA, 2001). E como o arquivo pressupõe um lugar de verdade, de poder e de autoridade, que intenta afastar o risco do esquecimento, visto apenas em seu viés danoso de perda, JK fundou, organizou e registrou sua vida, com base em uma tradição, supondo guardar, sem emendas e sem lacunas, embora nem sempre tão consciente ou racional assim, todos os “documentos” que preservassem a sua memória.

As fases da vida de Juscelino Kubitschek foram metodologicamente revisitadas a partir de eixos delimitados com base nos temas dos capítulos e na trama da narrativa. Combinados aos traços identitários, tais eixos convergem para uma trajetória pessoal, cuja urdidura aponta para a elaboração de laços instituintes de sociabilidade (ver FERREIRA, 2004, pp. 241-255) e de estratégias de convivência nas esferas privada e pública. Estas viabilizaram as conquistas econômicas e políticas de JK no interior de uma sociedade permeada pela desigualdade social, pelas permanências de práticas do favor e pelo reconhecimento associado ao status e/ou aos valores utilitários da riqueza. Ousamos dizer que a trajetória pessoal privada − moldada pela inserção social de origem – e

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30 pública de Juscelino Kubitschek – constituída pelo e constitutiva do nacional-desenvolvimentismo – se imbricou à biografia da nação7

brasileira e possibilitou a emergência de uma mitologia política, à qual se amalgamou a obra de reinvenção do Brasil com base na meta da autonomia nacional. Meta a ser ainda alcançada em um país que cumpria se desenvolver “50 anos em 5” e fazer interagir – assim como imaginou o JK da autobiografia – díades aparentemente irreconciliáveis: progresso e atraso; desenvolvimento e subdesenvolvimento; cosmopolitismo e provincianismo; utopia e realidade; nacional e estrangeiro; cidade e campo; revolução e reforma; civilização e barbárie; tradição e modernidade; moderno e antigo; novo e arcaico; riqueza e pobreza. Vejamos:

Eu chegava aos vinte e sete anos e, até então, a idéia que tinha do mundo estava condicionada a dois dimensionamentos: o perfil de Itambé, na infância; a complexidade dos contrafortes da Serra do Curral, em Belo Horizonte, na fase de acadêmico. Na realidade, eu vivera sempre atrasado em relação a tudo. Só conheci o automóvel quando tinha vinte anos, e vi um avião, pela primeira vez, ao concluir meu curso de Medicina. Quando embarquei no Formose, o mundo, para mim, era uma verdadeira incógnita (...). Tudo era novo e sedutor aos meus olhos deslumbrados. Gente estranha, falando várias línguas. (...). E, principalmente, o comportamento humano, individual e coletivo, não em termos de mentalidade provinciana, mas segundo os padrões internacionais. (KUBITSCHEK, 1974, p.34)

Para o historiador, é relevante perceber que a narrativa de JK – antes de ser apreendida como um mero registro da vida do sujeito,

7 A expressão ‘biografia da nação’ relaciona-se a uma concepção de história nacional, à

qual se associa a fundação da nação e, a ela correlato, o nascimento do sentimento nacional, cuja função é servir de instrumento político. Ver GRAMSCI, Antonio. Cadernos

do cárcere – o Risorgimento; notas sobre a história da Itália. Trad. Luiz Sérgio Henrique.

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31 (re)processou, pelo esforço imaginativo, a sua experiência no mundo e, logo, buscou ressignificar o presente das disputas de um passado não tão distante assim. Deste modo, a narrativa elaborou enlaces entre história e memória que deveriam solidificar no tempo as qualidades pessoais e a capacidade política que fizeram existir o Juscelino Kubitschek.

Afinal, como o Juscelino Kubitschek poderia desconhecer o desequilíbrio da balança de pagamento, o déficit público, a inflação, a corrosão salarial, o endividamento externo, a dependência ao capital e tecnologia estrangeiros e o agravamento das contradições sociais e das disparidades regionais que acompanharam a obra desenvolvimentista e a epopeia de Brasília? E, a contrapelo, (d)enunciaram que nem só de “glórias”, vitórias e conquistas transcorreram os cinco anos de seu governo? A opção residia em levar avante e a qualquer preço o projeto de modernização conservadora8, identificado a uma rota de coalizão para a

sociedade moderna, diante dos resultados da crise gerada pelo padrão de desenvolvimento adotado. Seria, pois, imprescindível dissimular os sérios embates políticos, minimizar as críticas da oposição e transferir o ônus para os governos seguintes. Motivo pelo qual foi grifada a “cruzada pessoal” de JK em prol do desenvolvimento associado ao alcance da autonomia econômica, uma vez que o Brasil, conforme os postulados do

8 Ver MOORE JÚNIOR, Barrington. As origens sociais da ditadura e da democracia –

senhores e camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

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32 Iseb e da Cepal9, era compreendido como país subdesenvolvido. Da

autobiografia para forjar a imagem pública do presidente da República “visionário”10:

1960 chegara ao fim. Reconstituindo, na imaginação, o caminho percorrido, chegava à conclusão de que não poderia estar senão satisfeito. O Programa de Metas havia sido executado, sem que as finanças nacionais acusassem a menor depressão. O que houve – e isto é comum em qualquer administração – foram desajustamentos setoriais, de fácil correção, e desequilíbrios periódicos no balanço de pagamentos, decorrente da instabilidade característica do mercado internacional.

A partir de 1956 até 1959 – os primeiros quatro anos da minha administração – nenhum país do mundo ocidental apresentou ritmo de expansão industrial equivalente ao do Brasil. (...).

[... ...]

Esta é a imagem de um Governo dinâmico, audacioso, progressista, inimigo de tabus e confiante no futuro do Brasil. E quanto custou ao povo esse impressionante impulso desenvolvimentista? Os derrotistas e derrotados afirmam que tudo foi feito à custa de emissões de papel-moeda. (...). (...) toda aquela pletora de desenvolvimento representou, na realidade, o sacrifício de dois cruzeiros novos, em cinco anos, para cada brasileiro. Ou (...) o sacrifício foi de apenas 40 centavos anuais para cada habitante. Alguém seria capaz de fazê-lo por menos dinheiro? (KUBITSCHEK, 1978, p. 427 e p. 450).

A partir desse texto, amplia-se o entendimento de como e por que as contradições geradas pelo nacional-desenvolvimentismo, mormente a partir de 195911, foram relegadas numa clara tática de adiar o impasse,

9 Desde a década de 50, alguns setores da sociedade, a exemplo dos intelectuais

reunidos no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), se interrogavam sobre os problemas que afligiam a sociedade brasileira e propunham soluções necessárias para erradicar o subdesenvolvimento. A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), pioneira na investigação das particularidades do processo de desenvolvimento capitalista do continente, procurou explicar a sua trajetória histórica e contou com a participação de importantes intelectuais brasileiros, tornando-se um marco de referência para o debate econômico e social latino-americano.

10 Essa expressão é título de um capítulo do vol. III das memórias de JK (KUBITSCHEK,

1978, p. 395-399).

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33 e, por isso mesmo, carente de ser postergado a fim de legitimar o discurso da estabilidade, da pacificação e da redenção – três elementos essenciais à mitologia política. Liturgia que ganhou sentido ao revés da conspiração e do complô, por meio da qual Kubitschek buscava a adesão e o respeito à legenda do novo Brasil. E, assim, JK (re)desenhou os contornos da arena política, dentro da qual salientou-se o papel suprapartidário que ele se autoconferiu, a fim de demarcar outro sentido ao elemento político para sobrelevar os esforços do coletivo a favor do projeto nacional de emancipação econômica. E, desta maneira, buscou reproduzir o consenso e, logicamente, a dominação, ao qual implicava o reconhecimento de mecanismos institucionais e simbólicos garantidores do exercício do poder. Vejamos:

Havia agitações nos círculos políticos, com a UDN liderando uma campanha de desmoralização do novo Governo. E, nos quartéis, ainda fermentavam ressentimentos, com as Forças Armadas sendo trabalhadas por uma minoria de inconformados que não perdoava ao general Teixeira Lott haver frustrado a conspiração palaciana de novembro de 1955. No seio da Aeronáutica havia ressentimento, frustração e, mesmo, desespero. (...). O que se passava na FAB era grave. Desde algum tempo, observava-se ali uma profusão de manifestos, de memoriais e de proclamações,

estrangeiro - resultou na saída do Iseb de Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos, bastante sintonizados com o desenvolvimentismo, o que evidenciou uma crise interna que expressava, em última instância, divergências quanto às opções e decisões políticas do governo JK. As discussões em torno da política econômica – envolvendo, de um lado, o crescimento da inflação e a dívida externa e, de outro, a viabilidade e a exequibilidade do Plano de Metas, no que tange inclusive aos gastos públicos com a construção de Brasília – resultou na saída de José Maria Alkmin do Ministério da Fazenda e a sua substituição por Lucas Lopes, comprometido com o plano de estabilização. A Marcha dos Cafeicultores, na capital paulista, protestara contra a mudança da política cambial e protecionista com apoio do governador Jânio Quadros, já interessado em lançar a sua candidatura à presidência. O crescimento da oposição e da reação antiamericana, ameaçando o consenso necessário à dominação, acabou por levar o presidente JK a romper com o FMI, mas sem renunciar ao Plano de Metas, e a adiar a resolução dos perversos efeitos econômicos e sociais gerados pelo modelo de desenvolvimento. Tudo isso radicalizou posições, servindo para desmistificar a estabilidade política, construída na autobiografia e ainda tão cara ao entendimento do governo JK.

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34 concitando a corporação a se unir para impedir a minha posse. Na época, ainda estava muito recente o drama do suicídio do presidente Getúlio Vargas...

Quando me candidatei à presidência da República, tive a habilidade de recompor a estrutura fragmentada, realizando a aliança PSD-PTB. Durante o meu governo, consegui manter em equilíbrio essa associação de agrupamentos conflitantes, ao cumprir religiosamente os compromissos assumidos, mas conservando-me acima das

querelas internas de ambas as agremiações.

(KUBITSCHEK 1978, p. 25 e 28; p.409-10, grifos nossos).

O político mineiro pessedista Juscelino Kubitschek de Oliveira, em um momento de comoção social e orfandade política do país, seria o único governador de estado a prestar, em agosto de 1954, homenagens póstumas a Getúlio Vargas no Palácio do Catete, ao lado do líder trabalhista João Goulart. Em 1955, um ano após esse traumático episódio, JK conseguiu, apesar das discordâncias, a homologação de sua candidatura à presidência da República pelo PSD e acabou sendo vitorioso no pleito. JK enfrentou uma tentativa de golpe, em novembro de 1955, para impedir a sua posse e a do vice-presidente da República João Goulart, este estigmatizado por setores civis e militares como herdeiro político do legado trabalhista de Getúlio Vargas e defensor do nacionalismo. E no ano de 1956 ele assumiu, em meio aos desdobramentos do “mar de lama” do segundo Governo Vargas, o mais alto cargo da vida pública brasileira para cumprir o mandato presidencial.

(...) foi em São Borja que se consolidou, praticamente, a aproximação dos dois maiores partidos do país, o que iria desencadear uma tremenda campanha de difamação contra mim. (...) nessa ocasião, tudo se procurava fazer para obter o apoio do PTB ao candidato udenista, que só mais tarde iria aparecer. Como esse apoio, ao invés de ir para a UDN, havia sido dado à minha candidatura, João

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35 Goulart, de herói na véspera, passara de súbito a vilão. E eu, por ser companheiro de chapa do vilão, transformei-me, na opinião dos udenistas, no herdeiro do mar de lama. Ilogismos da política. (KUBITSCHEK 1976, p. 375.)

Destaca-se, outrossim, que o “golpe preventivo” de 11 de novembro de 1955 do marechal Henrique Teixeira Lott e o “susto” de Jacareacanga reforçaram o papel que os militares vinham, de muito, arrogando para si na condução da política brasileira. Ignorar os interesses da corporação militar implicaria, de um lado, em uma possível e imediata desestabilização e, de outro, abrir mão da força institucionalizada fulcral à coerção inerente ao exercício da dominação. A retórica pacificadora do nacional-desenvolvimentismo explicitou o que JK esperava e requeria da corporação militar, pois tratava-se de defender a unidade da nação e fazer-se vigilante da democracia para implementar os “Cinquenta Anos em Cinco”.

É relevante compreender o porquê da formação democrática e das convicções liberais, embora declaradas como pilares que integraram

naturalmente o seu espírito e se cristalizaram durante a viagem à Europa,

não terem sido fortes o bastante para levar Juscelino Kubitschek a recusar, na década de 40, um cargo público – prefeito da cidade de Belo Horizonte – para o qual não havia sido eleito. Como o Juscelino Kubitschek explicaria o aceite a esse cargo público, via nomeação na década de 1940, por intermédio de Benedito Valadares, na vigência do Estado Novo? A percepção do cargo político como instrumento de projeção social oferece indícios para perceber o que estava em pauta: romper as barreiras de um isolamento individual ditado pela pobreza

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36 indesejada, uma vez que a carreira política se baseava em um ethos de prestígio, reconhecimento e influência que normatizava as relações sociais. No depoimento ao CPDOC, Juscelino Kubitschek grifara uma posição em conversa com o líder Getúlio Vargas: “Eu sou seu amigo particular, mas nunca fui seu correligionário. Nunca fui um homem que gostasse do Estado Novo. O senhor não se aborreça com a minha franqueza. (...)”12.

Como o Juscelino Kubitschek deixaria no interdito o apoio ao movimento político-militar de 1964 em nome da preservação da ordem

contra o que era alardeado como ameaça do comunismo? Ainda, como o

Juscelino Kubitschek, senador da República, justificaria o voto indireto no Congresso Nacional dado aos candidatos general Castelo Branco e José Maria Alkmin13, respectivamente à presidência e vice-presidência da

República, após os sérios desdobramentos político institucionais que resultaram, inclusive, na sua cassação? Enfim, como o Juscelino Kubitschek poderia justificar a carta branca dada aos seus companheiros de partido (PSD) para segui-lo na votação nominal em favor do general Humberto de Alencar Castelo Branco, em prol da (suposta) promessa do regime militar em torno do calendário eleitoral, mesmo sendo conivente com a quebra da legalidade democrática e da violação do texto

12 OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek II (depoimento, 1976). Rio

de Janeiro, CPDOC, 1979.

13 José Maria Alkmim se tornou grande amigo de JK desde a juventude e os laços entre

eles viriam a se aprofundar, sobremodo, nos embates da vida pública. A implantação do Estado autoritário abalou, possivelmente (porque não declarado), a amizade e a aliança política que os unira no passado. Embora com discreta atuação e mesmo sem ter assinado o Ato Institucional número 5, Alkmin perfilou-se ao lado dos militares que ocuparam o poder, e, logo a seguir, cassaram Juscelino Kubitschek.

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37 constitucional? Todos esses fatos ocorreram em conjunturas históricas autoritárias que se contrapunham ao perfil democrata do homem público que, nos cinco anos de mandato presidencial, afirmara colocar a defesa do país e da democracia acima das paixões políticas e interesses pessoais.

Devemos considerar a opção conciliadora do senador Juscelino Kubitschek no contexto político-institucional vigente a partir do movimento de 1964. Anterior à cassação, JK antevia, com certa obstinação, a possibilidade de um retorno à presidência da República, por meio do lançamento da sua candidatura para 1965, que já havia sido homologada pelo PSD em convenção nacional. Diante disso, Kubitschek comprometeu-se a votar no general Castelo Branco à presidência da República, lançando mão da credencial político-partidária pessedista. A barganha política dizia respeito ao retorno à normalidade democrática como garantia de pacificação do país. O que serviu para justificar a decisão de JK, respaldada por um acordo mútuo entre cavalheiros. Por seu turno, não se sustenta, historicamente, a tese de que o presidente general Castelo Branco estaria comprometido em assegurar eleições democráticas em 1965 e, assim, devolver legalmente o poder para os civis em um curto espaço de tempo. Durante o seu governo, uma série de medidas de exceção14 foram decretadas, o que evidenciava, claramente,

14 Dentre outras medidas, destacaram-se: o Ato Institucional nº. 2 (AI-2), de 27 de

outubro de 1965, que estabeleceu a extinção de todos os partidos políticos, impôs o bipartidarismo e ratificou eleições indiretas para presidência da República; o Ato Institucional nº. 3 (AI-3), que estabeleceu eleições indiretas para o cargo de governador estadual; a manutenção das cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos, através de decretos-lei e atos punitivos; a criação do Serviço Nacional de Informação (SNI), e a decretação da Constituição de 1967 por força do Ato Institucional nº. 4 (AI-4), e confirmada em sessão extraordinária do Congresso Nacional.

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38 o objetivo de consolidação da ditadura militar. Em depoimento ao jornalista Osvaldo Orico, quando estava no exílio em Paris, JK transmitiu:

Malgrado seu tom dogmático, as declarações do General Castelo Branco me pareceram tranqüilizadoras. Indicavam a presença de um Chefe de Estado no qual se poderia confiar. O PSD não lhe faltou com a votação maciça, que lhe deu uma tranqüila vitória política depois do empolgante e seguro triunfo militar. (Cf. ORICO, 1977, p. 35)

Esclarece-se, pois, como e por quê a escolha pela democracia precisou estar inscrita a posteriori na trajetória individual de Juscelino Kubitschek enquanto algo que se configurou muito anterior ao ingresso na política e à opção pela vida pública. Na escritura autobiográfica, era condição sine qua non legitimar os cinco anos de governo e a sua autoridade perante a comunidade nacional e assim desfazer, senão minimizar, críticas e acusações de seus detratores, inclusive diante do apoio ao que JK nomeara como o “triunfo militar”. Ser democrata transformou-se em um aprendizado que remontava às origens do Brasil e, por isso, veio de longe trazido tanto pela longa duração quanto pela inserção social de origem e confirmara-se na viagem de Juscelino pelo mundo afora. A história de amor a liberdade da cidade colonial mineira e o berço humilde da família Kubitschek de Oliveira fundiram-se para inventar a tradição (cf. HOBSBAWM, 1997, p. 9-23). Do depoimento de JK ao CPDOC a reverberar a narrativa autobiográfica:

As minhas origens democráticas vêm de muito longe, porque venho das camadas mais modestas da sociedade brasileira’. Assim, quando perguntam porque desenvolvi

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39 esse sentimento democrático: eu bebi isso no leite, no café, no ar de Diamantina, nas serenatas da minha terra. Eu aprendi esse sentimento de liberdade e guardei com tanta força que, quando a providência, o destino me trouxe ao palco... Diamantina foi um dos maiores centros. A liberdade é uma palavra que está integrada inteiramente no vocábulo democracia, governo do povo. Aquilo começava a trabalhar cedo a mentalidade dos jovens daquele tempo15.

Esse contato com a história robusteceu o amor pela liberdade e o sentimento democrático, que me eram instintivos. Fez com que minha fé na democracia aprofundasse ainda mais suas raízes e minha formação espiritual se consolidasse num sentido nitidamente liberal. (...). Ao fortalecer estas convicções, que abriam para mim o horizonte político, eu mal poderia imaginar que, inconscientemente, me preparava para a tarefa que o destino me reservaria, no futuro, de importância vital para o meu país - a da defesa da Democracia. (KUBITSCHEK, 1974, p.105)

Juscelino Kubitschek escreveu-se como homem bem-sucedido em seu projeto pessoal, orgulhoso e vaidoso ante a condição de médico e, especialmente, de líder político, o que lhe possibilitou galgar os degraus da ascensão social – delegado à Assembleia Constituinte de Diamantina e, logo depois, deputado federal constituinte por Minas Gerais, de 1934 a 1937, pelo Partido Progressista (PP); prefeito nomeado de Belo Horizonte em 1940; deputado federal eleito em 1945 pelo PSD mineiro; governador de Minas Gerais em 1950, presidente da República em 1955 e, por fim, senador por Goiás em 1961, cassado em 1964. Contudo, tendo como referência que

15 Adaptação de OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Juscelino Kubitschek I (depoimento, 1974). Rio de Janeiro, CPDOC, 1979, 15 p. datilografadas, p.3. Na

autobiografia e biografias, consta que ele tinha dois anos e meio de idade quando o pai faleceu.

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40 ao longo de minha vida, periodicamente retorno à cidade natal, para relembrar a jornada percorrida e buscar forças naquele chão que me viu partir, rapazinho ainda, de mala na cabeça, em busca de um caminho que honrasse os ensinamentos e os sacrifícios de minha mãe, (KUBITSCHEK 1974, legenda da última fotografia).

conclui-se que a legenda da “experiência da humildade” − não fortuitamente o título do primeiro volume de seu livro de memórias – reforçou a autovalorização e à projeção da imagem pública de “grande homem”. Juscelino imaginou-se capaz de (re)constituir heroicamente a sua identidade, da mesma maneira que se antepunha ao silêncio imposto pelos militares que pretenderam apagá-lo da memória nacional no pós-1964. Enfim, ao invés de se confrontar com o poder diante dos mecanismos de repressão político ideológica que assolaram o país, JK supôs fundar a persona e ordenar a própria vida enquanto utopia (ver JAMESON, 2007) – o desejo do “retorno” como reverso do exílio. A trajetória pessoal (privada e pública) de JK entrelaça memória e história na (des)ordem do tempo:

Terminada a cerimônia da transmissão do cargo, senti-me emocionado ao descer a rampa do palácio. Chovia torrencialmente e, apesar do mau tempo, era impressionante a multidão que me aguardava na Praça dos Três Poderes. (...). Num relance, li diversos cartazes, compostos em letras toscas: ‘Viva J.K!’, ou ‘Até a volta, Presidente!’, e alguns, com mensagens mais ousadas, projetando-se sobre o futuro, ‘Já ganhou em 65!’ (KUBITSCHEK, 1976, p.452)

Sobrevoando o antigo burgo, revivi as emoções da infância e da juventude. (...). Lá estava o Seminário, no qual estudara. Adiante, via o morro da Grupiara, onde morara e em cujo cimo erguia-se a mesma árvore que me servira de abrigo para as leituras da juventude. A uma guinada de avião, via a rua Direita, na qual se erguia o sobrado que fora do meu avô e no qual eu nascera. Olhei longamente a capistrana – fita de granito no meio das ruas e palco dos

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meus sonhos de menino pobre. Enquanto o avião procurava uma posição para a descida, pensava no passado distante. Partira descalço, mas com a cabeça cheia

de sonhos, e voltava naquele momento como presidente da

República. (KUBITSCHEK 1976, p. 71, grifos nossos.)

Ao expor os resultados dos cinco anos de seu governo, percebemos − além de reelaborar “a jornada realizada”16 e dar um desfecho à obra –

as marcas que Juscelino Kubitschek desejara arquivar no panteão da história. E mais. Para o homem, que se converteu em um mito político, a desestabilização que ele dissimulara em seus discursos à época da presidência merecia ser pontuada para salientar suas qualidades pessoais, legando ao futuro não só a nova capital federal Brasília, mas também a imagem de autodeterminação tão cara à legenda do self made

man. Da narrativa autobiográfica:

Reclinado na poltrona do avião, fechei os olhos para relaxar os nervos das intensas emoções daquele dia. Embora ainda emocionado, sentia-me satisfeito. De fato, havia uma grande diferença entre o Brasil que eu encontrara em 1956 e o que deixava em 1961, ao concluir meu mandato. O país progredira, na realidade, cinqüenta anos em cinco. Além do mais, encontrara um país dividido pelo ódio, pelas dissensões internas e pelas rivalidades partidárias. As Forças Armadas estavam fragmentadas em grupos ou facções, que reciprocamente, se hostilizavam; os estados viviam separados uns dos outros, por absoluta falta de comunicações e o horizonte político apresentava-se toldado pelas nuvens negras do ‘golpismo’. O que eu deixava era um país em ordem, pacificado espiritualmente, próspero, confiante em si mesmo, cônscio do seu destino de grandeza. No terreno político, conseguira, igualmente, imprimir uma profunda transformação. Implantei e fiz funcionar uma perfeita democracia no país. Instituí a liberdade como símbolo do meu Governo. E, assim fazendo, fortaleci as instituições, conscientizei as massas e tornei a Nação politicamente adulta. (KUBITSCHEK, 1978, p.453, grifos nossos)

16 “Recompondo a jornada realizada” é o título do penúltimo capítulo do vol. III (último

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42 Essas palavras escritas por Juscelino Kubitschek seriam, não obstante, parcialmente proféticas. Brasília – hábil reconstrução de

territorialidade política – celebrou, no dia 21 de abril de 1960, final do

governo, a conquista de uma modernidade, ainda que tardia (SOUZA, 1998). E viria para ficar, a despeito da virulência da oposição udenista, em especial do parlamentar Carlos Lacerda. A liberdade, a independência e a própria civilização, no que esta implica em vitória dos direitos humanos e em assertiva contumaz da humanização do povo, ficariam postergadas, mais uma vez, para o futuro. A concretização da metassíntese se produziu ainda maior euforia nas classes médias, julgando-se a cada dia mais próximas do sonhado ‘american way of life’, para os trabalhadores, em geral, significaria o ônus pela implementação do Plano de Metas. Tudo realizado, sobrara a carestia, o agravamento das condições de vida e o continuar da luta por melhores salários, aguçada diante das disparidades de remuneração tanto entre as novas empresas implantadas e as tradicionais, quanto entre os setores militar e civil. Por sua vez, a combatividade do movimento sindical e a formação das ligas camponesas culminariam por questionar as contradições do nacional-desenvolvimentismo.

Os movimentos foram não apenas subestimados por JK e as lideranças, menosprezadas; como também atribuído, não por acaso, a ações inoportunas da esquerda para desestabilizar a democracia e a paz social – dois ícones do discurso político juscelinista a serem propositalmente grifados. Quanto à Greve da Paridade, a “hábil” resposta

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43 do governo foi a votação pelo Congresso Nacional, em caráter de urgência, da paridade de vencimentos entre militares e civis, seguida da sanção da lei pelo presidente da República; assim como o indulto aos portuários, marítimos e ferroviários envolvidos no movimento paredista. O que, mais uma vez, serviria para superdimensionar as qualidades do governante pacificador e providencial de Juscelino Kubitschek, essenciais ao soerguimento do mito político. Da narrativa autobiográfica:

Um fato político, de certa gravidade, requeria minha presença no Rio. Tratava-se de uma greve monstro, articulada por elementos extremistas, tendo como objetivo paralisar todos os transportes no país. A greve articulada era uma iniciativa de cunho comunista. Não se tinha em vista qualquer reivindicação justa, cuja solução estivesse sendo procrastinada. O objetivo declarado era o de obrigar o Congresso a votar, com rapidez, o chamado ‘Projeto de Paridade de Vencimentos’. (...). Tudo concertado com admirável espírito de organização, como se os trabalhadores nas empresas de transportes houvessem sido desafiados pelo Governo! Os comunistas, contudo, optaram pela solução extrema. O objetivo, segundo logo se tornara evidente, não seria propriamente a votação do projeto de Paridade de Vencimentos, mas convulsionar o país. (...). (...). (...) em antecipação à reunião ministerial, fiz divulgar, através do gabinete do ministro da Justiça, uma nota denunciando o caráter ilegal da greve e advertindo que o Governo não a toleraria, já que havia ‘indícios’ de que o movimento ‘tinha ligações com o desenvolvimento de atividades subversivas, inspiradas em ideologias extremistas e obedientes a comando externo’.

[...] Passados alguns dias, uma comissão de líderes sindicais procurou-me no Palácio da Alvorada para agradecer-me a sanção da Lei de Paridade de Vencimentos. (...). (...). Pediram-me, então, que ordenasse o cancelamento das penalidades impostas aos ferroviários, aos marítimos e aos portuários, o que prontamente atendi. (KUBITSCHEK, 1978, p. 415-417)

E as Ligas Camponesas, associadas às contradições sociais seculares e agravadas pelas graves consequências da seca que assolou o Nordeste em 1958, denunciaram a inoperância das promessas de campanha para

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44 o Nordeste feitas pelo candidato JK que, em uma leitura enviesada, transmite no texto autobiográfico:

As obras que realizei implicaram numa profunda modificação no status social do país e, em conseqüência, fazia-se necessário que o sistema partidário também fosse alterado. A prosperidade que tomara de assalto os centros urbanos – provocadas pela industrialização – criara um novo tipo de política (...). Esse novo tipo de político fortalecia-se através de apelos diretos ao povo e sua pregação sempre obtinha grande receptividade. Se assim acontecia nos centros urbanos, a vaga populista não tardara a se espalhar, contaminando áreas rurais, principalmente em Pernambuco, onde líderes como Francisco Julião, embora sem maior importância, em 1950 já trabalhavam para que a flama reivindicatória dos camponeses não fosse extinta. (...). (...) indicações de que se processavam no Nordeste articulações de cunho esquerdista, fizeram com que a maioria esmagadora das Forças Armadas assumisse uma atitude de vigilância: a de não permitir que, sob o pretexto de se mobilizar a opinião pública para o pleito, pudesse ser desencadeado qualquer processo revolucionário. (KUBITSCHEK, 1978, p. 410 e 307).

Tais contradições, no entanto, não puderam mais ser escamoteadas frente à radicalização da luta política reformista a que se assistiu durante o governo de João Goulart. Portanto, se a ideologia do nacional-desenvolvimentismo, embasadora do jogo político juscelinista, serviu para adiar os conflitos sociais latentes que eram frutos do modelo econômico planejado, também regou o solo no qual as sementes do movimento sindical e das Ligas Camponesas cuidadosamente se plantaram. Almejando integrar os trabalhadores no processo de afirmação do capitalismo, a retórica nacional-desenvolvimentista ofertou aos líderes sindicais os elos de união que os fortaleceriam politicamente no combate ao imperialismo e na bandeira das reformas como caminhos à reestruturação da sociedade brasileira. E, em resposta à tirania do

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45 técnico e da racionalidade planificadora que circunscrevera a estratégia agrário desenvolvimentista ao domínio do "subdesenvolvimento" e da miséria regionais, as ligas17 consubstanciaram uma virada de páginas da

história contemporânea da mobilização política camponesa no Brasil. Ceifado pela violência institucionalizada do regime militar, esse movimento acabou mostrando na longa duração que a herança fora aceita e frutificara. E o presidente, que, na elaboração mitológica, transformou-se em “salvador e pacificador” sentiria, nas próprias ambições, o desfecho dramático das querelas internas que declarou ter sobrepujado quando em suas memórias asseverou: “(...) fortaleci as instituições, conscientizei as massas e tornei a nação politicamente adulta” (KUBITSCHEK, 1978, p. 453). A força das armas fizera terraplanagem da arena política, reformatando a qualidade e o sentido das digladiações. A partir de então, situação e oposição ganhariam contornos nítidos e contundentes.

Mas não é igual e precisamente pelos apagamentos e/ou dissimulações que se garante o reconhecimento e a permanência do que se quer dizer-ocultar ou lembrar-esquecer? O historiador deve problematizar a memória que, tributária do homem público Juscelino Kubitschek e de sua obra, ornamenta esse passado para sacralizá-lo. E, por conseguinte, considerar que existe muita coisa a investigar acerca do “grande nome” que fora consagrado, simbólica e politicamente, JK. E

17 A denominação ‘Liga Camponesa’ foi cunhada pela imprensa conservadora no intuito

de aproximar as organizações camponesas criadas a partir de 1954 da influência comunista, já que as associações rurais fundadas pelo PCB, na região de Pernambuco, no período posterior a 1945, foram batizadas de ‘ligas’.

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46 mais − do slogan político ao cognome de um carro18, os rastros de uma

identidade e a reedição da utopia de um novo Brasil em outra temporalidade:

De alguma forma, a sigla “JK” incorporou-se à consciência nacional como sinônimo de “Um Certo Brasil”, um Brasil orgulhoso de si mesmo, confiante no seu futuro, decidido a construí-lo em paz e com democracia. Peço licença pela adaptação que fiz com o título desta exposição que acontece em hora tão oportuna. Mais que a história de “Um Certo Navio”, creio que ela interliga a rota do governo Kubitschek à retomada do desenvolvimento em nossos dias. “Um Certo Brasil” ressurge nessa travessia histórica. Trata-se de um Brasil “à moda de JK”. A reconciliação com os valores do desenvolvimento é, talvez, a mais bela homenagem que o Brasil presta a JK nestes 106 anos do seu nascimento. O desassombro de Juscelino Kubitschek nos ensinou que as vantagens comparativas de um país são frutos de uma construção histórica, e não apenas de uma dádiva da natureza.19

O objetivo residiu em rastrear a dimensão histórico-social de um homem e de seu tempo, no intuito de perceber como e por que os enlaces políticos culturais desse passado ainda habitam, no imaginário social (BACZKO, 1985, p. 296-332), tantos presentes. E, assim fazendo, buscar o que ainda permanece arquivado dos Anos JK e do homem-presidente da República Juscelino Kubitschek.

Os percursos realizados pela memória humana retomam e reencontram, não sem ambiguidades, o vivido que está tanto no passado quanto no presente, uma vez que inscreve (ou silencia) lembranças

18 O carro nacional mais moderno que ficou conhecido como JK era o sedan Alfa-Romeo,

lançado nos anos 60, em homenagem ao presidente da República e “patrocinador” da indústria automobilística no Brasil.

19 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretaria de Imprensa. Discurso do presidente da

República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante comemoração do 106º aniversário de nascimento do presidente Juscelino Kubitschek e inauguração da exposição “Um Certo Navio Brasileiro”. Brasília-DF, 12 de setembro de 2008. Disponível em: http://www.imprensa.planalto.gov.br. Acesso em: maio 2009.

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47 agindo (SEIXAS, 2004, p. 37-58). Porém, ao agir, a memória situa-se como condição sine qua non para a elaboração de identidades, tanto individuais quanto coletivas; o que constitui um dos eixos na construção do sujeito histórico.

Por certo, a memória e o tempo conduzem o ser humano a travessias inesperadas e, dentre outras coisas, ainda fazem, sob a perspectiva da história, Juscelino Kubitschek resistir a vulgarizações e enquadramentos, tornando esse trabalho sempre desafiante e inquietante para o historiador.

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Recebido em 28/04/2014 Aprovado em 28/05/2014

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