Carcaça
© 2016 Josoaldo Lima Rêgo
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009. Coordenação Editorial Isadora Travassos Produção Editorial Eduardo Süssekind Rodrigo Fontoura Victoria Rabello Ilustração de capa Diego Dourado 2016
Viveiros de Castro Editora Ltda.
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cip-brasil. catalogação na publicação sindicato nacional dos editores de livros, rj r267c
Rêgo, Josoaldo Lima
Carcaça / Josoaldo Lima Rêgo. - 1. ed. - Rio de Janeiro : 7Letras, 2016.
isbn 978-85-421-0430-1 1. Poesia brasileira. I. Título.
16-30229 cdd: 869.91
Sumário
finisterra
Jauára Ichê 17 Torres-García 18 Planisfério 19 Calhas 20Planta baixa do beco 21
Distâncias 22
Os pássaros 24
Floresta 25 Fraturas 26
Viagem à Itália 29
Nos baixões de Altamira 30
Cerrado 31 Desterro 32 Natimudo 33 Mar 34 Baía 35 Nômade 36 Mediterrâneo 37 Pele 38 Inversões 39 Sorvedouro 48
Lugar 49 Convergência 50 Carcaças 51 Alinhador de trilhos 52
motim
Eusébio 59 Dois garotos explodem no calor do canavial 60 Motins 615 Andaimes 73
Os betoneiros 78
Alguma fome 79
Memória do corpo submerso 80
Imagino os arredores da cidade e o circo numa maré 81 Ka’apor 83
anotações
64 Títulos 87ensaios
Antifesta 93 Pedra da memória 94 Limites 95 Esvaído 96 Sombra 97Velocidade 98
O jogo 99
Mercator 100
Quando um italiano desaparece 101
A terra de Polifemo 102
Esquecer o retorno 103
Identificações 104
Goethe se dirige ao sul 106
Qualquer 108 Carbono 109 Germinação 110 Matagal 111 Ninguém 1 112 Ninguém 2 113 Pedra de cantaria 114 Entrevero 115 Alteridades 116 Notas de viagem 117 Ladrilho 121 Transparência 122 Emergências 123 Mistura 124 Rumor 125 Árvores 126 [Tilacino...] 127
uma espera inversa
por Júlia Studart
O lance é mais ou menos assim, como está em Benito
Cereno, quando o negro Babo e o negro Atufal, seu
aju-dante, jogam três homens ao mar, vivos e amarrados, bem na frente de seu capitão. A imagem que dá começo a um motim, retirada do texto forte de Herman Melville, sugere uma aventura política: é o crime contra a disci-plina, é a revolta, a desobediência. E é principalmente a imagem de um levante, o que também compõe este livro como uma espécie de grito silencioso de quem caminha devagar entre um passo que oscila e um passo firme. Uma pergunta é como podemos tomar posição diante desse
Carcaça de Josoaldo Lima Rêgo, um poeta-geógrafo,
enquanto cada um de seus poemas provoca e produz sem parar reimpressões errantes desse mundo que se anuncia para nós, aparentemente, quase sempre em ordem.
Dividido em 4 partes – Finisterra, Motim, Anotações,
retomada desde a epígrafe, “Passa, qual fora o coração das trevas /Agitado no meio do universo!”, o livro sugere uma “espera inversa” como a que está no desenho do mapa de uma América do Sul de ponta cabeça feito por Torres García. E assim ele escreve no poema que tem como título o nome do artista-pensador uruguaio:
se a espera é inversa do mar do sul ao do norte em círculo, recusa e conversão o que domina a pais agem é uma es
pécie de capitão-do-mato comedor de pequenas ilusões espaciais
Essa desestrutura, desnorte e revirada, que vem na imagem de uma ossada, estrutura acabada ou abando-nada, esse corpo vazio e sem alma expandido para algu-mas “ilusões espaciais”, nos convida a ler e ver uma poesia sem mesura em meio a uns enganos centralizadores do que se costuma chamar ainda nacionalmente de “brasi-leira” e, ao mesmo tempo, nos aponta também um cará-ter de “verdade parcelada”, a que não tem extremidades de língua, margem, litoral, sombra e imaginação crítica. Perder a ideia de centro – “deixar todo centro vazio e dis-ponível” – é um pouco do que vem no gesto de Josoaldo com o poema. Como propõe o que lhe aparece linha a linha como um rosto distante exatamente no desvio que esse desenho de Torres García nos projeta como impasse num jogo com o horizonte.
Assim, o que temos, como livro, é uma série de recomposição do esqueleto e das vísceras em poemas portáteis, não apenas porque pequenos ou rápidos, quase todos, mas porque são forjados com uma força e uma intermitência do mínimo, quando “a poesia ema-ranhada na cultura” dispara modulações e contrastes ainda impensados e quase invisíveis. Tanto é que quase no início do livro ele aponta, no pequeno Planisfério, para essa viragem:
O múltiplo das pequenas coisas – a pergunta que é trama e espuma na pena capital.
Josoaldo, com esse livro agora, esse Carcaça, numa partilha com seus 3 livros anteriores, reelabora mais uma vez e como sempre tem procurado fazer, de outra maneira, uma postura política silenciosa, leve e muito pertinente com os artifícios de um pensamento que vem não só de suas pesquisas como professor do curso de Geografia [ufma], mas também a partir delas para reani-mar os sentidos do poema com experiências desobedien-tes que abrem e reabrem a língua contra essa forma batida de apenas dizer sem inventar outra terra, outros mundos. Por isso o seu fare la festa diante do poema tem outros encantos e todos os seus livros, assim como esse agora [e daí vem a ideia dessa “carcaça”, como sobra e distância], são aberturas muito sensíveis com as formas de ler e de imaginar perspectivas para alguma ou qual-quer esperança possível, por mínima e invisível que nos
seja. Em Antifesta nos apresenta um bom exemplo dessa “espera inversa”:
Deve ser pouco, mais ou menos isso, o que sobra e não tem mais solução O que está claro de imaginar. A boca em desamparo, sem reflexo e ainda cheia de possibilidades Leves, vazios, achados em
círculos e carregados duma potência de existir, terra arrasada, os lugares imaginários de qualquer infância Por querer sempre mais. Muitos quixotes atrás do método de recom posição das sombras
Passa, qual fora o coração das trevas Agitado no meio do universo!
jauára ichê
O mundo não acaba em tuas mãos A borda da dobra é frouxa
Da Anatólia vês o Piauí Do Pantanal, a Antuérpia
torres-garcía
se a espera é inversa do mar do sul ao do norte em círculo, recusa e conversãoo que domina a pais agem é uma es
pécie de capitão-do-mato comedor de pequenas ilusões espaciais
planisfério
O múltiplo das pequenas coisas – a pergunta que é trama e espuma na pena capital