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Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 55099-16.8YIPRT.L1-6 Relator: CRISTINA NEVES

Sessão: 12 Outubro 2017 Número: RL

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: IMPROCEDENTE

CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO

TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS

Sumário

– Compete aos tribunais tributários, o conhecimento de acção em que uma empresa concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água pretende cobrar consumos por um contador «totalizador» que precede os contadores “divisionários”, no âmbito do serviço público prestado, relação jurídica que é regulada por normas de direito publico tributário.

(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Parcial

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO:

A… S.A. intentou procedimento de injunção contra C... S.A., para cobrança da quantia de € 6.047,56, alegando que

1– A Requerente (Rte) e o Requerido (Rdo) celebraram o contrato n.º 1985070117834 (comImp. Selo pago), por força do qual a primeira pode faturar ao segundo o serv. de fornecimento de água prestado pela Rte ao prédio da Av. Salgueiro Maio, 1025 Pq Cotai Padrão, Mato Cheirinhos, em S.

Domingos Rana, correspondente à diferença entre o total de água medido pelo

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conjunto dos contadores divisionários instalados naquele prédio e o total de água medido por contador totalizador (vulgo, contador padrão) instalado no mesmo prédio, ao abrigo do supra indicado contrato. Fornecida a água e verificada aquela diferença, foram emitidas e enviadas pela Rte as faturas infra ao Rdo, que estão vencidas e por pagar, desde as suas datas de vencimento:

N.º Doc. Data Emis. Data Venc. Valor EUR

201510995534 18-11-2015 03-12-2015 1.540,13 201610052354 20-01-2016 08-02-2016 1.543,00 201610235701 22-03-2016 11-04-2016 1.593,45 201610302825 18-04-2016 06-05-2016 971,11

2– O Rdo não pagou as faturas e entrou em mora (arts. 805º, nº2, a) e 806º, do CC) e sendo um crédito de empresa comercial, a Rte tem direito a juros de mora à taxa de 7,05% (Aviso n.º 8266/2014, de 16/07/2014, publicado no DR, 2ª Série, da Direção-Geral do Tesouro e Finanças), consoante os períodos de mora a que sejam aplicáveis, desde a data de venc. das

faturas até integral pagamento.

3– O Rdo deve pagar à Rte 5647,69€ de capital, 93,12€ de juros de mora vencidos calculados até 18/05/2016, juros vincendos até integral pagamento, 153,75€ (c/IVA) de despesas de cobrança, e o valor da taxa de justiça paga.”

Notificada para pagar ou deduzir oposição, veio o R. ora recorrido, alegar que procedeu à denúncia deste contrato por carta de 22/01/2015, recebida pela A.

em 27/01/2015, sendo as facturas em apreço posteriores a esta denúncia aceite pela A. e devolvidas pela R. Impugna ainda as referidas facturas

alegando que a requerente não pode exigir o pagamento de quaisquer custos respeitantes a alegadas diferenças entre os contadores utilizadores e os contadores divisionários.

Remetidos os autos à distribuição, como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, foi proferido despacho em 15/09/2016, ordenando a notificação do teor da oposição à requerente, afim de se pronunciar em 10 dias, considerando que esta continha matéria de excepção.

Com data de 22/09/2016 veio a requerente apresentar articulado de resposta à excepção de extinção do contrato de fornecimento respeitante ao contador totalizador e no mais, alegando que não pode ficar impedida de proceder à cobrança dos valores diferenciais que venham a ser apurados em resultado da comparação da mediação do contador totalizador com o conjunto dos

contadores divisionários.

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Após, foi proferido despacho em 26/10/2016, com o seguinte teor:

“Da junção do contrato pela R. e da resposta da A. conclui-se que o contador dos autos é um contador padrão ou totalizador, a A... SA, empresa

concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água ao concelho de Cascais, intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra C... SA, pedindo o pagamento de facturas que se veio a revelar serem relativas a contador totalizador ou padrão.

Cumpre, agora, apreciar e decidir se este Tribunal é materialmente

competente para conhecer da acção, conhecimento este que pode/deve ser oficiosamente efectuado pelo Tribunal.

A competência do Tribunal, enquanto pressuposto processual, afere-se pela natureza da relação jurídica tal como o autor a configura na petição inicial, isto é, do confronto entre a causa de pedir invocada e a pretensão deduzida.

Assim, a competência do Tribunal (mormente em razão da matéria) apenas terá de ser analisada à luz da pretensão do autor e nos precisos moldes alegados.

A competência material dos Tribunais Judiciais é determinada, não só pelo critério da atribuição positiva, mas também pelo critério de competência residual, isto é, também lhe cabe apreciar todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Por seu turno, compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – artigos 212º nº 3 da CRP e 1º nº 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

No caso dos autos, tendo presente a relação contratual estabelecida, e sendo o contador totalizador uma unidade de contagem (instrumento de medição) instalada, por iniciativa e no interesse da entidade fornecedora da água, em local onde se encontram instalados vários contadores diferenciais (neste caso num condomínio) e destinam-se a detectar perdas ou a medir consumos não detectados pelos contadores diferenciais instalados em cada uma das

fracções.

Resulta do disposto no artº 66º nº3 do DL 194/2009 de 20 de Agosto que “Em prédios em propriedade horizontal devem ser instalados instrumentos de medição em número e com o diâmetro estritamente necessários aos consumos nas zonas comuns ou, em alternativa e por opção da entidade gestora,

nomeadamente por existir reservatório predial, podem ser instalados

contadores totalizadores, sem que neste caso o acréscimo de custos possa ser imputado aos proprietários” - sublinhado nosso.

Tal contador não tem como função medir o consumo de água (e não o mede),

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medindo apenas a quantidade global de água que entra no prédio, sendo a cobrança de água, nestas circunstâncias, imposta pela fornecedora de água ao consumidor final, sendo que os conflitos a dirimir resultantes da instalação de um contador destas características devem ser dirimidos pela jurisdição

especializada dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do disposto no artº 4º nº1 do ETAF, nas suas diversas alíneas, mas em especial na sua alínea d).

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 25-06-2013 (Processo nº 033/13, relatado por Rosendo José, integralmente disponível em

www.dgsi.pt), “ Compete aos tribunais tributários o conhecimento de acção em que uma empresa concessionária do serviço público municipal de

abastecimento de água pretende cobrar o «preço fixo» e consumos por um contador «totalizador» que precede os contadores das fracções e das partes comuns de um condomínio, por estarem em causa tarifas, taxas e encargos com exigências impostas autoritariamente em contrapartida do serviço público prestado, relação jurídica que é regulada por normas de direito público tributário” – no mesmo sentido se decidiu, ainda, nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos nº038/13 de 18.02.2013, relatado pelo Sr. Cons. Paulo Sá; nº 039/13 de 05.11.2013, relatado pelo Sr. Cons. Rui Botelho e nº 045/13 de 29.01.2014, relatado pelo Sr. Cons. Costa Reis.

Entende-se, pois, que a ordem administrativa e fiscal é a competente para conhecer da presente acção, o que importa a exclusão da competência (residual) deste Tribunal.

Neste entendimento, ao abrigo das normas legais citadas e, ainda, do disposto nos artigos 96º, 97º, 98º, 99º, 278º nº 1 al. a), 576º nºs 1 e 2 e 577º al. a), todos do CPC, verifica-se a incompetência absoluta deste Tribunal Judicial, em razão da matéria, que constitui excepção dilatória de que se pode,

inclusivamente, conhecer ex officio, e que determina a absolvição dos RR. da instância.

Por todo o exposto, julgo verificada a excepção dilatória da incompetência deste Tribunal, em razão da matéria, para preparar e proferir decisão nos presentes autos e, consequentemente, absolvo a R. da instância.

Custas pelo A.

Notifique e registe.”

Não se conformando com a decisão, dela apelou a A. ora recorrente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“Conclusões:

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a)-A ora Recorrente não concorda com a sentença recorrida, proferida pelo tribunal “a quo”;

b)-Uma vez que considera, que, subjacente à questão em controvérsia, nos autos, não há uma relação jurídica administrativo-tributária;

c)-Tendo sido definido pela Autora, ora Recorrente, o objecto do litígio suscitado nos autos, relacionado com a sua pretensão formulada, de pagamento pela Ré, ora Recorrida, dos serviços de fornecimento de água efectuados pela primeira, enquanto prestador, à segunda;

d)-E portanto, estar-se perante um objecto do litígio resultante do

incumprimento por parte da ré, ora Recorrida, enquanto consumidora ou utilizadora final do correspondente contrato de fornecimento celebrado pelas partes, relativo ao preço devido por aquela prestação;

e)-Referindo-se, assim, o objecto do litígio a contrato sinalagmático de que derivam obrigações de cumprimento de prestações por ambas as partes;

f)-O qual não é atingido por uma regulação de direito público;

g)-Não existindo relação jurídica administrativo-tributária;

h)-Antes resultando numa relação de direito privado, submetida aos Tribunais Comuns;

i)-Ainda que a entidade fornecedora seja uma entidade pública ou uma concessionária;

j)-Assim, sendo, é de concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio dos autos é a jurisdição dos tribunais comuns, judiciais;

k)-Pelas razões supra indicadas, o entendimento do Tribunal “a quo” não foi o correcto e adequado;

l)-Sendo inaceitável;

m)-Resultando tal entendimento, claramente, de um erro de apreciação e de aplicação do Direito ao caso vertente;

n)-Pelo que não podia, como fez o Tribunal “a quo”, considerar-se incompetente materialmente para apreciar o litígio dos autos;

o)-Nem decretar a verificação da excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal “a quo” para a causa;

p)-Pelo supra exposto, deverá o presente Recurso merecer provimento e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada.”

Não foram interpostas contra alegações.

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad

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quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1]

Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de

conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos

suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil).

Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam- se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, a questão a decidir consiste na

a)-atribuição de competência para o conhecimento das acções interpostas por empresas concessionárias do serviço público pelas quantias resultantes da diferença entre o total de água medido pelo conjunto dos contadores

divisionários instalados naquele prédio e o total de água medido por contador totalizador, aos tribunais comuns, ou aos tribunais tributários, conforme

defendido pela decisão recorrida.

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A matéria de facto a considerar é a constante do relatório acima elaborado.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Insurge-se o recorrente da decisão que absolveu a recorrida da instância por incompetência material dos tribunais comuns, alegando que, ao contrário do defendido pela decisão recorrida, não está em causa uma relação de natureza administrativa, mas um contrato de fornecimento de água celebrado com a R., resultando numa relação de direito privado, submetida aos Tribunais Comuns.

a.-Definição da competência em razão da matéria, numa acção interposta para cobrança dos serviços de fornecimento de água prestados ao consumidor pelo concessionário da rede e resultantes da diferença entre o contador totalizador e os contadores divisionários;

Invoca a decisão recorrida que, “tendo presente a relação contratual estabelecida, e sendo o contador totalizador uma unidade de contagem

(instrumento de medição) instalada, por iniciativa e no interesse da entidade fornecedora da água, em local onde se encontram instalados vários contadores diferenciais (neste caso num condomínio) e destinam-se a detectar perdas ou a medir consumos não detectados pelos contadores diferenciais instalados em cada uma das fracções.

Resulta do disposto no artº 66º nº3 do DL 194/2009 de 20 de Agosto que “Em

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prédios em propriedade horizontal devem ser instalados instrumentos de medição em número e com o diâmetro estritamente necessários aos consumos nas zonas comuns ou, em alternativa e por opção da entidade gestora,

nomeadamente por existir reservatório predial, podem ser instalados

contadores totalizadores, sem que neste caso o acréscimo de custos possa ser imputado aos proprietários” - sublinhado nosso.

Tal contador não tem como função medir o consumo de água (e não o mede), medindo apenas a quantidade global de água que entra no prédio, sendo a cobrança de água, nestas circunstâncias, imposta pela fornecedora de água ao consumidor final, sendo que os conflitos a dirimir resultantes da instalação de um contador destas características devem ser dirimidos pela jurisdição

especializada dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do disposto no artº 4º nº1 do ETAF, nas suas diversas alíneas, mas em especial na sua alínea d).”, concluindo afinal pela incompetência absoluta dos tribunais comuns.

Tal decisão foi tomada sem qualquer audição prévia de requerente e requerida e sem que a questão tivesse sido suscitada nos autos, em clara violação do disposto no artº 3 nº3 do C.P.C., incorrendo pois em nulidade (secundária) que, por não invocada (ao contrário das principais), nos não cumpre conhecer.

Posto isto, vejamos se a interpretação feita pelo tribunal recorrido é de manter:

A determinação da competência do tribunal, em razão da matéria é um

pressuposto processual que deve ser apreciado em face dos factos elencados na petição inicial e da pretensão que em concreto é formulada pelo A.(s) nessa peça processual e que conduz, caso seja reconhecida à absolvição da parte da instância (artºs 96 a) e 99 nº1 do C.P.C.).

Neste âmbito, dispõe o artº 211 da Constituição da República Portuguesa que,

“Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”

Por sua vez, dispõe o artº 212 nº3 da Constituição da República Portuguesa que “3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

Em comentário a este nº3, refere GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA ( Constituição da República Anotada, 3.ª ed., p. 815): «Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras:

1)-as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo

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menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração);

2)-as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou

“jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico- administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas

disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal».

Por sua vez, VIEIRA DE ANDRADE (in A Justiça Administrativa, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 55) perfilha idêntico entendimento: «Esta questão sobre o que se entende por “relação jurídica administrativa”, sendo fulcral, devia ser resolvida expressamente pelo legislador. Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica

administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração […]».

A este respeito, refere-se ainda Ac. da R. Lisboa de 20/04/2010, proferido no Proc. nº 173/09.7 “Poder-se-á também afirmar que este tipo de relação jurídica pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público (Marcelo Caetano, Manual, I (10ª ed.), pg.44).

Trata-se dos chamados actos de “gestão pública” da Administração.

(…) Daí que, no domínio da aplicação do actual ETAF, se tenha entendido, em alguns arestos, que, na prática, os conceitos de gestão pública e de gestão privada continuam a constituir a base da delimitação da jurisdição

administrativa. Marcelo Caetano, para distinguir gestão pública da gestão privada, entendia “por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorre sob a égide do Direito Privado; como o Direito Público que disciplina a actividade da Administração é quase composto por leis administrativas, pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da

Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito” (cf. Manual, 9ª edição, 1983, II - pg.1222). Para o Prof. Antunes Varela (in "Das Obrigações em Geral", Vol. I, 2ª Ed., pags. 454 e nota 538), actos de gestão privada são, por contraposição aos actos de gestão pública, aqueles que, embora

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praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado, ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam se fossem praticados por particulares, ou seja, aqueles em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como simples particular, despido do poder público, referindo-se, em regra, a relações de carácter patrimonial. Para o Prof. Vaz Serra (in R.L.J., Ano 103º/350-351), se o acto se compreende numa actividade de direito privado da pessoa colectiva pública, da mesma natureza da actividade de direito privado desenvolvida por um particular, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão privada; se, ao invés, o acto é praticado no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas, mas não nas formas para a realização de interesses de direito civil, o caso é de acto praticado no domínio de actos de gestão pública. Assim,

conforme definição avançada no Ac. da Rel. de Lisboa, de 08.02.01 (Des. Dias Cordeiro) - Col. - 1º/108 -, poderão ser considerados como actos de gestão pública os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam o exercício de meios de coerção, sendo actos de gestão privada os praticados por órgãos ou agentes da Administração, em que esta surge desprovida do poder público, ou seja, numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, isto é, nas mesmas condições e no mesmo regime em que procederia um particular, com inteira submissão às normas de direito privado.”

Com efeito, a competência material está ligada à defesa de interesses de ordem pública, pelo que o seu conhecimento deve preceder qualquer outro, podendo ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão sobre o fundo da causa, nos termos dos art.os101.º, 102.°, n.° 1, 288.°, n.° 1, a), e 494°, a), do Código de Processo Civil.

A atribuição da competência em razão da matéria será daquele tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados

“tribunais comuns” (Cf. Acs STJ de 27.05.03, Proc. n.° 03A1376 e de 11.12.03, Proc. n.° 03B3845, disponível em http://www.dgsi.pt).

Assim, o poder jurisdicional encontra-se dividido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias suscitadas perante eles (art. 37.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário-Lei 62/2013 de 26 de Agosto).

Nos termos do disposto no artº 40 da Lei 62/2013 de 26/08 “1 - Os tribunais

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judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

2 – A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.”

Por sua vez, no que se reporta aos tribunais administrativos, dispõe o artº 4 nº2 do ETAF que “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

a)-Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

b)-Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

c)-Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;

d)-Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;

e)-Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;

f)-Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;

g)-Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de

regresso;

h)-Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;

i)-Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;

j)-Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;

k)-Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens

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constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades

públicas;

l)-Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo;

m)-Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;

n)-Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;

o)-Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. (…)”

Entendeu o tribunal recorrido que a questão em causa se subsume às diversas alíneas do nº1 deste preceito legal, em especial à alínea d) do nº1 do artº 4 do ETAF, por da relação controvertida resultar que o conflito a dirimir decorre da instalação de contador totalizador, imposto pelo concessionário ao consumidor, sendo assim do âmbito material dos tribunais administrativos e fiscais, mais concretamente dos tributários.

A recorrente A... S.A., é a concessionária do Sistema Municipal de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de Cascais, na sequência de

concurso público internacional, lançado pela Câmara Municipal de Cascais, ganho pelo consórcio formado pelas empresas A... S.A., A... S.A., E... S.A., E...

S.A. (posteriormente designada por Q... S.A.) e O... S.A. (posteriormente

incorporada na sociedade S… S.A.) e objecto posterior de alterações tendo em conta o D.L. 194/2009 de 20 de Agosto.

Veio este Decreto Lei regular o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, regime este objeto de alterações, através da publicação do Decreto-Lei nº 92/2010, de 26 de julho, da Lei nº 12/2014, de 6 de março, e do Decreto-Lei nº 114/2014, de 21 de julho, salientando-se a preocupação do legislador no que concerne à decomposição, na fatura aos utilizadores finais, das componentes de custo associadas aos serviços em alta [neste caso prestados pela E.. S.A. e Á... e à cobrança dos valores faturados pelas Entidades Gestoras (EG) desses serviços em alta.

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Em 2013 foi publicado o Decreto-Lei nº 92/2013, de 11 de julho, que define o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos.

Por sua vez, em 2014 foi publicada a Lei nº 10/2014, de 6 de março, aprova os estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR).

Neste quadro, a ERSAR “(…) é uma entidade administrativa independente com funções de regulação e de supervisão, dotada de autonomia de gestão,

administrativa e financeira e de património próprio e que se encontra adstrita ao ministério com atribuições na área do ambiente”, tendo “(…) por missão a regulação e a supervisão dos setores dos serviços de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos

urbanos”.

Neste contexto, a concessão obtida pela recorrente A... S.A., no concurso público internacional acima referido, teve por objeto a exploração e gestão conjunta dos serviços públicos municipais de captação, tratamento e

distribuição de água para consumo público, tendo em 31 de março de 2010, o Contrato de Concessão sido aditado, passando o objeto da concessão a incluir a exploração e gestão conjunta da manutenção do sistema de águas pluviais do município. (informação retirada do Relatório de Gestão e Contas de 2016 da referida empresa).

Por força do acima exposto, sendo a recorrente uma empresa privada, por via deste contrato de concessão e de acordo com o regime legal aplicável, passou a actuar em substituição do município, munida dos poderes que lhe estão atribuídos nesta área, prestando um serviço público de captação, tratamento e distribuição de água no município de Cascais, serviço este definido como

“essencial”, incluído pois nos poderes de gestão pública, sendo este um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.

Encontrando-se peticionadas nos autos quantias respeitantes aos alegados consumos de água pela recorrida correspondente à diferença entre “o total de água medido pelo conjunto dos contadores divisionários instalados naquele prédio e o total de água medido por contador totalizador (vulgo, contador padrão) instalado no mesmo prédio, ao abrigo do supra indicado contrato”, em causa não está uma relação jurídica de natureza privada, mas antes de

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natureza pública, a que cabem normas de direito público, que subtraem este litígio do âmbito material dos tribunais comuns.

Conforme se refere no Acordão do Tribunal de Conflitos de 25/06/2013, Proc.

nº 033/13 relatado por Rosendo José e referido na decisão recorrida “A

colocação de um contador totalizador, para além dos contadores das fracções e das partes comuns, a cobrança de uma quantia fixa por este contador e os fins e a forma de cobrar encargos por este equipamento fazem também parte de disposições pré-existentes ou determinadas unilateralmente, fora do

controlo da vontade do consumidor e portanto, uma imposição unilateral (…).

Podemos assim concluir que a A. ao pedir a condenação dos RR a pagar as tarifas e encargos com fornecimento de água ao Condomínio estava a exigir e cobrar um crédito cuja formação assenta em tarifas, encargos e

eventualmente taxas que são a final estabelecidas pelo detentor do exclusivo do serviço, o Município de Fafe, segundo poderes e normas de direito

administrativo, pelo que a matéria cabe na previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF como matéria submetida aos tribunais administrativos e fiscais.

Assim como cabe igualmente na al. f), visto da perspectiva do contrato em cujo âmbito surge a cobrança do serviço, já que como se viu, existem normas de direito público que regulam aspectos específicos do respectivo regime substantivo. (…) A imposição deste encargo a estes contadores reveste a natureza de questão fiscal por resultar de “resolução autoritária que impõe aos cidadãos o pagamento de uma prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”. Igualmente a questão de saber se é devida a tarifa pela água contada por um contador totalizador colocado fora e antes do circuito dos contadores dos consumidores de um prédio em regime de propriedade

horizontal releva de normas legais e regulamentares sobre a prestação deste serviço público que são normas de direito público e extravasam do regime comum dos contratos. Além disso são matérias que relevam da natureza fiscal segundo o critério que acaba de enunciar-se. Aliás, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário parece aceitar esta competência tal como decorre do recente Acórdão de 10-04-2013,

P. 015/12, onde se decidiu:

“No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento

(14)

público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei

equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.

É esta jurisprudência (práticamente) unânime, conforme decisões já invocadas em parte pelo tribunal recorrido - Acordão do Tribunal de Conflitos proferido em 25.06.2013, no âmbito do processo n.º 1554/13.7BEBRG (Conflito nº 33/13) e ainda os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 09.11.2010 (conflito nº 17/20), de 26.09.2013 (conflito nº30/13), de 05.11.2013 (conflito nº39/13), de 18/12/2013 (conflitos n.ºs 038/13 e 053/13), de 29/01/2014 (conflito n.º 45/13), de 19/06/2014 (Conflito nº 022/14 relatado por José Augusto Oliveira) e de 25.11.2014 (conflito nº 40/14), de 19/01/2017 (Conflito nº 04/16), de 31/05/2017 (Conflito nº 0441/17) bem como Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/11/2015, relatado por Pedro Delgado, Proc. nº 1024/14, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).

Com interesse para a atribuição de competência, refere-se ainda neste último acórdão “A autora e ora recorrente é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de (…) e nessa medida, actua em

substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área. Daí que, como se consignou na supra citada jurisprudência do Tribunal de Conflitos (A que se adere sobretudo pela importância da uniformidade na interpretação e aplicação da lei, que encontra consagração no art.º 8º, nº 3, do Código Civil) e nomeadamente no Acórdão de 25.11.2014, proferido no

processo 40/14, «Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido - neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79.”

Conclui-se pois pela competência material dos tribunais tributários e não do tribunal comum, pelo que a apelação improcede no seu todo.

DECISÃO.

(15)

Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa 12 de Outubro de 2017

Cristina Neves Manuel Rodrigues Ana Paula A.A. Carvalho

[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.

[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No

mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433,

de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

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