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ANDREA SCHESCHOWITSCH AULAS MISTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR -

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Academic year: 2021

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AULAS MISTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR - UM ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso de Licenciatura em Educação Física, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Dr. Maria Regina Ferreira da Costa

CURITIBA 2002

(2)

SUMÁRIO

RESUMO... iii

1.0 INTRODUÇÃO... 1

1.1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA... 1

1.2 JUSTIFICATIVA... 3

1.3 QUESTÕES NORTEADORAS... 6

2.0 REVISÃO DE LITERATURA... 7

2.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS... 7

2.2 GÊNERO... 11

2.3 EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA...19

3.0 METODOLOGIA...33

3.1 ESTUDO DE CASO... 33

3.2 CASO ESTUDADO... 35

4.0 RESULTADOS E DISCUSSÃO... 38

5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...48

ANEXOS ... 50

ii

(3)

Este estudo teve como finalidade analisar quais fatores de gênero dificultam e limitam as aulas de Educação Física na 6a série “B” do Colégio Estadual Professor Loureiro Fernandes. Para isto foram utilizados textos referentes aos Parâmetros Curriculares Nacionais e que tratam das questões relativas aos gêneros feminino e masculino. Seguidos de um estudo de caso. Com a base bibliográfica procurei justificar e analisar as questões observadas durante um período de dois meses, totalizando dez aulas da turma acima citada. As observações foram pautadas em três aspectos: - as atividades desenvolvidas; - o relacionamento entre meninos e meninas; - participação de alunos e alunas nas aulas. Pude constatar que as atividades desenvolvidas e praticadas mostraram-se polarizadas entre os sexos. Também ficou evidente a desmotivação e inatividade por parte do sexo feminino nas aulas. Foram observados poucos conflitos agressivos entre meninos e meninas, porém em alguns momentos ficaram evidentes as relações de poder sobre o sexo feminino. Com base nas observações e na entrevista realizada com a professora ficou evidente a falta de aprofundamento por parte dela, no que diz respeito às questões de gênero, reforçando assim através do currículo oculto, os estereótipos sexuais e conseqüentes desigualdades por eles proporcionadas.

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1.0 INTRODUÇÃO

1.1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O tema gênero em Educação está sendo cada vez mais valorizado, estudado e compreendido. Apesar deste avanço, muito pouco se sabe além do senso comum nos cursos de graduação, principalmente no caso da Educação Física. Gênero muitas vezes é confundido com sexo, mas as duas palavras têm significados diferentes. Enquanto sexo significa a identidade biológica, gênero está ligado à construção social da pessoa como sujeito feminino ou masculino. Como coloca LOURO (1997), o gênero é uma construção social e histórica tratando-se de um conceito plural que varia de acordo com cada sociedade, época, classe, religião e idade.

Com os avanços nos estudos feministas, foram ocorrendo lentas mudanças na sociedade. Estas aos poucos começaram a se refletir também no meio escolar. As escolas passaram a ter aulas mistas1 e o mesmo aconteceu com a Educação Física algum tempo depois. Esta inovação permitiu o aparecimento de conflitos de gênero nas escolas. Até então não meninos e meninas não ocupavam os mesmos espaços ao mesmo tempo. Desta forma como não se relacionavam os conflitos nas escolas eram inexistentes, porém fora dela, nos espaços em que ocorria a interação, muitas vezes esta já era conflituosa. Na escola, com as aulas mistas os conflitos passaram a dificultar a atuação dos docentes que somente reforçavam os estereótipos de gênero e as diferenças. A falta de aprofundamento no tema dificultava e ainda dificulta o entendimento das questões cotidianas. Com as novas dificuldade enfrentadas pelos professores e professoras, começou-se a questionar novamente a idéia de aulas separadas por sexo. Muitos deles(as) utilizaram-se de atitudes sexistas, baseadas nas diferenças biológicas acreditando que seria melhor (mais fácil na verdade) trabalhar

1 Aula conjunta entre os dois sexos (feminino e masculino).

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resolvidos.

Esta preferência em trabalhar com turmas separadas por sexo é ainda muito grande hoje em dia. Nos cursos de formação de professores(as), são escassas ou superficiais as discussões sobre as questões de gênero, como acontece com tantos outros assuntos que deixam os docentes com certas deficiências que dificultam suas atuações nos mais diversos ambientes de trabalho. ABREU (1995) tem percebido esta falta de abordagem e problematização das questões de gênero na formação dos(as) profissionais. Com um embasamento muito fraco, fica clara a preferência dos docentes em atuarem com turmas separadas por sexo, uma vez que neste tipo de aula os conflitos existentes entre os dois sexos não aparecerão, facilitando a atuação destes(as) profissionais. O maior problema neste tipo de aula parece ser a realidade momentânea criada, onde tudo corre bem, sem problemas entre meninos e meninas. Porém ao retomarem para as salas de aula (onde as contradições também acontecem, mas de forma mais sutil) e para o convívio em sociedade (onde notadamente o preconceito existe), os problemas estarão vindo à tona, e os(as) alunos(as) não terão tido oportunidade de discutir, entender e aprender a lidar com conflitos deste tipo.

Por isso é importante que os(as) professores(as) trabalhem com aulas mistas, confrontando os estereótipos e propiciando oportunidades iguais de aprendizado e participação para ambos os sexos, nem que para isso seja necessário trabalhar com meninas e meninos separados em alguns momentos.

É necessário ressaltar que há diferenças tanto entre os dois sexos, quanto entre os indivíduos do mesmo sexo, logo, nem todas as meninas terão as mesmas facilidades e dificuldades, sendo que o mesmo acontece com os meninos. Os meninos costumam sofrer, devido a esta ignorância, uma forte cobrança, principalmente os mais fracos fisicamente, ou menos habilidosos no futebol, pois devido às influências das pesquisas na área biológica que tendem a generalizar, acredita-se que por serem meninos desenvolvem as mesmas características.

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Por tudo isso, acredito ser imprescindível que as aulas sejam mistas, para que se confronte as diferenças aproximando a escola da vida real, e além de mistas as aulas devem ser co-educativas para que seja possível que ambos os sexos recebam as mesmas oportunidades de aprendizagem e participação. Para MORENO (1993, p. 68- 69): co-educar não é justapor na mesma sala de aula indivíduos de ambos os sexos, nem tampouco unificar, eliminando as diferenças mediante a apresentação de um modelo único. Não é uniformizar as mentes das meninas e dos meninos, ao contrário, é ensinar a respeitar a diferença e a desfrutar da riqueza que oferece a variedade.”

Por acreditar em um novo modelo de Educação, em que todos tenham igualdade de oportunidades e no qual a eqüidade esteja realmente presente, considero importante a observação da realidade para posteriormente possuir condições de transforma-la.

Assim, analiso quais fatores de gênero dificultam e limitam as aulas de Educação Física na 6a série “B” do Colégio Estadual Professor Loureiro Fernandes.

1.2 JUSTIFICATIVA

Ao longo do curso de Educação Física, venho percebendo, analisando e compreendendo como se dão as relações de gênero na sociedade, e principalmente nas escolas durante as aulas de Educação Física.

Estas reflexões me levaram a entender como se deu a minha própria formação na escola. As aulas de Ia a 4a Séries eram mistas, inclusive as de Educação Física. O Colégio possuía uma grade curricular que compreendia aulas de horticultura, também mistas até a 4a Série, porém, a partir da 5a Série as meninas tinham aula de bordado, crochê, tricô, corte e costura, culinária, puericultura e boas maneiras enquanto os meninos continuavam a aprender sobre o cultivo da horta e sobre a marcenaria. As aulas de Educação Física eram separadas por sexo a partir da 5a Série, logo os conflitos de gênero só apareciam na sala de aula. E tudo isso se passou e eu nem percebi que estava sendo educada para ser uma “mulher padrão”, ou seja, que soubesse manter uma casa bem organizada, além de fazer bem os trabalhos manuais

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visitas dentro das normas das boas maneiras. Até hoje acredito ter aprendido atividades que acrescentaram a minha formação, mas penso que os meninos também poderiam ter aprendido a culinária e a costura, e as meninas poderiam ter aprendido a montar uma caixa de madeira, ou cultivar bem uma horta.

Já no curso de graduação em Educação Física, durante o Io ano, pouco compreendia as questões de gênero, pois as situações desiguais somente eram percebidas, jamais compreendidas. Lembro-me bem das aulas de futebol em que, por terem menos habilidade, as meninas sempre tinham “vantagens” como, por exemplo, um gol feminino valia dois ou três gois, ou somente as meninas podiam fazer gol. Na época ousava que esta era uma ótima opção para a integração das meninas nas aulas de futebol, mas hoje percebo que esta é uma tentativa válida, mas muito simplista e que não propicia na realidade um melhor aprendizado da técnica para as meninas e às vezes até piora a integração de meninos e meninas, pois os meninos são privados de desenvolverem ainda mais suas habilidades e culpam as meninas por não saberem jogar e “impedirem” que os meninos joguem e façam gois.

Ao ingressar no 3o ano do curso me interessei em entrar para o projeto de gênero para poder entender melhor esse processo complexo que eu começava a perceber em todos os ambientes que freqüentava. Isto também ficou evidenciado nas aulas de prática de ensino, onde eu percebia exatamente o que havia lido nos textos sobre gênero. Na escola em que atuei a professora reforçava estereótipos e não gostava de ensinar as meninas, pois segundo ela as alunas não tinham interesse em aprender as modalidades correspondentes àquele período (Voleibol e Handebol). Nesse sentido gostaria de salientar que interesse realmente a maioria das meninas não tinha, pois diziam não saber fazer ou não conseguir executar, e como a professora não estava interessada em ensinar quem não sabia, a desmotivação para as meninas menos habilidosas era ainda maior, e o mesmo acontecia com os meninos menos habilidosos.

Algumas autoras e autores têm estudado as relações de gênero no na

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Educação Física. Dentre eles destaca-se ALTMANN (1999) que analisou as questões da ocupação do espaço físico escolar, as exclusões em jogos esportivos e o cruzamento de fronteiras de gênero e da sexualidade na escola. Quanto ao espaço, a autora concluiu que os espaços na escola estudada eram ocupados de maneira diferenciada por meninas e meninos. Os meninos ocupavam os lugares de mais difícil acesso e durante o recreio ocupavam uma área maior que as meninas, sendo que eles raramente estavam parados, ao contrario das meninas. As meninas que tinham interesse em jogar futebol durante recreio, eram chamadas de Marias-homem. Durante os jogos competitivos as meninas geralmente não tinham acesso à bola, assim como os meninos menos habilidosos. Em outros momentos, meninos e meninas pareciam aceitar uma aproximação através de jogos com “clima de paquera”. Segundo ALTMAN (1999, p.

116):

..., separar as turmas por sexo é estabelecer uma divisão polarizada entre os gêneros; é exagerar uma generifxcação das diferenças entre as pessoas, desconsiderando variações de gênero e considerando apenas as diferenças de gênero como importante numa aula; é tomar as fronteiras das divisões de gênero mais rígidas do que de fato são e negar a meninas e meninos a possibilidade de cruzá-las; é furtar-lhes de antemão a possibilidade de escolha entre estarem juntos ou separados.

O que se percebe, porém é que apenas o fato de as aulas serem mistas não parece auxiliar na formação dos alunos(as), no que diz respeito ao rompimento das fronteiras de gênero e um melhor relacionamento entre meninas e meninos. Para que este objetivo seja atingido é preciso que os estudos voltados para a mulher, possibilitem a evolução da consciência dos(as) docentes sobre as representações dos estereótipos que são reforçados constantemente nas aulas de Educação Física, de acordo com o que colocam COSTA e SILVA (2001).

Diante destas observações, estudos e vivências, decidi investigar sobre a temática de gênero, especificamente sobre as dificuldades e limitações das aulas de educação física, através de um estudo de caso na 6a série “B” do Colégio Estadual Professor Loureiro Fernandes.

5

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- Como os alunos e alunas da 6a “B” do Colégio Estadual Professor Loureiro Fernandes participam das aulas de Educação Física?;

- Qual é o relacionamento entre meninos e meninas da 6a “B” do Colégio Estadual Professor Loureiro Fernandes?;

- Quais as atividades e como sãos desenvolvidas nas aulas de Educação Física da 6a “B” do Colégio Estadual Professor Loureiro Fernandes?.

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2.0 REVISÃO DE LITERATURA

A Educação é um processo muito amplo e que sofre as mais variadas influências, podendo estas ser diretas ou indiretas. As influências diretas são os valores, os ensinamentos, as ideologias passadas ao indivíduo pela família, religião, escola e comunidade. As influências indiretas são oriundas de meios como a mídia e a própria cultura do povo brasileiro. Ainda sobre as influências diretas, mais especificamente na escola o currículo oculto2 age discretamente, mas reforçando atitudes ou modos de ser e de pensar.

Esta forma paralela de ensino não era percebida até algum tempo atrás, pois a preocupação curricular estava centrada no currículo baseado na cognição, no que era ensinado oficialmente. Para tentar tomar conscientes os ensinamentos do currículo oculto, surgiram as propostas dos temas transversais, que visam a conversão destes temas em matéria educativa. Para que isto seja possível é preciso que seja feito um planejamento dos objetivos a serem atingidos pelos professores (as), baseado na observação sistemática das inter-relações pessoais produzidas nas aulas, e com isso desenvolver atividades concretas que contemplem as necessidades de cada turma.

2.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN’S)

A Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto oferece os PCN’S para secretarias de educação, escolas, instituições de formação de professores(as), de pesquisas e aos demais interessados na educação.

Estes parâmetros são uma proposta de reorientação curricular, que nasceu da necessidade de se construir uma referência curricular nacional, possibilitando aos

2 Para ALTABLE (1998, p. 169) “currículo oculto poderia ser definido como o conjunto de normas e valores inconscientes de conduta, aprendidas na primeira infância e perpetuadas nas escolas através de conteúdos e principalmente através de comportamentos, atitudes, expectativas diferentes dos(as) professores(as) em relação aos alunos e alunas.”

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conhecimentos indispensáveis para a construção de sua cidadania.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais têm, (...) a intenção de provocar debates a respeito da função da escola e reflexões sobre o que, quando, como e para que ensinar e aprender, que envolvam não apenas as escolas, mas também pais, governo e sociedade. (MEC/SEF,

1998a, p. 9)

Têm, portanto a pretensão de ampliar e aprofundar um debate educacional que dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro. Criando condições que permitam aos jovens ter acesso aos conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania. Apontando para a importância de discutir na escola e sala de aula, questões da sociedade brasileira, como as ligadas à Ética, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo, além de outros temas considerados relevantes.

Para isso respeitam as diversidades regionais, culturais, políticas do País, porém buscam também criar referências nacionais comuns à Educação em todo o país.

Para que a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais se concretize nas escolas, é preciso que as mesmas tenham um projeto educativo claro. Este não se caracteriza por um documento formal elaborado no início de cada ano. O projeto educativo de cada escola deve ser elaborado em um processo contínuo de reflexão, oriundo de discussões realizadas pela equipe escolar, buscando escolher os caminhos, as ações que serão tomadas para se atingir um objetivo proposto anteriormente. É o projeto educativo que irá nortear todo o trabalho realizado na escola, este será a base.

Toda escola tem uma proposta educativa, porém quando ela não é consciente, não é clara para o corpo docente e para a comunidade, não é possível realizar um trabalho coletivo, diminuindo assim o crescimento da escola como um todo, seja no que diz respeito aos alunos(as), ou à própria atuação dos(as) professores(as). A organização, reflexão, discussão facilitará o desenvolvimento geral da escola, podendo melhorar em muito o rendimento dos alunos e a mensuração do mesmo. Dentro de um projeto educativo, algumas capacidades devem ser escolhidas para serem desenvolvidas pelos

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alunos, porém os PCN’S recomendam que os professores estejam conscientes de sua atuação profissional, para verificar se esta está condizente com o que espera dos alunos. Os pontos comuns de trabalho da comunidade escolar sugeridos pelo MEC/SEF (1998(a)) são: autonomia, disponibilidade para a aprendizagem, organização do tempo e espaço escolar, seleção de material e avaliação, interação e cooperação, atenção à diversidade.

Dentre todos estes aspectos importantes, destaca-se para este trabalho a atenção à diversidade, por ser um princípio comprometido com a equidade3. A educação escolar somente conseguirá atender às necessidades singulares de determinados alunos, analisar as possibilidades de aprendizagem de cada um e avaliar a eficácia das medidas adotadas, se considerar que todos os alunos são diferentes, e encarar isto como elemento essencial para a aprendizagem.

Assim como é necessária a criação de um projeto educacional, a sociedade também exige que a escola trate de questões que interferem na vida dos alunos e que constantemente estão presentes no dia-a-dia dos alunos. Em algumas disciplinas já era feita alguma abordagem sobre temas sociais relevantes, porém desta forma os temas não eram contemplados em sua complexidade, por serem abordados por uma única área. Surge aí, a idéia dos temas transversais, que como o nome sugere, seria um tratamento transversal de temáticas sociais na escola. Os temas transversais,

...não se constituem em novas áreas, mas num conjunto de temas que aparecem tranversalizados, permeando a concepção das diferentes áreas, seus objetivos, conteúdos e orientações didáticas. MEC/SEF (1998c, p. 65)

Os temas transversais sugeridos pelo MEC/SEF (1998c), através dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o terceiro e quarto ciclos4 do Ensino

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3 Direito de todos os alunos realizarem aprendizagens fundamentais para seu desenvolvimento e socialização.

4 Cada ciclo corresponde a dois anos de escolaridade no ensino fundamental. Portanto se referem à 5aa 8a Séries do Ensino Fundamental.

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- Urgência social: temas que se apresentam como obstáculos para a concretização da cidadania, por impedirem a dignidade das pessoas e deteriorarem a qualidade de vida.

- Abrangência nacional: por se tratar de um plano nacional, os temas escolhidos buscam contemplar questões pertinentes a todo país, apesar das diferenças regionais, podendo as redes estaduais e municipais acrescentar temas mais relevantes à sua realidade.

- Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental: temas que se adequem a aprendizagem nesta etapa de escolaridade

- Favorecer a compreensão da realidade e a participação social: este critério na verdade expressa o objetivo último dos Temas Transversais.

Temas que propiciem uma visão ampla da realidade brasileira e sua inserção no mundo, visando uma autonomia pessoal e conseqüentemente uma participação social.

Os temas transversais escolhidos para 5a à 8a séries foram: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo. São temas que envolvem problemáticas sociais atuais e urgentes, consideradas de abrangência nacional e até mundial, porém esta abrangência não implica em um tratamento igual em todos os lugares, pois as características locais devem ser exploradas, atendendo às necessidades mais significativas na região onde se encontra a escola. Quanto às particularidades da região da escola, é importante lembrar que deverão ser trabalhados temas locais. Por exemplo, se uma escola ou comunidade possui graves problemas com drogas, este assunto deve deixar de ser um item de do tema transversal saúde, e se constituir de um tema específico e mais aprofundado.

Como citado acima, a orientação sexual é uma das sugestões de temas transversais a serem abordados na escola. Este tema tem como objetivo contribuir para que os alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e

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11

responsabilidade. Com este trabalho busca-se garantir direitos básicos como saúde, informação e conhecimento, além de incentivar o respeito a si próprio e ao outro, enriquecendo portanto o processo de desenvolvimento da cidadania participativa dos alunos.

O tema de orientação sexual deve procurar desenvolver as seguintes capacidades em seus alunos(as), de acordo com MEC/SEF (1997, p. 133):

- respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano; - compreender a busca de prazer como uma dimensão saudável da sexualidade humana; - conhecer seu corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como condição necessária para usufruir de prazer sexual;

- reconhecer como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles associadas;

- identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro; - proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores;

- reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir de prazer numa relação a dois; - agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo propositivo na implementação de políticas públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis / AIDS; - conhecer e adotar práticas de sexo protegido, ao iniciar relacionamento sexual; - evitar contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o vírus da AIDS; - desenvolver consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade; - procurar orientação para a adoção de métodos contraceptivos.

A orientação sexual proposta pela Secretaria de Educação Fundamental através dos Parâmetros Curriculares Nacionais é organizada em três blocos:

a) Corpo: matriz da sexualidade.

b) Relações de gênero.

c) Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis /AIDS.

Dentre estes conteúdos o que é mais relevante para o presente trabalho são as questões de gênero.

2.2 GÊNERO

O conceito de gênero esta fortemente ligado à história do movimento feminista contemporâneo. Este movimento social organizado surgiu no Ocidente, no século XIX. Na virada deste século as manifestações contra a discriminação feminina

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ficaram evidentes com o suffagismo, um movimento dirigido para estender o direito de voto às mulheres que até então não o tinham. Aos poucos esta luta foi se disseminando em vários países do Ocidente e desta forma se caracterizou como o início do movimento feminista. Os objetivos deste grupo estavam ligados aos interesses das mulheres brancas de classe média.

No final da década de 60, surge a chamada “segunda onda”. Neste momento o feminismo procurou ir além das preocupações sociais e políticas, voltando-se para a construção de várias teorias. É neste momento que começa a ser problematizado o conceito de gênero, numa tentativa de diferenciar da palavra sexo, que possuía um caráter de determinismo biológico.

As feministas americanas buscaram então um termo que evitasse esta confusão, enfatizando o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo, ao contrário do que o termo sexo predizia.

Desde então vários historiadores(as) vêm tentando teorizar o gênero, porém ficavam muito fixados às referências das ciências sociais, baseadas em explicações causais universais. Estas teorias eram bastante limitadas, por serem reducionistas.

Os estudos iniciais eram notadamente descritivos. Procuravam mostrar as condições de vida e de trabalho das mulheres em diferentes momentos e espaços.

Dentro das abordagens descritivas temos várias definições e conceituações. Uma delas simplifica o termo gênero entendendo-o como sinônimo de mulheres. Após vários estudos que tratavam sobre as mulheres este termo (mulheres) foi substituído por gênero. Isto com o objetivo de obter um reconhecimento político de um campo de pesquisas, em busca da legitimidade acadêmica para os estudos feministas nos anos

80.

A utilização do conceito gênero é mais neutra do que o termo mulheres, sugerindo a seriedade de um trabalho e ajustando-se mais à terminologia científica das ciências sociais, dissociando-se desta forma da política do feminismo. Apesar de parecer mais neutro o termo inclui o sexo feminino, mas de forma mais sutil, sem

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parecer uma ameaça.

Uma conceituação mais ampla entende que além de ser um substituto para

“mulheres” o termo gênero é também utilizado para sugerir que qualquer informação a respeito das mulheres, implicitamente é informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro. Desta forma enfatiza que o mundo das mulheres está contido no mundo masculino, e por ele é criado. O estudo separado sustenta a idéia de que um sexo não interfere no outro, que um nada tem a ver com o outro, dificultando as mudanças necessárias que devem ocorrer na realidade homem /mulher.

Outro emprego se refere às relações sociais entre os sexos, rejeitando explicações baseadas na Biologia que explicam a subordinação feminina, fundamentando-se no fato de a mulher dar à luz e o homem ter mais força muscular.

Assim, este termo passa a indicar construções culturais, ou seja, explica que as determinações de papéis sexuais adequados se dão pela criação social de idéias, é uma imposição social sobre os corpos sexuados.

A expressão gênero foi também muito útil com o aumento de estudos sobre sexo e sexualidade, por ser um meio de diferenciar a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e homens. Seu uso “... enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade” (SCOTT, 1995, p. 76).

Com a abordagem descritiva, não se explica as razões pelas quais as relações de gênero são construídas da forma que são, nem como funcionam ou mudam, apenas diz que as relações são realmente sociais. Dentro desta abordagem o termo gênero passa então a ser um conceito associado às mulheres, sendo um novo tema da pesquisa histórica porém sem um poder de questionamento capaz de provocar mudanças nos paradigmas existentes.

Apesar disso não se pode negar a importância destes estudos iniciais, pois estes tiveram o mérito de transformar as poucas referências às mulheres em tema central, levantaram informações, construíram estatísticas, apontaram lacunas em

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registros oficiais e livros didáticos, enfim tomaram visível aquela que até então era sempre uma nota de rodapé. Estes claramente não eram neutros, e esta foi uma das marcas dos Estudos Feministas, pois eles tinham um caráter político.

Devido à lacuna deixada pela abordagem descritiva, alguns historiadores(as) passaram a buscar teorias que pudessem explicar o conceito de gênero, mas também possibilitando mudanças nos paradigmas do momento. O objetivo era reconciliar a teoria com a história, buscando a causa dos fenômenos estudados, entendendo o como as coisas acontecem e porque que se consegue transformai- dada realidade.

Os(as) pesquisadores(as) feministas se baseiam em três posições teóricas distintas, porém observa-se motivação e interesses comuns entre as(os) estudiosas(os).

A primeira é uma tentativa estritamente feminista que estuda as origens do patriarcado5. É esta posição que cria o chamado feminismo radical tem sua atenção voltada para a subordinação das mulheres, e explicam esta subordinação por uma necessidade masculina de dominar o outro sexo. As teóricas do patriarcado deixaram falhas em suas teorias, embora tenham questionado de forma importante a desigualdade entre os dois sexos. Uma das falhas segundo os olhos dos(as) historiadores(as) é o fato de que

... a análise continua baseada na diferença física, quer a dominação tome a forma da apropriação do trabalho reprodutivo da mulher pelo homem quer tome a forma da objetificação sexual das mulheres pelos homens. Qualquer diferença física assume um caráter universal e imutável, mesmo quando as teóricas do patriarcado levam em consideração a existência de mutações nas formas e nos sistemas de desigualdades de gênero. Uma teoria que se baseia na variável única da diferença física é problemática para os(as) historiadores(as): ela pressupõe um significado permanente ou inerente para o corpo humano - fora de uma construção social ou cultural - e, em conseqüência, a a- historicidade do próprio gênero. (SCOTT, 1995, p. 78)

A segunda se baseia na teoria marxista, buscando um compromisso com as críticas feministas. Segundo Scott (1995) nos primeiros debates das(os) feministas

5 Pode ser compreendido como as relações sociais que determinam a opressão e a subordinação da mulher através do controle da sua capacidade reprodutiva, da sua sexualidade, da sua capacidade de trabalho e da interdição do seu acesso ao poder.

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marxistas as pautas das discussões eram: a rejeição do essencialismo daquelas(es) que sustentavam que a necessidade da reprodução biológica determina a divisão sexual do trabalho sob o capitalismo; o reconhecimento de que os sistemas econômicos não determinam de maneira direta as relações de gênero e que, de fato, a subordinação feminina é anterior ao capitalismo e continua sob o socialismo; a busca de uma explicação materialista que exclua as diferenças físicas naturais. Uma das dificuldades enfrentadas pelas(os) teóricos de gênero marxistas é que o conceito de gênero foi por muito tempo encarado como um subproduto de estruturas econômicas, não possuindo portanto um status analítico independente e próprio como possuíam os(as) teóricos(as) do patriarcado.

Já a terceira abordagem pode ser dividida em pós-estruturalismo francês e teorias anglo-americanas de relação do objeto. Inspira-se nas teorias psicanalíticas para tentar explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito, e para isso se centram nas primeiras etapas de desenvolvimento da criança.

As(os) pós-estruturalistas enfatizam o papel central da linguagem6 na comunicação, na interpretação e na representação de gênero. Tomando como base as leituras estruturalistas e pós-estruturalistas de Freud no contexto das teorias da linguagem, Jacques Lacan foi a figura central para as feministas. Dentro da teoria lacaniana, o inconsciente é um fator decisivo na construção do sujeito e o local da divisão sexual, sendo por esta razão um lugar de instabilidade constante para o sujeito que possui um gênero.

As teóricas das relações de objeto, da Escola Anglo-americana, dão ênfase para a influência da experiência concreta, da realidade vivida, ou seja, o que a criança vê, ouve, e principalmente o relacionamento com os pais. Dentro desta teoria o conceito de gênero fica bastante limitado à esfera familiar e às experiências no lar, deixando uma lacuna aos estudiosos que levam em consideração as fortes influências

6 Para esta linha de estudo, linguagem não significa palavras, mas sistemas de significação (ordens simbólicas) que precedem o domínio real da fala, da leitura e da escrita.

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de outros sistemas sociais, econômicos, políticos e de poder.

No final do século XX, surge uma preocupação teórica com o gênero como uma categoria analítica. Com isso eles(as) foram além da simples oposição masculino/feminino, ou da preocupação com a formulação da identidade sexual subjetiva, levantando agora questões sobre sistemas de relações sociais ou sexuais.

Começa-se a pensar nos processos como estando tão interconectados que não podem ser vistos separados, deixando assim de lado a busca de origens únicas. Por mais que se separe algum problema para se ter um ponto de partida, deve-se ter sempre em mente os processos para que se busque uma explicação baseada no significado e não uma causalidade geral e universal. Para SCOTT (1995) é preciso lidar com o sujeito individual, bem como com a organização social, e articular a natureza de suas inter- relações, pois ambos são indispensáveis para compreender como funciona o gênero e como se dá a mudança. É desta forma que a autora acredita que se consiga buscar o significado.

Uma definição bastante completa sobre gênero, separada em duas partes e diversos subconjuntos que estão inter-relacionados é a de SCOTT (1995). São as seguintes proposições que são o núcleo de sua definição:

(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. (...) Como elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas, o gênero implica quatro elementos interelacionados: em primeiro lugar, os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas (...).

Em segundo lugar, conceitos normativos que expressam interpretações dos significados dos símbolos, que tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas. (...) análise deve incluir uma concepção de política bem como uma referência às instituições e à organização social - este é o terceiro aspecto das relações de gênero. (. . .) O quarto aspecto do gênero é a identidade subjetiva. (SCOTT, 1995, p. 86)

Estes elementos da primeira parte de sua definição necessariamente precisam uns dos outros, não podendo operar separadamente, segundo a autora.

Porém, a teorização do gênero se dá na segunda proposição de sua definição, onde diz que o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.

Explicando ainda que o gênero e um campo no interior do qual ou por meio do qual o

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poder é articulado. Não significando que seja o único campo em que isto acontece, mas uma área muito utilizada em várias épocas no ocidente, nas tradições judaico- cristãs e islâmicas.

A utilização do conceito de gênero vem aumentando desde os primeiros estudos feministas, e cada vez mais passa a ser discutido e entendido, apesar de ainda serem muito poucas as informações sobre este tema, principalmente na formação de educadores e educadoras.

Um dos conceitos mais utilizados mostra então que gênero refere-se à construção social e cultural de representações do feminino e do masculino baseada nas diferenças biológicas dos sexos. Sexo, no entanto, diz respeito apenas às diferenças anatômicas e fisiológicas. O uso do conceito de gênero permite que se abandone o uso do natural como responsável pelas diferenças comportamentais e sociais existentes entre homens e mulheres na sociedade atual, mas sem negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados.

Para LOURO (1997, p. 22) “o conceito pretende se referir ao modo como as características sexuais são compreendidas e representadas ou, então, como são trazidas para a prática social e tomadas partes do processo histórico.”

Com a utilização deste conceito o enfoque nos estudos de gênero passa a ser a relação social, sendo que as análises por mais que ainda priorizem as mulheres, já estão muitas vezes se referindo de forma explícita também aos homens.

Historicamente os homens têm sido privilegiados, uma vez que as mulheres não têm recebido oportunidades iguais de aprendizado, de espaço e conseqüentemente de inserção social, sendo muitas vezes ainda hoje discriminadas por um simples fato biológico: o de ter nascido mulher. Apesar disso hoje já se estuda também a questão do masculino, tentando perceber as dificuldades que os homens tem que enfrentar para se manterem dentro de um padrão que lhes é exigido no modelo androcêntrico7.

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7 Visão de mundo baseada no gênero masculino em que a sociedade é vista apenas a partir de uma perspectiva, a perspectiva masculina.

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Quando ouvimos dizer que homens e mulheres são diferentes, surge a idéia de uma afirmação irrefutável. Claramente pensamos na diferença biológica, mais especificamente na diferença sexual. Na maior parte das vezes em que ouvimos questões como esta, a referência é sempre o homem, e a mulher é sempre a diferente.

A mulher é o outro, e o homem incompleto. Afinal, segundo a própria Bíblia a mulher foi criada a partir da costela de Adão.

Porém não é esta a questão que mais chama a atenção, mas sim a afirmação que freqüentemente se ouve, de que a diferença entre homens e mulheres é boa.

Segundo LOURO (1997, p. 44) “Essa saudação ou elogio à diferença, proferida por homens e mulheres, parece implicar (queiram ou não aqueles/as que a emitem) uma conformação ao status quo das relações entre os gêneros, ou seja, parece indicar que se aceita (...) essas relações tal como elas estão atualmente constituídas.”

As distinções baseadas na Biologia e a diferença entre os gêneros muitas vezes serviram para explicar e justificar comportamentos, habilidades sociais, talentos e aptidões, bem como lugares sociais e possibilidades e “destinos” para cada gênero.

Isto também porque quando ideologizada a diferença pode transformar-se em virtude, e ser então utilizada para determinar o lugar de homens e mulheres. O elogio à diferença acaba por abandonar a universalidade própria e os caracteres próprios do gênero humano, resultando em segregação.

Por outro lado, na tentativa de minimizar a segregação, a relação entre os sexos passa a ser observada pelo equívoco da igualdade. SOARES (1994, p. 264) afirma que:

Homens e Mulheres, mesmo sendo diferentes, são vistos como iguais, desconsiderando-se suas singularidades. A igualdade impõe-se não como aceitação do diferente sem hierarquias, mas pela capacidade que o feminino tem de assemelhar-se e fundir-se ao masculino. A mulher rompe com seu “destino” (...) aceitando como definição de igualitário aquele em que acrescenta a sua própria vida, experiências, atitudes e comportamentos até então culturalmente próprios do universo masculino. O mito da igualdade se expressa na desigualdade, visto que parte da desvalorização do universo feminino... segregando-o.

Surgem aí as críticas em tomo do movimento, pois os críticos queriam saber

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afinal o que queriam as mulheres: igualdade ou diferença.

Na verdade o que se pretendia era a reivindicação que sujeitos diferentes fossem considerados não como idênticos, mas como equivalentes e que possuíssem os mesmo direitos e deveres. O que se busca é uma despolarização dos gêneros, pois a polarização esconde a pluralidade existente em cada um dos pólos, desconsiderando que apesar de as mulheres serem diferentes dos homens, uma mulher é diferente de outra, e o mesmo acontece com os homens. Com a visão polarizada, se exige padrões de comportamento para um grupo, e quem nele está incluído e não se enquadra nos padrões, freqüentemente é excluído, discriminado, desconsiderado. O que se busca atualmente é mostrar que as várias formas de sexualidade e de gênero são interdependentes, afetam umas às outras.

Para que esta desconstrução da polaridade dos gêneros seja possível é importante entender os estereótipos e suas implicações na formação da identidade do sujeito.

O processo de criação dos sujeitos é contínuo e geralmente sutil. São nas atividades do dia-a-dia que as personalidades vão se criando e consolidando. Para que se possa avançar e perceber onde são necessárias as mudanças, é preciso desconfiar daquilo que chamamos de natural, e evitar atitudes que desconfiem de um desvio de personalidade quando alguma criança sai fora do padrão esperado. Por exemplo quando uma menina prefere uma brincadeira mais agressiva e um menino uma mais calma.

2.3 EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA

Reconhecer que a escola não apenas produz ou reflete a concepção de gênero e sexualidade que circulam na sociedade, mas que ela própria a reproduz parece ser indispensável. A escola não transmite apenas os conhecimentos formais, transmite também formas de agir e de ser, tomando-se assim um local em que os sujeitos são moldados. O que acontece porém é que muitas vezes isso ocorre de forma oculta, e na

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maioria das vezes os(as) professores(as) e diretores(as) nem mesmo percebem os valores que são ensinados “sem querer” para os alunos e alunas.

Para os(as) educadores(as) em geral, a preocupação não deveria ser apenas o que será ensinado, mas sim a forma como ensinam e como isso será incorporado pelos alunos(as). A linguagem deve ser sempre vigiada, pois muitas vezes na própria forma de expressar, estamos sendo sexistas, racistas. “A linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças.” (LOURO, 1997, p. 65)

A linguagem demarca e institui os lugares dos gêneros através do ocultamento do feminino e pelos diferenciados adjetivos que são atribuídos aos sujeitos. Também a ausência da fala, em alguns momentos é utilizada para garantir uma norma. Como por exemplo na escola, quando se evita falar sobre questões homossexuais.

O papel do(a) educador(a) nas relações de gênero é de reconhecer as diferenças comportamentais entre meninas e meninos e trabalhar com elas de forma que não sejam transformadas em desvantagens, jamais reforçando estereótipos e propiciando discriminações de qualquer tipo. Lembrando sempre que as diferenças de comportamento de meninos e meninas realmente existem, assim como existem diferenças comportamentais entre os próprios meninos e entre as próprias meninas, ou seja, há uma diferença individual acima de qualquer outra diferença, como a sexual, por exemplo.

Sabe-se, no entanto que ao longo da história foram sendo transmitidos determinados valores e padrões de comportamento diferenciados para mulheres e homens. Os homens foram ensinados a não demonstrar seus sentimentos através de choro, ou de meiguice, enquanto as mulheres sempre foram ensinadas a desenvolverem sua sensibilidade, intuição e jamais a agressividade ou objetividade.

Este tipo de educação através de padrões limita o desenvolvimento da singularidade de cada indivíduo, pois busca uma homogeneidade entre as pessoas, e consequentemente

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nega suas diferenças individuais.

FELIPE (2000) analisou as distinções e expectativas atribuídas aos sexos nas diversas áreas de conhecimento (filosofia, religião, pedagogia, literatura) bem como em diversas instituições sociais, como a igreja e a escola. Segundo ela autores como Rousseau, Michelet e Frõbel defendiam uma educação diferenciada em função do sexo, nos séculos XVIII e XIX. No início do século XX, os manuais de boas maneiras ou de civilidade foram amplamente utilizados e difundidos. Estes estabeleciam uma educação delimitada a partir de diferenças e expectativas de gênero. Assim como as escolas, através de regimentos e da organização e distribuição dos espaços e do tempo, eram e ainda são espaço importantes para a formação de crianças e jovens.

Quem defendia uma educação distinta entre os sexos, baseava-se na idéia de uma “essência ou natureza específica e diferenciada para homens e mulheres”, como coloca MICHELET8 citado por FELIPE (2000, p. 116). O instinto era utilizado com freqüência para justificar as diferenças e automaticamente as desigualdades existentes entre mulheres e homens. A mulher tinha como função no mundo fazer a felicidade do homem, amando e gerando, sendo este o seu dever sagrado. Logicamente deveria ser educada para assim ser.

Outro autor que teve uma publicação intitulada Código do bom tom, foi ROQUETTE9, citado também por FELIPE (2000). Este livro trazia normas de conduta apropriadas para meninos e meninas, sendo sempre diferentes em função do sexo. A única conduta que deveria ser semelhante são as virtudes morais. Segundo o autor as mulheres deveriam ser comedidas e recatadas, e a tudo consentir e calar. O corpo também não poderia expressar nada, tendo sempre atitudes controladas e evitar as proximidades físicas até mesmo com outras mulheres.

Outro manual citado por FELIPE (2000) era o Guia das Escolas Maristas,

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8 MICHELET, J. A mulher. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

9 ROQUETTE, J. I. Código do Bom-Tom ou regras da civilidade de bem viver no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

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que recomendava a observação constante dos meninos, impedindo que conversassem isoladamente em dois ou três. O contato físico era estritamente proibido, bem como manter as mãos no bolso. Quanto a esta última conduta, percebe-se claramente a preocupação quanto à masturbação.

Os meninos e meninas, apesar de tantas regras buscam relacionar-se nos mais diversos ambientes. Esta aproximação entre meninos e meninas não se dá sem conflitos, seja na escola ou em qualquer ambiente em que convivam. Uma educação para a vida dos(as) alunos(as) deveria se preocupar em lidar com estes conflitos evitando com que estas dificuldades de relacionamento sejam encaradas como naturais e inalteráveis. O que se observa na escola, no entanto, apesar dos pequenos avanços, é que:

A escola, como aparelho ideológico do Estado, é responsável por propiciar uma educação que transmite e reforça os padrões de comportamento culturalmente estereotipados, auxiliando na reprodução das desigualdades que existem entre homens e mulheres. A educação mesmo nos dias de hoje, continua conduzindo meninos e meninas para os papéis que a sociedade lhes reserva. (ROMERO, 1994, p. 228)

Os professores(as) gratificam ou punem comportamentos de acordo com o que esperam de cada sexo. Dentro da ótica sexista a avaliação da masculinidade e da feminilidade é constante. Vale reforçar que pelo fato de o(a) professor(a) manter um contato direto com a criança por um longo período de tempo, ele(a) passa a ser um elemento decisivo na formação de seus alunos e alunas, uma vez que veicula idéias, percepções e conceitos formados.

BARROSO10 em ROSEMBERG e AMADO (1992) descreve que quando constatadas as diferenças sexuais nos comportamentos dos(as) alunos(as), o(a) professor(a) deve ficar atento para sua prática e mudá-la se necessário, pois provavelmente esteja contribuindo para a manutenção destas diferenças.

As desigualdades sexuais na escola decorrem de três mecanismos de

10 BARROSO, C. L. M. Diferenças sexuais. Cadernos de Pesquisa, v. 21, p. 47-60, jun.

1977.

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reprodução, de acordo com TOMÉ e BONAL (1998). O primeiro é o currículo explícito. Através dos conteúdos curriculares, devido à direção sempre voltada para o desempenho e por omitirem a experiência das mulheres e sua presença nas mais diversas áreas e na história, inclusive nos livros didáticos onde geralmente as mulheres aparecem como submissas ou em situações do lar apenas. A segunda maneira de reprodução da escola, são as expectativas dos professores(as), pois estes discriminam inconscientemente as meninas apesar de no discurso acreditarem que os tratam de forma igual. O último mecanismo citado pelos autores é a interação nas aulas. Nestas situações as expectativas dos(as) professores(as) também se fazem presentes, uma vez que dedicam mais atenção aos meninos, o que pode ser explicado pela maior facilidade dos meninos em se exporem e participarem das aulas. Também nas relações entre os próprios alunos e alunas ficam evidentes as situações de desigualdade resultantes da polarização dos gêneros. Nos grupos de mesmo sexo, a aquisição de comportamentos sexualmente estereotipados também é visível. Os meninos exaltam a virilidade, a força física e a competitividade enquanto as meninas a preocupação com a estética e o corpo e a assimilação da submissão aos meninos é o que mais se evidencia.

Essas representações de masculino e feminino foram através da repetição constante e força, contribuindo para a construção de uma verdade sobre os gêneros. As condutas foram tão fortemente moldadas, que chegara um momento em que automaticamente tais atitudes saiam de acordo com o esperado pela sociedade. As condutas diferenciadas, foram aos poucos naturalizadas. Ainda hoje, encontramos pessoas referindo-se a formas de agir, baseadas nas atitudes esperadas naquele tempo, o que dificulta a percepção e diferenciação do que é o natural e o que foi incorporado tão profundamente que se confunda com o natural.

É a escola atual que deve assumir para si o compromisso de perceber os estereótipos e trabalhar com eles, buscando desmistificar as condutas específicas para cada gênero.

Dentro da escola, a Educação Física tem um papel importante na constituição

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da identidade de gênero, pois enquanto nas outras disciplinas isto ocorre através de discursos implícitos, nas aulas de Educação Física esse processo é mais claro e evidente. Para entender como se dá este processo no entanto, é preciso entender um pouco sobre a Educação Física em si.

Segundo o COLETIVO DE AUTORES (1992), a Educação Física é uma disciplina que trata do conhecimento de uma área chamada de cultura corporal e busca apreender a expressão corporal como linguagem. E através dela que se integram os alunos(as) na cultura corporal do movimento, visando o lazer, a expressão de sentimentos, afetos e emoções, a manutenção e melhoria da saúde.

Para atingir estes objetivos é preciso romper com o tratamento tradicional dos conteúdos que favorece apenas os alunos(as) que já possuem aptidões, e mudar o eixo da ação pedagógica para a inclusão. A nova metodologia de ensino e aprendizagem deve buscar o desenvolvimento da autonomia, da cooperação, da participação social e da afirmação de valores e princípios democráticos. Com este novo eixo pedagógico a Educação Física escolar incentivará o exercício crítico da cidadania dos seus alunos(as), utilizando-se dos elementos da cultura corporal, ou seja, dos jogos, das lutas, da dança, do esporte e da ginástica, para atingir este objetivo maior que é a cidadania.

Os PCN’S específicos para a Educação Física orientam e direcionam como o trabalho pode ser feito a fim de atingir um maior número de alunos(as) de forma significativa para o pleno exercício da cidadania.

Os princípios que norteiam os PCN’S para a Educação Física no Ensino Fundamental são o da inclusão, da diversidade, e categorias dos conteúdos. A inclusão deve se dar através da participação e de reflexões concretas e efetivas, buscando reverter um quadro comum na Educação Física que é o da seleção dos mais aptos e da exclusão dos menos habilidosos. A questão da diversidade deve orientar as escolhas de conteúdos e objetivos levando-se em consideração as características afetivas, cognitivas, motoras e socioculturais dos alunos(as). Os conteúdos podem ser divididos

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em três tipos: conceituai, procedimental e atitudinal, sendo este último o grande responsável por disseminar idéias, preconceitos através do currículo oculto. Este merece uma atenção especial para evitar que continue reproduzindo por exemplo os estereótipos de gênero, que tomam ainda mais conflituosas as aproximações entre meninos e meninas, gerando discriminação e preconceito.

A questão das construções e reproduções de padrões de comportamento para cada sexo e sua relação com o corpo e a motricidade estão bastante presentes dentro do universo da cultura corporal de movimento, e estão geralmente pautados, como já foi citado no Capítulo referente a gênero, na Biologia e nas referências socioculturais.

“As aulas mistas de Educação Física podem dar oportunidade para que meninos e meninas convivam, observem-se, descubram-se e possam aprender a ser tolerantes, a não discriminar e a compreender as diferenças, de forma a não reproduzir, de forma estereotipada, relações sociais autoritárias.” (MEC/SEF, 1998b, p. 42).

Para poder aproveitar esta oportunidade de propiciar aos alunos e alunas estas vivências que lhe abrirão horizontes e facilitarão o seu exercício da cidadania, é preciso que se entenda um pouco mais sobre os padrões que lhes são exigidos. E para isso utilizo ROMERO (1994) que no artigo “A educação física a serviço da ideologia sexista”, fala sobre a determinação e manutenção dos papéis sexuais iniciados na família e reproduzidos pela escola, e o papel que a Educação Física desempenha neste processo.

Segundo o texto, dentro das diferentes culturas esperam-se atitudes e comportamentos diferenciados para homens e mulheres. Desde a sua concepção o(a) fílho(a) já vai sendo idealizado, dentro de determinados padrões específicos e diferenciados para cada um dos sexos. Assim é no seio da família que se inicia a determinação de comportamentos específicos que mais tarde será motivo para as desigualdades. Quando chegam em idade escolar, as crianças, sofrem um processo semelhante, através de expectativas e impressões de professores.

O treinamento social, como coloca a autora acima citada, é diferente para

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cada sexo e a criança nasce sob o treino socializado, que se iniciou na família e se toma mais rígido à medida que o indivíduo se desenvolve. O menino é incentivado a ser independente, não demonstrar tristeza e nem expressar afeto, revidar de forma agressiva. Enquanto isso a menina geralmente é punida quando tem atitudes como as citadas acima, pois elas devem tomar-se mulheres dependentes, sensíveis, afetuosas e que suprimam impulsos agressivos sexuais. Para que desta forma possam conviver

“harmoniosamente” como os homens fortes, independentes, agressivos, competentes, competitivos e dominantes, obviamente dentro do seu espaço que a elas é reservado, o lar.

É clara a influência de um modelo que ainda persiste; o modelo patriarcal.

Através deste são cultuados valores essenciais como a supremacia masculina e inferioridade do sexo feminino. O reflexo deste modelo ainda está presente muitas vezes de forma oculta, gerando e mantendo, por exemplo a sexualização das tarefas.

Esta sexualização de tarefas baseadas nos padrões de comportamento esperados para cada sexo, teve também grande influência na Educação Física, e esta por muito tempo, e ainda hoje continua reforçando a ideologia sexista.

Na época da República, quando se deu a introdução da Educação Física na escola, o simples fato de se imaginar a inclusão das meninas nestas aulas foi recriminado pela opinião pública. Neste período a Educação Física nem era considerada um trabalho produtivo caracterizando-se como uma atividade de lazer da classe dominante.

Durante o Estado Novo, já permitiam o acesso das mulheres em comemorações datas cívicas, mas no campo esportivo ainda prevaleciam os homens.

As mulheres não deveriam participar de práticas de desportos que segundo a própria legislação da época eram considerados contra a natureza feminina.

Após algum tempo, com a expansão dos cursos superiores voltados para o magistério, as mulheres conquistaram um espaço, porém só podiam dar aulas de Educação Física para o seu sexo, enquanto homens podiam dar aula tanto para

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