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VIVÊNCIAS DE TRAVESTIS E PESSOAS TRANS EM ESPAÇOS EDUCACIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR NO SUL DO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO DE SUAS MÚLTIPLAS ESPACIALIDADES

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VIVÊNCIAS DE TRAVESTIS E PESSOAS TRANS EM ESPAÇOS

EDUCACIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR NO SUL DO BRASIL E A

CONSTITUIÇÃO DE SUAS MÚLTIPLAS ESPACIALIDADES

Adelaine Ellis Carbonar dos Santos1 Marcio Jose Ornat2

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo compreender como as vivências de travestis e pessoas

trans em espaços educacionais de nível superior no Sul do Brasil constituem suas múltiplas espacialidades. Assim, compreendemos que os espaços educacionais de nível superior, bem como o espaço escolar, estão intimamente ligados com a produção e reprodução da heteronormatividade. Em outras palavras, não há um nível educacional em que a hostilidade contra a população LGBT não esteja presente. Desta forma, os espaços educacionais de nível superior, embora possuam múltiplas trajetórias, configuram-se enquanto espaços interditos para pessoas que não seguem a linearidade entre sexo, gênero e desejo, em especial às travestis e transexuais. Contudo, algumas pessoas utilizam de estratégias para sua permanência nestas espacialidades onde suas vivências extrapolam os limites das Instituições de Ensino Superior, constituindo diferentes relações em múltiplas espacialidades de tal modo que estas pessoas podem conturbar as relações de poder com suas vivências espaciais.

Palavras-chave: Espaços educacionais de nível superior. Transexualidade. Travestilidade.

Transfobia.

O presente trabalho tem por objetivo compreender como as vivências de travestis e pessoas trans em espaços educacionais de nível superior no Sul do Brasil constituem suas múltiplas espacialidades. Para tanto, foram realizadas 11 entrevistas semi-estruturadas com pessoas que se autoidentificam enquanto travestis e pessoas trans (homens trans e mulheres trans) e que vivenciam / vivenciaram os espaços educacionais de nível superior (instituições públicas e privadas, presenciais e a distância) do Sul do Brasil.

Compreendemos que os espaços educacionais de nível superior, bem como o espaço escolar, estão intimamente ligados com a produção e a reprodução da heterossexualidade compulsória. Ou seja, não há um nível educacional em que a hostilidade contra a população LGBT não esteja presente. Desta forma, os espaços educacionais de nível superior, embora possuam múltiplas características, configuram-se enquanto espaços interditos (SILVA, 2008) para pessoas que não seguem a linearidade entre sexo, gênero e desejo, uma vez que as vivências nestas espacialidades podem apenas ser acessadas através da conclusão da educação básica e posteriormente, da aprovação destas pessoas em vestibulares, o que muitas vezes não ocorre, devido a discriminações e os preconceitos diários.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Brasil.

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Assim, a hostilidade contra pessoas transexuais e travestis torna-se ainda mais intensificada, pois a transgressão das fronteiras das sexualidades e do gênero é marcada. Em outras palavras, os espaços educacionais de nível superior, assim como o espaço escolar (SANTOS, 2017), negligenciam, invisibilizam e ocultam identidades e discussões acerca das sexualidades, contribuindo com o fortalecimento do processo de abjeção de corpos.

Além deste processo de abjeção de corpos, há a produção de identidades de gêneros inteligíveis e ininteligíveis, a partir do gênero entendido enquanto um mecanismo (BUTLER, 2013), produzindo corpos que são reconhecidos ou não. Entre estas identidades de gêneros ininteligíveis está a denominada identidade travesti e identidade transexual, a qual incomoda e causa estranhamento.

Embora o processo de exclusão social e interdição espacial ocorra e que estas pessoas sofram cotidianamente com a transfobia, as vivências destas pessoas em espaços educacionais de nível superior se tornam uma realidade cada vez mais presente. Estas pessoas estão resistindo ao constrangimento de não corresponderem a linearidade entre sexo, gênero e desejo, utilizando de estratégias para sua permanência nestas espacialidades, onde suas vivências extrapolam os limites das Instituições de Ensino Superior, constituindo diferentes relações em múltiplas espacialidades, tensionando as relações de poder com suas vivências espaciais cotidianas.

Espaços educacionais de nível superior, travestilidade e transexualidade: a constituição de múltiplas espacialidades

Os espaços educacionais de nível superior podem ser considerados enquanto uma espacialidade interdita (assim como o espaço escolar, em especial, a transexuais e travestis (SANTOS, 2017)) uma vez que a entrada se deve à conclusão da educação básica e posterior aprovação em vestibulares, o que muitas vezes não ocorre, devido a evasão escolar anterior, fruto, entre outros fatores (SANTOS, 2010), de discriminações e preconceitos diários (SANTOS, 2017). Contudo, esta ‘inexistência’ da população LGBT em espaços educacionais de nível superior não pode ser entendida simplesmente como ausência destas pessoas, pois muitas vivem clandestinamente para assegurar sua permanência nestas espacialidades (FREITAS, 2011).

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Segundo Silva (2008), a escola se constitui como um espaço interdito para a vivência de corpos que não seguem a heteronormatividade, pois há conflitos contínuos para a permanência, comprometendo, assim, futuras realizações para estas pessoas. Assim, a autora afirma que o espaço pode ser compreendido não apenas materialmente, mas também por ações regulatórias - neste caso heteronormativas. Estas ações regulatórias como argumenta Silva (2008), são exercidas sutilmente a partir de constrangimentos, rejeições ou exclusões.

Compreendemos que os espaços educacionais de nível superior são uma continuidade para muitas pessoas que vivenciaram a escola. Igualmente, partindo destas considerações em Santos (2017), os espaços educacionais de nível superior, assim como o espaço escolar, negligenciam, invisibilizam e ocultam identidades e discussões acerca das sexualidades, contribuindo com a hostilidade contra pessoas que não seguem a linearidade entre sexo, gênero e desejo (BUTLER, 2013). Amaral (2013) compreende a instituição universitária como um espaço de produção, reprodução e atualização de discursos, valores e práticas heteronormativas, na qual a permanência espacial de determinados grupos minoritários não é garantia de permanência igualitária.

Se pensarmos que a escola é um direito universal, como tratado por Horta (1998), onde todas as pessoas são ‘bem-vindas’, na medida em que se comprometem a seguir as normas vigentes que as controlam e vigiam (SANTOS, 2017), podemos propor que os espaços educacionais de nível superior também são vivenciados e organizados a partir da heterossexualidade compulsória, pois os mesmos se configuram como uma extensão da educação básica, sendo vivenciados pelas mesmas pessoas.

Assim, podemos compreender os espaços educacionais de nível superior a partir das reflexões de Massey (2008). A autora propõe pensar o espaço de maneira distinta, questionando a prática de pensá-lo enquanto superfície, mas passar a pensá-lo como um encontro de histórias. Em outras palavras, uma multiplicidade de trajetórias. Para tanto, a autora apresenta a tríade para pensarmos o espaço: (1) enquanto produto de inter-relações, propondo uma compreensão relacional do mundo; (2) enquanto esfera da multiplicidade, na qual diferentes trajetórias coexistem e; (3) enquanto em contínua construção, compreendido como uma ‘simultaneidade de estórias-até-agora’, isto é, trajetórias múltiplas.

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Assim, o espaço possui distintas trajetórias, pois variadas pessoas vivenciam este espaço, inclusive, a população LGBT, em especial, travestis e pessoas trans.

Massey (2008, p. 26) ao afirmar que “as trajetórias de outros podem ser imobilizadas enquanto prosseguimos com as nossas”, leva-nos a crer que, enquanto a trajetória do homem (cis), branco, heterossexual (leia-se trajetórias heteronormativas) fora considerada universal, as trajetórias das pessoas que não estão condizentes com a linearidade entre sexo, gênero e desejo foram imobilizadas em diversos espaços, dentre eles, os espaços educacionais de nível superior.

Podemos entender esta linearidade entre sexo, gênero e desejo, com base nas considerações de Butler (2013) sobre mecanismo de gênero. Segundo a autora, este mecanismo regula práticas humanas e cria ficções de masculinidades e feminilidades enquanto naturais, como uma relação binária, partindo do pressuposto da heterossexualidade obrigatória. Butler (2013) argumenta que o gênero está ligado às intersecções políticas e culturais, possuindo, em diferentes contextos históricos, intersecções com outros marcadores sociais. Estas considerações, segundo a autora, são resultados do mecanismo de gênero.

Segundo Butler (2013), as práticas heteronormativas estabelecem coerências entre ações discursivas. Desta forma, a autora denomina que os discursos hegemônicos (discurso jurídico e o discurso médico-biológico) são estabelecidos através de estruturas binárias definindo-os como ‘gêneros inteligíveis’ e ‘gêneros incoerentes ou descontínuos’, isto é, quando há a coerência entre sexo, gênero e desejo e quando não há, respectivamente.

Como evidenciamos em Santos (2017), estes discursos hegemônicos estão interligados em uma rede de tal modo que um discurso atravessa o campo discursivo do outro, produzindo uma teia que sustenta a heterossexualidade compulsória. Além, estes discursos auxiliam na manutenção do mecanismo de gênero produzindo identidades de gênero inteligíveis e identidades de gênero incoerentes ou descontínuas em relação a linearidade entre sexo, gênero e desejo (BUTLER, 2013) e também a produção de corpos objetos e abjetos. Vale ressaltar neste ponto que, para Butler (2002), denominação de corpo abjeto se refere não somente à sexo ou a norma heterossexual, mas a todos os corpos que não são considerados importantes materialmente, em outras palavras, vidas que não são consideradas ‘vidas’.

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este processo de abjeção diariamente. Assim, estes corpos não são considerados importantes, isto é, menos humano.

Como destacado acima, o mecanismo de gênero além de produzir a objeção e abjeção de corpos, também produz identidades de gênero inteligíveis ou ininteligíveis. A inteligibilidade da identidade de gênero, segundo Butler (2013), se dá a partir de uma matriz cultural a qual determina que certas identidades sejam reconhecidas enquanto outras não.

Para Louro (2013), identidades de gênero e identidades sexuais se inter-relacionam, estando ambas em uma contínua construção, ou seja, ‘instáveis e passíveis de transformação’. Castells (1999) argumenta que a identidade é um processo de construção de significados culturalmente estabelecidos, podendo a pessoa ter múltiplas identidades, o que origina muitas tensões e contradições. Devido a esta multiplicidade, o autor afirma que é necessário distinguir identidade e papéis, onde este último se caracteriza por influenciar o comportamento das pessoas enquanto que as identidades são, a partir da individualidade, construídas pelos significados das próprias pessoas.

Desta forma, o processo de identificação, para Le Bossé (2004), pressupõe um processo de diferenciação, além de estar repleto de conflitos e relações de poder. Assim, Le Bossé (2004) propõe que o processo de identificação implica dois vieses: a identificação enquanto nomeação de algo ou indivíduo e posteriormente sua singularidade e; identificação enquanto similaridade, buscando pertencimento. Portanto, para o indivíduo consciente de sua identidade, são necessários os elementos para o sentimento de pertencimento e a constituição de um outro grupo, diferente do primeiro.

Dentre as identidades de gêneros incoerentes ou descontínuas (BUTLER, 2013), estão as denominadas identidade travesti e a identidade transexual3, ou seja, ‘o outro’ grupo.

Segundo Silva (2013), na construção da identidade travesti, há práticas plurais que vão além do binarismo sexual, ultrapassando as normas estabelecidas pelas mesmas na construção da sua identidade. Assim, para a autora, a visibilidade do termo travesti tem fortalecido a identidade travesti dentro do próprio movimento social. Desta forma, longe da ideia reducionista do conceito de

transvestite, o termo travesti contempla de forma completa a expressão integral da feminilidade para

travestis brasileiras, sendo mais do que somente vestimenta, maquiagem e adereços; as transformações no corpo e os comportamentos sociais também são integrantes dessa expressão (SILVA, 2013). Em relação a identidade transexual, Zambrano (2011, p. 97), aponta que ela

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incomoda, é incompreendida e causa estranhamento, sendo induzida “(...) a fazer tentativas para inserir essa identidade em outra já conhecida e mais inteligível”.

Zambrano (2011) ao abordar sobre a cidadania transexual afirma que as demandas para este público são muito mais específicas no que diz respeito à luta pela igualdade de direitos. Para a autora, o processo até uma identidade transexual não é linear, ocorrendo muitas vezes durante a fase adulta (e não desde a infância como determina o ‘Manual de Diagnósticos e Estatísticas da Associação Americana de Psiquiatria’). Segundo Zambrano (2011), existem duas agressões à cidadania transexual: (1) pessoas trans devem ‘provar’ à equipe médica, a qual tem o poder de legitimar a identidade transexual ou não. Observa-se aí, como evidencia a autora, uma relação de poder entre profissional/paciente:

Acontece um confronto entre dois discursos: o discurso médico, que considera o transexualismo uma doença mental, e o discurso dos / as transexuais, que não se consideram doentes mentais mas querem fazer a cirurgia como uma adequação corporal ao sexo que sentem pertencer. Para os / as transexuais, o problema não é a doença mental – é, simplesmente, terem nascido com o corpo “errado”. O que se vê acontecer, então, são estratégias de convencimento da equipe médica por parte dos / as transexuais. Estas constroem uma história de vida “adequada” aos critérios diagnósticos de maneira a garantir a cirurgia. Submetem-se ao discurso médico para adquirir um direito (o acesso à cirurgia) que deveria ser seu, sem questionamentos. (ZAMBRANO, 2011, p. 104).

Além do discurso médico agredir a cidadania transexual, (2) o discurso jurídico também atua de uma forma mais específica, pois há o envolvimento de intervenções médicas (cirúrgica) (ZAMBRANO, 2011). Podemos evidenciar mais uma vez os discursos hegemônicos que alimentam o mecanismo de gênero (BUTLER, 2013) atuando de forma conjunta.

Ressaltamos novamente que não temos a pretensão de afirmar as diferenças entre travestis e transexuais e o trânsito entre estas identidades, evitando classificações reducionistas e arbitrárias, mas ressaltar que ambas as identidades sofrem com uma hostilidade específica, a transfobia.

Ao analisar os dados da pesquisa ‘Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil', realizada pela Fundação Perseu Abramo (FPA), Zambrano (2011) evidencia que, quando perguntada sobre a percepção do preconceito, a população LGBT afirma que travestis e pessoas trans são as que sofrem em maior âmbito do que outras categorias (lésbicas, gays, bissexuais)4. Contudo, embora estas pessoas sofram cotidianamente com a transfobia e que o processo de exclusão social e interdição

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espacial ocorra, estas vivências são uma realidade cada vez maior. Estas pessoas estão resistindo a ordem heterossexual e buscando estratégias para sua permanência em múltiplas espacialidades que vão além dos espaços educacionais de nível superior.

Assim, buscar compreender como as vivências de travestis e pessoas trans em espaços educacionais de nível superior constituem suas múltiplas espacialidades, é reconhecer que as vivências em espaços educacionais de nível superior destas pessoas também extrapolam os limites das IES, constituindo diferentes relações em múltiplas espacialidades.

Méndez (2014) argumenta que as vivências trans são heterogêneas e interseccionais, pois, as experiências, decisões, bem como a tomada de consciência da própria transexualidade em diferentes idades, são distintas. Assim, podemos pensar que suas vivências educacionais também o são. Para Méndez (2014), “las personas tenemos identidades y necesidades heterogéneas, fruto de la

combinación de la procedencia étnica, socioeconómica, de clase social, de diversidad funcional, de género, de edad y otras categorías sociales que dibujan experiencias «interseccionales»”.

(MÉNDEZ, 2014, p. 25).

Se as pessoas possuem identidades, necessidades e vivências distintas (MÉNDEZ, 2014) e que as questões relacionadas às sexualidades fazem parte da mesma - pois, como argumenta Louro (2013), a sexualidade não é algo que possa estar desconectado das pessoas, mas faz parte da sua própria constituição - se faz pertinente refletir sobre as relações de como a vivência educacional de travestis e pessoas trans em espaços de nível superior constituem suas múltiplas espacialidades.

Podemos compreender estas relações a partir do conceito de espaço paradoxal de Rose (1993). O espaço paradoxal diz respeito ao espaço e as relações de poder existentes, pois a reflexão do paradoxo possibilita subverter os discursos culturalmente hegemônicos. Assim, a exemplo das mulheres, como aponta Rose (1993) e a exemplo das pessoas homossexuais, como aponta Santos (2017), travestis e transexuais podem conturbar as relações de poder com as suas vivências espaciais, ora estando no centro, ora estando na margem.

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Independente de qual posição - centro ou margem, as entrevistas evidenciam que o processo de autoidentificação enquanto travesti e transexual não é linear, sendo a adoção do nome social o principal pilar para a construção da identidade transexual ou da identidade travesti.

Hogemann (2014) alega que é a partir do nome que as pessoas são identificadas e obtém sua individualidade. Assim, o nome social pode ser entendido enquanto um exercício da cidadania. Para Mendes (2012), a utilização do nome social torna-se imprescindível para a vivência educacional, na medida em que se evitará constrangimentos e ações discriminatórias. Assim, as entrevistas evidenciam a importância da utilização do nome social em vestibulares, chamadas, na identificação de autoria de artigos, currículos, documentos acadêmicos (carteira estudantil, carteira da biblioteca, etc.), diplomas, documentos de conselhos profissionais, denunciando que a não utilização do nome social pode vir a causar atrasos nos estudos, devido a constrangimentos e coações.

(...) Por que que eu não entrei antes na faculdade... (...) eu fui fazer um concurso público e eu fui muito constrangida quando eles chamaram meu nome de registro. Não tinha essa questão do nome social, né? Quer dizer, tinha, mas eles não respeitavam. E não vão respeitar. É muito poucas as pessoas que vão ter a atenção ali, e às vezes peca sem saber. (...). Mas ai eu decidi que não faria mais nem vestibular e nem concurso público, eu não fazia enquanto não mudasse meu documento. Então isso me atrasou. Eu me arrependo de ter uma atitude assim... porque eu poderia estar em uma universidade antes e eu só fui fazer o Enem e a (nome oculto da IES) por causa do nome social. (...). (Entrevista realizada com a discente A, no dia 12 de janeiro de 2016, em Ponta Grossa, Paraná).

Para Lima (2013), embora o nome social, como política de inclusão, se constituir como uma possibilidade de garantida da permanência de travestis e trans na escola, ela não se limita somente a ela, pois, segundo o autor, estas medidas devem ser acompanhadas por múltiplas ações, na medida em que somente o nome social não atinja uma permanência significativa, uma vez que há preconceitos, além de desconhecimento por parte das pessoas que vivenciam o espaço escolar.

Lima (2013) reconhece que estas múltiplas ações partem de diferentes investimentos, pois há a existência de fatores externos para a não permanência destas pessoas nestas espacialidades educacionais, tornando a escola uma realidade cada vez mais distante, incluindo os espaços educacionais de nível superior.

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heterossexuais, reafirmando a normatização de práticas a partir da sua atuação enquanto docente, como afirma Franco e Mota (2010).

Desta forma, podemos considerar que o nome social se constitui uma importante ferramenta para a vivência educacional de travestis e pessoas transexuais em espaços educacionais de nível superior no Sul do Brasil. A partir destas vivências educacionais significativas, estas pessoas podem estabelecer as mais diversas relações em múltiplas espacialidades, pois, como afirma Massey (2008), o espaço, possui uma multiplicidade de trajetórias, em que as pessoas têm suas próprias estórias para contar.

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Experiences of transvestites and trans people in educational spaces of higher education in the south of brazil and the constitution of their multiplies spacialities

Astract: The present work aims to understand how the experiences of transvestites and trans people

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Referências

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