• Nenhum resultado encontrado

Assentamento Cangusso: formação e dinâmica dos sistemas de produção

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Assentamento Cangusso: formação e dinâmica dos sistemas de produção"

Copied!
75
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

ADRIANO ALCANTARA LIMA

ASSENTAMENTO CANGUSSU: FORMAÇÃO E DINÂMICA DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO

SALVADOR 2006

(2)

ADRIANO ALCANTARA LIMA

ASSENTAMENTO CANGUSSU: FORMAÇÃO E DINÂMICA DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Economia da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial a obtenção do grau de Bacharel em Economia.

Orientador: Prof. Dr. Vitor de Athayde Couto

SALVADOR 2006

(3)

RESUMO

Realiza-se neste trabalho uma análise da relação entre a trajetória do campesinato na região que corresponde ao eixo intermunicipal Vitória da Conquista- Barra do Choça, no sudoeste da Bahia, e a dinâmica dos sistemas de produção em formação no Projeto de Assentamento Cangussu. Utilizando-se a metodologia Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários, a pesquisa fundamenta-se em dados secundários e primários obtidos através da leitura da paisagem, análise de documentos históricos, entrevistas qualitativas com antigos moradores e técnicos agrícolas da região e do saneamento, além da aplicação de questionários com uma amostra dirigida de familiares, representativa da diversidade existente no projeto. No segundo capitulo apresentam-se uma discussão acerca do posicionamento da forma familiar de produção agropecuária na configuração do setor agrícola no país. No terceiro capítulo analisa-se a inserção dos assentamentos no universo da forma familiar de produção, destacando-se alguns elementos necessários à compreensão da configuração e dinâmica dos sistemas de produção. No quarto capitulo discutem-se as relações entre as transformações ocorridas na região do Planalto da Conquista e a trajetória do campesinato e de suas estratégias de sobrevivência. No quinto capítulo realiza-se uma análise das condições socioeconômicas encontradas no Projeto de Assentamento, destacando-se as características dos sistemas de produção adotados e a evolução da composição da renda em três anos recentes intercalados, 2001, 2003 e 2005. No sexto e último capítulo destacam-se como resultados alcançados a identificação da tendência de evolução dos rendimentos e da eficiência econômica dos sistemas de produção adotados, da diminuição da diversidade de culturas, e da individualização do processo produtivo.

(4)

1 INTRODUÇÃO

A Questão Agrária tem raízes cravadas no passado colonial. Desde a formação do Brasil, perpassando os diferentes ciclos econômicos, a concentração da propriedade da terra reproduziu-se ancorada na dominação econômica, social e política do latifúndio, originando profundas desigualdades e conflitos sociais no campo. Mais recentemente, a modernização conservadora – renovação tecnológica intensiva em capital, voltada ao cultivo de monoculturas em grande escala – intensificou o processo de concentração fundiária e o desemprego, provocando o aumento da pobreza e do êxodo rural.

A significativa diminuição da capacidade de absorção de mão de obra nas cidades, associada às limitações dos instrumentos de política agrícola e, principalmente, à revitalização da organização política dos trabalhadores rurais nas duas últimas décadas, tem fortalecido o debate em torno da questão agrária, levando o Estado, ainda que de forma incipiente, a ampliar algumas ações, entre as quais situa-se a política de criação de projetos de assentamento rural.

O estabelecimento e a consolidação dessas unidades produtivas, além de representar uma conquista política dos trabalhadores na luta pela cidadania, constitui uma possibilidade de geração de trabalho e renda no campo, a custos relativamente baixos, fortalecendo os mercados locais e amenizando problemas enfrentados nos centros urbanos.

A viabilidade socioeconômica dos assentamentos constituídos, entretanto, está diretamente vinculada ao fortalecimento da produção familiar como um todo e à combinação de uma série de aspectos condicionantes em cada projeto, de modo que o planejamento destes exige que se compreenda não só o posicionamento da organização familiar na atual configuração do setor agrícola no Brasil, como também o contexto local no qual os produtores estão inseridos e os fatores que o determinam.

Nessa perspectiva, realiza-se neste trabalho uma análise da relação entre a trajetória do campesinato ao longo da história da região do Planalto de Conquista no sudoeste da Bahia, particularmente no eixo intermunicipal Vitória da Conquista – Barra do Choça, e a

(5)

dinâmica dos sistemas de produção em formação no Projeto de Assentamento Cangussu, objetivando contribuir para a compreensão dos fatores determinantes das condições encontradas.

Utiliza-se a metodologia denominada Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários, aplicada desde 1995 pelo Convênio INCRA/FAO na elaboração de diagnósticos para diferentes microrregiões do país, centrados na análise de assentamentos de Reforma Agrária. A pesquisa fundamenta-se em dados secundários e primários obtidos através da leitura da paisagem, análise de documentos históricos, entrevistas qualitativas com antigos moradores e técnicos agrícolas da região e do assentamento, além da aplicação de questionários abertos semi-estruturados com uma amostra dirigida de famílias, representativa da diversidade existente no projeto.

No segundo capítulo apresenta-se uma discussão acerca das características históricas da produção camponesa no Brasil, sua inserção no processo de modernização conservadora e seu posicionamento na atual configuração do setor agrícola no país.

No terceiro capítulo analisa-se a inserção dos assentamentos de reforma agrária no universo da forma familiar de produção, destacando-se alguns elementos necessários à compreensão da configuração e dinâmica dos sistemas de produção.

No quarto capítulo discutem-se as relações entre as transformações ocorridas ao longo da história da região do Planalto da Conquista e a trajetória do campesinato e de suas estratégias de sobrevivência.

No quinto capítulo realiza-se uma análise dinâmica das condições socioeconômicas encontradas no Projeto de Assentamento, destacando-se a caracterização dos sistemas de produção adotados, a partir da análise microeconômica dos sistemas de cultivo, criação e beneficiamento, além da composição e evolução da renda auferida pelas famílias em três anos recentes intercalados, 2001, 2003 e 2005.

(6)

de três tendências gerais: a evolução dos rendimentos e da eficiência econômica dos sistemas de produção adotados; a diminuição da diversidade de tipos de cultivos e criatórios; e a individualização do processo produtivo.

(7)

2 ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL

2.1 RAIZES HISTÓRICAS DO CAMPESINATO BRASILEIRO

O setor agrícola no Brasil não possui uma categoria familiar perfeitamente identificável, localizado em regiões delimitáveis ou dedicado a produções específicas. Dada as dificuldades impostas pelo modelo de desenvolvimento experimentado pelo Brasil, e a diversidade de ecossistemas encontrados no território brasileiro, a produção familiar tendeu a introduzir-se de forma subsidiária nos diferentes ramos da produção agrícola, e no âmbito de espaços diversos.

Do ponto de vista analítico, em decorrência dessa heterogeneidade, encontram-se significativas dificuldades na delimitação e caracterização geral do segmento familiar. Considerando-se como critério1 fundamental a exploração da terra através do trabalho dos membros da família, observa-se à presença de inúmeras formas de produção familiar, ao longo dos diferentes períodos da história econômica brasileira, condicionadas pela necessidade total ou complementar de força de trabalho nos diversos tipos de atividades agrícolas desenvolvidas nas distintas regiões.

O morador, o agregado, o colono, o posseiro, o meeiro, o pequeno arrendatário, o camponês proprietário, etc. São todos trabalhadores para o capital representado pela grande agricultura de exportação, pela agroindústria e pelo capital comercial. (GRAZIANO, 1999, p.141)

As relações sociais de produção representadas nessas diversas formas de acesso a terra, refletem a posição secundária e dependente imposta à organização familiar, condição na qual a conquista e a consolidação do espaço produtivo foi, de uma forma geral, historicamente marcada pela precariedade estrutural e pelo alto grau de instabilidade.

1

Uma multiplicidade de critérios pode ser utilizada na caracterização da categoria familiar. Neste trabalho considera-se como critério fundamental à produção com base no trabalho da família, sem utilização de mão-de-obra assalariada a não ser de forma ocasional ou em quantidade inferior à mão-de-mão-de-obra familiar.

(8)

Tradicionalmente, nos países em que a produção camponesa se desenvolveu, observa-se um conjunto de características peculiares a essa categoria social, entre as quais Wanderley (1996, p.2) destaca “os objetivos de sua atividade econômica, suas experiências de sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global”.

A lógica econômica dos sistemas de produção2 que caracterizam a tradição camponesa, demonstra a prioridade atribuída à garantia da subsistência presente e futura do grupo doméstico, a partir da ampliação da diversidade e integração entre as culturas e criatórios, como forma de diminuir os riscos, preservar a fertilidade dos solos, otimizar a utilização da área e da mão-de-obra disponível, além dos subprodutos dentro do próprio sistema.

No plano social, o camponês sempre foi estreitamente ligado a um determinado território, visto como espaço de produção e moradia que assegura a sobrevivência da família na dimensão econômica e social, preservando um certo grau de autonomia em relação à sociedade global. Segundo Wanderley (1996, p.4 ) o território constitui o “espaço onde o camponês convive com outras categorias sociais e onde se desenvolve uma forma de sociabilidade específica, que ultrapassa os laços familiares e de parentesco”.

As diversas experiências vivenciadas pelas famílias camponesas no Brasil apresentam traços comuns ao campesinato tradicional, notadamente no que se refere à lógica interna dos sistemas de produção. Entretanto, as adversidades enfrentadas restringiram as possibilidades de desenvolvimento social e econômico, definindo a conformação das principais características do campesinato brasileiro em sua origem: a produção centrada na subsistência combinada com produtos comercializáveis; a mobilidade espacial; a pobreza e o isolamento.

Quando comparado ao campesinato de outros países, foi historicamente um setor bloqueado, impossibilitado de desenvolver suas potencialidades enquanto forma social específica de produção. Assim, a história do campesinato no Brasil, pode ser definida como o registro das lutas para conseguir um espaço próprio na economia e na sociedade. (WANDERLEY, 1996, p.36)

2

O sistema de produção é entendido como uma combinação no tempo e no espaço dos recursos disponíveis para

a exploração de culturas e criações, ou subsistemas produtivos na escala de um estabelecimento agrícola. (DUFUMIER apud INCRA, 1995, p.28)

(9)

Na esfera da produção, a precariedade estrutural impôs significativos obstáculos à implantação de sistemas de produção suficientemente diversificados e produtivos, semelhantes ao da policultura-pecuária3, típico do campesinato tradicional, capazes de satisfazer integralmente a subsistência da família e permitir a formação de um patrimônio familiar para as gerações subseqüentes.

Dessa forma, observa-se a tendência à combinação de culturas de subsistência com produtos comercializáveis nos diversos sistemas de produção explorados, demonstrando como objetivo comum: o autoconsumo da família e a integração ao mercado através do cultivo de um produto ou de produtos de peso na economia das respectivas regiões, os quais passam a representar a principal cultura dentro do sistema de produção adotado.

A historiografia é plena de exemplos que nos permitem afirmar que, desde o período colonial, os chamados “cultivadores pobres livres” sempre buscaram alternativas econômicas que os integrassem positivamente a economia local e regional, tanto ao mercado interno de produtores alimentares, como também ao de produtos destinados à exportação, como fizeram com a produção da mandioca, do tabaco e do algodão. (PALÁCIOS apud WANDERLEY, 1996, p.10)

Diante das poucas alternativas possíveis, as famílias buscam estratégias de sobrevivência que ultrapassam os limites da unidade produtiva, entre as quais destaca-se a migração e o trabalho externo à propriedade.

A migração assume uma significativa importância como meio de conquistar o espaço de trabalho da família mantendo a autonomia do modo de vida camponês, de modo que a mobilidade espacial representa mais a busca de um espaço próprio definitivo do que a aparente ausência de ligação com o próprio território, ou seja, com a comunidade de origem. Dois aspectos principais exercem influência decisiva nesse processo: a pressão direta da grande propriedade, que faz da migração para o interior uma alternativa à submissão ao latifúndio; e a lógica interna da reprodução da família camponesa, que pratica a migração para

3 Sistema tradicional de produção camponês caracterizado pela ampla diversidade e integração de culturas e criatórios.

(10)

a fronteira como forma de garantir um espaço produtivo para a instalação dos filhos em novas áreas. (WANDERLEY, 1996)

Do mesmo modo, em decorrência da insuficiência dos meios disponíveis, a renda proveniente do trabalho externo à propriedade, torna-se, na maioria dos casos, indispensável à reprodução da família e manutenção do próprio estabelecimento familiar. Historicamente, a oferta temporária de trabalho nas grandes propriedades foi satisfeita por camponeses, cujo tempo ocioso coincidia com os períodos de safra das grandes culturas.

Não se trata simplesmente de demonstrar que os estabelecimentos camponeses não conseguem gerar renda suficiente para manter a família; trata-se, ao contrário de compreender os mecanismos deste equilíbrio precário e instável, pelos quais o estabelecimento familiar se reproduz, a despeito do trabalho externo e, em muitos casos, em estreita dependência deste mesmo trabalho externo. (Ibid., 1996, p.13)

Na condição de subsidiária das grandes lavouras e das fazendas de gado, ou submetida às relações desiguais com o capital comercial e mais recentemente com a agroindústria, a forma familiar de produção esteve, portanto, historicamente subordinada à exploração do capital, contra a qual adotou diversas formas de resistência.

Em diferentes momentos da história essas iniciativas constituíram grandes movimentos de luta pela terra. De Canudos (BA) e Contestado (SC), entre 1888 – 1930, considerados movimentos de caráter messiânico, passando pelas lutas espontâneas e localizadas, entre 1930-1954, até a formação de organizações camponesas como o Master e as Ligas Camponesas, entre 1950 e 1964, delineou-se a trajetória de formação da consciência camponesa em torno da luta pela reforma agrária, acirrando-se os conflitos agrários.

Com o Golpe de Estado em 64, as organizações camponesas foram brutalmente reprimidas, abrindo o caminho para a aceleração do processo de expropriação do campesinato com a intensificação do desenvolvimento do capitalismo no campo. A opção pela modernização conservadora – renovação tecnológica sem alteração da concentração fundiária – imposta pela força política do latifúndio, intensificou as dificuldades enfrentadas pela agricultura camponesa, restringindo suas possibilidades de reprodução e desenvolvimento.

(11)

2.2 IMPACTOS DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA

Desde a época colonial até a segunda metade do século XIX a dinâmica da agricultura brasileira era definida pelo comportamento do mercado externo, de forma que parte dos meios de produção disponíveis era utilizada na produção para exportação, e outra parte destinada à produção de bens de consumo para a subsistência, assim como os próprios bens de produção utilizados nas fazendas. Dentro desse complexo, a divisão social do trabalho era pouco desenvolvida, e as atividades agrícolas e manufatureiras estavam extremamente interligadas, sendo que grande parte do que era produzido não se destinava ao mercado, implicando na irrelevância do mercado interno.(KAGEYAMA; GRAZIANO apud GRAZIANO, 1999)

A partir de 1850, e de forma mais acelerada após 1930, o fomento à industrialização e o redirecionamento da economia através da implantação do processo de substituição de importações, intensifica o desenvolvimento da divisão social do trabalho e o conseqüente crescimento do mercado interno, o qual consolida-se após a interna ização do setor de bens de capital e insumos até 1960. A partir daí, o setor agrícola é incorporado ao processo de industrialização, passando por profundas transformações de caráter formal e funcional.

A agricultura passa a operar como se fosse ela mesma uma indústria de um ramo qualquer da produção: ela não apenas compra a força de trabalho e os insumos que necessita de certas indústrias, como também vende seus produtos, os quais se converteram em sua grande maioria, em matérias primas para outras indústrias. (Ibid.,1999, p.90)

Ao longo da década de 70, o arranjo e a dinâmica do setor agrícola apontam para a consolidação dessa nova configuração, marcada pela formação de grandes grupos econômicos através da fusão de capitais de origem industrial, financeira e agrária, integrados ao processo global de acumulação.

É a fase de formação das agroindústrias processadoras, organizadas conforme um novo padrão da produção agrícola, orientado para uma crescente integração vertical, aumento da

(12)

produtividade e ocupação das fronteiras em novas bases técnicas, impulsionando à substituição de fatores de produção produzidos internamente pelo complexo rural4 por compras extra-setoriais (máquinas e agroquímicos) e intra-setoriais (sementes, mudas e reprodutores animais), dentro dos parâmetros estabelecidos pela Revolução Verde5.

O desencadeamento desse processo tem como base à ampla intervenção do Estado como financiador das inovações, através da implementação de políticas agrícolas que tem como principal objetivo estimular a oferta de produtos e o consumo intermediário de insumos, máquinas e implementos industrializados, através do sistema de crédito para custeio e investimentos a juros subsidiados ou por meio de medidas específicas como as políticas por produto.

A ausência de uma criteriosa diferenciação por região e por tipo de produtor, adequada à diversidade social dos produtores rurais, restringe consideravelmente a participação da forma familiar de produção. Além dos grandes proprietários rurais, os grandes beneficiários dessa política de crédito – e, conseqüentemente, da modernização da agricultura - são os setores industriais localizados a montante e a jusante da atividade agrícola.

De um lado - a montante do fluxo de produção agropecuário - está colocado o sistema constituído pelos fornecedores de insumos tecnológicos, fabricantes de adubos químicos, de rações para o gado, de tratores e equipamentos agrícolas; do outro lado – a jusante do fluxo da produção – está colocado o sistema constituído pelos frigoríficos, as fabricas de laticínios, as usinas de açúcar, as indústrias vinícolas, de cervejas, os moinhos de trigo, as fabricas de cigarros, de refrigerantes e várias outras. (GUIMARÃES, 1977, p.4)

4 Estrutura da agricultura brasileira no período que vai do Brasil Colonial até 1850, a qual pode ser definida como um conjunto de atividades pouco relacionadas entre si e com outros setores, dependente das flutuações do comércio exterior, em função da inexistência de um mercado interno. No interior das fazendas produziam-se os equipamentos necessários para a produção e a alimentação necessária à subsistência.(GRAZIANO,1999) 5 Conjunto de técnicas de produção em série e sem diversificação, baseadas no emprego intensivo de agroquímicos, fertilizantes e agrotóxicos, e da maquinaria agrícola, associada à utilização de sementes padronizadas, manipuladas geneticamente, visando exclusivamente à maximização da produtividade e rentabilidade por hectare.

(13)

Seguindo a lógica desse arranjo, a renovação da base técnica se dá em graus diferenciados entre as distintas regiões e entre os diversos tipos de produtores. No primeiro caso, há um aumento das disparidades regionais devido à relativa concentração geográfica das inovações nas áreas que compõem o núcleo dinâmico da agricultura brasileira, localizadas nos estados do Centro - Sul do país. No segundo caso, ocorre o enfraquecimento dos grupos que não conseguem se modernizar tanto dentro como fora do núcleo dinâmico.(GRAZIANO, 1999)

Ao mesmo tempo, na medida em que os avanços não atingem todas as etapas do ciclo produtivo dos principais produtos agrícolas, principalmente no caso das culturas perenes, observa-se o crescimento da sazonalidade do emprego agrícola, principalmente nas regiões mais modernas, o que aumenta a precarização das relações de trabalho no campo e o contingente de trabalhadores temporários espalhados pelas periferias dos centros urbanos.

A despeito de ter proporcionado o aumento da produção, como também da produtividade do trabalho no campo para as principais culturas do país - cujo crescimento foi, em média, de 2% ao ano durante a década de 70 (KAGEYAMA apud GRAZIANO, 1999, p.97) – o modelo de modernização implementado, tem acarretado, portanto, uma série de problemas como a degradação ambiental, o crescimento da concentração fundiária e do êxodo rural, do desemprego e da intensificação da exploração da mão-de-obra.

Com efeito, o campesinato perde importância relativa tanto no fornecimento de alimentos e matérias-primas para o mercado como no fornecimento de mão-de-obra para a produção capitalista.

Os estabelecimentos com área menor que 50 ha -entre os quais encontra-se a maioria dos produtores familiares - que dispunham de 15,4 % da área total em 1970 e eram responsáveis por 47,7% do valor total da produção agropecuária do País, dez anos depois, ocupavam apenas 12,6% da área total, tendo a participação reduzida para 39,6% da produção total. (GRAZIANO, 1999, p.106)

(14)

Ressalve-se que apesar de exibir um decréscimo na produção, em 1980 os estabelecimentos com valor bruto anual da produção inferior a nove salários mínimos anuais – faixa na qual também está incluída a maior parte da produção familiar - ainda continuava respondendo por importantes parcelas da oferta, principalmente no caso dos produtos básicos como feijão (66,2%), mandioca (77,9%) e milho (55,8%), em que ainda mantém uma participação majoritária. (Ibid., 1999, p.107)

Além disso, a referida queda de participação é mais expressiva nos grandes centros urbanos, tendo em vista o domínio das agroindústrias sobre esses mercados e a mudança relativa nos hábitos alimentares da população.

Quanto à demanda de trabalho, de acordo com os dados do censo agropecuário de 1980, aproximadamente dois terços das ocupações ainda correspondia à mão-de-obra familiar. Porém, observou-se um rápido crescimento da participação da força de trabalho assalariada no total absorvido pelos estabelecimentos agropecuários, a qual passou de 23% para 35% ao longo da década de 70. (Ibid., 1999, p.110)

Do mesmo modo, com relação à oferta de trabalho, a participação dos produtores familiares no preenchimento das vagas temporárias diminui, em decorrência da formação de um contingente de trabalhadores aglomerados nas periferias das cidades, de onde são mais facilmente deslocados nas épocas de safras. Ainda assim, os dados do censo de 1980 demonstram que cerca de dois terços da força de trabalho temporária utilizada nos estabelecimentos agropecuários, ainda eram oriundos das unidades de produção familiar. (KAGEYAMA apud GRAZIANO, 1999, p.110)

O campesinato sofre um aprofundamento de seus históricos problemas estruturais, entre os quais destacam-se: o trabalho externo; as prolongadas jornadas de trabalho combinadas com a subocupação; os baixos níveis de renda e a baixa produtividade, sendo comum a coexistência dessas características numa única unidade de produção camponesa. (GRAZIANO, 1999)

Os núcleos familiares que conseguiram experimentar ao menos um grau mínimo de modernização, de uma maneira geral, para sobreviver na nova configuração do espaço

(15)

agrário brasileiro, têm de despender mais trabalho dos seus membros, tendo em vista a baixa produtividade do trabalho e a asfixia provocada pelas relações econômicas desfavoráveis, impostas pelas agroindústrias modernas ou pelo capital comercial.

Em condições ainda mais adversas, as unidades que não se modernizaram estão sujeitas não ao excesso de trabalho na própria área, mas, ao contrário, a subocupação permanente ou trabalho temporário em outras unidades, em decorrência da impossibilidade de ocupar plenamente todos os seus membros de idade ativa face à precariedade e insuficiência dos meios de produção disponíveis.

Com a expropriação do campesinato e a deterioração das condições de vida dos trabalhadores temporários - agravada pela diminuição da capacidade de absorção nos centros urbanos da força de trabalho expulsa do meio rural e pelas restrições dos instrumentos de política agrícola - estavam criadas as condições objetivas para a revitalização da organização política dos trabalhadores rurais ao longo dos anos 80, dando nova dimensão às lutas sociais no campo.

O surgimento e a expansão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - por todo o país, adotando novas táticas de luta como as ocupações massivas6 de grandes latifúndios improdutivos, associada à atuação de setores progressistas da Igreja Católica, sindicatos e outras organizações camponesas, dinamiza e fortalece a luta dos trabalhadores pela reforma agrária, fomentando a retomada do debate em torno da questão agrária.

Essa nova conjuntura política tem levado o Estado, ainda que de forma incipiente, a ampliar algumas ações, entre as quais situa-se a política de criação de projetos de assentamento rural7

6 O conceito de ocupação massiva remete à quantidade e extensão. Considera-se tanto o grande número de famílias envolvidas, quanto à dimensão de desdobramento da luta, quando a ocupação é organizada não para conquistar uma área determinada, mas sim para conquistar determinadas áreas para todas as famílias. (FERNANDES, 2001)

7De uma forma genérica, os assentamentos rurais podem ser definidos como unidades de produção agrícola criadas por meio de políticas governamentais visando o reordenamento do uso da terra, em beneficio de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra. Como o seu significado remete à (re) inserção do trabalhador na agricultura, envolve também a disponibilidade de condições adequadas para o uso da terra e o incentivo à organização social e à vida comunitária. (BERGAMASCO, 1996)

(16)

e a implementação de linhas de crédito direcionadas à agricultura familiar.Nessa perspectiva, mesmo considerando o quadro de limitações ao qual a agricultura camponesa esta submetida, sua reprodução e fortalecimento esta condicionada à dinâmica das lutas sociais no campo, cujos desdobramentos definem, em última análise, as formas de inserção da organização familiar na estrutura da produção agrícola no Brasil.

2.3 A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL CONFIGURAÇÃO DO SETOR AGRÍCOLA

A estrutura agrária do Brasil combina a extrema concentração com a extrema fragmentação da propriedade e da posse da terra. A partir dos dados da Tabela 1, verifica-se a existência de quase 1 milhão de imóveis rurais - cerca de 32% do total - com área de até 10 hectares, ocupando apenas 1,5% da área cadastrada. Em contrapartida, pouco mais 4O mil imóveis, 1,4 % do total, com área igual ou superior a mil hectares, ocupam quase 50% da área cadastrada.

Tabela 1. Estrutura agrária brasileira

Classes de Área Total (ha)

Imóveis Rurais INCRA Estabelecimentos Agropecuários. IBGE

Número Área (ha) Número Área (ha) (mil) % (milhões) % (mil) % (milhões) % Até 10 De 10 a 100 De 100 a 1.000 1.000 e mais Total 908 1.601 374 41 2.924 31 55 13 2 100,0 4,4 51,9 100,1 152,6 309,0 1,4 16,8 32,4 49,4 100,0 2.402 1.916 470 49 4.838 50 40 9 1 100,0 7,9 62,7 123,4 163,9 353,6 2 18 35 45 100,0

Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.12.

Instalado sobre essa estrutura, o setor agrícola apresenta uma profunda disparidade entre estabelecimentos modernizados e atrasados. O primeiro grupo é formado por cerca de

(17)

500 000 unidades, entre grandes fazendas e algumas empresas familiares, e orienta-se por critérios capitalistas de produção, com alta produtividade relativa e significativa participação na produção de alimentos, no emprego rural e nas exportações. O segundo grupo soma cerca de 4 500 000 de estabelecimentos, entre latifúndios tradicionais, propriedades médias e unidades familiares, que apresentam baixo nível de produtividade, entre os quais as unidades familiares respondem, ainda, por uma considerável participação no emprego rural e na produção de alimentos para o mercado interno. (SAMPAIO, 2004)

A produção familiar ainda é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro. Mesmo dispondo de apenas 30% da área, é responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado, entre os quais predominam os membros da família dos próprios agricultores. De acordo com o IBGE, do total de Unidades de Trabalho utilizadas na agricultura familiar, apenas 4% são contratadas.

Tabela 2. Brasil – Estab., área, valor bruto da produção(VBP) e financiamento total

Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.16

Conforme demonstra a Tabela 2, as unidades familiares representam 85,2% do total de estabelecimentos, ocupam 30,5% da área total e foram responsáveis por 37,9% do VBP, no período correspondente ao censo agropecuário 1995/1996, tendo recebido 25,3% do financiamento destinado a agricultura.

8 É considerado patronal o produtor em cuja propriedade o trabalho assalariado é predominante, existindo uma completa separação entre gestão e trabalho.A produção rural de economia patronal assume o modo de produção capitalista, aonde os insumos, a força de trabalho e a produção assume valores facilmente determinados pelo mercado, dentro da lógica de produção de itens que tenham valor de troca e permitam a realização de lucro.

CATEGORIAS % Estab. S/ total % Área s/ total VBP (mil R$) % VBP s/ total FT (mil R$) % FT s/ total FAMILIAR 85,2 30,5 18.117.725 37,9 937.828 25,3 PATRONAL8 11,4 67,9 29.139.850 61,0 2.735.276 73,8 Inst. Pia/Relig. 0,2 0,1 72.327 0,1 2.716 0,1 Entid. Pública 3,2 1,5 465.608 1,0 31.280 0,8 Não identificado 0,0 0,0 959 0,0 12 0,0 TOTAL 100,0 100,0 47.796.469 100,0 3.707.112 100,0

(18)

Entre as cinco regiões brasileiras, como apresenta a tabela 3, o Nordeste apresenta o maior percentual de estabelecimentos, sendo responsável por 49,7% de todos os estabelecimentos familiares brasileiros. Entretanto, ocupa apenas 31,6% da área total dos familiares, é responsável por 16,7% do VBP e absorve 14,3% do financiamento rural destinado a categoria de produtores familiares.

Tabela 3: Organização Familiar - Participação percentual das regiões no número de estabelecimentos, área, VBP e financiamento destinado à categoria familiar por região

REGIÃO % Estab. s/ total % Área s/ total % VBP s/ total % FT s/ total Nordeste 49,7 31,6 16,7 14,3 Centro-Oeste 3,93 12,7 6,2 10,0 Norte 9,2 20,3 7,5 5,4 Sudeste 15,3 17,4 22,3 15,3 Sul 21,9 18,0 47,3 55,0 BRASIL 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.18.

Como apresenta o Gráfico 1, a participação da categoria familiar no valor bruto da produção de algumas culturas e criatórios, demonstra a sua importância no fornecimento de produtos destinados ao mercado interno, como também entre alguns itens que compõem a pauta de exportação agrícola brasileira.

Gráfico 1: Brasil – Perc. do VBP de produtos selecionados produzidos nos estab.familiares Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.32

2 5 3 1 6 7 9 7 8 4 4 9 3 2 2 4 5 2 5 8 4 0 Arro z Fum o Man dioc a Milh o Soj a Pec . cor te Pec . lei te Aves /ovo s E m % d o V B P

(19)

A produção familiar corresponde a 24% do VBP total da pecuária de corte, 52% da pecuária de leite, 58% dos suínos e 40% das aves e ovos produzidos. Entre as culturas temporárias e permanentes, a participação familiar corresponde a 33% do algodão, 31% do arroz, 72% da cebola, 67% do feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca, 49% do milho, 32% da soja e 46% do trigo, 58% da banana, 27% da laranja e 47% da uva, 25% do café e 10% do VBP da cana-de-açúcar.

A criação de aves e a produção de ovos aparecem com maior freqüência, estando presente em 63,1% das unidades produtivas. O milho e o feijão vêm em seguida, com produção em 55% e 45,8% dos estabelecimentos, respectivamente. A produção de leite está presente em 36%, seguida da pecuária de corte, encontrada em 27,8% das unidades familiares.

Tabela 4: Brasil – Organização Familiar – Configuração dos Sistemas de Produção, Estabelecimentos, % da área, % do VBP

TIPOS Estab. % Estab. % Área % VBP Muito especializado 476.806 11,5 8,7 9,6 Especializado 1.217.412 29,4 32,0 44,5 Diversificado 1.825.994 44,4 44,9 36,8 Muito diversificado 526.420 12,7 12,4 9,1 Total 4.046.432 100,00 100,00 100,00 Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud INCRA, 2000 c, p.61.

A maior parcela da produção familiar é diversificada ou especializada, como apresenta a Tabela 4, sendo que apenas 11,5% de seus estabelecimentos apresentam uma produção muito especializada, em que um único produto atinge 100% do valor bruto de sua produção. O sistema mais freqüente é o diversificado, com 44,4 % dos estabelecimentos tendo um único produto atingindo de 35% a 65% do VBP. Os agricultores muito diversificados, aqueles em que produto algum atinge 35% do VBP total do estabelecimento, representam 12,7% do total.

Entre os produtores familiares proprietários, que representam 74,6% do total, é significativo o número de famílias cuja área disponível impõe grandes dificuldades à exploração agrícola em

(20)

escala econômica. Conforme demonstrado no gráfico 2, os estabelecimentos familiares que possuem, sob qualquer condição, menos de 5ha, correspondem 39,8% do total. Outros 30% possuem entre 5 a 20 ha e 17% possuem entre 20 e 50 ha. Ou seja, 87% dos estabelecimentos familiares possuem menos de 50 ha. Os produtores familiares com área maior que 100 ha e menor que a área máxima regional são representados por 5,9% dos estabelecimentos, mas ocupam 44,7% de toda a área de produção familiar no Brasil.

Gráfico 2: Brasil – Organização Familiar – Perc. de estab. e área segundo grupos de área total Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.37

Na região Nordeste está o maior número de minifúndios, 58,8% dos estabelecimentos familiares da região possui menos de 5ha, entre os quais, a área média é de 1,7 ha por estabelecimento. Quando somados aos 21,9% dos estabelecimentos com área entre 5ha e 20 ha, que possuem uma área média de 9,8 ha por estabelecimento, obtém-se 81% dos estabelecimentos familiares nordestinos.

Tabela 5: Organização Familiar – Percentual de estab. c/ acesso à tecnologia e assistência técnica

Uso de força nos trabalhos REGIÃO Utiliza Assist. Técnica Usa Energia

Elétrica animal mecânica + animal Só mecânica ou Manual

Usa Adubos e Corretivos Faz Conserv. Do solo Nordeste 2,7 18,7 20,6 18,2 61,1 16,8 6,3 C. Oeste 24,9 45,3 12,8 39,8 47,3 34,2 13,1 Norte 5,7 9,3 9,3 3,7 87,1 9,0 0,7 Sudeste 22,7 56,2 19,0 38,7 42,2 60,6 24,3 Sul 47,2 73,5 37,2 48,4 14,3 77,1 44,9 BRASIL 16,7 36,6 22,7 27,5 49,8 36,7 17,3 Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.28.

3 9 , 8 2 9 , 6 1 7 , 2 7 , 6 5 , 9 3 , 0 1 9 , 7 4 4 , 7 2 0 , 4 1 2 , 2 < 5 5 a 2 0 2 0 a 5 0 5 0 a 1 0 0 1 0 0 a 1 5 M R E m h a E m % % E s t a b . % Á r e a

(21)

As dificuldades impostas pelo reduzido espaço disponível são agravadas pelo precário acesso à tecnologia. Conforme apresentado na Tabela 5, apenas 16,7% dos produtores familiares utilizam assistência técnica contra 43,5% entre os patronais. Na região Nordeste esse percentual é ainda menor, cai para 2,7%, sendo que na região Sul chega a 47,2%.

A energia elétrica também é um privilégio para poucas unidades familiares das regiões Norte e Nordeste. Apenas 36,6% dos estabelecimentos familiares do Brasil têm acesso ao este serviço público, sendo que nas regiões Norte e Nordeste, os percentuais variam de 9,3% a 18,7%, respectivamente. Na região Sul, 73,5% das unidades familiares contam com energia elétrica.

Tabela 6: Organização Familiar e Patronal - Renda total anual (RT) e renda monetária anual (RM) por estabelecimento (Em R$)

FAMILIAR PATRONAL

REGIÃO

RT/Estab RM/Estab RT/Estab RM/Estab

Nordeste 1.159 696 9.891 8.467 Centro-Oeste 4.074 3.043 33.164 30.779 Norte 2.904 1.935 11.883 9.691 Sudeste 3.824 2.703 18.815 15.847 Sul 5.152 3.315 28.158 23.355 BRASIL 2.717 1.783 19.085 16.400

Fonte: CENSO AGROPECUÁRIO 1995/96 – IBGE apud. INCRA, 2000 c, p.37.

Como reflexo dessas diferenças observa-se uma grande disparidade de renda entre os agricultores familiares e os patronais, assim como entre os agricultores familiares localizados em diferentes regiões, como demonstrado na Tabela 6. A renda bruta média (RT) anual por estabelecimento familiar foi de R$ 2.717,00 no período correspondente ao censo agropecuário 1995/1996, variando entre R$ 1.159,00 no Nordeste e R$ 5.152,00 na região Sul. A renda monetária anual média (RM) por estabelecimento foi de R$ 1.783 entre os agricultores familiares, sendo R$ 696,00 na região Nordeste e R$ 3.315,00 na região Sul.

Verifica-se, portanto, que a forma familiar de produção agropecuária constitui um segmento heterogêneo, cujo universo é profundamente diferenciado, tanto do ponto de vista econômico,

(22)

como sócio-cultural. Ademais, exploram intensamente os recursos disponíveis, combinados em diferentes sistemas de produção sob distintas formas de organização: de modelos tipo individual-familiar (forma predominante), passando por arranjos mais simples de cooperação, através de associações ou cooperativas de prestação de serviços, até algumas experiências de coletivização parcial ou total dos meios disponíveis, através das cooperativas de produção.

Cada sistema apresenta diferentes combinações de pontecialidades e limitações de acordo com as condições edáfo-climáticas, socioeconômicas e culturais de cada região; e com as especificidades das possíveis associações de atividades agrícolas e não-agrícolas, num contexto de crescimento da pluriatividade9 e emergência da agregação de valor aos produtos in natura através do beneficiamento.

Desse modo, o papel e a importância da produção familiar dentro da atual configuração do setor agrícola brasileiro, apesar de possuir uma dimensão nacional, apresenta um recorte regional, cuja sustentabilidade socioeconômica fundamenta-se, sobretudo, na amplitude das políticas públicas voltadas à ampliação e fortalecimento deste segmento, e nas potencialidades de cada sistema de produção associadas às possibilidades de inserção em mercados regionais pouco ou não explorados pelos complexos agroindustriais, os quais localizam-se, predominantemente, no entorno das unidades produtivas, nas pequenas e médias cidades do país.

9 “O conceito de pluriatividade permite descrever a conjunção das atividades agrícolas com outras que gerem ganhos monetários e não monetários, independentemente de serem internas ou externas à exploração agropecuária. Isso permite considerar todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e não- assalariado, realizados dentro e /ou fora das explorações agropecuárias.” (GRAZIANO apud SUPERITÊNDENCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. 1999, p.9)

(23)

3 ASSENTAMENTOS: CONSTRUINDO OS SISTEMAS DE PRODUÇÃO

No complexo universo da agricultura familiar, estão inseridos mais de 6 000 projetos de assentamentos rurais espalhados por todas as regiões do Brasil, totalizando uma área de 35 270 810 ha, nos quais residem cerca de 600 mil famílias, aproximadamente três milhões de pessoas. (INCRA, 2006)

A maioria da população assentada é de origem rural, do próprio município onde está localizado o assentamento ou de municípios vizinhos, sendo que cerca de 75% estava ocupado anteriormente em atividades agrícolas. Quanto à forma de inserção anterior no processo de produção, é grande a diversidade entre as diferentes regiões, como também no interior de cada projeto. Convivem nessas áreas: posseiros com longa história de ocupação da terra; produtores familiares empobrecidos e/ou seus filhos que, sem acesso a terra, optaram pela ocupação como forma de garantir a condição de produtor independente; parceiros em busca de terra própria; assalariados rurais, permanentes ou temporários; e moradores de periferia urbana; entre outros.(LEITE, 2004, p.102)

Criados a reboque de ocupações e conflitos sociais no campo, esses núcleos não foram incorporados num programa estratégico de desenvolvimento, que disponibilizasse a necessária infra-estrutura produtiva e de uso social, bem como recursos técnicos e financeiros de forma satisfatória. Após a conquista da terra, as famílias enfrentam novos problemas e desafios para garantir a viabilidade socioeconômica dos projetos, os quais vão sendo superados através da própria luta, trabalho e organização da comunidade.

Em cada assentamento, a forma social da produção adquire características que se fundamentam na trajetória do próprio grupo. No momento em que a luta pela terra cede espaço ao cotidiano da produção, surgem novas formas de mobilização social daqueles que de “sem terra” se transformam em assentados. (BERGAMASSO; NORDER, 1996, p.58)

Na condição de assentados, estes novos sujeitos políticos vivenciam a interação com as exigências e normas estabelecidas pelo Estado, da qual emerge a nova realidade social do

(24)

assentamento, que envolve a divisão da área e a distribuição da população no seu interior, o trabalho nos lotes e a utilização dos espaços coletivos, as relações no interior do projeto e o perfil dos sistemas de produção a serem adotados.

A conquista da terra representa, portanto, um ponto de chegada, como possibilidade de mobilidade e integração social dos beneficiários. E um ponto de partida, uma condição a partir da qual as famílias buscam desenvolver projetos tecno-produtivos, praticar uma nova sociabilidade interna aos núcleos de reforma agrária e inserir-se num jogo de disputas políticas - sobretudo, na sua relação com o Estado - visando sua reprodução.(LEITE, 2004)

Na dinâmica desse processo, a consolidação de cada projeto está condicionada à combinação de uma série fatores como: o quadro natural (clima, fertilidade dos solos, relevo, água disponível); a infra-estrutura produtiva e de uso social (estradas, equipamentos, escola, moradia, saúde e saneamento); a organização da produção; o crédito; a assistência técnica; os canais de comercialização; e o entorno socioeconômico. De modo que a formulação de estratégias de desenvolvimento para essas unidades produtivas exige um entendimento da realidade na qual os produtores estão inseridos, ou seja, as atuais práticas técnicas, sociais e econômicas destes agentes e os elementos que as determinam.

Nesse sentido, considerando-se que a forma familiar de produção agropecuária é particularmente sensível às condições ambientais, um primeiro elemento determinante constitui a história de transformação dos ecossistemas, os quais limitam ou potencializam as atividades agrícolas.

Enquanto a agricultura de natureza capitalista tende a transformar o meio ambiente para adequá-lo às condições de produção capitalista, a agricultura familiar tende a alocar seus recursos mais escassos, tanto o trabalho como o capital, para melhor contornar e aproveitar os determinantes derivados das condições ambientais. (INCRA, 2000 c, p.14).

Ao contrário do que ocorre em todas as regiões monocultoras, onde a intensiva utilização de recursos externos possibilita a transformação do meio ambiente e sua adaptação às exigências do mercado, nas áreas de produção familiar a escassez de recursos tende a estabelecer uma

(25)

convivência mais intensa com as restrições impostas pelo meio ambiente.

Por outro lado, os sistemas de produção não refletem apenas as limitações ou potencialidades ambientais - agronômicas peculiares de cada espaço, mas também a história local e dos agentes que o adotam. A compreensão de sua lógica e dinâmica requer a reconstituição de seu itinerário histórico, das dificuldades e oportunidades enfrentadas pelas famílias. Trata-se, portanto, de verificar as condições de ocupação, produção, relações sociais e políticas pré-existentes. Assim, um segundo elemento determinante constitui a história das famílias e da região.

Após o processo de desapropriação e a criação oficial do projeto de assentamento, uma nova situação se coloca, trazendo em seu bojo as experiências de vida e de luta das populações envolvidas, bem como os elementos sociais, econômicos, culturais e políticos das regiões onde se inserem. (LEITE, 2004, p.111)

Desse modo, a compreensão da realidade na qual os produtores estão inseridos, além de exigir a reconstituição do processo histórico que determina o posicionamento da organização familiar na atual estrutura do setor agrícola brasileiro, passa, necessariamente, pela análise da relação entre as estratégias locais de reprodução, as transformações do ecossistema e a trajetória das famílias ao longo da história de cada região.

Nessa perspectiva, realiza-se neste trabalho uma análise da relação entre as transformações ecológicas, técnicas e sócio-econômicas ocorridas ao longo da história da região do Planalto de Conquista, particularmente no eixo intermunicipal Vitória da Conquista - Barra do Choça, e a trajetória das famílias e dos sistemas de produção adotados no Assentamento de Reforma Agrária Fazenda Cangussu, objetivando contribuir para a compreensão dos fatores determinantes das condições encontradas.

Para tanto, utiliza-se a metodologia denominada Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários, aplicada desde 1995 pelo Convênio INCRA/FAO na elaboração de diagnósticos para diferentes microrregiões do país, centrados na análise de assentamentos de Reforma Agrária.

(26)

A pesquisa fundamenta-se em dados secundários e primários obtidos através da análise de documentos históricos, leitura da paisagem, entrevistas qualitativas com antigos moradores e técnicos agrícolas da região e do assentamento, além da aplicação de questionários abertos semi-estruturados com uma amostra dirigida de famílias, representativa da diversidade existente na comunidade.

Na primeira etapa, analisam-se fenômenos mais gerais como: a história de ocupação e utilização do ecossistema da região; a estrutura fundiária; a evolução das relações sócio-econômicas nas formas de acesso a terra; nas ações dos diferentes atores sociais; nas políticas públicas; e nas atividades econômicas, culminando na identificação dos principais determinantes da evolução do sistema agrário1 regional e o perfil de seus principais produtores.

Na segunda etapa, realiza-se a caracterização dos sistemas de produção adotados no assentamento, a partir da história e a trajetória de acumulação ou empobrecimento das famílias; condições sociais e culturais; oportunidades e dificuldades enfrentadas; práticas agrícolas e econômicas usuais; aspectos qualitativos e quantitativos da mão - de - obra familiar disponível e as formas de ocupação da mesma, incluindo atividades não-agrícolas das famílias pluriativas; recursos disponíveis; o acesso a recursos externos; relações associativas; sistemas de cultivo e criação; as técnicas utilizadas; nível e o destino da produção; condições de comercialização e a renda familiar anual média, incluindo o auto-consumo, obtida em três anos recentes intercalados, 2001, 2003 e 2005, possibilitando, assim, uma análise dinâmica dos sistemas de produção e da composição da renda.

1 Modo de exploração do meio historicamente constituído. Um sistema técnico, de forças de produção, adaptado às condições bioclimáticas de um dado espaço e correspondendo a dadas condições e necessidades sociais. O sistema agrário é produto específico do trabalho agrícola, utilizando uma combinação apropriada de meios de produção inertes e meios vivos para explorar e reproduzir um meio cultivado, resultante das transformações sucessivas sofridas pelo meio natural ao longo do tempo. (MAZOYER apud INCRA, 1995, p.21)

(27)

4 A TRAJETÓRIA DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR NO PLANALTO DE CONQUISTA

4.1 ASPECTOS GEOGRÁFICOS E DEMOGRAFICOS DA REGIÃO

O Planalto de Conquista integra o Planalto Sul Baiano e está inserido na região do semi-árido. Localizado no sudoeste do estado, abrange 12 municípios (mapas em anexo), os quais ocupam uma área total de aproximadamente 140 mil Km², onde residem cerca de 500 mil habitantes, 4% da população baiana. (SEI, 2005)

Caracteriza-se pela ocorrência de vastas superfícies aplainadas, com suaves ondulações, contornadas por rebocos escarpados, cuja altitude média situa-se em torno de 900 m. Das superfícies de aplainamento emergem formas residuais como a serra do Periperi, no sitio da cidade de Vitória da Conquista, sendo que a descida para o vale do rio verruga se faz de maneira brusca, originando um relevo mais acidentado, conhecido localmente como serra do Marçal. (TANAJURA, 1992)

Integrando a bacia hidrográfica do Rio Pardo, e parte da bacia do Rio de Contas, o Planalto de Conquista, no leste do eixo intermunicipal Vitória da Conquista – Barra do Choça, é cortado por afluentes e subafluentes do Rio Pardo, como o Rio Verruga, Riacho Santa Rita, e Riacho Muritiba, no perímetro do município de Vitória da Conquista, além do Rio Água Fria, Rio dos Monos, Riacho Catolé Grande e Riacho Choça, nos limites do município de Barra do Choça.

O clima predominante é o tipo AW (koppen) tropical quente e úmido de savana, com chuvas periódicas concentradas no verão - chuva das águas - o qual comporta-se como intermediário entre o tipo Bsh, seco e o Am, chuvoso, com temperatura média em torno de 21°C. Nessa faixa de clima, os agentes erosionais são menos ativos, os solos mais espessos, e os níveis pluviométricos elevados em relação à média do semi-árido. No trecho que abrange o leste do eixo intermunicipal Vitória da Conquista - Barra do Choça, o índice pluviométrico pode chegar até 1.200 mm por ano, com inverno chuvoso, ocorrendo uma maior reserva de água subterrânea nos sedimentos, que pode ser utilizada para irrigação de pequenas áreas mais favoráveis ao desenvolvimento da agricultura e pecuária.(DUTRA NETO, 2001)

(28)

Os solos predominantes na região são classificados como Latossólicos Álicos e Argissolos Eutróficos, destacando-se o latossolo amarelo e latossolo vermelho amarelo, de acordo com o tipo de oxido de ferro presente. A percentagem de matéria orgânica varia de 2 a 7%. O horizonte “A” proeminente é mais rico em matéria orgânica e mais espesso que o horizonte “B” moderado. São solos minerais muito profundos – com espessura superior a duzentos centímetros – forte a moderadamente drenado, com baixa capacidade de retenção de água e nutrientes.Apresentam boa estrutura em blocos sub-angulares, fraco a moderado ou forte, muito pequena a pequena angular, e consistência que facilita a mecanização. Ocorrem solos de textura média e argilosa, com a percentagem de argila de maior ocorrência variando entre 30 e 40%, com incrementos pequenos ou nulos ao longo do perfil. (DUTRA NETO, 2001)

Na maior parte da região, os solos encontrados originalmente apresentam baixa fertilidade e nível elevado de alumínio. O pH é extremamente ácido, sendo que para a maioria dos cultivos tornam-se necessárias calagens de forma intensa e contínua.O índice de saturação de bases dos solos originais é baixo. Somente 8% dos solos apresentam o índice de saturação de base acima de 70%, nível considerado ideal, o que impõem severas limitações ao cultivo de lavouras sem a aplicação de corretivos.(DUTRA NETO apud DUTRA NETO, 2001, p.46)

Quanto à vegetação, podem ser identificadas basicamente quatro faixas: caatinga ou cobertura acatingada, típica de áreas com deficiências hídricas acentuadas; cerrados ou campos gerais, vegetação ba xa, mais aberta, conhecida como Mata de Cipó, típica de terra muito pobre e seca; Mata de Larga, vegetação que aparece em transição com a Mata de Cipó, meno seca que a caatinga, predominante na faixa leste do território correspondente aos municípios de Vitória da Conquista e Barra do Choça; e a Mata fria e pluvial única, vegetação que aparece nos bordos e nas escarpas sudestes do platô, logo depois da Mata de larga, em áreas que estão sob a influência direta das correntes aéreas, frias e úmidas vindas do oceano, cujos invernos são muito sujeitos a freqüentes e prolongados nevoeiros. Em plena estação seca essa vegetação herbácea, estacional decidual e semi - decidual, se mantém inteiramente verde. (DUTRA NETO, 2001)

(29)

4.2 FORMAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA

4.2.1 Da Ocupação Inicial ao Desenvolvimento do Comércio

Até a segunda metade do século XVIII, a região do Planalto de Conquista era habitada e disputada por índios das tribos Mongoiós, Imborés e Pataxós, que além da caça e da pesca, praticavam a agricultura cultivando batata, abóbora, inhame, melancia e mandioca, da qual fabricavam a farinha. Com a chegada dos bandeirantes, iniciaram-se sangrentas batalhas que culminaram com o extermínio da população indígena, restando apenas algumas tribos que foram controladas por missionários jesuítas, e transformadas em aldeias, abrindo caminho para a exploração das terras pelos colonizadores.

A região foi dividida em grandes sesmarias, que englobaram toda a área de caatinga, além de outras áreas menores ao longo do Rio Pardo, cuja ocupação teve como base à pecuária extensiva instalada em grandes latifúndios, nos quais centralizou-se toda a organização econômica da região ao longo de quase dois séculos.

Na medida em que a terra era ocupada, a vegetação nativa dava lugar às pastagens, onde o gado era criado solto, em condições extremamente rudimentares, sendo o tipo mais comum o chamado “pé duro”, depois o mestiço, conhecido como crioulo ou “curraleiro”. Além da criação do gado, eram produzidos nas fazendas tanto os alimentos necessários à subsistência de seus habitantes - feijão, milho, mandioca e farinha – como os insumos e a maioria dos instrumentos utilizados no processo de produção, o que as tornava quase auto-suficientes. (TANAJURA, 2001)

Nas lavouras, as técnicas utilizadas em todas as etapas baseavam-se no trabalho manual. Na fase de preparação do solo recorria-se à derrubada e queima da vegetação. No plantio, os cultivos eram feitos em consórcios, o que dificultava o ataque de pragas e doenças, dispensando à utilização de defensivos. Após a colheita, a área explorada recebia outra cultura, geralmente, pastagens para a criação de gado. As atividades de transformação também eram realizadas através do trabalho manual, sendo que apenas na casa de farinha a força –motriz era obtida a partir da tração animal. (TANAJURA, 2001)

(30)

A mão-de-obra escrava e alguns índios “domesticados” desempenhavam as diversas funções, sendo substituídos após a abolição, por trabalhadores livres sob a denominação de agregados, cujas famílias eram incorporadas às fazendas para trabalhar de meia nas lavouras de mantimentos e percentagem no pastoreio do gado, mediante pagamento e forma de sorteio de reses.( TANAJURA, 2001)

O reduzido número de trabalhadores demandados pela atividade predominante, a pecuária, frente à reserva de mão-de-obra disponível, fazia com que a incorporação do trabalhador à fazenda fosse considerada uma espécie de favor ou caridade praticada pelo dono da terra, que deveria ser recompensada com fidelidade e subordinação. A inteira dependência ao latifúndio era reforçada por laços de compadrio e outros elementos característicos de um sistema de clientela. “Os fazendeiros batizavam os filhos dos agregados e dos vaqueiros, e o compadrio mascarava a dura exploração. No lugar do empregado estava o compadre”.(MEDEIROS, 1977, p.2)

No topo dessa estrutura social, as elites agropecuárias, que controlavam toda a atividade econômica, mantinham o domínio social e político historicamente ligado à defesa dos interesses das famílias proprietárias, todas aparentadas entre si, cujos membros invariavelmente ocupavam os cargos político-administrativos na região.

O monopólio da terra, a disparidade entre homens disponíveis ao trabalho e a inexistência de mercado de trabalho, fazem com que o fazendeiro seja o dono da vida e imponha seu domínio à legião dos pobres dos campos. Não havia ninguém em condições de se opor eficazmente ao "coronel". O poder de mando local enraizava-se no controle de terra e efetivava-se através da família. (MEDEIROS, 1977, p.3)

A criação comercial de gado constituiu, portanto, o elemento determinante na formação econômica e social do Planalto de Conquista, direcionando a trajetória de desenvolvimento da região.

O escoamento da produção bovina orientou a abertura das estradas e estimulou o surgimento e um conjunto de atividades complementares, como a produção de derivados do leite e artigos de couro. Ao mesmo tempo, o gado motivou a formação do primeiro núcleo populacional, o

(31)

arraial da Vitória – origem remota da cidade de Vitória da Conquista – elevado à condição de vila independente em 1840, passando à categoria de cidade em 1891. Nessa época, já representava um dos principais eixos de ligação entre o sertão e o litoral, apresentando algumas atividades urbanas, subsidiárias à pecuária, como o comércio, o artesanato de couro, o aluguel de pastos para boiadas, e o plantio rudimentar do algodão para suprir as

necessidades do vestuário. (TANAJURA, 2001)

De forma paralela a essa incipiente urbanização e diversificação das atividades econômicas, multiplicou-se nas margens do latifúndio, e em áreas longínquas ainda inabitadas, a agricultura camponesa praticada por pequenos proprietários, ocupantes de terras devolutas ou mesmo posseiros em terras alheias.

Nessas áreas cultivava-se principalmente feijão, milho, hortaliças, abacaxi, banana, mandioca e cana de açúcar, das quais produzia-se farinha e cachaça, respectivamente, que além de atender o autoconsumo, geravam excedentes que eram comercializados nas cidades e povoados circunvizinhos. Em algumas regiões, além de lavouras de subsistência, encontravam-se, ainda, criatórios de aves e a pecuária em pequena escala.

Assim como nas áreas de produção de subsistência das grandes fazendas de gado, as lavouras eram feitas em regime de policultura. Utilizava-se o sistema tradicional de manejo, através do qual as queimadas eram feitas de forma sistemática. Como havia muita terra ocupada apenas com matas, era possível praticar a alternância das áreas cultivadas e a rotação de culturas, permitindo assim o descanso e a recuperação das terras já utilizadas, dispensando a utilização de fertilizantes e defensivos químicos. Os instrumentos de trabalho disponíveis eram bastante rudimentares e a força de trabalho utilizada preponderantemente familiar, contratavam-se trabalhadores de forma esporádica, normalmente através da troca de dias entre vizinhos.

Com a gradativa chegada de famílias migrantes, predominantemente oriundas das áreas de caatinga, em decorrência das constantes secas que assolaram aquelas regiões ao longo das primeiras décadas do século XX, a produção de subsistência ampliou-se, passando a ganhar maior importância, ao lado da pecuária extensiva de pequeno porte.

(32)

Entre as áreas que foram ocupadas nesse período, encontra-se o espaço correspondente à região sudeste do atual território Conquistense - áreas de Mata de Larga e Mata de Cipó - e todo o território do município de Barra do Choça, que na época ainda integrava o município de Vitória da Conquista e encontrava-se praticamente inabitado.

Existia nessa região apenas um pequeno núcleo populacional conhecido como Vila de Tanque Velho - povoado que deu origem à atual cidade de Barra do Choça - com poucas casas e sem nenhum comércio, cuja interação com a sede do município era pouco freqüente, em função das condições de acesso extremamente precárias, já que não havia estradas e o transporte só podia ser feito através de animais. A fauna e a flora encontravam-se praticamente intactas. Os poucos indivíduos que habitavam efetivamente a área, além de praticarem a agricultura de subsistência, criavam animais – éguas e burros – que eram comercializados na zona cacaueira, região sul do estado.

Aos poucos as terras foram ocupadas com mandioca, cuja lavoura espalhou-se por quase toda a extensão do território - associada à produção rudimentar de farinha – tornando-se o principal produto cultivado pelos camponeses da região, além de feijão, milho e banana, pecuária de pequeno porte.

A despeito das precárias condições e da localização esparsa, a pequena produção familiar passou a representar a forma quantitativamente predominante nessa região, embora a maior parte da área tenha sido ocupada por um reduzido número de grandes propriedades de pecuária extensiva, que situaram - se nas melhores terras.

A partir da década de 40, o Planalto de Conquista vivenciou profundas transformações que intensificaram a urbanização e o desenvolvimento do comércio. A expansão urbana e a crescente industrialização experimentada nos grandes centros do país, associada ao aquecimento da demanda internacional de gêneros alimentares e matérias-primas, a partir da eclosão da segunda guerra mundial, ampliaram o mercado de produtos agropecuários, impulsionando a economia da região.

(33)

O estímulo ao aumento da produção foi correspondido principalmente pela pecuária, cuja expansão dos rebanhos avançou gradativamente sobre parte das áreas de lavouras, desalojando parcela significativa de meeiros, antigos posseiros, e pequenos proprietários.

Mais tarde, com o advento da consolidação das leis de trabalho da década de 50, esse processo de expropriação das áreas de produção de subsistência ampliou-se, na medida em que muitos fazendeiros, fugindo dos encargos trabalhistas, expulsaram parte dos antigos moradores, agregados em suas terras, mantendo o menor número possível de trabalhadores permanentes nas fazendas.

Desprovidas de seu meio tradicional de produção, a maioria dessas famílias tiveram como principal destino, mesmo que provisório, à cidade de Vitória da Conquista, que já funcionava como escoadouro de grande parte da migração oriund das áreas de caatinga, concentrando um crescente contingente populacional, que passou de cerca de 25% da população total do município em 1940, para 67,5% em 1970. (MEDEIROS, 1980, p.4)

Na medida em que a cidade era ocupada, a ampliação do setor urbano estimulava a expansão das atividades comerciais, que experimentaram um acelerado crescimento, polarizando toda a região do Planalto de Conquista, de economia periférica predominantemente rural, que passava a utilizar o comercio e os serviços disponíveis em Vitória da Conquista.

Com a abertura de novas rodovias como a Rio – Bahia (BR 116), integrando a cidade a outras regiões e ao sul do país; a rodovia Ilhéus – Lapa (BA 415), ligando o litoral ao sertão do São Francisco; além da rodovia Conquista – Brumado (BA 262), Vitória da Conquista passou a existir não apenas em função da pecuária, mas também como um centro de redistribuição de bens de consumo para uma extensa região, que já alcançava Brumado e parte da área do São Francisco no Norte de Minas Gerais, no sentido oeste, e ultrapassava Itapetinga, atingindo o Extremo-Sul do Estado, no sentido leste.

O expressivo crescimento permitiu que o comércio superasse a pecuária em importância econômica, passando a representar a principal atividade desenvolvida no município. Elevada à condição de segundo pólo comercial do interior do Estado, cuja área de influência já abrangia

Referências

Documentos relacionados

Entre os motivos que determinaram o acto do Curador Fiscal das massas fallidas figura também o protesto de letras de responsabilidade de terceiro, endossadas

Este estudo vem também reforçar esta ideia, uma vez que não só ocorre alteração do perfil lipídico nas amostras tratadas com a proteína livre como também as amostras tratadas

O assunto abordado por esse trabalho ainda é pouco explorado tanto em âmbito nacional quanto local. Diante da dificuldade de angariar dados relevantes, para a

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de espécies de Myrtaceae, com dados de anatomia e desenvolvimento floral, para fins taxonômicos, filogenéticos e

Avaliou-se o comportamento do trigo em sistema de plantio direto em sucessão com soja ou milho e trigo, sobre a eficiência de aproveitamento de quatro fontes

É possível afirmar que os fatores motivadores ganhos pessoais, aprendizado e interação social foram relevantes para esse tipo específico de CV, onde pessoas cadastram um projeto

Hem d’entendre aquesta com un estadi social on convisquin tots els modes de felicitat possibles, i no com un model de societat feliç, exterior als desigs dels individus.. Pot

Pelo ensaio DL-EPR foi possível observar que a ZF apresentou resistência à corrosão intergranular superior ao material como recebido, quando o grau de