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Síndrome de realimentação: revisão

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Academic year: 2021

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MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA

SÍNDROME DE REALIMENTAÇÃO:

REVISÃO

Henrique Barrilaro Ruas Pinto Moreira

M

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Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina

Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto

Junho 2018

Síndrome de Realimentação: revisão

Henrique Barrilaro Ruas Pinto Moreira

henriqueruasmoreira@gmail.com

Orientador:

Dr. Aníbal Marinho

Assistente Hospitalar Graduado de Medicina Interna no Centro Hospitalar do

Porto – Hospital de Santo António

Professor Auxiliar Convidado – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

da Universidade do Porto

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i

Resumo

Introdução: A Síndrome de Realimentação é uma entidade clínica caracterizada por alterações eletrolíticas, das quais a mais relevante a hipofosfatémia. Ocorre fundamentalmente quando doentes desnutridos são realimentados de forma não cuidada, entrando novamente em estado anabólico, o que leva a depleção de iões e vitaminas, podendo provocar diversos sinais e sintomas clínicos graves de natureza cardiovascular, respiratória e neuromuscular. O conhecimento do corpo clínico sobre a matéria é limitado e existe grande variabilidade de critérios diagnósticos.

Objetivos: Esta revisão tem como objetivo trazer à luz o conhecimento científico atual sobre a Síndrome, abordando os critérios diagnósticos, a prevalência e o tratamento da mesma.

Desenvolvimento: Da análise realizada, verificou-se que existe variabilidade importante na definição de critérios de diagnóstico. Enquanto alguns estudos consideram apenas a hipofosfatémia como critério, havendo também variação nos níveis séricos a partir dos quais se considera a presença da síndrome, outros fazem o diagnóstico depender de desvios de diferentes eletrólitos, e os demais consideram que a presença de sinais clínicos é obrigatória para o diagnóstico. Isto resulta em diferentes prevalências reportadas (0-48%), o que contribui para a incerteza clínica e desinformação sobre esta entidade. Sugere-se a definição da Síndrome como uma doença de espectro, com uma entidade puramente bioquímica, e outra entidade que inclui a evolução para sintomatologia geral. Também no tratamento e prevenção da Síndrome existe discussão – enquanto as

guidelines estabelecem uma política de precaução, alguns autores referem que é

possível realimentar agressivamente, sem consequências clínicas major.

Conclusão: É necessário estabelecer critérios diagnósticos fixos e universais, que permitam às equipas clínicas proceder a uma realimentação adequada e atentar à presença da síndrome durante a prática clínica.

Palavras-chave MeSH: Refeeding Syndrome, Malnutrition, Nutrition Therapy, Hypophosphatemia, Water-Electrolyte Imbalance

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ii

Abstract

Introduction: Refeeding syndrome is usually characterized by changes in electrolyte levels, of which hypophosphatemia is the most relevant. It occurs when malnourished patients are submitted to refeeding in a non-cautious manner, entering anabolic state, which leads to the depletion of ions and vitamins, and, in turn, will result in severe clinical signs and symptoms, of cardiovascular, respiratory and neuromuscular nature. Clinical teams’ knowledge of the syndrome is poor, and there is variability in reported diagnostic criteria.

Objectives: This review aims to bring the current scientific knowledge about the syndrome to light, focusing on diagnostic criteria, prevalence, prevention and treatment.

Discussion: Analysing current knowledge, a variability in the definition of diagnostic criteria becomes evident. While some studies focus on hypophosphatemia as the main diagnostic criteria, with some disagreement as to which values should be considered to be diagnostic, others still mention that the levels of other electrolytes also need to be altered, and some consider that the syndrome is only present when there is evidence of clinical symptoms. This results in different reported prevalence (0-48%), and contributes to clinical uncertainty and misinformation. One author suggests the reclassification of Refeeding Syndrome as a “spectrum disorder”, with a purely biochemical syndrome or a symptomatic syndrome. There is also some disagreement regarding treatment and prevention – while current guidelines suggest refeeding with precaution, one article describes that aggressive refeeding is possible without major clinical consequences.

Conclusion: It is vital to establish universal diagnostic criteria, that will allow and empower clinical teams to proceed with adequate and safe refeeding, while being aware of the syndrome in clinical practice.

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iii

Lista de Abreviaturas e Siglas

ATP Adenosina Trifosfato DPG 2-3-Difosfoglicerato ECG Eletrocardiograma

IGF-1 Insulin-like Growth Factor-1 IMC Índice de Massa Corporal

NICE National Institute for Clinical Excellence OMS Organização Mundial de Saúde

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iv

Índice

Introdução ... 1 Métodos ... 2 Fisiopatologia ... 3 Desnutrição ... 3 Realimentação ... 4 Manifestações clínicas ... 6 Hipofosfatémia ... 6 Hipocalémia ... 7 Hipomagnesémia ... 8 Hipovitaminose B1 ... 8 Retenção de Fluídos ... 9

Critérios de risco para Síndrome de Realimentação ... 10

Critérios diagnósticos para Síndrome de Realimentação ... 12

Epidemiologia ... 14

Prevalência da Desnutrição ... 14

Prevalência da Síndrome de Realimentação ... 15

Prevenção e Tratamento ... 17

Conclusão ... 20

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1

Introdução

A Síndrome de Realimentação é uma entidade clínica que é caracterizada por alterações metabólicas, como alteração no metabolismo da glicose, eletrolíticas, principalmente nos níveis séricos de fósforo, potássio e magnésio, assim como manifestações clínicas do foro neurológico, cardiovascular, hematológico ou respiratório, que pode ocorrer fundamentalmente em pacientes previamente desnutridos e que são sujeitos, em contexto hospitalar, a realimentação, oral, entérica ou parentérica1,2.

Historicamente, a síndrome terá sido descrita nas décadas de 1940 e 1950, em estudos realizados em voluntários, objetores de consciência à participação na Segunda Guerra Mundial, que se submeteram a greve de fome3, assim como em

prisioneiros de guerra do mesmo período, de origem japonesa, que foram obrigados a um regime de fome4. Nestes casos, e em ambos os trabalhos, foram

reportadas mortes ou alterações cardiovasculares, mesmo depois de introdução de nutrição adequada2,5. Mais tarde, e com a introdução clínica da Nutrição

Parentérica, reportada em 1968 por Drudrick et al.6, reconheceu-se a ocorrência de

hipofosfatémia após o início da terapêutica e foram descritos casos de mortes associadas a realimentação em duas pacientes previamente desnutridas, com alterações cardíacas e pulmonares a surgir nas primeiras 48 horas de nutrição, ainda que com suplementação adicional de eletrólitos7.

À data, vários artigos têm sido publicados relativamente à síndrome de realimentação, permanecendo esta, no entanto, uma entidade relativamente desconhecida pela comunidade médica8,9.

Tendo em conta as várias situações em que pode ocorrer desnutrição, tais como em doenças psiquiátricas de restrição alimentar, como por exemplo a anorexia nervosa, em doenças de malabsorção intestinal, em casos de necessidade de “nils per os” em contexto hospitalar, médico ou cirúrgico, ou a existência de situações de desfavorecimento socioeconómico, a necessidade de conhecimento e de definição adequada de critérios de diagnóstico e tratamento desta síndrome é premente e deve ser reforçada na formação médica.

Esta revisão tem como objetivo sumarizar o conhecimento atual existente sobre a Síndrome de Realimentação, assim como trazer à discussão os diferentes critérios de diagnóstico que são aplicados, e as novas considerações relativamente à realimentação dum indivíduo desnutrido.

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2

Métodos

Foi realizada uma pesquisa de revisão bibliográfica através da procura nas bases de dados PubMed® e Google Scholar® com a utilização dos seguintes termos: “refeeding”, “refeeding syndrome”, “hypophosphatemia” e “malnutrition”.

Foram também incluídos artigos encontrados a partir das referências bibliográficas dos que foram selecionados na pesquisa inicial.

A maioria dos artigos incluídos na revisão apresentam data de publicação a partir do ano 1990. Contudo, foram também considerados artigos publicados antes deste ano pela pertinência e importância dos seus achados, nomeadamente no que toca a conteúdo relacionado com o contexto histórico da Síndrome de Realimentação. Apesar de privilegiados os artigos originais, durante a pesquisa não houve restrição do tipo de artigo.

Da seleção inicial de 70 artigos foram apenas considerados 50 para a elaboração do presente trabalho, devido à pertinência e relevância da informação obtida.

Na execução do processo de seleção, os artigos deveriam conter informação relevante acerca da entidade em causa, a Síndrome de Realimentação, informação relativa às suas consequências clínicas ou informação relevante acerca das diferentes componentes que a caracterizam.

Todos os artigos selecionados estão escritos no idioma inglês ou espanhol. Foram apenas incluídos estudos elaborados com base na espécie humana.

Para complementação da informação obtida, foram consultados também documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e um livro da área da Medicina Interna, “Harrison’s Principles of Internal Medicine”, na sua 19ª edição, datada de 2015.

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3

Fisiopatologia

Desnutrição

Em condições normais, o corpo humano utiliza a glicose como o nutriente essencial para a produção de energia, num processo anabólico de extração de hidratos de carbono complexos da dieta, que são convertidos em glicose8, para

que possa ocorrer a produção de Adenosina Trifosfato (ATP) e outros compostos energéticos, através, por exemplo, do Ciclo de Krebs. Para além disto, a glicose pode também ser armazenada sob a forma de glicogénio, composto que se concentra principalmente no fígado e tecido muscular, para que possa servir de reserva rápida de glicose, em caso dum curto período, até 24 horas, de jejum10.

No que toca ao consumo de proteínas, estas são utilizadas, através dos aminoácidos, para a produção de proteínas humanas que poderão desempenhar as mais variadas funções no corpo, desde a produção de massa muscular a anticorpos ou proteínas de transporte10.

Em casos de excesso de ingestão nutricional, os nutrientes são armazenados sob a forma de gorduras complexas, triglicerídeos10, no tecido adiposo

multilocular.

Durante o período inicial de jejum, como referido, o fígado é capaz de utilizar as suas reservas de glicogénio para a produção de glicose, num processo denominado gliconeogénese, sendo que o tecido cerebral ou as hemácias, por exemplo, são tecidos que dependem fundamentalmente da glicose2. A partir das

72 horas2, existe mobilização de ácidos gordos, provenientes do tecido adiposo,

assim como de aminoácidos, provenientes do tecido muscular, para produção de glicose e glicerol10.

Após este período, o catabolismo proteico diminui, e a taxa metabólica basal decresce em 20-25%10, as vísceras utilizam ácidos-gordos para a produção de

energia e o cérebro é capaz de ter atividade consumindo corpos cetónicos, poupando assim a perda de massa muscular que teria impactos negativos no indivíduo10. Ainda assim, com a desnutrição prolongada existe perda de massa

muscular e adiposa10, assim como decréscimo da função respiratória (o que pode

levar a hipercapnia), perda de massa cardíaca ou atrofia gastrointestinal11. Boateng

et al.12 refere também a possibilidade de perda de massa cerebral e hepática, o que

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4 A nível eletrolítico, no início da desnutrição existe excreção aumentada de fósforo, potássio, magnésio ou zinco, verificando-se uma excreção normalizada em fases mais avançadas do processo11, podendo também ocorrer perdas

gastrointestinais de magnésio10. Mesmo assim, os valores medidos destes iões

podem continuar normais, devido à hemoconcentração resultante da perda de volume total observada e da diminuição do espaço intracelular2,12.

Existe também depleção vitamínica11, das quais se destaca principalmente a

Tiamina (Vitamina B1), pela sua importância no Ciclo de Krebs. Em termos hormonais, observa-se uma diminuição acentuada da insulina e uma subida de glucagon10.

A desnutrição é um fator preditor de maior mortalidade e morbilidade, assim como de maior número de dias de internamento e de taxas de reinternamento13,14.

Mais ainda, é evidenciado um impacto negativo nos custos hospitalares em pacientes desnutridos13,15.

Apesar disto, Lazarus et al.15, Adams et al.16 e Volkert et al. 17 reportam, em

estudos realizados sobre a prevalência de desnutrição em contexto hospitalar, que o grau de registo e de identificação de risco era baixo, associado a falhas na identificação de pacientes já desnutridos ou em risco de desnutrição.

Realimentação

Após as alterações provocadas pela desnutrição, e aquando da realimentação, seja esta feita de forma oral, parentérica ou entérica, a glicose voltará a ser a fonte principal para a produção de energia2. A subida dos níveis de

insulina, promovida pela entrada de nutrientes, resulta na entrada de glicose e fósforo nas células10, que serão então utilizados para a produção de ATP e

2-3-difosfoglicerato (DPG)2. Tendo em conta os baixos valores absolutos de eletrólitos,

principalmente considerando o ião fosfato, particularmente importante na produção de compostos energéticos fosforilados, esta entrada iónica para o espaço intracelular resulta na diminuição acentuada dos níveis séricos de fosfato10, que é

normalmente referida como um dos sinais patognomónicos da Síndrome de Realimentação2.

Também o potássio é afetado, entrando no espaço intracelular, e gerando hipocalémia2,10.

Sendo o magnésio um co-factor essencial para vários sistemas enzimáticos18,

(12)

5 fator preditor de consequências clínicas da síndrome, podendo agravar as já instaladas alterações eletrolíticas de fósforo e potássio10.

A hiperinsulinémia que surge com a realimentação está associada também a retenção de sódio e de volume, que poderá estar relacionada com o efeito antinatriurético da insulina10, condicionando o aparecimento de edemas

periféricos. O excesso de volume verificado poderá, em doentes com reserva cardíaca diminuída, pela perda de massa observada durante o período de desnutrição, levar a insuficiência cardíaca congestiva e em casos extremos provocar um edema agudo do pulmão2,5,10.

Também os valores de Vitamina B1, Tiamina, se encontram diminuídos10,19.

Sendo a Tiamina um co-fator importante para o metabolismo da glicose2,10,19, e

estando envolvida particularmente na Piruvato-desidrogenase, responsável pela conversão do piruvato em Acetil Coenzima-A, a sua ausência pode implicar níveis elevados de piruvato, que é convertido subsequentemente em lactato e poderá levar a uma acidose lática10. Deve ainda considerar-se o risco de Encefalopatia de

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6

Manifestações clínicas

Hipofosfatémia

O fósforo é um anião intracelular, sendo o mais abundante neste espaço. Está presente no corpo em grande parte no tecido ósseo, cerca de 75% das reservas, e no tecido muscular, cerca de 25%, e uma pequena fração, menos de 1%, encontra-se em circulação no plasma21. O fósforo obtido através da dieta é

absorvido através da mucosa jejunal, filtrado no glomérulo renal, sendo reabsorvido nos túbulos distal e proximal, que assume o papel fundamental através da proteína co-transportadora – Na+/PO

4

-, cuja expressão é regulada pela

hormona paratiroideia22.

É normalmente sobre o valor de fosfato (PO4-) inorgânico que incidem as

medições de valores realizadas em laboratório21 e, em condições normais de pH

fisiológico (7.4), os valores de fosfato variam entre 2.5mg/dL (0.8mmol/L) a 4.5mg/dL (1.45mmol/L), havendo uma variação circadiana de cerca de 0.6±0.1mg/dL21. Valores inferiores a 1.0-1.5mg/dL (0.3-0.5mmol/L) representam

uma situação de hipofosfatémia severa22.

As manifestações clínicas associadas à depleção de fósforo são relacionadas com os sistemas neurológico, cardíaco, respiratório, neuromuscular ou hematológico5, e também consequências metabólicas, no que diz respeito, por

exemplo, à produção de ATP e DPG22.

A nível cardiovascular, o primeiro sistema em que foram descritas alterações graves relacionadas com a realimentação3,4,7, foi observada diminuição da função

cardíaca2, com quadros de choque cardiogénico após realimentação em doentes

com desnutrição prolongada a serem reportados por Sakamoto et al.23 e Shimizu

et al24. Kohn et al.25 descrevem também complicações cardíacas, nomeadamente

paragem, arritmia ou enfarte, em doentes com anorexia nervosa, durante a primeira semana de realimentação.

No que toca às manifestações respiratórias, estas poderão estar associadas à perda de massa muscular inicial10, assim como à diminuição da contratilidade

muscular generalizada, provocada pela depleção de ATP, o que implica função diafragmática diminuída2,18,22, sendo que a função respiratória melhora com a

suplementação de fosfato18. É também importante referir que níveis baixos de DPG,

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7 dissociação do oxigénio (O2) para a esquerda, o que tem consequências a nível respiratório ou neurológico2.

Relativamente às complicações neuromusculares e neurológicas, já foram descritas parestesias, paralisia com arreflexia, letargia, síndromes

Guillain-Barré-like, ou fraqueza muscular generalizada com rabdomiólise2,18, assim como delírio25.

Hipocalémia

O potássio é um catião intracelular com um importante papel fisiológico, de regulação de potencial de membrana, síntese proteica ou no metabolismo celular2,18,19. O intervalo de valores séricos normais para o potássio situa-se entre

3.5-5.2mEq/L26, enquanto se considera existir uma hipocalémia moderada em

valores de 2.5-3.5mEq/L e severa em valores abaixo de 2.5mEq/L2,19.

Pelo seu papel na regulação do potencial membranar, a hipocalémia tem consequências na condução nervosa, estando na origem de sintomas neurológicos, gastrointestinais, neuromusculares ou cardíacos2,18,19.

Os sintomas da hipocalémia estão diretamente relacionados com a gravidade do défice instalado2,18,19,27, sendo que com valores moderadamente baixos

(2.5-3.5mEq/L), verificam-se sintomas de ordem geral, como naúsea2, vómitos2,19 e

astenia2.

No entanto, se estivermos perante uma hipocalémia severa (<2.5mEq/L), outros sintomas podem surgir, afetando um maior número de sistemas. Relativamente aos sintomas gastrointestinais, pode ocorrer obstipação27, íleo

paralítico27 ou exacerbação de encefalopatia hepática18. No que toca aos sintomas

neuromusculares, pode surgir fraqueza muscular27, rabdomiólise27, necrose

muscular28, diminuição da função respiratória28, paralisia28 ou parestesias28.

A nível cardiovascular, a hipocalémia pode provocar várias alterações relativas à condução elétrica cardíaca normal, com repercussões em Eletrocardiograma (ECG), nomeadamente taquiarritmias auriculares e ventriculares, assim como fibrilação ventricular, depressão do segmento ST, inversão das ondas T ou ainda proeminência das ondas U27. Gennari J refere ainda um aumento do

potencial arritmogénico dos digitálicos e aumento da pressão arterial, que poderá estar relacionado com a retenção de sódio28.

Na ausência da possibilidade de medir os níveis séricos de fósforo, o que pode acontecer em situações de urgência, e pelo facto da hipocalémia se associar

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8 frequentemente, e especificamente nesta síndrome à hipofosfatémia, é relevante considerar uma hipocalémia refratária como sinal da presença duma hipofosfatémia indolente.

Hipomagnesémia

O magnésio é um catião intracelular com funções importantes como co-fator de sistemas enzimáticos2,18, assim como para reações de fosforilação

oxidativa2. É também importante como co-fator de proteínas de transporte e ácidos

nucleicos, o que torna este ião essencial para a replicação e normal funcionamento do metabolismo e vida da célula29. Encontra-se distribuído, em grande parte, no

tecido ósseo e muscular2.

O intervalo de valores séricos normais para o magnésio situa-se entre 1.7-2.4mg/dL29, enquanto se considera existir uma hipomagnesémia moderada em

valores inferiores a 1.7mg/dL, e uma hipomagnesémia severa, em valores abaixo de 1mg/dL2.

Em geral, apenas a hipomagnesémia severa (<1mg/dL) é sintomática, podendo afetar diversos sistemas, como o neuromuscular, cardiovascular ou gastrointestinal.

Relativamente a sintomas neuromusculares, estes poderão incluir tetania, tremor, fraqueza muscular, confusão, crises convulsivas, ataxia, nistagmo, parestesias, sinal de Trousseau positivo, irritabilidade ou depressão, psicose e delírio2,18,29. No que toca a sintomas gastrointestinais, é expectável a presença de

náusea, anorexia ou vómitos, sendo que os sinais cardíacos se denotam apenas com valores decrescentes de magnésio, desde taquicardias sinusais ou supraventriculares, arritmias ventriculares, torsade de pointes ou outras alterações ao ECG, como prolongamento do intervalo QT, depressão do segmento ST, picos na onda T ou abatimento da mesma2,29. Pode ainda, tal como na hipocalémia,

verificar-se uma sensibilidade aumentada a digitálicos29.

A hipomagnesémia, pelo carácter do magnésio como co-fator de proteínas de transportes, poderá ainda condicionar défices de outros iões, nomeadamente o potássio ou o cloro2.

Hipovitaminose B1

A Tiamina, vitamina B1, é essencial como co-fator do metabolismo dos hidratos de carbono2,18,20. As reservas de tiamina, esgotam-se ao fim de duas ou

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9 menos semanas, dada a incapacidade do corpo de manter reservas adequadas, condicionando a necessidade do seu consumo na dieta diária30.

Assim sendo, depois da desnutrição, que já diminui consideravelmente os seus níveis no corpo humano11, existe o risco de esgotamento total das suas

reservas pelo início de metabolismo de hidratos de carbono, especificamente da glicólise, que se inicia com a realimentação10,19,20. Tal como mencionado

anteriormente, é um fator essencial na conversão de piruvato em Acetil Coenzima-A, o que resulta na acumulação de níveis elevados de piruvato, que é convertido subsequentemente em lactato e poderá levar a uma acidose lática10.

Mais ainda, o défice de Tiamina foi também associado a consequências neurológicas, que, embora sejam mais comuns em doentes alcoólicos crónicos18,

também poderão afetar qualquer paciente que seja realimentado quando previamente desnutrido2,18. Destas, é de notar a possibilidade de instalação de

Encefalopatia de Wernicke, que se carateriza por ataxia, disfunção vestibular, distúrbios oculares, confusão, crises convulsivas ou perda de memória2,18,20.

Considera-se então que a suplementação de tiamina em doentes previamente desnutridos será protetora contra estas consequências clínicas18,20.

Retenção de Fluídos

Durante a realimentação, o aumento dos níveis de insulina resulta em retenção de sódio, condicionando também um aumento de volume9. Este fenómeno

ocorre principalmente aquando da realimentação com soluções que contém predominantemente hidratos de carbono ou proteínas18.

As consequências clínicas observadas, como insuficiência cardíaca congestiva, ou edema agudo do pulmão, amplificadas pelo estado de desnutrição prévia, poderão então ser prevenidas através duma reposição moderada do nível de fluídos e sódio administrados ao doente2,18,20.

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10

Critérios de risco para Síndrome de Realimentação

Dada a necessidade de maior informação das equipas clínicas relativamente à Síndrome de Realimentação, e sendo esta uma entidade clínica que ocorre em contexto hospitalar, com relação entre o seu aparecimento e a ação clínica, é premente a definição dos grupos de maior risco e a preparação das equipas para a prevenção da síndrome2.

Relativamente aos grupos de risco, será necessário compreender que os doentes devem ser sujeitos a uma avaliação adequada do estado nutricional, desde o primeiro momento em que dão entrada numa unidade de saúde, para além da recomendação da avaliação semanal do estado nutricional de pacientes internados em qualquer unidade31. Esta avaliação poderá incluir os valores de Índice de Massa

Corporal (IMC), uma história detalhada, com foco em perdas de peso não intencionais e também considerar a possibilidade de existir baixo aporte nutricional num momento posterior31, como por exemplo em situações de

pós-operatório ou situações clínicas em que o tratamento inclua “nils per os”.

Segundo as Guidelines publicadas pelo National Institute for Clinical

Excellence (NICE), sediado no Reino Unido, e que são, geralmente, consideradas

como a base para avaliação do risco5, os fatores para desenvolvimento de alto risco

de síndrome de realimentação são: IMC inferior a 16kg/m2, perda não intencional

de peso maior do que 15% do peso corporal normal, nos últimos 3 a 6 meses, baixo ou nenhum aporte nutricional nos 10 dias anteriores ou baixos níveis de potássio, fosfato ou magnésio31. Poderão ainda ser considerados como doentes de alto risco

os que preencherem dois dos seguintes critérios: IMC inferior a 18.5kg/m2, perda

não intencional de peso maior do que 10% do peso corporal normal, nos últimos 3 a 6 meses, baixo ou nenhum aporte nutricional nos 5 dias anteriores ou história pessoal de abuso de álcool ou consumo de fármacos como a insulina, quimioterápicos, antiácidos ou diuréticos31.

Para além dos fatores de risco mencionados nas Guidelines de NICE, Avila et al. 32 reporta a idade avançada (acima dos 60 anos), em doentes com cancro, como

tendo também influência no aumento do risco, embora não exista consenso relativamente a esta matéria33. Zeki et al. 34 refere também que a síndrome seria

mais comum, em doentes com risco identificado, nos casos de realimentação entérica, e não parentérica, o que poderia dever-se ao efeito de incretina gerado pela absorção intestinal.

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11 No que toca a situações específicas, são normalmente considerados como doentes com maior probabilidade de desenvolver Síndrome de Realimentação aqueles que, pela sua patologia, se encontram em situações de desnutrição. Assim sendo, doentes com anorexia nervosa, em greve de fome, com marasmo ou Kwashiorkor, alcoolismo crónico, obesidade mórbida com grande perda de peso recente, doentes em pós-operatório, por exemplo depois de cirurgia bariátrica, em pacientes com disfagia ou dismotilidade esofágica ou aqueles com doenças relacionadas com malabsorção, como pancreatite crónica, doença celíaca ou doença inflamatória intestinal, estão em maior risco de síndrome de realimentação2,18,20,35.

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12

Critérios diagnósticos para Síndrome de Realimentação

Definidos os critérios de risco, para que exista uma verdadeira prevenção da incidência desta síndrome, é necessária também a seleção de critérios diagnósticos coerentes e universais, que possam ser aplicados em qualquer unidade de cuidados. Assim poder-se-á atuar rapidamente, com deteção precoce, implementando medidas terapêuticas nos casos em que ocorre, de facto, realimentação não sustentada na evidência e sem atenção ao risco e estado nutricionais do paciente em questão.

O desafio relacionado com o estabelecimento de critérios diagnósticos tem sido abordado, dando relevância à apresentação heterogénea da Síndrome, no que toca às suas características do ponto de vista clínico5,20,35. Se a presença de

hipofosfatémia é considerada um sinal patognomónico e objetivo da Síndrome2,36,

a definição de valores de cut-off não é clara, sendo que alguns autores consideram a redução relativa de valores de fosfato, desde a hospitalização até ao início da realimentação, e outros incidem principalmente em valores fixos de fosfato como diagnósticos5.

No entanto, dada a elevada prevalência de hipofosfatémia num contexto hospitalar, que Camp e Allon37 reportaram, em 1990 e com uma população de

10197 pacientes hospitalizados, em 0.43% no grupo geral e em 10.4% em pacientes desnutridos, põe-se também a possibilidade de serem considerados sinais clínicos como necessários para o diagnóstico específico da Síndrome. Nestes casos, e dada a miríade de sinais e sintomas que podem refletir as alterações eletrolíticas, será mais difícil definir critérios universais, e corre-se o risco de sob-diagnóstico da entidade.

Rio et al.38, por exemplo, utiliza a presença de desvios eletrolíticos, incluindo

o potássio, fosfato e magnésio, assim como a presença de edema periférico, e a disfunção de órgão, nomeadamente insuficiência respiratória ou cardíaca ou edema agudo do pulmão, como critérios diagnósticos, definição partilhada por Eichelberger et al.39 e Hofer et al.40; Zeki et al.34 referem ser apenas necessária a

presença de hipofosfatémia abaixo de 0.6mmol/L (1.86mg/dL); Olthof et al.41

descreve a presença da síndrome quando existe uma descida de mais de 0.16mmol/L (0.5mg/dL) do níveis de fosfato, sendo que o valor final terá de ser inferior a 0.6mmol/L (1.86mg/dL), enquanto Marik e Bedigian42 referem a mesma

descida, mas definem o valor final como tendo de ser inferior a 0.65mmol/L (2mg/dL); Hernández-Aranda et al.43 define valores de fósforo abaixo de 2.7mg/dL

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13 (0.87mmol/L), de potássio abaixo de 4.12mEq/L ou magnésio abaixo de 1.6mg/dL como diagnósticos; Kraaijenbrink et al.44 define a presença de Síndrome de

Realimentação em pacientes com valores de fósforo inferiores a 0.6mmol/L (1.86mg/dL), que, à admissão apresentam valores normais.

Por outro lado, Elnenaei et al.45 sugere a implementação dum Índice de

Realimentação, que se baseia nos valores de Insulin-like Growth Factor-1 (IGF-1) e da hormona leptina para gerar um índice preditivo da descida de 30% dos valores de fosfato nas primeiras 12 a 36 horas após o início de nutrição parentérica. Mais tarde, Goyale et al.36 descreve a medição de alta sensibilidade dos valores de

IGF-1, como sendo comparável ao anteriormente referido índice de realimentação. Assim, perante os exemplos enumerados, é evidente a variabilidade de critérios diagnósticos hoje considerados, o que se reflete numa divergência nas incidências reportadas e, necessariamente, terá implicações na abordagem aos doentes. É assim mais evidente a necessidade de definição de critérios uniformizados e validados. Numa análise sistemática, Friedli et al.5, assim como

Crook20, encontraram que a variabilidade de critérios usados para definir a

síndrome era um sério entrave à verdadeira descrição da mesma.

Neste sentido, Stanga et al.35, numa análise de casos clínicos, recomenda

uma definição de espectro para a Síndrome de Realimentação, dada a presença de alguns casos em que existem apenas alterações bioquímicas e outros em que estas são acompanhadas de manifestações clínicas que se revelam nefastas para o doente. Assim, refere que a arbitrariedade atual na definição do que revela a presença da síndrome deve ser substituída pela definição de dois tipos diferentes desta entidade: “Síndrome de Realimentação sintomática” e “Síndrome de Realimentação bioquímica”.

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Epidemiologia

Ao abordar a incidência e prevalência da Síndrome de Realimentação na população hospitalar, é, em primeiro lugar, necessário investigar a proporção da população hospitalar que poderá estar em risco de desenvolver a síndrome, o que, como mencionado anteriormente, está relacionado diretamente com o estado de desnutrição prévio, e que pode surgir pelas mais diversas causas.

Em segundo lugar, é difícil compreender totalmente a incidência da Síndrome, dada a discussão corrente acerca do seu diagnóstico, nomeadamente considerando a definição do que deve realmente ser considerado como Síndrome de Realimentação, seja esta apenas a presença de alterações hidroeletrolíticas ou então também a presença de sintomas clínicos evidentes, que se relacionam com os défices instalados.

Prevalência da Desnutrição

No que toca a estados de desnutrição em populações hospitalares, e tal como referido anteriormente, é interessante perceber que existe um défice na identificação de indivíduos em risco de desnutrição, por falta de avaliação do estado nutricional e pela falta de registo do mesmo15,16,17.

Assim, Banks et al.46 refere que em população australiana hospitalar e em

cuidados continuados, existiria uma prevalência de desnutrição cerca de 30 a 35% em ambiente hospitalar e de cerca de 50% em cuidados continuados, sendo que na população hospitalar era relevante a especialidade médica responsável pelos tratamentos – nas enfermarias de oncologia e de cuidados intensivos era maior a prevalência. Lazarus et al.15 reporta que, duma população randomizada de 324

doentes internados num hospital privado, 137 (42.3%) apresentavam algum grau de desnutrição, enquanto que só 21 destes (15.3%) terão sido referenciados para seguimento nutricional. Mais ainda, Adams et al.16 refere que, dentro duma

população idosa (>70 anos de idade), a ser assistida num hospital terciário, e utilizando o “Mini Nutritional Assessment Score”, 30% estariam desnutridos e 61% estariam em risco de desnutrição, enquanto Lim et al.13 descreve que, dentro duma

população de 818 adultos avaliados à admissão em contexto hospitalar, 29% estariam desnutridos. Pressoir et al.47, num estudo em população hospitalar

francesa, a ser assitida no âmbito de Centros Oncológicos, refere que 30.9% dos doentes estariam desnutridos. Finalmente, Pourhassan et al.48 descreve que

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15 dependendo da ferramenta utilizada para determinação de risco de desnutrição, a população idosa, hospitalizada em unidades geriátricas alemãs, teria um risco que variaria entre 44.7% e 74%, sendo que através da “Mini Nutritional Assessment Tool

– Short Form” apenas 11% dos pacientes estariam, de facto, desnutridos.

Neste sentido, é evidente que existe uma proporção relevante de populações hospitalares com desnutrição, o que implica um risco mais elevado de desenvolver Síndrome de Realimentação, e reforça a necessidade de conhecimento adequado em relação a esta entidade.

Prevalência da Síndrome de Realimentação

A referida inconsistência na definição dos critérios diagnósticos da Síndrome de Realimentação resultará, inevitavelmente, em variabilidade nas suas taxas de incidência5,20.

Tal como antes explicado, existe variabilidade de considerações em relação ao diagnóstico da síndrome, que poderão ser divididas de forma simplificada em definições que consideram a clínica do doente, e definições puramente bioquímicas.

Rio et al. 38, que considera a presença da síndrome quando existe um

conjunto de sinais clínicos assim como bioquímicos, reportam uma incidência de 2%, num universo de 243 pacientes, em que 87.2% receberam nutrição entérica, 9.5% receberam nutrição parentérica e 3.3% receberam uma mistura de nutrição entérica e parentérica através de sonda. Eichelberger et al.39, que considera também

a presença de sintomas clínicos para a sua definição, reportam uma incidência de 3% numa população de 37 indivíduos admitidos a uma enfermaria de alta segurança, depois de se submeterem a greve de fome. Hofer et al.40 refere que

nenhum dos indivíduos em análise cumpriu os critérios para Síndrome de Realimentação, num universo de 65 doentes com anorexia nervosa (em que alguns foram considerados mais do que uma vez, por terem sido alvo de mais do que um internamento durante o período do estudo).

Relativamente aos estudos em que se consideraram apenas os níveis de fosfato e a sua descida, Zeki et al.34 descreve uma incidência de 15% em 321

pacientes submetidos a nutrição parentérica ou entérica, tendo encontrado que a nutrição entérica (através de sonda) seria um fator de risco para maior desenvolvimento da síndrome. Olthof et al.41, encontra uma incidência de 36.8%

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16 Médico-Cirúrgicos dum hospital terciário. Relativamente ao estudo realizado por Kraaijenbrink et al.44, é reportada uma incidência de 8% num universo de 178

pacientes admitidos a uma unidade de Medicina Interna, sendo que 54% tinham sido considerados como estando em risco de desenvolver a Síndrome pelos critérios das Guidelines de NICE. Marik et al.42 descreve uma incidência de 34% num

grupo de análise de 62 doentes a serem tratados numa unidade de Cuidados Intensivos e que tinham sido submetidos a jejum durante pelo menos 48 horas.

Finalmente, Hernández-Aranda et al.43, que considera o desvio dos níveis de

fosfato, potássio e magnésio como sendo diagnósticos desta síndrome, encontraram uma incidência de 48% em 50 pacientes incluídos no estudo, que estavam a ser assistidos no Serviço de Apoio Nutricional dum hospital. Destes 24 pacientes, 12 apresentavam hipocalémia, 13 apresentavam hipomagnesémia e 4 apresentavam hipofosfatémia, sendo que 55% dos pacientes desenvolveram estes défices ao 3º dia de realimentação. Se considerarmos aqueles que apresentaram hipofosfatémia, teríamos uma incidência de apenas 8%.

Assim, tendo em conta os resultados destes estudos, vemos que a diferença nos critérios de diagnóstico faz variar as taxas de incidência encontradas, em números de variam entre 0% e 48%.

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17

Prevenção e Tratamento

A Síndrome de Realimentação é, então, uma entidade clínica relativamente mal definida, havendo, no entanto, alguns pontos de concordância entre as definições que vão sendo assumidas na literatura atual.

A presença de hipofosfatémia é repetidamente descrita como um sinal da presença da síndrome (ainda que não seja claro, à luz do conhecimento atual, os valores que devem ser considerados como ponto de corte para um possível diagnóstico) ou como elemento dum diagnóstico que se apoia também em mais fatores, sejam eles a presença de outros défices iónicos ou a existência de sinais e sintomas clínicos relevantes, que, tal como exposto, envolvem sistemas de órgãos vitais e implicam elevada morbilidade e mortalidade.

Dado que a presença de alterações sintomáticas é dependente das alterações hidroeletrolíticas encontradas e descritas acima, torna-se evidente que se devem considerar estes desvios nos níveis de fosfato, potássio, magnésio e tiamina como alvos terapêuticos.

Assim, e considerando que a Síndrome pode ocorrer no contexto de cuidados clínicos, a sua prevenção depende diretamente da informação das equipas clínicas e da sua preparação para seguir as recomendações estabelecidas na literatura atual, como forma de impedir a incidência desta entidade que pode tomar dimensões deletérias para os doentes afetados. É igualmente de vital importância a avaliação cuidada do estado nutricional dos doentes, aquando da sua admissão e continuamente ao longo do período de internamento, particularmente quando se recorre à nutrição clínica31.

Neste sentido, as Guidelines de NICE31 recomendam, com base num

protocolo sustentado em experiência de peritos e sustentado no conhecimento atual, que a realimentação seja realizada duma forma lenta e progressiva, começando por administrar no máximo 10kcal/kg/dia, o que equivale a cerca de 40% do valor calórico administrado habitualmente, continuando a aumentar estes níveis durante 3 a 7 dias, até atingir o alvo para o paciente em questão, sendo que, relativamente aos doentes em que se calcula um IMC inferior a 14kg/m2, ou que

estão em jejum superior a 15 dias, a recomendação é que se comece por administrar 5kcal/kg/dia, monitorizando continuamente o ritmo cardíaco. Deve-se também atentar ao balanço hídrico dos doentes, com uma administração judiciosa de volume e monitorizando sinais de hipervolémia. Mais ainda, devem ser suplementadas, durante os primeiros 10 dias de realimentação com Tiamina,

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18 vitaminas lipossolúveis e hidrossolúveis e oligoelementos diariamente. Finalmente, devem ser suplementados por via oral, entérica ou intravenosa os iões potássio, fosfato e magnésio, a não ser que os seus valores estejam normais ou altos aquando do início da realimentação. É importante referir ainda que não é recomendado que se aguarde a correção dos valores séricos destes eletrólitos para começar a realimentação, sugerindo-se uma abordagem bivalente.

No que toca à vigilância destes doentes, as mesmas Guidelines31

recomendam que se monitorize o seu estado geral, tendo especial atenção à presença de sinais clínicos relacionados com a realimentação, nomeadamente controlando o peso e a presença de edemas, como forma de prevenir o excesso de volume. Em termos laboratoriais, e para além da avaliação inicial, recomenda-se que se realize: hemograma com contagem completa, bissemanalmente; ionograma, incluindo potássio e sódio, e perfil de função renal diariamente; medição de glicémia diariamente; medição de valores séricos de magnésio e fosfato, diariamente até à estabilização, passando depois para um regime de 3 vezes por semana; avaliação da função hepática; avaliação dos níveis de albumina e cálcio corrigido; avaliação do estado inflamatório e de oligoelementos.

Mehanna et al.8 e Eichelberger et al.39 suportam as recomendações

estabelecidas pelas Guidelines de NICE. Também Olthof et al.41 refere que a

realimentação regrada, abaixo de 50% do alvo normal, reduz substancialmente a mortalidade a 6 meses numa população de cuidados intensivos.

Crook20 recomenda também a avaliação cuidada do equilíbrio ácido-base,

não só pela influência dos eletrólitos no mesmo, mas também pelo potencial risco de acidose lática desencadeado pelo défice de tiamina, tal como previamente referido. Ter também em especial atenção, tal como referido por Stanga et al.35, à

composição dos diferentes macronutrientes a administrar. Enquanto Crook20

sugere que os níveis de hidratos de carbono não devem ultrapassar os 40%, Stanga et al.35 advoga uma composição específica da nutrição artificial de cerca de 50-60%

de hidratos de carbono, 30-40% de gorduras e 15-20% de proteínas. No mesmo artigo, Stanga et al.35 estabelece um protocolo, baseado nas Guidelines de NICE,

com indicações específicas para as intervenções e vigilâncias ao longo do período de realimentação, dando atenção à necessidade de manutenção de um balanço hídrico neutro, que poderá ser mais fácil de seguir por equipas clínicas.

Numa observação diametralmente oposta, Matthews et al.49, num estudo

realizado retrospetivamente, em que procedeu à avaliação das causas de morte de doentes internados num hospital australiano, não encontrou nenhuma referência

(26)

19 à Síndrome de Realimentação como principal causa de morte, apesar desta ter sido referida nos processos clínicos de 5 doentes, sugerindo então que a entidade não representa uma causa de morte relevante, e que, portanto, é lícito assumir que existam critérios sobre-cautelosos na identificação de risco. No entanto, é importante referir que, dado o relativo desconhecimento dos profissionais de saúde em relação à Síndrome8,9, poder-se-á argumentar que não existem

referências a Síndrome de Realimentação como causas diretas de morte, por falta de identificação dos casos.

Mais ainda, Parker et al.50 reporta que, numa população de 162 adolescentes

hospitalizados com doença restritiva alimentar, a realimentação rápida, começando, em média, por 58.4kcal/kg/dia, durante pelo menos 48 horas, com suplementação diária de 1g de fosfato, não houve evidência de incidência da Síndrome de Realimentação, que foi definida de acordo com Rio et al.38. Apesar

disto, 4% dos indivíduos desenvolveu edemas periféricos, 1% desenvolveu hipofosfatémia, 7% hipomagnesémia e 2% hipocalémia, o que, mais uma vez, demonstra que a definição utilizada pelos diferentes autores poderá ter impacto nas conclusões que tiram da investigação levada a cabo.

Finalmente, e em casos de estabelecimento de sintomas ou sinais clínicos, assim como com a evolução negativa de níveis de eletrólitos, deve ser reduzida a realimentação e suplementados os eletrólitos8, por forma a estabilizar a situação

clínica destes pacientes, antes do aparecimento de consequências clínicas que, como tem sido descrito, poderão ser nefastas.

(27)

20

Conclusão

A Síndrome de Realimentação é uma entidade clínica caracterizada por alterações hidroeletrolíticas e as suas respetivas manifestações clínicas aquando do estabelecimento de nutrição fundamentalmente em pacientes previamente desnutridos, o que pode acontecer por diversas causas.

Dada a prevalência importante da desnutrição em populações hospitalares, com especial incidência em doentes idosos, alcoólicos, oncológicos, ou cirúrgicos, é da maior importância que todas as equipas clínicas, e nomeadamente as que lidam com doentes desnutridos em contexto hospitalar, estejam informadas acerca da síndrome, e preparadas para identificar o risco aumentado da sua incidência, prevenir o seu aparecimento, e, se necessário, tratar a mesma. Mais ainda, é preocupante o que tem sido reportado na literatura atual no que toca à avaliação clínica do estado nutricional dos doentes admitidos em unidades hospitalares, que é parca. Isto deve impelir-nos também à maior formação e informação dos profissionais de saúde em relação aos problemas relacionados com a nutrição clínica.

Se, por um lado, existem Guidelines, definidas através de consenso de peritos, que nos sugerem as melhoras práticas para o acompanhamento e prevenção da síndrome, por outro existe ainda grande diversidade de critérios assumidos para o seu diagnóstico, o que leva a incerteza e desinformação clínica e à dificuldade encontrada em produzir estudos coerentes em relação a dimensão desta entidade.

Assim, indo de encontro ao sugerido por Stanga et al.35, poder-se-á

considerar avançar para uma definição de espectro, ou bipartida, desta síndrome, considerando uma definição do que é apenas o desvio bioquímico e do que envolve as consequências clínicas que afetam diversos sistemas, como o cardíaco, gastrointestinal, neuromuscular ou respiratório.

Mais importante é a sensibilização de todos os profissionais de saúde para uma entidade grave, evitável e cuja eficácia resultará certamente em melhores cuidados para todos os doentes.

(28)

21

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Referências

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