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O tributo da cidade: o IPTU como instrumento de recuperação de mais-valias fundiárias em Parnamirim-RN

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS

O TRIBUTO DA CIDADE: O IPTU como instrumento de recuperação de

mais-valias fundiárias em Parnamirim-RN

ÉRICA MILENA CARVALHO GUIMARÃES LEÔNCIO

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ÉRICA MILENA CARVALHO GUIMARÃES LEÔNCIO

O TRIBUTO DA CIDADE: O IPTU como instrumento de recuperação de

mais-valias fundiárias em Parnamirim-RN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN para obtenção do título de Mestre.

Prof. Orientador: Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva

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Dedico a Léo e Malu, por serem meu chão e meu céu todos os dias.

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AGRADECIMENTOS

Nos últimos dois anos, enquanto estudava teorias e me dedicava à pesquisa, também aprendi sobre diferenças, humildade e generosidade, por tudo isso sou grata a todos que de alguma forma contribuíram nessa jornada.

Agradeço ao meu orientador, Alexsandro Ferreira C. da Silva, por me guiar nos caminhos da pesquisa e sempre me instigar a ir mais longe.

À CAPES, pela bolsa de estudos no primeiro ano do mestrado.

Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais e todos seus os professores e técnicos, especialmente, à Professa Maria do Livramento M. Clementino, pela acolhida no Observatório das Metrópoles - Núcleo RMNatal.

Aos servidores da Prefeitura Municipal de Parnamirim que contribuíram para a pesquisa com acesso à dados e entrevistas.

Às Professoras Ruth da Costa Ataíde e Glenda Dantas Ferreira, pelas valiosas contribuições nas bancas de qualificação e defesa da dissertação.

Aos meus pais, Eva e Eugênio, por desde cedo me permitirem sonhar e voar para longe, sem nunca deixarem de se fazer presentes.

A Léo, por ser meu porto seguro, companheiro e o melhor pai que Malu poderia ter. A minha Malu, por traduzir o amor todos os dias com suas doces palavrinhas. A Mariana, Papinha e demais Guimas, por todo o apoio e cuidados com Malu.

Aos demais familiares, em nome das minhas duas irmãs, Lela e Elaine, e minhas avós, Luzia (in memorian) e Diva, exemplos de mulheres nas quais me inspiro diariamente. Aos amigos (de perto e de longe), pelas risadas, abraços e energias positivas que me fizeram ter coragem para seguir adiante.

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A disseminação da informação e do conhecimento sobre a cidade real ou sobre a realidade urbana tem a importante função de afastar a bruma que encobre a realidade e desvendar a dimensão da exclusão. (Maricato, 2013)

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RESUMO

A política urbana brasileira estabelece o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) como um tributo que além do seu potencial de arrecadação, pode também ser compreendido como um instrumento à disposição dos Municípios para que possam intervir nos processos de planejamento e gestão urbana e territorial. Contudo, a partir da análise da literatura sobre as experiências das cidades brasileiras, percebe-se que os municípios reclamam permanentemente da ausência de recursos próprios, dependendo de transferências governamentais para levar adiante seus projetos. Por outro lado, grande parte dos gestores municipais não costumam implementar adequadamente os instrumentos de recuperação de mais-valia urbana, deixando de arrecadar valores que, além de necessários, deveriam, por direito, retornar à cidade. Nesse contexto, percebe-se que o município de Parnamirim utiliza o IPTU aquém da sua capacidade determinada legalmente, havendo dificuldades em efetivá-lo pela gestão municipal. Diante disso, questiona-se: o IPTU vem sendo implementado efetivamente pela gestão municipal de Parnamirim-RN, de forma a garantir a recuperação pública dos benefícios decorrentes da implantação de infraestrutura urbana no município? Assim, tem-se como objetivo geral da pesquisa compreender em que medida a gestão municipal de Parnamirim consegue recapturar as mais-valias fundiárias geradas pela provisão de infraestrutura urbana através da arrecadação do IPTU.Quanto aos objetivos específicos, pretende-se aprofundar a discussão sobre a potencialidade do IPTU em recuperar mais-valias fundiárias; investigar as características, evolução e a gestão do IPTU em Parnamirim entre 2009 e 2017;conhecer a oferta de infraestrutura urbana do município de Parnamirim; verificar a valorização imobiliária nos bairros de Parnamirim entre os anos de 2013 e 2017, comparando a valorização imobiliária com a cobrança do IPTU nos bairros analisados em 2017.Para tanto, foi feito um estudo bibliográfico contemplando as conceituações pertinentes e a literatura correlata e uma análise documental sobre a legislação do município;além disso, foi realizada pesquisa de campo para coleta de dados sobre arrecadação municipal do IPTU em 2017 e sobre valorização de imóveis nos últimos 5 (cinco) anos, em seguida realizou-se um levantamento sobre obras de infraestrutura entre 2008 e 2017. Por fim, foram feitas entrevistas com gestores municipais, bem como o acompanhamento de audiência pública sobre o IPTU, visando perceber como os atores locais compreendem o papel do IPTU para dinâmica urbana local como um instrumento de política urbana.

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ABSTRACT

Brazilian urban policy establishes the IPTU (Urban Land and Territorial Tax) as a tax that, not only has collection potential but can also be understood as an instrument of intervention in the urban and territorial management processes available to municipalities. However, based on the analysis of the literature about the experiences of Brazilian cities, it is noticed that municipalities constantly complain about the absence of their own resources and depend on government transfers in order to execute their projects. On the other hand, most of the municipal administrators do not usually implement and manage adequately the instruments of recovery of urban surplus value, failing to improve the incomes that, besides being necessary, should, by right, return to the city. In this context, it is noticed that Parnamirim-RN (BRA) underuse the legally determined potentiality of IPTU, and there are difficulties in making it effective through municipal management. From that perspective a question arises: has IPTU been implemented effectively by Municipal Management of Parnamirim, in order to guarantee the public recovery of the benefits that comes from the implementation of urban infrastructure in the municipality?Thus, the general objective of the research is to understand to what extent the municipal management of Parnamirim is able to recapture the land assets generated by the provision of urban infrastructure through the collection of IPTU. As for the specific objectives, it is intended to deepen the discussion about the potential of the IPTU to recover capital gains; to investigate the characteristics, evolution and management of the IPTU in Parnamirim between 2009 and 2017; to know the offer of urban infrastructure of the municipality of Parnamirim; to verify the real estate valuation in the districts of Parnamirim between the years of 2013 and 2017, comparing the real estate valuation with the collection of the IPTU in the districts analyzed in 2017. For that, a bibliographic study was done contemplating the pertinent concepts and the related literature and a documentary analysis on the legislation of the municipality; In addition to that, a field survey was conducted to collect data on the municipal collection of IPTU in 2017 and on the valuation of real estate in the last 5 (five) years, followed by a survey on infrastructure works between 2008 and 2017. Finally, interviews with municipal managers were conducted, as well as the follow-up of a public hearing about IPTU, aiming to understand how the local actors understand the role of IPTU for local urban dynamics as an instrument of urban policy.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Componentes do Valor do Solo Urbano e Incidências de Instrumento de

Recuperação de Mais-Valias Fundiárias ... 41

Figura 2: Arrecadação per capita ... 59

Figura 3: Mapa de Localização de Parnamirim e da RMNatal ... 79

Figura 4: Frequência do número de empreendimentos (%) registrados por município e ano ... 81

Figura 5: Espacialização dos empreendimentos na Metrópole Funcional ... 82

Figura 6: Mapa com limites e divisão por territórios de Parnamirim ... 86

Figura 7: Conurbação de Natal e Parnamirim (2018) ... 88

Figura 8: Densidade Populacional por Bairros em Parnamirim (2017) ... 91

Figura 9: IDH por Bairros em Parnamirim (2017) ... 93

Figura 10: Mapa de Localização da Malha Viária e Equipamentos Públicos de Parnamirim ... 95

Figura 11: Mapa do valor aplicado em obras de pavimentação e drenagem (2008-2017) em Parnamirim ... 97

Figura 12: Mapa do volume de redes de saneamento implementadas por bairro em Parnamirim ... 98

Figura 13: Fórmula de Cálculo do Valor Venal do terreno ... 102

Figura 14: Fórmula de Cálculo do Valor Venal da Edificação ... 102

Figura 15: Organograma da Secretária Municipal de Tributação de Parnamirim ... 111

Figura 16: Valor médio do m² dos imóveis para cobrança do IPTU em Parnamirim (2017) ... 120

Figura 17: Valor médio do m² dos apartamentos para cobrança do IPTU em Parnamirim (2017) ... 122

Figura 18: Crescimento do preço do m² entre 2013 e 2017 (apartamentos) ... 125

Figura 19: Valorização média do m² entre 2013 e 2017 (apartamentos) ... 127

Figura 20: Lucro Bruto Presumido (%), tipolgia apartamento ... 128

Figura 21: Comparação entre os valores de avaliação dos apartamentos pela CEF e o VVI de Parnamirim em 2017 ... 130

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Art. 182 da CF/88 ... 51

Quadro 2: Lei e ano de criação dos bairros de Parnamirim ... 84

Quadro 3: Divisão dos Bairros de Parnamirim por Territórios ... 87

Quadro 4: Caracterização de Terreno e Prédio em Parnamirim ... 100

Quadro 5: Critérios para determinação do valor do m² na Planta Genérica de Valores ... 101

Quadro 6: Síntese da Percepção da SEMPLAF, SEMOP E SEMUR relativas à gestão do IPTU ... 115

Quadro 7: Audiência Pública sobre o IPTU na CMP ... 118

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Arrecadação do IPTU (em milhões de R$) em Parnamirim ... 105

Gráfico 2 – Percentual do IPTU em relação à arrecadação tributária em Parnamirim (2008-2017) ... 106

Gráfico 3 – Percentual do IPTU em relação à receita corrente em Parnamirim (2008-2017)... 106

Gráfico 4 – Total das Receitas Correntes de Parnamirim em 2017 ... 107

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LISTA DE SIGLAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento

CAERN – Companhia de Água e Esgoto do Rio Grande do Norte CF/88 – Constituição Federal de 1988

CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil CMN – Confederação Nacional dos Municípios CMP – Câmara Municipal de Parnamirim CTN – Código Tributário Nacional

DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes

FIERN – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte FINBRA – Finanças do Brasil

FPM – Fundo de Participação dos Municípios

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

ITIV/ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis “Inter Vivos” MNRU – Movimento Nacional de Reforma Urbana

PGV – Planta Genérica de Valores PIB – Produto Interno Bruto

PMAT – Programa de Modernização da Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos

PPA – Plano Plurianual

RMN/RMNatal – Região Metropolitana de Natal RN – Rio Grande do Norte

SEMPLAF – Secretaria Municipal de Planejamento e Finanças de Parnamirim SEMOP – Secretaria Municipal de Obras Públicas de Parnamirim

SEMUR – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo de Parnamirim SEMUT – Secretaria Municipal de Tributação de Parnamirim

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

1 DINÂMICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL E A RENDA DA TERRA ... 23 1.1 A ATUAÇÃO ESTATAL NA OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO E SEUS

REFLEXOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA NO BRASIL ... 23

1.2 A RENDA DA TERRA E A PRODUÇÃO DE MAIS-VALIA FUNDIÁRIA .. 30 1.3 CONSIDERAÇÕES PARICIAIS ... 35

2 RECUPERAÇÃO DE MAIS-VALIAS FUNDIÁRIAS ... 37 2.1 APONTAMENTOS TEÓRICOS ... 37 2.2 A RECUPERAÇÃO DE MAIS-VALIAS FUNDIÁRIAS NO CENÁRIO

INTERNACIONAL ... 45 2.3 POLÍTICA URBANA E INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS DE RECAPTURA DE MAIS-VALIAS FUNDIÁRIAS NO BRASIL ... 47 2.3.1 Previsão Constitucional ... 49 2.3.2 Os instrumentos de recuperação de mais-valias fundiárias previstos no Estatuto da Cidade ... 54 2.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ... 56

3 MUITO ALÉM DE UM IMPOSTO: A EXTRAFISCALIDADE DO IPTU ... 58 3.1 TRIBUTAÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA: CONTEXTO NACIONAL E INTERNACIONAL ... 60 3.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO IPTU NO BRASIL ... 66 3.3 A UTILIZAÇÃO DO IPTU COMO INSTRUMENTO DE RECUPERAÇÃO DE MAIS-VALIAS FUNDIÁRIAS NO BRASIL ... 72 3.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ... 76

4 O IPTU COMO INSTRUMENTO DE RECUPERAÇÃO DE MAIS-VALIAS

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4.1 DINÂMICA SOCIOESPACIAL DO MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM:

APONTAMENTOS ... 78

4.2 A INFRAESTRUTURA URBANA DE PARNAMIRIM ... 94

4.3 ENQUADRAMENTO NORMATIVO DO IPTU EM PARNAMIRIM ... 99

4.4 GESTÃO DO IPTU EM PARNAMIRIM ... 105

4.4.1 A arrecadação do IPTU em Parnamirim ... 105

4.4.2 A gestão do IPTU: relação entre a SEMUT e a relação com as demais Secretarias (SEMPLAF, SEMOP e SEMSUR) ... 110

4.5 O VALOR VENAL DOS IMÓVEIS EM 2017 EM PARNAMIRIM ... 119

4.6 A VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA EM PARNAMIRIM ENTRE 2013 E 2017 ... 123

4.7 COMPARAÇÃO ENTRE A AVALIAÇÃO E O VALOR VENAL DOS APARTAMENTOS EM PARNAMIRIM ... 129

4.8 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ... 131

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 135

REFERÊNCIAS ... 141

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INTRODUÇÃO

A realização da sociedade urbana exige uma planificação orientada para as necessidades sociais, as necessidades da sociedade urbana. Ela necessita de uma ciência da cidade (das relações e correlações na vida urbana). Necessárias, estas condições não bastam. Uma força social e política capaz de operar esses meios (que não são mais do que meios) é igualmente indispensável. (LEFEBVRE, 2001, p. 138)

Os municípios brasileiros passaram por um processo de mudanças significativas quanto ao seu status constitucional nos últimos trinta anos, conquistando autonomia em relação aos demais entes federativos na Constituição Federal de 1988 (CF/88), sendo regidos por suas próprias leis orgânicas e tendo regras específicas sobre os seus recursos (SOUZA, 2005), o que lhes trouxe novas atribuições e responsabilidades, como também meios próprios de arrecadação (BRASIL, 1988).

Nesse contexto, cresceu também a importância das fontes de receita própria, fazendo-se necessário que as arrecadações municipais aumentassem de forma a garantir que seus orçamentos tenham condições de abarcar as necessidades das suas populações. Assim, a CF/88 definiu tributos exclusivos para os municípios, além de outros que devem ser cobrados de forma concorrente com os demais entes federativos. Ademais, também foi inserido ao texto constitucional um sistema de repartição de receitas tributárias, onde os municípios passaram a ser beneficiários de parte das receitas obtidas pela União e pelos Estados. Dessa forma, passou-se a entender que as administrações municipais teriam instrumentos constitucionais que lhes garantiam condições financeiras de se autogerirem e de administrar o funcionamento das cidades.

A municipalidade também recebeu destaque na CF/88 no capítulo que estabelece a política urbana brasileira, a qual tem o Município como principal ente federativo responsável pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes, através do racional uso da terra e do desestímulo à especulação imobiliária (BRASIL, 1988). Para tanto, o texto constitucional oferece instrumentos de gestão urbana que permitem aos municípios fazerem uso dos processos de planejamento e gestão urbana e territorial, garantindo o direito à cidade.

Tais modificações na legislação relativas à Política urbana são consideradas como uma resposta às pressões sociais que emergiam nas cidades brasileiras, onde,

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segundo Rolnik (2000) os problemas urbanos têm relação com o alto grau de injustiça na distribuição dos encargos e dos benefícios nas cidades, apresentando contrastes internos entre áreas com melhores condições de urbanidade e outras áreas com condições urbanísticas precárias.

Importante ressaltar que o capítulo sobre a Política Urbana é considerado como uma das principais inovações introduzidas na CF/88, o qual identifica o município como sendo o responsável pela sua promoção que, por sua vez, deve ser estabelecida de forma a garantir a função social da propriedade urbana (BRASIL, 1988). Porém, o capítulo supracitado só veio a ser regulamentado com o advento do Estatuto da Cidade em 2001 – Lei Federal nº 10.257 – a qual representa um importante avanço, pois pela primeira vez uma lei brasileira foi publicada com o intuito de aumentar a harmonia entre as políticas fiscais e urbanas, reconhecendo a importância de mecanismos tributários clássicos, como o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano – para a política urbana, juntamente com uma série de outros instrumentos (BRASIL, 2001).

Dentre os tributos que foram destinados aos municípios, encontra-se o IPTU, imposto que tem como fato gerador a propriedade ou posse imobiliária urbana, sendo cobrado anualmente de cada contribuinte. Para tanto, se faz necessária uma legislação específica em cada município regulamentando-o de forma a estabelecer sua alíquota, base de cálculo, situações excepcionais, possíveis isenções, etc. Essa legislação deve obrigatoriamente estar de acordo com as disposições constitucionais, como o Código Tributário Nacional (CTN), o Estatuto da Cidade e o respectivo Plano Diretor do Município, de forma a garantir que esse imposto cumpra todas as suas funções. Além disso se faz necessária também uma gestão tributária moderna e em consonância com as necessidades locais, para que o IPTU seja efetivado pelos municípios nos moldes da política urbana brasileira.

Em que pese a existência de uma moderna legislação, percebe-se que não existe um diálogo entre as gestões municipais e os cidadãos em relação à possibilidade de utilização dos instrumentos capazes de recuperarem mais-valias fundiárias em benefício da comunidade e, numa perspectiva mais ampla, garantirem o direito à cidade para seus moradores, ou seja, “o direito à vida urbana, transformada, renovada”, tal qual descreve Lefebvre (2001, p.118).

Porém, a literatura urbanística considera que apesar de ter crescido de forma geral o interesse das gestões locais pelos instrumentos de recuperação de mais-valias

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fundiárias, a efetiva implementação continua sendo o desafio principal. Pois, segundo as pesquisas realizadas pelo Lincoln Institute, ainda é vista como “uma ferramenta pra promover a equidade nas cidades, mais que uma forma de avançar na autonomia fiscal municipal e no desenvolvimento urbano em geral” (SMOLKA, 2014, p. 60).

As pesquisas mais recentes demonstram que cerca de 70% (setenta por cento) das receitas municipais originam-se de transferências intergovernamentais, enquanto a arrecadação de tributos municipais contribui com menos de vinte por cento para as finanças dos municípios. Neste ínterim, o imposto sobre a propriedade urbana ocupa a segunda posição entre as principais fontes de arrecadação própria, ficando atrás do imposto que incide sobre os serviços, sendo perceptível a redução de sua contribuição ao longo dos anos nos municípios brasileiros (DE CESARE, 2016).

Em que pese o Brasil ter uma longa tradição em tributação imobiliária, os municípios brasileiros têm uma arrecadação do IPTU abaixo do seu potencial, o que pode ser explicado pelo elevado grau de informalidade na cobrança do imposto, dificultando a atualização dos cadastros de imóveis e limitando a base de imóveis tributados pelos municípios (DE CESARE, 2016).

Percebe-se que no Brasil a política tributária ainda se apresenta de forma regressiva e acaba atingindo mais fortemente as classes mais populares. Portanto, sem uma política tributária adequada, o lançamento de terras no mercado aumenta a especulação imobiliária e aumenta a segregação, exclusão e a desigualdade social. Assim, faz-se necessário um olhar para o IPTU como um instrumento extrafiscal que também tem capacidade de dialogar com os instrumentos urbanísticos presentes nos planos diretores e demais legislações que tratem da questão urbana.

Ademais, ainda é tímida nas cidades brasileiras a aplicação efetiva de impostos como o IPTU, sendo relevante entender os porquês da não efetivação, bem como o seu baixo aproveitamento, o que impede a recuperação das mais-valias fundiárias na medida em que não se cobra corretamente o referido imposto dos proprietários que possuem imóveis nas regiões mais bem servidas de infraestrutura e serviços urbanos no município e, consequentemente, mais valorizadas. No extremo oposto, as pessoas que vivem nas regiões mais longínquas da cidade, sem acesso a tais equipamentos urbanos não têm seus imóveis incrementados por tal valorização.

Apesar da previsão legal de uso do IPTU pelo seu caráter extrafiscal, em geral as prefeituras brasileiras reclamam permanentemente da ausência de recursos próprios, dependendo de transferências governamentais para levar adiante seus

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projetos, sem levar ao conhecimento da população a sua capacidade e a potencialidade de tributar e gerir recursos provenientes da própria arrecadação municipal (SMOLKA, 2014).

Tal situação é percebida no município de Parnamirim, que dispõe atualmente do Código Tributário Municipal - Lei nº 951/1997, que trata do IPTU nos artigos 90 ao 136 (PARNAMIRIM, 1997) e do Plano Diretor – Lei Complementar nº 63 de 2013 (PARNAMIRIM, 2013). Apesar da previsão legal, a gestão municipal de Parnamirim segue uma postura comum à maioria das cidades brasileiras, tendo grandes dificuldades em angariar recursos próprios e dependendo de transferências governamentais para dar concretude aos seus projetos.

O município de Parnamirim, que tem sua história marcada pelo desenvolvimento da aviação no país, tornou-se distrito de Natal em 1948, passando ao status de cidade em 1958. Seu desenvolvimento foi fomentado durante a segunda guerra mundial, período em que foi instalada uma base aérea no seu território. Na década de 1960 recebeu um distrito industrial, o que permitiu o avanço da economia local, antes marcada pelo comércio e serviços relacionados às necessidades da base militar. Porém, nos anos de 1990 o ciclo de investimentos de capital industrial local foi encerrado, resultando no fechamento de diversas fábricas instaladas na região. Nos últimos anos a economia local passou a se desenvolver através do comércio, da avicultura e do turismo (PEIXOTO, 2003).

Além disso, a estreita relação com a capital potiguar – Natal – tem tido grande relevância no crescimento de Parnamirim, a qual margeia o transbordamento da capital na direção sul, intensificando-se as relações metropolitanas entre essas duas cidades. Assim, Natal apresenta-se como cidade polo da região metropolitana, sendo Parnamirim um dos municípios que a compõem, caracterizando-se por ter alto nível de integração1 com Natal. Ademais, o transbordamento de Natal em direção à Parnamirim foi motivado primordialmente pelo mercado imobiliário, especificidades trazidas pela legislação dos municípios, bem como, pela redução do crescimento populacional de Natal e pelo crescimento das atividades econômicas em Parnamirim,

1 Segundo Almeida et al. (2015, p. 310) os municípios são classificados hierarquicamente em função do maior ou menor nível de integração metropolitana. Em relação à região metropolitana de Natal, os autores afirmam que ela “congrega municípios de porte diferenciado, com condições socioeconômicas bastante heterogêneas e com diferentes problemáticas financeiras”, podendo serem classificados como de alta, média, baixa ou muito baixa integração.

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sendo visível também a conurbação entre os dois municípios (CLEMENTINO, SOUZA, 2009).

Nicolau (2008) compreende que a relação entre Parnamirim e a capital potiguar possui antecedentes históricos, espaciais e políticos que remota à criação do município, destacando-se o crescimento demográfico de Natal produzido pelas altas taxas de imigração que resultou numa intensa urbanização na segunda metade do século XX, associado à política estadual que apoiava os setores privados visando dinamizar o setor industrial, bem como a atuação estatal como produtor do espaço, fornecendo infraestruturas que permitissem a reprodução da vida urbana e dos seus habitantes. Nesse contexto, Natal cresceu em direção aos seus municípios limítrofes, entre as décadas de 1970 e 1980, transbordando sobre Parnamirim em razão do aumento da malha urbana no sentido sul.

Além disso, vale destacar também a importância do litoral de Parnamirim no contexto metropolitano, que obteve um crescimento significativo após o ano 2000 com a intensificação do imobiliário-turístico. Parnamirim compõe com os demais municípios litorâneos da Região Metropolitana de Natal (RMNatal) uma linha costeira de integração regional que vem demonstrando um crescimento expressivo de ocupação residencial, resultando em um aumento significativo dos valores fundiários nessas áreas (SILVA, 2010).

Quanto ao crescimento demográfico apresentado em Parnamirim nos últimos anos, Giesta (2013) aponta que não se trata de um fenômeno isolado, fazendo parte de um processo comum às regiões metropolitanas, percebendo-se a ocorrência de uma expulsão da população excedente dos municípios sedes para os demais, ocasionando uma redistribuição espacial da população.

Em 2017 a população do município foi estimada pelo IBGE em 254.704 pessoas, tendo uma área de 123,471 km², resultando numa densidade demográfica de 1.639,70 habitantes por km². Ademais, o IDHM em 2010 foi de 0,766 e o PIB per capita em 2015 alcançou a insígnia de 18.966,93 reais, segundo informa o IBGE (2018).

Os estudos mais recentes com dados sobre o município de Parnamirim demonstram a relevância da expansão urbana para a cidade, é o que pode ser visto nas análises de Nicolau (2008), Silva (2010) Giesta (2013), Ferreira (2013), Campos (2015), Ferreira (2016), Lima (2018), entre outros autores, os quais demonstram o crescimento em razão do transbordamento de Natal no sentido sul, a ocupação do

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distrito litoral e, mais recentemente, expansão da mancha urbana no sentido de Macaíba, São José do Mipibu e Nísia Floresta. Entretanto há uma carência de novas pesquisas que abordem os efeitos dessa expansão urbana associada a recaptura de mais-valias fundiárias pela gestão municipal.

Percebe-se que, assim como a maioria das cidades brasileiras, o município de Parnamirim, que se mostra carente de infraestrutura urbana, embora venha demonstrando intenso crescimento imobiliário e econômico nas últimas décadas, utiliza o IPTU aquém da sua capacidade determinada legalmente, havendo dificuldades em efetivá-lo pela gestão do referido município. Assim, há uma necessidade de pesquisas que busquem novas evidências sobre como funcionam concretamente as políticas e os instrumentos de recuperação de mais-valias fundiárias, objetivando uma mudança de comportamento e de atitudes dos gestores municipais, dos proprietários privados e da comunidade em geral.

Para tanto, faz-se necessário um recorte espacial, concentrando a pesquisa em Parnamirim, destacando-se no eixo norte (sentido Natal) os bairros de Nova Parnamirim, Emaús e Parque das Árvores, no eixo sudoeste (sentido Macaíba e São José do Mipibu) os bairros Liberdade, Cajupiranga, Boa Esperança, Jardim Planalto, Nova Esperança, Vale do Sol, Santa Tereza, Rosa dos Ventos, Bela Parnamirim e Passagem de Areia, por serem os bairros com maior quantidade de dados coletados, capazes de responder aos objetivos propostos.

E, também, um recorte temporal, elegendo-se os anos entre 2008 e 2017 como período a ser analisado os dados sobre infraestrutura urbana e arrecadação do IPTU, entendendo que nesse período o município passou por um processo de expansão urbana que modificou consideravelmente a configuração espacial do núcleo urbano.

O município faz parte da Região Metropolitana de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, tendo no seu Plano Diretor e outras legislações municipais que tratam dos instrumentos da política urbana, inclusive o IPTU, tributo de competência municipal que recai diretamente sobre o patrimônio do contribuinte (proprietário de imóvel urbano), reconhecido na doutrina pelo seu potencial de arrecadar valores para o financiamento de despesas públicas diversas (função fiscal), além de ser um mecanismo que pode ser utilizado para se evitar o uso especulativo do solo e garantir moradia nas regiões das cidades melhores providas de serviços públicos e infraestrutura (função extrafiscal).

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Nesse contexto, Parnamirim é uma cidade que ainda se mostra carente de infraestrutura urbana. Embora desde a última década demonstre intenso crescimento imobiliário e desenvolvimento econômico, as melhorias sociais e de infraestrutura não vêm na mesma proporção nas diversas regiões da cidade de forma igualitária.

Diante desse recorte, questiona-se: O IPTU vem sendo implementado efetivamente pela gestão municipal de Parnamirim-RN, de forma a garantir a recuperação pública dos benefícios decorrentes da implantação de infraestrutura urbana no Município?

O objeto dessa pesquisa é o estudo da gestão do IPTU na sua relação com a recuperação de mais-valias fundiárias e o seu potencial de ampliação dos benefícios da infraestrutura urbana. A hipótese aqui levantada é a de que a gestão do IPTU de Parnamirim vem conseguindo implementar estratégias para alavancar sua arrecadação, porém ainda não consegue efetivar suas funções extrafiscais, no sentido de auxiliar a política urbana e recuperar, em prol da coletividade os benefícios auferidos pelos proprietários privados com a valorização de seus imóveis em razão de ações do poder público.

Tem-se, portanto, como pressuposto que o IPTU, mesmo não sendo um tributo vinculado, possui uma alta capacidade de ampliar os investimentos municipais em infraestrutura urbana, pois é um instrumento de recuperação com viés distributivo e progressivo. E que, portanto, o fato gerador de sua existência é o desenvolvimento urbano lastreado pelas propriedades privadas

Diante do exposto, o objetivo geral desse estudo é compreender em que medida a gestão municipal de Parnamirim consegue recapturar as mais-valias fundiárias geradas pela provisão de infraestrutura urbana através da arrecadação do IPTU. Quanto aos objetivos específicos, pretende-se aprofundar a discussão sobre a potencialidade do IPTU em recuperar mais-valias fundiárias; investigar as características, evolução e a gestão do IPTU em Parnamirim entre 2008 e 2017; conhecer a oferta de infraestrutura urbana do Município de Parnamirim; verificar a valorização imobiliária nos bairros de Parnamirim entre os anos de 2013-2017, comparando a valorização imobiliária com a cobrança do IPTU nos bairros de Parnamirim analisados em 2017.

Para investigar as relações entre a provisão de infraestrutura, a valorização imobiliária e a arrecadação do IPTU optou-se por analisar espacialmente os bairros do Município a partir de levantamento de dados com potencial comparativo entre eles

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em relação aos quesitos acima expostos, de forma a identificar os padrões e apresentar caminhos que possam levar a uma explicação sobre tais aspectos.

Considerando que o processo de pesquisa envolve abordagens qualitativas e quantitativas para a coleta e análise de dados e levando-se em consideração que nas Ciências Sociais, a escolha dos métodos de levantamento de dados influencia diretamente no resultado do trabalho, pois os métodos de recolhimento e os métodos de análise de dados “são normalmente complementares e devem, portanto, ser escolhidos em conjunto, em função dos objetivos e das hipóteses de trabalho” (QUIVY, 1998)

Nesse sentido, na presente pesquisa, utiliza-se procedimentos metodológicos variados que possam auxiliar a realizar os objetivos propostos, com o uso de métodos qualitativos e quantitativos de análises para chegar ao resultado esperado. Diante disso, realizou-se inicialmente uma análise bibliográfica – entendendo que a pesquisa bibliográfica tem como foco os estudos já realizados que apresentam resultados importantes sobre o IPTU, valorização imobiliária e recuperação de mais-valias fundiárias nas cidades brasileiras, visando entender como Parnamirim classifica-se nesse cenário, além de contextualizar o município no espaço regional – e documental, através da verificação da legislação local e documentação fornecida pelos entes públicos para caracterizar o município, além de identificar possíveis respostas ou caminhos para a solução dos problemas trazidos na pesquisa.

Empiricamente, a pesquisa de campo utilizou de procedimentos como: o mapeamento da infraestrutura urbana, o levantamento de dados quantitativos sobre avaliações de imóveis para detectar a valorização imobiliária e de dados sobre o valor utilizado na cobrança do IPTU em Parnamirim. Após a análise dos dados levantados, foram produzidos mapas temáticos refletindo os resultados encontrados em Parnamirim.

Quanto à pesquisa qualitativa, utilizou-se a técnica de entrevistas semiestruturadas com gestores municipais e técnicos das secretarias municipais, de forma a se buscar entender os questionamentos levantados em relação à gestão do IPTU. Além disso, a pesquisa foi complementada mediante da observação de audiência pública sobre o IPTU ocorrida durante a pesquisa de campo.

A divisão de capítulos apresenta-se da seguinte forma: o primeiro capítulo busca compreender sobre a dinâmica da produção do espaço urbano no Brasil, bem

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como refletir sobre a renda da terra no estado capitalista e compreender a conceituação de mais-valias fundiárias.

O segundo capítulo traz um referencial teórico sobre a recuperação de mais-valias fundiárias auferidas pelas propriedades de acordo com sua localização, benfeitorias, potencialidades, legislação correlata, entre outros aspectos que podem influenciar no valor a ela atribuído pelo mercado, explorando, para tanto, as experiências internacionais e nacionais e, também, a previsão constitucional e legal que vigora no Brasil.

No terceiro capítulo objetiva-se demonstrar a importância do IPTU, apresentando-o não apenas como uma fonte de arrecadação de receita para o município, mas também com um grande potencial extrafiscal, reconhecido internacionalmente como um tributo capaz de recuperar mais-valias fundiárias em prol da cidade. Nesse capítulo o IPTU é conceituado e classificado de acordo com a legislação pátria e a literatura urbanística e tributária, trazendo indicações de como sua devida utilização pode proporcionar justiça social e ser um meio de garantia do direito à cidade.

Já no quarto capítulo o Município de Parnamirim é analisado, contextualizando-o ncontextualizando-o espaçcontextualizando-o regicontextualizando-onal, demcontextualizando-onstrandcontextualizando-o ccontextualizando-omcontextualizando-o seu deu a fcontextualizando-ormaçãcontextualizando-o dcontextualizando-o seu espaçcontextualizando-o urbancontextualizando-o, bem como a sua considerável expansão nos últimos anos. Além disso, verifica-se também a gestão do IPTU pelo Município e a sua evolução no período de 2008 a 2017. Em seguida, fazem parte da análise uma leitura crítica dos dados relativos à cobrança do IPTU no ano de 2017, ao investimento em obras de infraestrutura entre 2008 e 2017 e à valorização imobiliária no município entre 2013 e 2017, de forma a compreender a relação existente entre eles, compreendendo em que medida a gestão municipal consegue recuperar as mais-valias fundiárias através do IPTU.

Acredita-se que o resultado dessa pesquisa pode contribuir para os estudos sobre a recuperação de mais-valias fundiárias através do IPTU no Brasil, tendo como exemplo a experiência do município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, podendo ser socializada com os participantes desse processo, acadêmicos e agentes públicos, a fim de otimizar o que foi produzido, informar e dar condições de se estabelecer uma nova análise sobre a temática abordada.

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1 DINÂMICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL E A

RENDA DA TERRA

1.1 ATUAÇÃO ESTATAL NA OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO E SEUS REFLEXOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA NO BRASIL

A maioria dos autores que se debruçam sobre o estudo da produção do espaço capitalista trazem a questão da propriedade da terra como fator fundamental, onde a posse e a propriedade da terra assumem um protagonismo crucial em torno das decisões sobre as localizações e as decisões que impactam a vida nas cidades.

Ao afirmar que “a terra é o nó”, Ermínia Maricato (2014) lembra que na sociedade brasileira a propriedade da terra continua a ser um grande problema, seja no campo ou na cidade, se agravando mais ainda com a globalização dos anos de 1980. No Brasil, esses processos foram engendrados pelo agronegócio latifundiário que promove, até hoje, “a expulsão de camponeses do meio rural numa escala que virá a ser compatibilizada na casa dos milhões de pessoas” (MARICATO, 2014, p. 183).

Já na década de 1950, João Cabral de Melo Neto (1994) escreveu “Morte e Vida Severina”, mostrando que desde os rincões mais distantes do país e até as grandes metrópoles, as cercas se moviam formando grandes latifúndios e expulsando os “Severinos” do campo para a cidade2. Essa lógica que se inicia no meio rural e chega na cidade, as transforma e lhes impõe a cara da desigualdade e da segregação socioespacial.

No Brasil, Carlos Brandão (2010, p. 48 – 49) ensina que o atraso estrutural se constituiu através de uma divisão de classes na qual, por cima, encontravam-se “classes fundadas e arraigadas em formas mercantis, patrimonialistas, financeirizadas, usurárias e rentistas, descompromissadas com o povo e a nação”, enquanto por baixo estavam “classes destituídas de direitos e de propriedade”. Assim, a história da propriedade privada brasileira pode ser sintetizada “em movimentos em que todas as heterogeneidades estruturais e as diversidades produtiva, urbana, social

2Um século antes, Marx (2017) narrou a saga dos “despossuídos” na Europa doséculo XIX, onde todos os aspectos da vida foram paulatinamente privatizados, desde a propriedade até os corpos, em ambos os meios violentos são utilizados de forma a mostrar quem detinha o real poder sobre a terra e sua utilização.

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e ambiental estiveram subordinadas à lógica econômica da valorização fácil e rápida, isto é, de natureza imediatista, rentista e patrimonialista”3.

A constituição jurídica da propriedade privada da terra e a sua transformação em monopólio e patrimônio foi efetivada no Brasil com a promulgação da Lei de Terras em 1850, formando, segundo Isabel Alvarez (2015) um mercado fundiário através de um processo contraditório que envolvia tanto os parâmetros para o seu funcionamento, como também a negação desses preceitos, a partir da utilização de práticas de favorecimento. Além disso, o reconhecimento jurídico da propriedade privada da terra passou a ser necessário para que esta se tornasse o principal bem hipotecável, fomentando o nascimento de um mercado imobiliário juntamente com a urbanização de cidades (ALVAREZ, 2015).

Assim, após a consolidação jurídica da propriedade privada e a formação do mercado imobiliário, Alvarez (2015) remonta que se fez necessário definir os limites da interposição do Estado de forma a tornar os negócios urbanos mais lucrativos, por meio da regulação de padrões mínimos construtivos nas cidades, bem como determinando zoneamentos que privilegiassem determinadas áreas da cidade e liberando outras regiões para a especulação.

Em que pese a regulamentação jurídica ter ocorrido em meados do século XIX, Maricato (2014) lembra que todas as tentativas de aplicação dessa legislação voltadas para a retomada de terras devolutas pelo Estado brasileiro falharam, mostrando a pouca eficácia dessa norma e a incapacidade ou a omissão do poder público, permitindo que a questão da terra no país continue com o seu “nó” atado, onde a ilegalidade cada vez mais aparece como regra e não como exceção.

Esse foi o cenário no qual a propriedade da terra foi forjada no Brasil e que, segundo Maricato, se relaciona diretamente com a acelerada marcha de migrantes para as cidades, ocupando favelas e lotes ilegais, alimentando a desigualdade e aproximando cada vez mais um tripé formado por “propriedade, poder político e poder econômico” (2014, p.184). Como resultado desse processo, o Brasil apresenta, um mercado residencial legal que atende apenas 30% da população (MARICATO, 2014).

3 Essa visão sobre o caráter patrimonialista da sociedade brasileira é analisada também por Volochko,

permitindo compreender em parte as razões da “grande concentração fundiária no campo brasileiro (ausência de reforma agrária) e o enorme déficit habitacional em nossas cidades” (ausência de reforma urbana)” (2015, p.101).

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O resgate histórico feito pelos autores mostra que vigora no país uma sociedade nitidamente dividida em classes: de um lado uma elite formada por uma aristocracia herdeira de latifúndios e que tem na renda da terra, voltada para a especulação imobiliária e valorização fundiária, uma das suas principais fontes de acumulação de riqueza e, na outra ponta, uma massa trabalhadora, que desde o início da urbanização das cidades lhe foi negada a posse e a propriedade da terra.

Constata-se assim que a noção de concentração fundiária nas mãos de uma elite dominante compõe uma das bases do desenvolvimento capitalista brasileiro, que influenciou diretamente no processo de urbanização que se instalou no país, pautado na expansão territorial desordenada, com a formação de cidades socialmente segregadas e extremamente desiguais quanto à aquisição da propriedade pela população.

Assim, essa elite dominante se apresenta como proprietária de grandes áreas, seja nas regiões mais centrais das cidades, seja ao redor delas em áreas retidas pela especulação imobiliária, enquanto que as camadas mais populares, formadas pela massa de trabalhadores, vem sendo continuamente empurrada para regiões mais distantes, expandido as fronteiras urbanas e formando uma periferia carente de infraestrutura e serviços básicos, com grandes dificuldades de acesso aos equipamentos públicos, que permanecem concentrados nas regiões mais centrais, num processo de valorização constante dessas áreas.

Ao longo do tempo, o Estado, de modo geral, vem assumindo a função de mantenedor da ordem estabelecida, atuando na garantia da reprodução das relações dominantes, convertendo-se, assim, no instrumento de dominação de uma classe sobre as demais (BARRIOS, 1986).

Ora, segundo David Harvey (2016) determinados aspectos e funções específicas do Estado funcionam de forma a “dar suporte à reprodução do capital”. Nesse sentido, os direitos da propriedade privada sustentam a ideia da necessidade da “casa própria” como elemento básico para reprodução da vida, influenciando no “crescimento contínuo do mercado imobiliário como terreno de acumulação ativa e lucrativa do capital e apoio ideológico à via capitalista”4. (HARVEY, 2016, p. 56)

Em relação à imposição dos direitos de propriedade, Harvey (2016) afirma que há uma dependência da existência de poderes estatais e sistemas legais. Nesse

4 Karl Marx já destacava que “o Estado é o supremo proprietário fundiário” e a soberania “é a propriedade fundiária concentrada em escala nacional” (2017, p. 851).

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sentido, o Estado utiliza seu poder de coerção de forma a permitir “o florescimento do capital” antes mesmo da propriedade privada se tornar uma regra máxima (HARVEY, 2016, p. 49).

Pela lógica capitalista até mesmo as políticas que são implementadas com o discurso de superação da crise de reprodução social e combate à desigualdade, na verdade servem para reiterá-la, assentando-se, segundo demonstra Ana Fani Carlos (2015, p. 43) na “posse centralizada da riqueza social gerada por toda a sociedade nas mãos de uma classe social, que também é detentora do poder”.

Nesse sentido, Christian Topalov (1979, p. 64) ensina que até mesmo as decisões relacionadas à moradia dos trabalhadores são definidas pelo capital, o qual condiciona a habitação dos trabalhadores aos limites geográficos do mercado de trabalho, determinando que a localização das moradias seja de acordo com as necessidades do empresariado, assegurando continuamente a maximização do desempenho do capital e assegurando as condições adequadas para manutenção e reprodução da força de trabalho.

Relacionando o Estado capitalista e a questão urbana, Jean Lojkine (1997, p. 174) afirma que um dos principais aspectos da relação entre urbanização e acumulação capitalista é justamente “o desenvolvimento da aglomeração urbana determinado pela tendência constante do capitalismo a diminuir o tempo de produção e o tempo de circulação do capital”. Diante disso, o autor entende que a cidade resulta diretamente dessa necessidade de diminuir os custos de produção, circulação e de consumo visando uma maior velocidade de rotação do capital, aumentando assim o período em que o capital é valorizado (LOJKINE, 1997). Resta claro que não se pode separar o processo de urbanização do desenvolvimento do capitalismo e que a cidade é o lugar por excelência onde o modo de produção capitalista se assenta e se reproduz.

Além disso, a política urbana, ao contrário do que se esperaria, tende a exacerbar as contradições entre os meios de reprodução do capital e da força de trabalho, tornando-se, conforme explica Lojkine (1997, p. 193), em “um instrumento de seleção e de dissociação sistemática dos diferentes tipos de equipamento urbano, de acordo com o grau de rentabilidade e de utilidade imediata para o capital”.

Tem-se então um cenário urbano caótico, formado por um processo desordenado de expansão urbana, sobre o qual Kowarick (1993) afirma que o setor imobiliário – responsável pela ocupação espacial – decide como bem quer quais áreas

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serão ocupadas e quais serão retidas em prol da especulação, ou seja, imensas areas mais próximas aos núcleos centrais foram guardadas a espera de valorização, sendo nítido que a ocupação do solo não seguiu nenhum critério de planejamento governamental, pautada na retenção especulativa de terrenos nas grandes cidades brasileiras.

Na sua análise sobre a economia urbana, Pedro Abramo (2007) vê a atuação do mercado imobiliário na cidade como cenário de disputas entre agentes heterogêneos, tendo o Estado um papel fundamental ao decidir onde os equipamentos urbanos serão construídos e isso influencia diretamente nas escolhas de localização dos capitalistas.

O Estado afeta o mercado imobiliário de diferentes formas gerando resultados diversos. Nessa perspectiva, Samuel Jaramillo Gonzalez (2010, p. 274) ensina que a influência estatal nesse mercado pode se dar de várias formas: a primeira é através da sua função fiscal, cobrando impostos sobre a propriedade da terra urbana; a segunda ocorre por meio da regulamentação urbana; a terceira ação do Estado se dá com a provisão de infraestrutura, impactando diretamente nos preços da terra; a quarta via de incidência aparece quando o Estado se coloca como agente imobiliário, seja na posição de proprietário de terras, seja como produtor de espaço construído; e a última maneira de influência no mercado de terras surge através dos instrumentos de intervenção estatal.

Nesse sentido, Alain Lipietz (1988) acredita que o Estado intervém no espaço social através de mediação técnica e jurídica. A primeira trata-se do “sistema de transportes e de telecomunicações que produz deslocamentos ou transferências”, ou seja, as infraestruturas. A segunda envolve “o direito de propriedade e os constrangimentos administrativos que regulam o poder de disposição das parcelas do espaço social” (1988, p. 154). No comando dessas mediações, o Estado possui tanto o monopólio do poder jurídico, tomando as decisões que lhe convém sobre o ordenamento do espaço, como também intervém diretamente na produção do espaço (LIPIETZ, 1988).

Ao se questionar sobre o porquê de o Estado financiar as principais infraestruturas urbanas, como o sistema de vias urbanas, os transportes coletivos, o abastecimento de energia e de água e as redes de esgotos, na maioria dos países capitalistas, Topalov (1979) ensina que essas infraestruturas, apesar de necessárias, não possuem valores de uso rentáveis, ou seja, dificilmente circulariam como

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mercadorias, em razão disso, são chamados de bens coletivos, exigindo-se do Estado a sua produção. Além disso, esses setores possuem um alto nível de composição orgânica do capital e um longo período de giro desse capital, o que inviabiliza a retirada rápida de lucro pelos capitalistas. Por fim, o autor lembra que as infraestruturas consomem uma grande parcela do solo urbano e nem todas as localizações são propícias para estes investimentos, deixando-as fora do alcance do capital privado, restando ao Estado fornecer tais infraestruturas (TOPALOV, 1979, p. 16).

É evidente que o Estado tem um papel preponderante na reprodução das desigualdades sociais, tanto no auxílio à acumulação do capital - como demonstrado acima, tendo, no caso brasileiro, atuado de forma efetiva em prol do desenvolvimento de uma economia capitalista que mantém e reforça os padrões de desigualdade existentes no país – e também, na regulamentação da produção do espaço urbano em prol das classes dominantes.

Quanto ao controle do Estado na produção do espaço urbano brasileiro, este se dá, segundo Flávio Villaça (1997) por meio de três processos: controle da localização da infraestrutura urbana; controle da localização dos aparelhos do Estado; e controle da legislação de uso e ocupação do solo. No que se refere à primeira forma de controle, tem-se o sistema viário como principal infraestrutura a ser observada, pois costuma privilegiar bairros da classe dominante tanto em relação à sua localização, quanto aos tipos – automóvel, principalmente. Já quanto ao controle da localização dos aparelhos do Estado, vê-se cada vez mais, órgãos públicos transferidos para as regiões onde se localizam a classe dominante. E quanto ao último processo, pode ser visualizado de forma clara nas metrópoles brasileiras, cujas legislações visam predominantemente atender os requisitos urbanísticos “desejados e viáveis pelas e para as camadas de mais alta renda”, deixando uma grande parte da cidade na clandestinidade (VILLAÇA, 1997, p. 10)

Constata-se que o desenvolvimento capitalista brasileiro influenciou diretamente a distribuição da ocupação do solo urbano, onde o Estado favoreceu e ainda favorece uma distribuição geográfica desigual entre classes nas grandes cidades. Dessa forma, enquanto as classes de alta renda se apropriam das melhores localizações, onde estão a infraestrutura de deslocamento e os equipamentos públicos e privados necessários à reprodução da vida, os trabalhadores vêm sendo continuamente empurrados para regiões mais distantes, expandido as fronteiras

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urbanas e formando uma periferia caracterizada pela moradia irregular e sem acesso à infraestrutura e aos serviços básicos, bem como aos equipamentos públicos, que permanecem concentrados nas regiões ocupadas pelas classes dominantes, num processo de valorização constante dessas áreas.

O processo de concentração fundiária no interior das grandes cidades brasileiras foi diretamente influenciado pela atuação do Estado orientada pelo capitalismo. Ao retratar a periferia – que surge no cenário urbano brasileiro com a intensificação da industrialização – Lúcio Kowarick (1993, p. 35) a caracteriza como “aglomerados distantes dos centros, clandestinos ou não, carentes de infraestrutura, onde passa a residir crescente quantidade de mão-de-obra necessária para fazer girar a máquina econômica”.

Kowarick lembra que acumulação e especulação sempre andam juntas e, em razão disso, “a localização da classe trabalhadora passou a seguir os fluxos dos interesses imobiliários” (1993, p. 35), ou seja, ela foi empurrada para as periferias distantes, não dominadas pelo mercado imobiliário e, consequentemente, não pressionadas a serem dotadas de infraestrutura e serviços tal qual as regiões mais centrais.

Corroborando com essa análise, Paola Rogedo Campos ensina que

às empresas privadas não interessa produzir certos elementos necessários à formação do valor de uso complexo, aqueles que não são rentáveis, como infraestruturas urbanas e equipamentos coletivos. É o que, em termos gerais, define a contradição da urbanização capitalista, na qual cada empresa busca o lucro a todo custo e, ao fazê-lo, opõe-se à formação de elementos urbanos necessários à sua própria valorização (CAMPOS, 2011, p. 64).

No momento em que o Estado decide sair da sua condição de passividade, dificilmente atua como um agente regulador do uso do solo urbano em benefício das camadas mais necessitadas da sociedade, mas sim em prol dos agentes do mercado imobiliário, facilitando a valorização das áreas requeridas por este mercado.

A atuação do Estado fomenta ainda mais esses processos, pois faz uso dos instrumentos legais para justificar a ação do mercado imobiliário, retirando entraves e, muitas vezes, facilitando essa expansão urbana nem sempre planejada ou, até mesmo, pensada para favorecer a reprodução capitalista, omitindo-se de fiscalizar e monitorar esse mercado, permitindo que ele atue livremente, avançando a especulação imobiliária, criando vazios urbanos e obtendo lucros cada vez maiores

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com uma ocupação do solo estrategicamente desordenada ou, por vezes, ordenada no sentido de beneficiar as classes dominantes.

1.2 A RENDA DA TERRA E A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA FUNDIÁRIA

Ao se debruçar sobre a valorização do espaço, Antônio Carlos Robert Moraes (1993) resgata o pensamento de Adam Smith, David Ricardo e, principalmente, Karl Marx5, para compreender o conceito e a produção da mais-valia na forma de renda da terra dentro do modo de produção capitalista. A obra de Smith e de Ricardo serviram de base para Marx elaborar sua compreensão sobre o valor, considerando-o uma categoria social, a partir da premissa de que não há valor sem trabalho.

Teorizando sobre a renda da terra, Gonzalez (2010) afirma que por muito tempo a tradição marxista passou de forma indireta e genérica por esses elementos de interpretação e somente na década de 1960 é que surge a necessidade de se abordar específica e sistematicamente o fenômeno da propriedade do solo urbano6.

Antônio Carlos Moraes (1993) lembra que ao analisar o papel da renda, Marx utiliza-se da teoria de Ricardo – e defende a importância da distância relativa e da fertilidade absoluta do solo para determinar a produtividade do trabalho – afirmando que os produtores melhores localizados “auferem uma renda excedente em relação ao conjunto de produtores, o que Ricardo denomina de renda diferencial” (MORAES, 1993, p. 116).

Para a teoria marxista, a necessidade de a terra ter um preço resulta da relação das leis do valor em determinadas circunstâncias, estabelecidas entre a renda e o preço da terra. Assim, a terra em si mesma não possui um valor, mas passa a ter um preço em razão da existência da renda. Consequentemente, o proprietário assimila a posse do seu lote de terra à posse de um capital que lhe renderá juros, montante que ele recebe como renda, emergindo assim o preço do solo (GONZALEZ, 2010, p. 07)

5 Marx entende que a renda do solo é a forma na qual se realiza economicamente a propriedade

fundiária, a forma na qual ela se valoriza (2017, p. 679).

6 O autor explica que a Teoria Geral da Renda da Terra tem como propósito interpretar a existência social da propriedade territorial no capitalismo, “propondo-se a explicar a sobrevivência e a consolidação de uma classe latifundiária agrária em uma sociedade capitalista desenvolvida, e estabelece seus laços de interdependência com esta sociedade em seu conjunto” (GONZALEZ, 2010, p. 03-04)

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É na teoria da renda de Marx que se encontram os fundamentos da propriedade da terra, bem como sua articulação com a sociedade capitalista. Quanto a isso Marx afirma que “a propriedade fundiária se baseia no monopólio de certas pessoas sobre porções definidas do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade privada, com exclusão de todas as outras” (MARX, 2017, p. 676).

Refletindo sobre o espaço da propriedade privada, Harvey (2013, p. 437-438), ao analisar a obra de Marx, afirma que “a posse da propriedade privada da terra confere poder exclusivo a pessoas privadas sobre algumas porções do globo”. Para tanto, a propriedade privada da terra, vai estabelecer através de registros e mapeamentos a porção da superfície terrestre sobre a qual serão exercidos poderes monopolistas exclusivos por determinadas pessoas. Nessa análise, o autor considera que aqueles que estão mais bem localizados – no sentido de terem custos menores com transporte – podem lucrar com o excedente (HARVEY, 2013).

Sobre essa relação tem-se que “quanto mais férteis, mais bem localizados, mais bem-dotados de infraestrutura, enfim, mais diferenciados e exclusivos forem os terrenos e imóveis, maior é a renda fundiária que pode ser auferida pelos seus proprietários”7 (MAGALHÃES; TONUCCI FILHO; SILVA, 2011, p. 19).

Quanto à existência social da terra urbana, Gonzalez (2010) afirma que esta fundamenta-se na sua capacidade de proporcionar um lugar físico para o desenvolvimento das atividades chamadas de urbanas, onde o solo oferece o suporte físico para a criação do espaço construído que se consome como receptáculo das atividades urbanas.

É o que também nos ensina Topalov (1979) ao afirmar:

Se existe uma contradição, é precisamente porque a cidade é também um conjunto de bens produzidos com vistas ao lucro. A cidade é o arcabouço do lucro, mas seus elementos também o são. O ambiente urbano construído fornece capital, como um todo, com um valor de uso complexo. Mas a estrutura urbana construída também é um conjunto de mercadorias imobiliárias: casas, edifícios destinados ao comércio, escritórios, etc. Todos esses bens são produzidos pelo capital: servem de suporte à valorização do capital privado, especializado em sua produção e circulação8 (1979, 75). (tradução nossa)

7 O mesmo posicionamento é visto em Alvarez (2015, p. 72) ao afirmar que “a propriedade imobiliária, no capitalismo, não é em si capital, mas pelo monopólio de sua posse, através da forma jurídica da propriedade, possibilita a capitalização de parte da mais-valia geral”

8 Texto original: “Si existe contradicción, es justamente porque la ciudad es también un conjunto de

mercancías producidas con vistas a la ganancia. La ciudad es el marco de la ganancia, pero sus elementos son también objeto de ganancia. El marco edificado urbano proporciona al capital, en su conjunto, un valor de uso complejo. Pero el marco edificado urbano es también un conjunto de mercancías inmobiliarias: habitaciones, edificios destinados al comercio, oficinas, etc. Todas estas

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Diante dessas afirmações, fica claro que a importância da terra vai além da sua destinação como suporte físico para os equipamentos da cidade. Todas as mercadorias urbanas construídas sobre o solo engendram a manutenção e a reprodução das condições necessárias para o capital continuar realizando seu papel enquanto agente dominante nas relações que se efetuam na cidade, valorizando tanto esses ambientes construídos como a terra que lhes dá esse suporte toda vez que o capital utiliza suas diversas faces para interferir nessas relações, seja fazendo uso do aparelho estatal como um todo ou diretamente através do mercado imobiliário.

Assim, a renda fundiária é proveniente, em grande parte, do lucro obtido pela valorização da terra, ou seja, pela expectativa gerada pelo mercado imobiliário de que seu valor seja acrescido pelas melhorias urbanas realizadas pelo Estado, sem que o proprietário tenha realizado nenhum esforço para tanto, ou, quando muito, beneficiou o terreno com uma construção (residencial ou comercial), porém, não é esta destinação dada ao bem que corresponde ao seu valor principal, mas sim, aquele que foi gerado através da mais-valia agregada.

Explicando tal fenômeno Mark Gottdiener (1993, p. 245) afirma que “a atividade imobiliária é uma fonte de criação de mais-valia e não apenas de realização”. Nesse sentido, Almeida e Monte-Mór (2011) explicam que o agente imobiliário decide quanto capital empregar em um empreendimento de acordo com a sua localização, pois esta é um dos principais fatores que definem os seus sobrelucros, ou seja, “a manutenção do preço de mercado acima do preço de produção” (ALMEIDA; MONTE-MÓR, 2011, p. 280).

Há, portanto, no solo urbano um valor diferenciado que resulta, segundo Danilo Volochko (2015) da sua incorporação à dinâmica da cidade, representando o acúmulo desigual de trabalho social no espaço. Desse modo, o autor entende que o espaço – como mercadoria – é um produto histórico e social “e o seu valor de troca é determinado pela constante possibilidade de transformação do seu valor de uso, de construção/ destruição/ reconstrução/ dos imóveis e infraestruturas” (VOLOCHKO, 2015, p.100).

mercancías son producidas por el capital: ellas sirven de apoyo a la valorización de los capitales particulares, especializados en su producción y en su circulación” (TOPALOV, 1979, p. 75).

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Diante disso, se faz importante analisar o fenômeno da especulação imobiliária, sobre o qual Kowarick (1993) afirma que

a especulação imobiliária não se exprime tão somente pela retenção de terrenos que se situam entre um centro de suas zonas periféricas. Ela se apresenta também com imenso vigor dentro das próprias áreas centrais, quando zonas estagnadas ou decadentes recebem investimentos em serviços ou infraestruturas básicas. O surgimento de uma rodovia ou vias expressas, a canalização de um córrego, enfim, uma melhoria urbana de qualquer tipo, repercute imediatamente no preço dos terrenos (KOWARICK, 1993, p. 40).

Assim, resta claro como a mais-valia fundiária é produzida e assimilada pelos proprietários privados, que além de especularem ao reterem terrenos próximos aos centros urbanos aguardando sua valorização, também auferem renda quando obras públicas de infraestrutura são construídas próximas aos seus imóveis, tornando-os mais acessíveis, mais bem localizados, entre outros atributos que contam para a valorização imobiliária9.

Tal processo especulativo envolve diversos agentes capitalistas que disputam o controle da terra. Diante disso, Campos (2011) compreende que a atuação do Estado nas cidades brasileiras é clara no sentido de garantir que investimentos em infraestruturas e meios de consumo coletivo no espaço urbano ocorram preferencialmente nos espaços onde se concentram as residências e os negócios das classes dominantes, gerando uma constante revalorização da terra urbana nessas regiões da cidade em razão de possuírem uma renda diferencial em relação às terras periféricas, conduzindo para a manutenção e aumento da segregação no espaço urbano.

Ora, sabe-se que os preços da terra tendem a mudar com o tempo, gerando “incrementos”, fazendo com que os agentes imobiliários tenham um comportamento já esperado, pois, segundo Gonzalez (2010):

Eles procuram aproveitar estes incrementos que são porções de valor e vão competir entre si pela sua captura. De um modo geral, isso dá origem a uma das práticas mais evidentes do mercado imobiliário, a chamada especulação urbana, que consistiria em transações de compra e venda de terras, com o objetivo principal de captar estes aumentos dos preços dos terrenos. Em

9 Quanto a isso, Pedro Abramo entende que a escolha de localizações dos trabalhadores e das famílias

é regida por dois motivos ou estímulos: a residência e a especulação. Buscando, em regra, antecipar a escolha de localização da moradia de seus semelhantes. Porém, a escolha residencial pode também ser motivada como forma de investimento, através da qual se possa aumentar o lucro familiar conforme movimentos de valorização criados pelo que o autor chama de “dança das convenções urbanas” (2007, p. 226).

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geral, são operações em que a terra é comprada a baixos preços, esperando-se que aumentem de valor e esperando-sejam vendidas mais caras, aproveitando-esperando-se dessa diferença. Essa noção de “espera” é o que justifica a denominação de “especulação”10 (GONZALEZ, 2010, p. 203). (tradução nossa)

Diante disso, ao se analisar a moradia como uma mercadoria especial, Silva, Bentes Sobrinha e Tovar (2018, p. 5) apresentam três características específicas: a primeira é que o seu preço cresce a longo prazo. A segunda é a certeza de que sua existência não depende exclusivamente da relação oferta-demanda, havendo outras condições sociais que influenciam na produção do espaço urbano. E, a terceira, aparece ao se perceber que a casa, mesmo tendo seu valor de uso consumido pelo proprietário, não esgotará ou diminuirá o seu valor de troca, mesmo que não seja incorporado mais trabalho a ela.

Com isso, pode-se entender que apesar da importância das decisões dos agentes envolvidos no processo de construção do espaço capitalista e formação do preço da terra, não serão essas decisões isoladamente que vão definir o valor da terra, mas a atuação do capital imobiliário de maneira global no espaço urbano.

Ademais, percebe-se que a mudança de uso do solo está na base do aumento dos preços no mercado, permitindo que a propriedade integre uma nova articulação com o espaço construído. Nesse processo o valor de uso que outrora se dava em razão da especulação ou da atividade industrial se modifica, incorporando o trabalho humano ao se edificar novos imóveis urbanos e relacioná-los com o restante do espaço urbano, fazendo com que esse solo passe a ter agora um valor de troca elevado, acima dos demais terrenos que não possuem as mesmas vantagens urbanas (VOLOCHKO, 2015).

Com isso, tem-se que “o processo de valorização capitalista do espaço não é outro que a própria valorização do capital”, onde esse capital se movimenta de forma desigual espacialmente, interferindo diretamente na forma de organização interna das cidades capitalistas, “gerando condições ambientais diferenciadas no interior da

10 Texto original: El hecho que los precios del suelo cambien con el tiempo y de que incidentalmente

tengan incrementos, genera un comportamiento esperable de los agentes mercantiles: procurarán apoderarse de estos incrementos que son porciones de valor y se disputarán entre ellos por su captura. En términos generales, esto da pie a una de las prácticas más conspicuas en los mercados de tierras, la llamada especulación urbana, que consistiría en transacciones de compra y venta de tierras, con el propósito fundamental de capturar estos incrementos en los precios del suelo. En su acepción general, serían operaciones en que se compran terrenos con precios bajos, se espera a que ellos aumenten y se venden más caros, aprovechando esta diferencia. Esta noción de "espera" es lo que justifica la denominación de "especulación". (GONZALEZ, 2010, p. 203)

Referências

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