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O pensamento político de Luis Alberto Sánchez: análise crítica de uma carreira intelectual.

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Academic year: 2021

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O pensamento político de Luis Alberto Sánchez: análise crítica de uma carreira intelectual.

Marcos Sorrilha Pinheiro

No início do século XX, a América Latina presenciou o florescimento de uma geração de intelectuais que propunha o debate de novas idéias para o futuro político do continente. Essa geração, denominada “geração do centenário”1 ou “vanguarda intelectual”, se apresentou à sociedade latino-americana através do movimento que marcaria esse período: a Reforma Universitária da Argentina e Peru em 1918-1919.

Motivada pela crença na mudança dos padrões do sistema de ensino das universidades latino-americanas, essa geração protestava contra o caráter elitista que as instituições possuíam, reivindicando a maior participação e oportunidade na chegada da população “marginalizada” (operários) e da classe média ao ensino superior2. A Reforma Universitária, de fato, “possibilitou às camadas médias a ocupação de um espaço de auto-afirmação social e política, pois o diploma conferido pela universidade constituía um veículo de ascensão social”.3

Porém, além das reivindicações no âmbito acadêmico, a Reforma Universitária transcendeu os muros das universidades e ganhou reconhecimento da população civil, o que permitiu que os seus principais líderes e idealizadores (Gabriel del Mazo, Haya de la Torre, Manoel Seoane, Pedro Muñiz, José Carlos Mariátegui, entre outros) ganhassem não apenas reconhecimento como espaço privilegiado na política, na sociedade e na intelectualidade latino-americana. Acompanhando essa geração de intelectuais e inserido nesse contexto, Luis Alberto Sánchez aparece e desponta como um dos principais articuladores e

1 Cf. SALVATTECCI, H. Apuntes para una biografía de Luis Alberto Sánchez. In: SALVATTECCI, H

(org). Luis Alberto Sanchez: La vida del siglo. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.

2 Cf. SANCHEZ, L. A. La nueva generacion: la reforma universitaria y la insurgencia obrera. In:

SALVATTECCI, H (org). Luis Alberto Sanchez: La vida del siglo. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.

3 TOLEDO, P. R. Reforma Universitária na América Latina (Argentina e Peru): A emergência das

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idealizadores desse momento e que, futuramente, prevaleceria como um dos principais intelectuais daquela vanguarda.

Sánchez nasceu em Lima, no Peru, no ano de 1900. Originário de uma família de classe média estudou no colégio La Recoleta até os dezessete anos de idade, quando partiria para a Universidade de San Marcos, onde se formou em Literatura, História e Direito. Aos dezessete anos já possuía uma coluna literária na Revista Mundial onde discutia sobre literatura e artes ao lado de José Carlos Mariátegui. Em uma outra dimensão de sua vida, desempenharia importantes papéis no meio acadêmico. Como professor ministrou e apresentou cursos em diversas universidades por todo o mundo, como nas Universidades da Pensilvânia, Columbia, Paris e Osaka (registra-se a passagem dele no Oriente Médio na década de 1970 nas Universidades de Jerusalém e Beirute) além de outras instituições na América Latina. Foi por diversas vezes reitor da Universidade de San Marcos (a primeira universidade da América do Sul). Configurou-se como importante crítico e professor de literatura, sendo suas obras utilizadas como base para qualquer trabalho acadêmico sobre a literatura latino-americana, em especial a peruana.

Sem dúvida um momento marcante da carreira de Luis Alberto Sánchez foi a sua participação Reforma Universitária aos dezenove anos. Lá realizaria o seu primeiro contato concreto com a esfera política, da qual não se desvincularia até os últimos dias de sua vida. No Movimento da Reforma universitária participou como vice-presidente do conselho reformista na Universidade de San Marcos, além de ministrar aulas na Universidade Popular Manuel Gonzalez Prada (resultado direto da Reforma Universitária). Nesse mesmo momento conheceu a Victor Raul Haya de la Torre, que se tornaria seu grande amigo e que, anos mais tarde, em 1924 no México, fundaria o APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana).

É importante dizermos que Luis Alberto Sánchez filiou-se ao Partido Aprista Peruano no ano de 1931 (ano de fundação do partido) e desenvolveu toda sua trajetória política dentro dele, desempenhando por inúmeras vezes os cargos de deputado, senador e chegando à vice-presidência de seu país em 1985, no governo de Alan Garcia, além de ter dedicado boa parte de suas obras para à difusão e promoção do partido, como um de seus principais ideólogos. A trajetória de Luis Alberto Sánchez por diversas vezes se confunde

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com a história do Apra, ajudando-o a se formar e a se projetar como um dos partidos de maior importância na história política do continente, podendo ter presenciado e participado de sua chegada ao poder no ano de 1985, sonho tão almejado por seu fundador e “eterno líder” Victor Raul Haya de la Torre, falecido em 1979.

Um dos resultados diretos da vinculação de Sánchez com o partido aprista foi o seu exílio freqüente, tendo sido obrigado a viver em diversos países devido a uma série de perseguições políticas realizadas pelos governos anti-democráticos instaurados no Peru ao longo de sua história contemporânea. Porém, esta condição permitiu que Sánchez entrasse em contato com a cultura e, sobretudo, a realidade de diversas sociedades do continente latino-americano, o que possibilitou a ele reconhecer a história, as especificidades e particularidades de cada povo, permitindo-lhe analisar e refletir sobre as origens, necessidades e anseios da América Latina. Essas experiências contribuíram fortemente para a formulação do que aqui definimos como o “latino-americanismo” presente no pensamento de Sánchez.

O que aqui estamos nos propondo a definir por latino-americanismo, seria uma caracterização de uma posição político-cultural frente à situação latino-americana e ao seu destino, ou seja, como uma determinada característica presente em alguns pensadores que buscaram a valorização da América Latina como um terreno fértil para o “crescimento” de culturas e países tidos como subdesenvolvidos procurando afirmar o seu espaço no contexto mundial. O Latino-americanismo pode também ser visto como a tentativa de formatação de um pensamento com origens latino-americano que rompesse com modelos e padrões externos como o Americanismo (EUA) e Europeísmo.

Podemos reconhecer essa posição com clareza no pensamento de Luis Alberto Sánchez. Em uma de suas obras encontramos a seguinte colocação que esboça bem nossa proposição: “Frente aos Estados Unidos e a Europa, América Latina começou a entender seus deveres primordiais. Por sua vez, tem diante de si as novas obrigações criadas pelo surgimento da Ásia e da África no campo dos grandes poderes mundiais. Talvez o patriotismo continental latino-americano seja um dos traços típicos do nosso século.”4

4 SANCHEZ, L. A. ¿Existe América Latina? Examen espectral de América Latina. Lima: Ed. Villanueva,

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Nesse sentido, o latino-americanismo que encontramos em Luis Alberto Sánchez, além de possuir características antiimperialista5, buscou analisar e elaborar em suas obras, questões que abordassem problemas pertinentes a formação e desenvolvimento de seu “território” e realidade (indigenismo, nacionalismo(s), cultura, tradição, religião, a mestiçagem, entre outros), valorizando os aspectos sócio-culturais da América Latina, segundo ele, formas de entender o desenvolvimento de sua sociedade. Apesar de fazer parte daquela geração que nasceu com os ideais propostos no Ariel, no qual o pensamento latino-americano buscava sua afirmação, Sánchez acreditava que um projeto latino-latino-americano deveria seguir caminhos opostos às idéias apresentadas por Rodó, realizando, assim, uma ruptura com seus antigos mestres, a geração dos “novecentos” ou arielista, oferecendo uma nova forma de se pensar a América Latina. Segundo o próprio Sánchez, “Rodó adestrava um Ariel burocrático e oligárquico, a cuja sombra calibanes de fácil verbo, fingiram ser ‘professores do idealismo’ com salário governativo e tratamento de ‘excelências’”.6

De tal maneira, Luis Alberto Sánchez dedicou boa parte de suas obras para o entendimento da realidade da América Latina, que se estruturavam em análises sociológicas e historiográficas da cultura e da sociedade latino-americana. Estas obras foram realizadas através do exame do passado pré-colonial, colonial e independente do continente, para compreender como essa mescla de valores, culturas e raças (indígena, negra e européia) proporcionaram, segundo ele, a aparição de novas culturas. De tal maneira, para que a América Latina se tornasse independente (ideologicamente) da Europa e dos Estados Unidos era necessário que essas culturas se unissem e formassem apenas uma cultura, a cultura latino-americana.

Para Luis Alberto Sanchez, os países da América Latina não deveriam buscar a união em elementos demográficos comuns, como o índio, ou o seu passado pré-colonial, e sim em suas diferenças e individualidades que surgiram ao longo da colonização em cada

5 Essa característica antiimperialista identificada no pensamento de Luis Alberto Sánchez se fez muito comum

entre os intelectuais contemporâneos a ele já que se tratou de um momento de expansão do capitalismo e também de forte influência dos E.U.A, agora não só ideológicas, como também militares na América Latina (encontramos mais características desse momento em: FERREIRA, O. S. Nossa América: Indoamérica. São Paulo: Editora da USP, 1971). Desta forma, o antiimperialismo de Sánchez se faz presente tanto em suas formulações ideológicas junto ao partido aprista, como em suas análises da cultura e do território latino-americano.

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localidade, ou seja, para que pudesse existir uma “Cultura Americana”, era necessário que os povos da América Latina combinassem suas diversas culturas, tal qual diferentes instrumentos musicais que agrupados resultam em uma orquestra. Em suas palavras, “um acento uniforme nos une. (...) Nossa sinfonia surge, assim, de nossas próprias desarmonias. São estas, mais que nada, as que definem nossa personalidade continental”.7

Percebemos então que, o latino-americanismo de Luis Alberto Sánchez é, quanto um elemento ideológico, um traço marcante, e de certa forma recorrente, na maioria das idéias por ele elaboradas, caracterizando-se como uma espécie de “força motriz” para a constituição de suas principais proposições, tanto políticas como culturais, econômicas e sociológicas, sendo assim, uma maneira de melhor organizar, estruturar e identificar seu pensamento.

Nesse aspecto, conforme o que foi exposto, Sánchez nos aparece como uma figura que desempenhou simultaneamente uma carreira intelectual e uma carreira política que por muitas vezes se mesclavam, fazendo com que seu pensamento político se formasse e se estruturasse na busca da difícil tarefa de municiar idéias políticas a partir de arcabouços e formulações teóricas, que apenas poderiam ser realizadas por um intelectual da sua erudição. São poucos os autores que, como Sánchez, conseguiram trafegar ou realizar a ligação entre o acadêmico e o político em suas obras. Acreditamos que Sánchez encontrou na política uma forma de extravasar toda a sua inquietude intelectual.

Desta maneira, a busca pelo entendimento desse tipo específico de pensamento, que realiza uma ligação ou uma articulação entre o político e o acadêmico, com o qual se caracteriza o de Luis Alberto Sánchez, se torna um objeto rico e instigante para o estudo. Ao tomarmos contato com suas obras, percebemos que ele esteve constantemente preocupado em refletir o seu tempo e dar compreensão aos acontecimentos de sua época, buscando entender e explicar a origem e o papel que a América Latina deveria exercer, procurando compreender os problemas, propondo soluções e explicações para os dilemas do continente, sempre fiel ao espírito apaixonado e inquieto de sua geração – a de Mariátegui, Haya de la Torre, Spelucin, Martin Adan, Portal, Abastos, Porras e Basadre –,

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que sempre buscou em seus feitos realizar o que se consagrou chamar desde aqueles anos como “hora americana”8.

Bibliografia

Del MAZO, G. La Reforma Universitaria. 3ª ed. Lima: Univ. N. M. De San Marcos, 1968. FERREIRA, O. S. Nossa América: Indoamérica. São Paulo: Editora da USP, 1971.

SALVATTECCI, H (org). Luis Alberto Sanchez: La vida del siglo. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.

SANCHEZ, L. A. ¿Existe América Latina? Examen espectral de América Latina. 2ª ed. Lima: Ed. Villanueva, 1968.

SANCHEZ, L. A. Vida y pasión de la cultura en América. 3ª ed. Lima: Ed. Villanueva, 1969.

TOLEDO, P. R. Reforma Universitária na América Latina (Argentina e Peru): A

emergência das vanguardas no continente. Franca: Dissertação de Mestrado, Unesp, 2000.

8 Referencia à frase encontrada no Manifiesto a los hombres libres en Sud América de 1918 distribuido

durante a Reforma Universitaria: “Estamos fazendo uma revolução; estamos vivendo uma hora americana.” O manifesto encontra-se disposto na integra no livro: Del MAZO, G. La Reforma Universitaria. 3ª ed. Lima: Univ. N. M. De San Marcos, 1968.

Referências

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