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A colonialidade do saber no curso de Administração

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Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo

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A colonialidade do saber no curso de Administração

Rafaela Pereira Sanzi1

Palavras-chaves: Colonialidade do saber. Administração. Colonialismo. Eurocentrismo. Modernidade. Eurocentrismo.

Eixo temático: Eje 1. Consecuencias de la Crisis Mundial - La nueva geopolítica mundial: Poder económico y militar. Imperialismo, disputas hegemónicas y países periféricos.

Resumo

Neste trabalho procurarei refletir sobre como a colonialidade do saber pode ser percebida no campo da administração através da análise de um grupo de trabalhos de conclusão de curso de graduação em Administração de uma universidade pública brasileira.

Proponho-me a realizar uma reflexão sobre a posição subalterna que assumimos quando utilizamos conhecimentos produzidos noutros espaços que dizem pouco respeito à nossa condição de espaço e tempo. Para isso, utilizo categorias como a colonialidade, a diferença colonial e o pensamento de fronteira tendo em vista a problematização da inadequação das teorias utilizadas em função das premissas de que partem.

Alguns elementos evidenciam a colonialidade do saber presente nos trabalhos analisados, entre elas: a necessidade ou não de evidenciar o local de referência da teoria utilizada, a predominância de autores estrangeiros na revisão teórica e a ausência de reflexão acerca das premissas das quais partem os autores-referência.

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Mestranda em Administração pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul na área de Organizações, Graduada em Administração pela ESPM Sul – Escola Superior de Propaganda e Marketing. Endereço: Rua Camaquã, 681 – Porto Alegre – RS, Brasil. E-mail: rafaelasanzi@gmail.com. Telefone: 55.51.8581-1300

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2 Introdução

Este ensaio tem origem na minha preocupação com o fazer acadêmico, uma vez que este fazer parte de uma posição subalterna porque se utiliza de conhecimentos produzidos noutros espaços que dizem pouco respeito à nossa condição de espaço e tempo e tem como consequência a multiplicação dessa prática para os alunos que passam pelo curso de graduação que atua nestes moldes. O meu propósito é trazer para a discussão categorias que nos ajudam a compreender a colonialidade, a diferença colonial e o pensamento de fronteira e problematizar a inadequação das teorias utilizadas em função das premissas de que partem, possibilitando pensarmos o fazer acadêmico de outra forma.

Neste trabalho procurarei refletir sobre como a colonialidade do saber pode ser percebida no campo da administração através da análise de um grupo de trabalhos de conclusão de curso de graduação em Administração de uma universidade pública brasileira.

Minha estratégia consiste em primeiramente fazer um breve resgate de conceitos centrais que são fundamentais para o estabelecimento dos critérios para análise, apresentar os critérios definidos e, posteriormente, expor as reflexões feitas a partir dos dados empíricos.

A colonialidade é histórica

Não podemos começar a falar sobre colonialidade sem situá-la historicamente. Há um grupo de autores latino-americanos que muito me interessam que trabalham com a noção de colonialidade que criaram um conjunto de conceitos próprios que nos auxilia a entendê-la a partir do ponto de vista de quem a sofre. “Apesar de haver diversas formulações que questionam as interferências externas no continente, existe ainda uma forte influência das ciências europeias e norte-americanas nas obras dos autores latino-americanos” (SOFIATI, 2011, p.1). Nesse sentido há um esforço desse grupo latino-americano de autores em estabelecer relações igualitárias de conhecimento.

O colonialismo iniciado no século XVI na América Latina pode ser considerado liquidado após a independência dos países. No entanto, como afirmou Aníbal Quijano, na América Latina o fim do colonialismo não significou o fim da colonialidade. (PORTO-GONÇALVES, 2005) As ex-colônias, não só da América

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Latina, mas as da África e Ásia, permanecem em uma posição de subalternalidade que se reflete nas diversas dimensões da vida cotidiana: na cultura, na política, na economia e na ciência. Para Mignolo (2003), a partir da segunda metade do século XX, após a Guerra Fria, nasce uma nova forma de colonialismo, o colonialismo global, que continua reproduzindo a diferença colonial numa escala mundial ainda que já não esteja localizada em um estado-nação particular. (MIGNOLO, 2003)

“Com o início do colonialismo na América inicia-se não apenas a organização colonial do mundo, mas, simultaneamente, a constituição colonial dos

saberes, das linguagens, da memória e do imaginário” (LANDER, 2005 p.10).

Podemos perceber com facilidade que os saberes do centro e da periferia 2

são tratados diferentemente. Os saberes produzidos na periferia devem pronunciar-se como tal e os saberes do centro são tomados ‘naturalmente’ como saberes universais. Podemos fazer uma analogia com o término dos endereços eletrônicos de acordo com o país de origem, como chama a atenção Porto-Gonçalves (2005, p.3), “[...] aquele que fala a partir dos EUA não precisa por .us ao seu endereço e, assim, é como se falasse de lugar-nenhum tornando familiar que cada qual se veja, sempre, de um lugar determinado, enquanto haveria aqueles que falam como se fossem do mundo e não de nenhuma parte específica”. Podemos compreender melhor essa naturalização quando analisamos a ideia de modernidade.

Segundo Lander (2005), a ideia de modernidade captura complexamente 4 dimensões: a hierarquização dos povos, continentes e experiências históricas associada a uma visão universal da história e a ideia de progresso; a naturalização da sociedade liberal-capitalista; a naturalização das múltiplas separações dessa sociedade e; a superioridade dos conhecimentos que essa sociedade produz (a dita ciência) em relação a todos os outros conhecimentos.

Cabe destacar, ainda, duas questões essenciais da constituição histórica das disciplinas científicas que se produz nas academias ocidentais: 1) o processo unidirecional até o moderno. A sociedade industrial liberal é considerara o símbolo do avanço nesse processo histórico, e por essa razão define o modelo que define toda a sociedade moderna; 2) o caráter universal da existência histórica europeia, únicas

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Por centro me referirei aos países da Europa e Estados Unidos que desempenharam papeis de colonizadores, como é o caso da França, Portugal, Inglaterra e Espanha, por exemplo, ou economias hegemônicas como os EUA. Por periferia referirei aos países que incorporaram papeis subalternos como colônias no século XVI, mas que até hoje são tidos como menos desenvolvidos ou atrasados economicamente.

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formas válidas, objetivas e universais de conhecimento são as formas do conhecimento desenvolvidas para a compreensão dessa sociedade e nenhuma mais. As categorias, conceitos e perspectivas (economia, Estado, sociedade civil, mercado, classes, etc.) além de se converterem em categorias universais adequadas a qualquer sociedade, também se convertem em proposições normativas que definem o que deve ser para todos os povos do planeta. Esses conhecimentos transformam-se, assim, nos padrões a partir dos quais se podem analisar e detectar as carências, os atrasos, os freios e os impactos perversos que se dão como produto do primitivo ou o tradicional em todas as outras sociedades. (LANDER, 2005) “Esta é uma construção eurocêntrica, que pensa e organiza a totalidade do tempo e do espaço para toda a humanidade do ponto de vista de sua própria experiência, colocando sua especificidade histórico-cultural como padrão de referência superior e universal”. (LANDER, 2005, p,13)

Os diferentes recursos históricos tem como sustento a concepção de que há um padrão civilizatório que é simultaneamente superior e normal. (LANDER, 2005)

“Afirmando o caráter universal dos conhecimentos científicos eurocêntricos abordou-se o estudo de todas as demais culturas e povos a partir da experiência moderna ocidental, contribuindo desta maneira para ocultar, negar, subordinar ou extirpar toda experiência ou expressão cultural que não corresponda a esse ‘deve ser’ que fundamenta as ciências sociais. As sociedades ocidentais modernas constituem a imagem de futuro para o resto do mundo.” (LANDER, 2005, p.14)

Mignolo (2003) estuda a diferença colonial a partir da formação e transformação do sistema-mundo moderno/colonial. Segundo o autor, o conceito de sistema-mundo – concepção proposta por Wallerstein, que não considerava a diferença colonial – tem uma grande vantagem que é a incorporação da dimensão espacial. A dimensão espacial permite pensar a partir de suas fronteiras externas, de onde a diferença colonial foi e continua sendo representada.

A diferença colonial é o espaço onde se articula a colonialidade do poder. É também o espaço em que se está verificando a restituição do conhecimento subalterno e está emergindo o pensamento de fronteira. A diferença colonial é o espaço em que as histórias locais que estão inventando e fazendo reais os projetos globais se encontram com aquelas histórias locais que os recebem; é o espaço em que os projetos globais têm que se adaptar e integrar-se ou serão rechaçados ou ignorados. A diferença colonial é, finalmente, é a localização tanto física quanto imaginária a partir da qual a colonialidade

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do poder está operando a partir da confrontação entre os tipos de histórias locais que se desenvolvem em espaços e tempos distintos ao longo do planeta. Ou ainda, a diferença colonial consiste em classificar grupos e pessoas ou populações e identificá-los em suas faltas ou excessos, os quais marcam a diferença e a inferioridade com respeito a quem as classifica. (MIGNOLO, 2003)

O que Mignolo chama de diferença colonial, Quijano destaca quando afirma que

o eixo central da colonialidade do poder estabelece uma hierarquia fabricada pela Europa em que o branco pertence à escala mais alta e em seguida é colocada as outras raças, o negro, o amarelo, o índio. [...] Há, portanto, a hierarquização das próprias identidades dos indivíduos, estabelecidos como instrumento de classificação básica da população mundial. (SOFIATI, 2011, p.3)

Também não se pode falar em colonialidade sem falar em pensamento de

fronteira, ele é uma consequência lógica da diferença colonial. A ideia de pensamento

de fronteira, de Mignolo (2003) surgiu para identificar o potencial de um pensamento que surge da subalternidade colonial. Ele é o pensamento que afirma o espaço onde o pensamento foi negado pelo pensamento da modernidade. O pensamento de fronteira da perspectiva subalterna é uma máquina intelectual e, por isso, de descolonialização política e econômica. (MIGNOLO, 2003)

Para Mignolo (2003), somente através da tomada de consciência poderemos nos libertar da colonialidade do poder. A matriz que permitiu estabelecer as diferenças e justificar a colonização (no século XVI, por exemplo, a cristianização) é o que o autor chama de colonialidade do poder.

Esses autores criticam o presente a partir de sua construção histórica, mas expõem possibilidades de mudança no sentido da emancipação. Cada um tem as suas particularidades, mas todos configuram, segundo define Mignolo (2003) um paradigma outro. “Fals Borda e Quijano sugerem um diálogo que supere a submissão de uma ciência pela outra no sentido de favorecer o conhecimento da realidade social do continente e estabelecer relações igualitárias entre produções de conhecimento” (SOFIATI, 2011, p.1) Trata-se de colocar o conhecimento a serviço do sujeito investigado em busca da transformação da realidade com base nas necessidades sociais dos empobrecidos.

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Assim, podemos afirmar que “o tema da colonialidade do saber e do poder trabalhado na ótica dos autores citados nos fornece um referencial teórico metodológico capaz de compreender a realidade de dependência dos países latino-americanos. O fundamental no trabalho de Fals Borda e Quijano está na articulação que ambos fazem entre exploração do trabalho e produção do conhecimento. Nesse sentido, trata-se de duas visões essenciais para os estudos da realidade do continente.” (SOFIATI, 2011, p.3)

A colonialidade na produção de conhecimento

Misoczky (2006, p.2) destaca a necessidade de dialogarmos com a herança do conhecimento sem subalternidade e sem melancolia de um certo exílio do centro dito mais civilizado. “Além da cópia, sofremos com outro fenômeno. Graças ao sentimento de contradição entre a realidade nacional e o prestígio ideológico dos países que nos servem de modelo, vivemos um intenso esforço de ‘desprovincialização’ da nossa produção acadêmica”.

No entanto esse esforço vai de encontro à falta de continuidade na produção intelectual no Brasil graças à falta de interesse na geração passada e com a tendência em utilizarmos conhecimentos recentemente produzidos em países avançados. (SCHWARZ, 1987)

Como parte desse fenômeno, há uma desconexão das teorias com o movimento social conjunto, o que tem como consequência o comprometimento do trabalho quanto a sua relevância dos assuntos estudados. (SCHWARZ, 1987)

O esforço que se faz nesse ensaio teórico-empírico é de exercitar a reflexão sobre a colonialidade do saber tendo como base a análise de 36 trabalhos de conclusão de curso 3de Bacharel em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foram analisados todos os trabalhos dos alunos que se formaram no primeiro semestre de 2011 no período diurno e que estavam disponíveis na plataforma on-line da

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Devido à quantidade de trabalhos, não foi realizada a leitura na íntegra. Foram lidas na íntegra as seguintes seções: resumo, objetivos, metodologia, considerações finais e referências bibliográficas. Quando julguei necessário, li outras seções que auxiliassem no entendimento.

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universidade4. Essa delimitação me permitiu examinar a presença da colonialidade em um grupo de graduados que passaram pelo mesmo programa curricular.

Não farei a caracterização metodológica deste ensaio porque temo que eu estaria cometendo a mesma falta cometida pelos trabalhos analisados: querer encaixar o modelo na realidade. Neste caso, a metodologia e a técnica de análise dos dados. Esse rigor metodológico comum evidencia o nosso eurocentrismo há muito arraigado. Também eu não poderia definir uma metodologia haja vista que possivelmente a quantidade de trabalhos analisados me impediria de executá-la como manda o manual. Dessa forma concentrei-me em delimitar os critérios que me auxiliariam na análise, de acordo com os autores previamente apresentados, estando aberta para outros elementos que se sobressaíssem.

De acordo com Misoczky (2006, p.9),

Os textos colonizados são aqueles que não ressaltam suas marcas de lugar, que não oferecem uma reflexão sobre as peculiaridades de seu espaço de enunciação, sobre o contexto institucional e social de produção de suas ideias e sobre como essas condições contextuais as condicionam e as limitam.

Cabe ressaltar que não podemos simplificar a colonialidade do saber ao país de origem do autor. É preciso considerar os pressupostos nos quais o conhecimento está ancorado. Contudo, raramente estes pressupostas estão explícitos, por isso é preciso estabelecer para a análise alguns traços marcantes da colonialidade do saber:

 Conhecimentos produzidos em países de referência são tidos como superiores aos produzidos aqui ou mesmo universais, enquanto os que aqui são produzidos são tratados como locais.

 A predominância de autores europeus e americanos utilizados como referência para análise devido a sua legitimidade em detrimento de autores latino-americanos ou brasileiros que falem a partir da própria realidade.

 Ausência de reflexão a respeito dos pressupostos do autor cuja teoria é utilizada.

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Ao total se formaram 48 alunos no turno diurno do primeiro semestre de 2011, mas apenas 36 estavam disponíveis na internet. Quando contatado o órgão responsável, afirmaram que a princípio todos os TCCs estariam disponíveis, já que não há nenhum critério de corte pré-estabelecido.

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As perguntas que me auxiliaram a localizar estes traços nos trabalhos de conclusão foram:

 Qual é centro da análise, humano ou econômico?

 Há reflexão a respeito das condições do contexto e fatores limitantes da teoria utilizada?

 Utiliza as teorias como modelos universais?

 Há reflexão a respeito das peculiaridades do local no referente estudo?

 Considera conhecimentos ditos não científicos na pesquisa?

Apresentação e análise dos dados

Evidenciam-se a partir de agora os traços que evidenciaram a colonialidade nos trabalhos de conclusão de curso analisados:

Local de referência: Percebe-se que em alguns trabalhos referências brasileiras só aparecem quando o título da seção faz alguma referência ao Brasil, por exemplo, ‘telefonia no Brasil’. Quando utilizam títulos sem referência de origem, que dizem respeito a alguma teoria, ela é tida como universal, serve a qualquer localidade, e os autores de referência são normalmente estrangeiros.

Privilégio de autores estrangeiros: há predominância da utilização de autores estrangeiros na fundamentação teórica dos TCCs analisados. As fontes brasileiras mais utilizadas são aquelas que visam retratar o setor no qual a organização atua. Para tanto se utilizam reportagens, pesquisas quantitativas divulgadas na internet e realizadas por institutos de pesquisa ou associações. Não podemos afirmar que a pouca utilização de autores brasileiros ou latino-americanos se dê devido ao número inferior de conhecimento aqui produzido. O que me leva a essa afirmação é que raras vezes utilizaram-se artigos, teses e dissertações brasileiras como referências, que consiste em uma fonte abundante.

Um dos motivos pelos quais há um privilégio de autores estrangeiros é a sua legitimidade. Esse fato é ressaltado por Carvalho e Vieira (2003, p.186 apud MISOCZKY, 2006) “fazemos uso do pensamento dominante porque é mais facilmente aceito, sem precisar de tanto esforço e, principalmente de tanto tempo para torná-lo legítimo”.

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Conforme previamente exposto, a simples utilização de autores brasileiros não configura um saber não colonial, uma vez que esses autores podem estar baseando-se em saberes eurocêntricos, como uma simples tradução baseando-sem qualquer reflexão adicional.

Percebeu-se também que alguns grandes-temas dentro do campo da Administração, como marketing, há maior privilégio de autores eurocêntricos. Raramente um autor que não estivesse situado no centro entrou num referencial de marketing como, por exemplo, satisfação do cliente e comportamento do consumidor.

Falta de reflexão: com exceção de um trabalho de conclusão, não há reflexão a respeito do contexto no qual a teoria utilizada foi construída, pressupostos dos autores ou reflexão a respeito das particularidades do local onde se estava utilizando a teoria. Acredito que uma consequência desse tipo de atitude é a limitação de visão que o pesquisador acaba tendo. Uma vez que o pesquisador não faz esforço para refletir acerca dessas particularidades, ele acaba vendo somente o que a teoria proporciona análise, muitos elementos os quais aquela teoria não dá conta podem passar despercebidos.

A colonialidade refletida nos pesquisadores: Percebeu-se que não há consonância entre os temas de maior preocupação dos trabalhos de conclusão analisados e os dos autores latino-americanos com os quais dialoguei anteriormente. Os primeiros enfatizam o fator econômico, ou seja, o consumo, o lucro, a eficiência da organização, e os segundos enfatizam o fator humano, a miséria, a pobreza, a subalternidade do ser humano que sofre com o poder que lhe é negado. Considero essa diferença de extrema relevância para ser levada em conta em futuros estudos, por isso lanço alguns questionamentos. Será a falta de contato dos universitários com essa crua realidade latino-americana que lhe causa essa falta de preocupação com o humano? Quais são os elementos que contribuem para essa dissociação? Como a universidade poderá servir à sociedade se os interesses partem do próprio pesquisador e o pesquisador não manifesta interesse pelos pobres, organizações sociais, trabalhadores rurais, entre outros?

Conhecimentos ditos não científicos: outro aspecto da colonialidade ressaltado pelos autores anteriormente é a superioridade do saber científico em relação a todos os outros produzidos pela sociedade. Nos trabalhos percebeu-se a utilização de especialistas como fonte de conhecimento como complemento das teorias utilizadas, mas não houve utilização de saberes comuns, que partissem da periferia, de quem não consome ou pouco consome.

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Falta de transdisciplinaridade: apesar de não ser um fator levantado pelos autores deste ensaio, chamou-me atenção a falta de transdisciplinaridade dos trabalhos analisados. Quando o tema tratado permeava outras disciplinas, como no caso do treinamento à distância em organizações que perpassa a disciplina da Educação, não se buscavam autores dessas outras disciplinas no referencial teórico. Como complemento nessas temáticas utilizavam-se dados empíricos como reportagens e pesquisas do tema. Nesse sentido, acredito que há uma oportunidade para o campo da Administração na utilização de autores de disciplinas adjacentes porque pode colaborar para uma visão da totalidade da nossa realidade.

Uma das características apontadas por Boaventura de Sousa Santos (2010, p.79) do paradigma emergente é o caráter transdisciplinar: “[...] podemos nos perguntar se Foucault é historiador, filósofo, sociólogo ou cientista político, A composição da transdisciplinar e individualizada para que estes exemplos apontam sugere um movimento no sentido da maior personalização do trabalho científico.”

Descaracterização: Parece-me que devido à pouca reflexão a respeito das peculiaridades do local unido à ênfase no fator econômico e não humano, os trabalhos se tornam extremamente impessoais na linguagem (que é um padrão estabelecido pelo conhecimento dito científico eurocêntrico) e pouco se consegue imaginar a respeito do contexto onde ocorreu o estudo. Outro fator que pode contribuir para isso é utilização das teorias como se fossem universais. Parece que o trabalho acaba valorizando mais a teoria do que propriamente a análise na organização específica o que dá impressão de grande similaridade entre os trabalhos.

Considerações finais

Durante esse ensaio teórico-empírico algumas reflexões surgiram que não puderam ser respondidas de imediato, mas servem como sugestões para estudos posteriores. Algumas delas já foram expostas na apresentação e análise dos dados e outras cabem a seguir. Além disso, cabe também ressaltar algumas limitações do presente ensaio.

Sobre as questões que permanecem, durante o estudo me perguntei se alguns dos traços de colonialidade identificados nos trabalhos de conclusão de curso não poderiam ser mais evidentes nas práticas dos professores em sala de aula uma vez que o trabalho final de graduação é um documento recipiente da ação humana que se

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deu durante toda a trajetória do aluno no curso. É possível, por exemplo, que os professores de marketing mantenham maior predominância de autores europeus e americanos no programa das disciplinas do que professores de outras áreas. De que prática em sala de aula viria a dificuldade dos alunos em utilizar autores de outras disciplinas ou a sua preferência em utilizar dados empíricos para retratar a localidade ao invés de teorias que o fazem?

Em alguns trabalhos, são utilizados referenciais teóricos e quando se trata de retratar o mercado brasileiro isso é feito mostrando-se dados do mercado, não trazem teorias. Pergunto-me se os alunos pesquisam para achar as teorias desenvolvidas a partir da nossa realidade. No caso, por exemplo, de um trabalho cujo tema era livros digitais, o marketing não fala sobre leitura de livros, mas eu suponho que a educação no brasil tenha alguma produção de conhecimento a respeito do tema. Seria essa prática propiciada pela didática da sala de aula? Recordo-me da minha própria experiência como aluna de graduação. Os professores frequentemente faziam uso de bibliografias estrangeiras dando exemplos brasileiros para aproxima-la da nossa realidade. Assim, penso que há espaço para pesquisas a respeito dessas práticas em sala de aula que propiciam a colonialidade do saber.

Pôde-se perceber que uma das principais formas de identificar a colonialidade é a reflexão a respeito do contexto de onde parte o pesquisador, sobre os seus pressupostos e a busca pela emancipação da relação de poder que se configura atualmente entre os países colonizadores em relação aos colonizados, rompendo com naturalização de que há um caminho a seguir em direção ao desenvolvido/ avançado/ primeiro mundo, cuja referência são os países do centro. Quando o próprio pesquisador assume de imediato que os pressupostos das referências teóricas utilizadas são os mesmos que os seus, sem se questionar a respeito, não há possibilidade de emancipação da colonialidade.

Uma das limitações que eu considero neste ensaio é que a análise foi feita a partir da leitura parcial dos trabalhos de conclusão. Como se trata de analisar traços de colonialidade que não estão explícitos, a leitura integral auxiliaria a desvendá-los de forma mais acurada. Também considero uma fragilidade não ter utilizado embasamento teórico que dissesse respeito especificamente à colonialidade do saber no fazer acadêmico.

Apesar das limitações, acredito que esse exercício de reflexão acerca da colonialidade é de extrema importância e constitui um primeiro passo para um estudo

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mais aprimorado sobre o tema. Segundo Quijano (2001, p.63), há uma ”[...] necessidade de exploração de um horizonte paralelo de conhecimento assente numa racionalidade não-eurocêntrica e suscetível de abrir caminho para o regresso do futuro como categoria emancipatória”. Assim como para Fals Borda

[...] o caminho alternativo para a América Latina passa pela criação de uma via própria de ação, com produção de uma ciência independente conectada à elaboração de uma nova cultura. Fals Borda intitula essa nova proposta de Sociologia da Libertação. Trata-se de uma produção do conhecimento ‘autônoma, subversiva, rebelde e comprometida’ com a reconstrução social da região. [...] Fals Borda visa a participação direta do cientista no processo desenvolvimento integral das nações latino-americanas [...] Enfim, para o autor em questão é preciso que a sociedade supere o colonialismo intelectual e assuma a perspectiva científica que produz conhecimento a partir da sua própria realidade em um diálogo equânime com as ciências dos outros continentes. (SOFIATI, 2011, p.2)

Referências Bibliográficas

LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (Org.). Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 21-53.

MIGNOLO, Walter D. Historias locales/diseños globales: Colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Madrid: Akal Ed., 2003.

MISOCZKY, Maria Ceci. Sobre o centro, a crítica e a busca da liberdade na práxis acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, v. 4, n.3, out. 2006. Disponível em: http://app.ebape.fgv.br/cadernosebape/arq/MCeci.pdf

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Apresentação da edição em português. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (Org.). Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 9-15.

QUIJANO, Aníbal. El regresso del futuro y las cuestiones del conocimiento. Revista Crítica de Ciências Sociais, dezembro de 2001. Nº61. P. 63-77.

SOFIATI, Flávio Munhoz. Colonialidade do saber e do poder: o pensamento de Orlando Fals Borda e Aníbal Quijano. II Simpósio de Ciências Sociais: subalternidades, trânsito e cenários. Goiás, novembro de 2011.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010.

SCHWARZ, Roberto. Que horas são? : Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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