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O DELEITE NA LITERATURA: O EROTISMO E A PORNOGRAFIA NO TEXTO DE CAIO FERNANDO ABREU

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O DELEITE NA LITERATURA:

O EROTISMO E A PORNOGRAFIA NO TEXTO DE CAIO FERNANDO ABREU

Antonio Peterson Nogueira do Vale PPGEL – UFRN

A sexualidade se configura complexa desde que se instauraram proibições a condutas sexuais por supostamente estarem fora da norma e do padrão. A homossexualidade está dentro desses comportamentos definidos como desvios. No Brasil, por falta de identidade homoerótica, a confusão se estabelece indiscriminadamente, estendendo a tradição de uma sexualidade cuja base é a heteronormatividade. Assim, este trabalho tem a intenção de situar e explicitar a homossexualidade dentro de contextos literários. Sua vertente incisiva é a homossexualidade, abordada de forma subjetiva na obra de Caio Fernando Abreu. Os caminhos pelos quais seguem este trabalho são embasados em conceitos como: “erotismo” e “pornografia”, vistos, aqui, sob a ótica das personagens dos contos pós-modernos “Sargento Garcia” e “Pequeno Monstro” do autor supracitado. Palavras-chave: Erotismo, Pornografia, Caio Fernando Abreu, homoerotismo.

1. Conto e sociedade

A memória tem sempre essa tendência otimista de filtrar as lembranças más para deixar só o verde, o vivo. Antigamente, sempre era melhor, ainda que não fosse. Talvez porque

já esteja, lá, tudo solucionado e a gente possa se ver, no tempo, como quem vê uma personagem num livro ou filme: aconteça o que acontecer, há um fim definido,

predeterminado.

Caio Fernando Abreu Internalizar esse texto de Caio Fernando Abreu pode fazer dimensionalizar o pensamento para o contexto sócio-histórico em que a sexualidade sempre se configurou. Agrega-se, a esse pensar, a ideia de a homossexualidade estar inserida no contexto de, outrora, ser permitida e aceita por civilizações antigas1, ratificando, pois, as ideias do autor, desaguando num já solucionado. Solucionado que desandaria séculos adiante.

Sabe-se, contudo, que no Brasil a construção de uma identidade homossexual predeterminada caminhou/caminha a passos curtos e vagarosos, num terreno árido e sinuoso2. Entendida dessa forma, em detrimento a uma aceitação

1 Nas civilizações an tigas, a homossexualidade par ecia ser condição sine qua non para o rito de passagem do jovem para a tingir a ma turidade . Humber to Rodrigues, O amor en tre iguais, p. 36.

2 A identidade homoerótica no Brasil, no recort e en tr e 1870 e 1980, sugere um lento e difícil processo de conscientização, para surgirem novos a tores políticos no âmbito mais geral da sociedade . James N. Green e Ronald Polito, Frescos trópicos, p. 17.

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moderna da homossexualidade, o pensamento supracitado do autor, sobre o tempo pretérito, perde a sua conotação de tendência otimista?

Foi numa esfera nada amistosa que se deu a produção literária do autor gaúcho Caio Fernando Abreu. Contos, novelas e romances abordando a temática da sexualidade e, mais amiúde, da homossexualidade e, também, do corpo aidético3.

Com sua obra, Caio quis manifestar o tempo em que viveu. Fugia dos rótulos de escrever para uma geração ou um público específico, argumentando escrever “sobre o mistério e sobre as pessoas”4. Sobre aquilo que estava a sua volta.

Essas questões ganharam espaço no modernismo e, substancialmente, no pós-modernismo, em que os autores inseriram na construção literária trajetórias de uma liberdade narrativa.

Assim, sobretudo o conto foi assumindo largos espaços para a ocorrência na cultura pós-moderna, uma vez que se desenvolveram sutis formas estéticas acentuando-lhe a característica de brevidade, caráter relacionado à contemporaneidade considerada tão efêmera.

A preferência pelo conto, por parte dos ficcionistas, deve-se, sobretudo, à forma adequada que nele se encontra, conforme Moisés (2004), “de exprimir a rapidez com que tudo tem sido alterado no mundo moderno5”.

Essa narrativa curta é bastante discutida sobre sua forma, supostamente única, de se manifestar e, por isso, tem tido várias definições. A estudiosa Luzia de Maria dá um arremate:

O conto como forma simples, expressão do maravilhoso, linguagem que fala de prodígios fantásticos, oralmente transmitido de gerações a gerações e o conto adquirindo uma formulação artística, literária, escorregando do domínio coletivo da linguagem para o universo do estilo individual de um certo escritor. (MARIA, 1987: 30)

Tal ideia está presente na evolução histórica do conto feita por Moisés (1973: 122), mostrando o século XX como época de grande e avolumada produção, com qualidade, do conto, e que “Mais do que em fins do século XIX, o conto atinge em nossos dias seu apogeu como forma literária ‘erudita’ ou literária”.

Bosi (2004: 21) afirma categórico que o conto é “capaz de refletir as situações mais diversas de nossa vida real ou imaginária, se constitui no espaço de uma linguagem moderna (porque sensível, tensa e empenhada na significação), mas não forçosamente modernista”.

3 Caio é considerado o primeiro escritor brasileiro a abordar em seus t extos a t emática da AIDS. OLIVEIRA, Antonio Eduardo. Bagoas. Corpo, memória e AIDS na obra de Caio Fernando Abreu, 2008, p. 117.

4 Entrevista concedida ao Correio Brasiliense, por Caio Fernando Abreu, em 30 de j aneiro de 1984, sob o título de “Sem amor, só a loucura”. Publicada no livro Caio 3D – o essencial da década de 1980, Agir, 2005, p. 255.

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É válido salientar que o pós-modernismo está, também, intrinsecamente ligado à valorização mercantil, sujeito, por isso, à grande influência do fator destrutivo de princípios e costumes.

Destarte, abrem-se espaços para a discussão de gêneros nessa cultura promovida pela preocupação cotidiana, pela vida efêmera, pelo sujeito desreferencializado.

Nessa ambiência literária se encontram inúmeras dúvidas acerca do texto sensual, carregado de imoralidade, textos pornográficos e/ou eróticos produzidos sob a égide da arte.

2. Pornografia ou erotismo?

Meu maior problema é minha própria moral – ou a que eu adquiri através da educação, da sociedade, não importa. Meu problema é que tenho dentro de mim, muito claros, os conceitos de “moral” e “imoral”. E que cada “imoralidade” que cometo me deixa um saldo enorme de culpa, de amargura, de sofrimento. Caio Fernando Abreu Uma marcante característica da pós-modernidade é a desreferencialização, palavra que incorpora as atitudes ecléticas da contemporaneidade. E é nesse mix de tendências que encontramos a mobilização da arte em prol das minorias sexuais, raciais, culturais, atuando no cotidiano.

Em relação ao texto que traz em si o sexo como temática, podemos pensar em duas vertentes: a pornografia e o erotismo. Como classificar, então, tal texto?

Há uma dificuldade de demarcá-lo devido ao leque de possibilidades que a pergunta encerra em si, pois há de se convir que, para respondê-la, tem que se levar em consideração todos os aspectos que possam envolver a temática, tais como valores sociais, culturais, a própria época, etc.

Durigan (1985: 31): “O texto erótico, se podemos especular, se constituiria em uma forma com a finalidade de montar textualmente o espetáculo erótico, tecendo de mil maneiras as relações significativas que o configuram”.

As autoras Moraes e Lapeiz (1984: 8) utilizam-se de uma definição de Alain Robbe-Grillet para definir, em poucas palavras, o que vem a ser pornografia: “é o erotismo dos outros”.

Entretanto, essas poucas palavras não seriam suficientes para a definição, visto que uma problemática maior se descortinaria diante do vácuo da exposição significativa.

Segundo as autoras Moraes e Lapeiz (1984: 12), a definição própria de pornografia não é clara, mas é fácil encontrar autores e/ou críticos que se referem a determinadas obras como sendo pornográficas. E arrematam inteligentemente: “talvez a única forma de definirmos pornografia seja dizendo que ela é um ponto de vista, não um ponto fixo, mas tão móvel que sugere a todo instante verdadeiras ilusões de ótica”.

Talvez daí se esclareça a impiedosa atitude de os críticos literários em julgar indiscriminadamente as obras como sendo pornográficas.

O outro lado da temática aqui proposta, o erotismo é configurado a partir da visão de Durigan (1985: 36) que, sobre o termo erotismo, alega estar carregado de significados que se completam, se opõem e/ou chegam a ser mutuamente exclusivos.

Branco (1985: 12), para defender o erotismo, faz uma viagem à Grécia para relembrar o mito do deus Eros, o deus do amor. E seu opositor Tanatos, o deus da morte.

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Eros, segundo o mito grego, “aproxima, mescla, une, multiplica as várias espécies vivas. As sugestões de movimento e de união, já presentes no mito, vão se repetir na fala dos poetas, dos místicos e dos sexólogos”. Tanatos as afasta.

A autora clarifica a ideia que o termo erótico encerra devido ao uso corriqueiro da palavra, muitas vezes empregada erroneamente:

A idéia de união não se restringe aqui apenas à noção corriqueira de união sexual ou amorosa, que efetua entre dois seres, mas se estende à idéia de conexão implícita na palavra religare (da qual deriva a palavra religião) e que atinge outras esferas: a conexão (ou re-união) com a origem da vida (e com o fim, a morte) [...] (BRANCO, 1985: 16)

Na literatura esses dois aspectos foram também usados equivocadamente, principalmente porque a Igreja Católica e a censura não perdoavam quaisquer inclinações sobre o tema, restringindo os textos ao grande público. É essencial lembrar o romance de Humberto Eco, O nome da rosa, cuja temática explicita a censura clerical. Pornografia e erotismo divergem nos seus respectivos significados, entretanto, seus limites são imprecisos, capazes, sobretudo, de provocar confusão na demarcação do que seja um ou outro. Branco afirma:

Se o conceito de pornografia é variável de acordo com o contexto em que se insere, e se é impossível articular todas as variantes desse conceito numa única definição, torna-se ainda mais difícil e perigoso tentar demarcar rigidamente os territórios do erotismo e da pornografia. Entretanto, parece haver alguns traços específicos aos dois fenômenos que nos permite estabelecer uma diferenciação razoavelmente nítida entre eles. (BRANCO, 1985: 18)

O limite é tênue, os significados, dúbios. Entretanto, percebe-se ordinariamente que o erotismo é considerado um sentimento puro, por isso a aceitação social tende a ser maior, a consideração impingida ao erotismo se sustenta na margem do mito do deus Eros, que une as pessoas.

Enquanto a pornografia, privada de uma conotação romântica, é pensada socialmente como destrutiva, por isso, condenável.

A situação se torna mais tensa quando se situa, nos limites do sexo, as minorias, tão rigidamente punidas durante a história pela sociedade, igreja e Estado. Branco arremata (1985: 50): “O homossexualismo, o sadismo, o masoquismo e a loucura eram considerados anomalias em geral causadas por prematuras e excessivas práticas masturbatórias, ou então resultantes de longos períodos forçados de abstinência sexual”. Toda e qualquer forma sexual que não visasse à procriação eram tidas como perversas.

3. Literatura (gay?) – merchandising ou produção artística?

Acho que literatura é literatura; ela não é masculina, feminina ou gay. E como o ser humano também não é. Não acredito nessas divisões, o que existe é sexualidade. Cada um é sexuado ou assexuado; se você é sexuado, tem mil maneiras de exercer a sexualidade. E se nós formos compartimentalizar essas coisas,

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acho que dilui, pios fica uma editora gay, publicando escritor gay, que vai ser vendido numa livraria gay, que vai ser lido apenas por gays. Caio Fernando Abreu A homoafetividade6 alcançou espaços para se sobressair na literatura. Entretanto, nessa ambiência, foi equivocadamente classificada como merchandising e não como produção artística. Haveria um estilo literário pautado na homoafetividade?

Fazendo, no entanto, uma viagem à literatura nacional, aportamos em uma gama de histórias que desenvolveram, em suas narrativas, com sutileza, o homoerotismo.

Em 1888 Raul Pompéia pincelou traços homossexuais ao escrever O Ateneu. Sérgio era assediado por seus protetores no internato, esse é o núcleo que entremeia a história. Aluísio de Azevedo em O cortiço (1890) narra a iniciação de Pombinha pela “cocote” Léonie. Domingos Olímpio e sua Luzia Homem (1903), confundida desde criança por se trajar como homem.

O cearense Adolfo Caminha, em 1895, escreve Bom-crioulo, um romance que narra minuciosamente cenas de sexo entre dois homens, sendo um negro e um branco, ambos servindo à marinha.

Jorge Amado, em 1937, durante o então Estado Novo getulista, publica Capitães da areia, que narra a condição da vida de meninos de rua da Bahia e a troca de experiências sexuais entre si.

Como se percebe, sutil ou explicitamente, a temática “sexo” e a vertente “homoerotismo” têm-se instalado na literatura nacional, fixando-se no terreno pós-moderno. “Mas o ‘boom’ da literatura homoerótica, se assim podemos dizer, surgiu quando os homossexuais resolveram ir à luta e reivindicar um espaço que lhes era negado [...]”, afirma Gilmar de Carvalho. (CARVALHO, 2003: 34)

Entretanto, o surgimento da AIDS conseguiu baixar a auto-estima dos militantes, marcando substancialmente a literatura, justamente por ser considerada o “câncer gay” e isso trouxe de volta, duplicadamente, o preconceito.

E nesse terreno pedregoso, surgiu Caio Fernando Abreu, escrevendo sobre a pulsação da vida, das metrópoles, das paixões, do estrangeiro e, inclusive, sobre gays. Amigo de Hilda Hilst, Ana Cristina César e sofrendo grandes influências de Clarice Lispector, o autor gaúcho, de Santiago do Boqueirão se destacou dos contemporâneos por abordar, polemizando, os temas já tidos como nefastos pela sociedade, embora não se pronunciasse como escritor do público gay.

4. Homossexualidade, erotismo, pornografia e desfechos nas obras de Caio Fernando Abreu

Sou uma figura um pouco atípica na literatura brasileira. Porque lido com o trash, de onde tiro não só a “boa” literatura, mas

6 Neologismo criado pela desembargadora Maria Berenice Dias, na primeira edição de seu livro União homossexual – o preconcei to e a justiça, p. 34.

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também vida pulsante. E acho que isso é aterrorizante, principalmente no meio universitário. Caio Fernando Abreu No conto “Sargento Garcia”, do livro Morangos mofados, Caio dá ao narrador-personagem a permissão para a escolha de sua orientação sexual. Hermes, após conseguir isenção do alistamento militar, reencontra o grosso sargento que reconhece as finezas do rapaz e a possibilidade de “dar uma chegadinha” (ABREU, 1987: 84) para se satisfazer sexualmente.

O leitor reconhece os medos que a personagem Hermes sente, as tensões, os desejos e as lembranças da infância permeiam a dúvida para responder o licencioso convite do sargento para uma “sacanagenzinha”. Um “quero” enfático e resoluto por jamais ter desfrutado das inclinações sexuais.

É na pobre pensão da travesti Isadora e ao som de sua voz cantando ao longe Altemar Dutra que Hermes conhece o sexo, sob os mandos e desmandos do temido sargento Garcia.

Os conceitos entre “erótico” e “pornográfico” são percebidos nos contos de Caio Fernando Abreu. E, sob o conto em questão, alguns trechos obedecem ao que as autoras Moraes e Lapeiz divulgam sobre o que é ser pornografia. Como no contundente ato que vai se prolongando até o final da experiência sexual de Hermes que não consegue se desevencilhar da dor provocada pela tensão.

(...) uma língua ágil lambeu meu pescoço, entrou no ouvido, enfiou-se pela minha boca, um choque enfiou-seco de dentes, ferro, contra ferro, enquanto dedos hábeis desciam por minhas virilhas, inventando um caminho novo. (...) Com os joelhos, lento, firme, ele abria caminho entre as minhas coxas, procurando passagem. Punhal em brasa, farpa, lança afiada. (...) Empurrou gemendo. Sem querer, imaginei uma lanterna rasgando a escuridão de uma caverna escondida, há muitos anos, uma caverna secreta. Com o corpo, procurei jogá-lo para fora de mim. (ABREU, 1987: 88)

Ao analisar a vertigem da personagem, é possível constatar, na narrativa de Caio, um aspecto significativo, atraente porque ousado e lúcido: a pornografia. Stam, leitor crítico da obra de Bakhtin, fala sobre a visão de pornografia, inculcada no meio social e literário.

Ela [a pornografia] oferece o simulacro de um mundo pan-erótico, onde o sexo está sempre disponível, onde as mulheres são infinitamente dóceis e desejosas, onde o sexo se oculta em todo escritório, em toda rua e casa, sexo sem o prelúdio amoroso e gloriosamente livre de qualquer conseqüência e responsabilidade. (STAM, 2000: 82, grifo nosso)

A obra de Caio está adensada a esses conceitos, pois mostram a licenciosidade das personagens, vivendo num mundo cuja vida real se torna deprimente. No conto “Pequeno Monstro”, a sexualidade também está como eixo central. O narrador-personagem não se nomeia, a não ser pela alcunha que se presenteia, por se sentir um “pequeno monstro” devido às mudanças corporais. “Pernas e braços

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demais, pêlos nos lugares errados, uma voz que desafinava igual a pato, eu queria me esconder de todos7”.

Ele se sente incomodado com tudo e todos, principalmente quando a mãe anuncia a chegada do primo Alex. Ele, o “pequeno monstro” tentaria evitá-lo, mas suas forças interiores não permitiram, sobretudo ao assistir o primo Alex se masturbando – mesmo sem saber direito do que se tratava. “Eu não sabia quase nada dessas coisas”. (ABREU, 2005: 116)

Os primos ficam mais próximos quando a mãe sugere a saída para beberem chope. É logo após a volta da bebedeira que os primos são levados a se acariciarem, por iniciativa do primo Alex, que ensina o “pequeno monstro” a se masturbar.

Ele levou a mão direita até o seu pau duro, enquanto com a mão esquerda pegava a minha mão direita e levava até o meu pau duro. Ele segurou meu braço, mexendo devagar para que eu movimentasse para cima e para baixo, que nem ele fazia. (...) Aquela coisa querendo explodir vinha subindo de novo. (...) Então pegou outra vez no meu braço, cuspiu na palma da minha mão e levou até o pau dele. Ele cuspiu na palma da mão dele e levou até o meu pau. Quente molhado rijo macio. (...) Mais depressa, ele disse. (...) Ele chegou ainda mais perto. Eu colei no peito dele. Ele afundou a boca na minha enquanto eu sentia a palma da minha mão aos poucos ficar molhada daquele fio de prata brilhante que saía de dentro dele e sabia que de dentro de mim saía também um fio de prata molhado brilhante igual ao que saía de dentro dele. (ABREU, 2005: 126-7)

A obra de Caio, analisando esse trecho, tem como eixo central o erotismo. Destino do deus Eros. No entanto, o autor gaúcho não mostra, com o erotismo, a imagem do que é amar, mas uma narrativa carregada da presença visceral que o outro traz em si. A essência e a necessidade de estar ao lado do outro, o bem feito ao outro.

A aceitação do primo Alex fez do “pequeno monstro” uma pessoa melhor, com sonhos de sair da cidadezinha do interior, Passo da Guanxuma, e ir morar em Porto Alegre com pessoas que o entenderiam e o quereriam por perto e concluiu: “Sozinho na sala, em silêncio, eu não era mais monstro”. (ABREU, 2005: 127)

Nos termos desta pesquisa, percebe-se que os contos lidos nos orientam para grandes e inúmeras significações, porém, ao analisar a temática aqui explorada, descobrimos um dos potenciais de Caio Fernando Abreu que, não raramente, o leva a ser confundido com um autor militante da causa gay. Depreende-se, no entanto, que, conforme o seu pensamento, Caio escrevia sobre o amor, pois, para ele “o bicho homem não faz outra coisa a não ser pensar no amor”. (DIP, 2009: 268)

Referências

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. São Paulo: editora brasiliense, 1987.

7 A versão consultada não é a original, da tada de 1988. E sim uma cole tânea do autor gaúcho, Caio 3D – o essencial da década de 1980, da Editora Agir, 2005, p. 111

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_____. Caio 3D – O Essencial da década de 1980. Rio de Janeiro: Agir, 2005.

BOSI, Alfredo. (org.) O conto brasileiro contemporâneo. 17. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

BRANCO, Lúcia Castello. O que é erotismo. São Paulo: ed. Brasiliense, 1984. CARVALHO, Gilmar de. A alteridade da paixão. Cult. São Paulo, 2003.

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual – o preconceito e a justiça. 3. ed. Porto Alegre: livraria do advogado, 2006.

DIP, Paula. Para sempre teu, Caio F. – cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu. Rio de Janeiro: Record, 2009.

DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e Literatura. São Paulo: editora ática, 1985. GREEN, James Naylor e POLITO, Ronald. Frescos trópicos: fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil (1870-1980). (Baú de histórias) Rio de Janeiro:José Olympio, 2006.

MARIA, Luzia de. O que é conto. 3. ed. São Paulo: editora brasiliense, 1987.

MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da literatura. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1973.

_______. Dicionário de termos literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

MORAES, Eliane Robert e LAPEIZ, Sandra Maria. O que é pornografia. São Paulo: ed. Brasiliense, 1984.

OLIVEIRA, Antonio Eduardo. Corpo, memória e AIDS na obra de Caio Fernando Abreu. Bagoas: revista de estudos gays. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. V.1, n.1 jul./dez. 2007. Natal: EDUFURN, 2007.

RODRIGUES, Humberto. O amor entre iguais. São Paulo: Editora Mythos, 2004. STAM, Robert. Bakhtin – da teoria literária à cultura de massa. São Paulo: editora ática, 2000.

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